Vontades Conflitantes

Primeira Carta de Pedro, Capítulo Quatro — Chegamos agora ao quarto aspecto dos sofrimentos de Cristo e de Seu povo, o sofrimento pela obediência à vontade de Deus.

Esse capítulo começa com uma exortação para que dediquemos nossa vida à vontade de Deus, como fez Cristo. Ele termina com um apelo para que entreguemos nossa alma à Sua proteção em meio aos sofrimentos resultantes de fazer a vontade de Deus. O primeiro versículo significa que deixar de pecar resulta em uma vida de sofrimento por causa do Senhor.

A “vontade de Deus” e a “vontade dos gentios” são contrastadas de forma vívida nos versículos dois e três. A palavra “basta” significa simplesmente que já perdemos tempo suficiente vivendo para o mundo e que agora devemos nos entregar totalmente a Deus. A vontade dos gentios é descrita pelos seis pecados mencionados no versículo três. Esses são pecados que contaminam o corpo, a alma e o espírito. Os dois primeiros são pecados da alma; os dois segundos, do corpo; e os dois terceiros, do espírito.

A vida segundo a vontade de Deus

É uma vida de santidade (4) — “Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação” (1Ts 4:3). A comunhão com o sofrimento de Cristo é iniciada tanto pelo lado positivo quanto pelo negativo da vida cristã. Não apenas por causa do abandono de uma vida de pecado, mas por causa da santidade prática que é contrária às máximas dos gentios.

Essa tem sido a experiência do povo de Deus em todas as gerações. Não é novidade que eles devam sofrer por sua obediência a Deus. Com esse mesmo propósito, antes de o Messias vir ao mundo, o evangelho foi pregado aos mortos (6). Ele foi pregado a eles enquanto ainda estavam vivos para que, crendo, pudessem abandonar a vida de pecado e viver de acordo com Deus em espírito. Os homens na carne os julgaram indignos de sua sociedade e os expulsaram (Hb 11:36-38). O mundo é o mesmo hoje; fazer a vontade de Deus resulta em ser excluído pelo mundo.

É uma vida de comunhão (7-11) — É a comunhão com Deus (7) e com Seu povo (8-11). A palavra “sóbrio” faz referência à mente, à vida de pensamento, e sugere “mente sã”. A palavra “vigiar” significa “autocontrole”. Esses versículos exortam todos a se manterem espiritualmente alertas com relação à prática da oração.

O amor fraternal é novamente enfatizado à luz da comunhão cristã. O amor é generoso em sua atitude em relação às falhas dos santos. Ele cobre uma infinidade de pecados quando não há necessidade de expô-los. O amor é o caminho mais excelente. Cam exporia a vergonha de seu pai, mas Sem e Jafé a cobririam. Como nos tornamos semelhantes a Cam quando a carne religiosa se apodera de nós! Não é sinal de espiritualidade estar sempre se gabando dos fracassos de outros santos. Isso traz uma maldição para nossa vida e obscurece toda a nossa percepção espiritual, destruindo nossa utilidade para Deus.

O amor não só é generoso para com os santos em sua fraqueza, mas é uma graça que sempre age para o conforto deles (9, 11). Além disso, por meio do amor, tudo se torna disponível para o serviço aos outros: nossos lares, nossos dons e nossos talentos. Ele não reconhece barreiras partidárias. Sua esfera de serviço interna é a Casa da Fé, e seu escopo de serviço externo é o mundo inteiro. O amor é a essência do verdadeiro cristianismo; ele abre nosso lar para o conforto dos outros, nossa boca para a edificação dos outros e nosso coração para o enriquecimento dos outros. Se nossas bocas estiverem abertas para ensinar, elas só poderão ensinar o que os oráculos de Deus permitirem. Se ministrarmos ou servirmos, estaremos empenhando tudo o que recebemos do Senhor. Isso é realmente consagração. Quando nossas mãos estão cheias do que Ele nos deu, nós as devolvemos ao Senhor para serem dedicadas ao Seu serviço.

Não apenas contemplamos a generosidade do amor e o serviço do amor aqui, mas também vemos o motivo do amor:

“Para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem seja o louvor e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém.”

Onde o amor fraternal é conhecido e desfrutado, o espírito de Deus tem prazer em habitar e trabalhar, e os gentios são compelidos a glorificar a Deus. Quando o amor fraternal é influenciado pelo ciúme e pela amargura, o Espírito de Deus retira Sua ação graciosa e nos deixa impotentes diante de nossos inimigos.

É uma vida de opróbrio (12-14) — O crente não deve achar estranho que a perseguição siga uma vida de santidade (12). Esse sofrimento é pelo nome de Cristo (14). Em primeiro lugar, é porque ele é cristão (16); em segundo lugar, é de acordo com a vontade de Deus (19); além disso, é motivo de alegria, pois é a comunhão nos sofrimentos de Cristo (13). Ele está suportando a hostilidade e o ódio de um mundo sem Deus, semelhante ao que seu Senhor suportou.

Nesses versículos, Pedro relembra as palavras do Mestre em Mateus 5:10-12.

O sofrimento pelo Seu nome e o sofrimento pelo pecado contrastam nos versículos 14 e 15. No primeiro caso, Deus é glorificado e o Espírito de Glória repousa sobre o sofredor, mas o segundo desonra a Deus e leva Seu nome à reprovação.

Há quatro pecados dos quais um cristão não deve ser culpado: assassinato, roubo, maldade e intromissão em assuntos alheios. O assassino ataca a vida de outra pessoa, o ladrão ataca a propriedade de outra pessoa, o malfeitor ataca os direitos de outra pessoa e o intrometido ou intrometida ataca os negócios de outra pessoa. Compare-os com os quatro inimigos das ovelhas no décimo capítulo do Evangelho de João e observe, em contraste, o caráter gentil, altruísta e compassivo do Verdadeiro Pastor, em cuja imagem devemos crescer.

Já foi observado que a frase “intrometido em negócios alheios” sugere um inspetor ou supervisor. Isso é “supervisão” em um sentido maligno. O querido povo do Senhor tem sido afligido com muito desse tipo de supervisão.

É uma vida de desenvolvimento espiritual (17-19): Deus nos testa para desenvolver o caráter e nos treinar para o futuro. É um julgamento purificador que começa na Casa de Deus. As provações ardentes destinam-se apenas a queimar a escória e a produzir a imagem do Mestre em nossa vida.

Em meio ao sofrimento, a alma encontra seu refúgio em Deus (9). A palavra “Criador” descreve Deus em Sua grandeza, e a palavra “fiel” O descreve em Sua bondade. A alma encontra seu consolo em Deus e se compromete com Ele ao fazer o bem. Confiar no Senhor não é agir com indolência. Nenhuma provação ou sofrimento deve nos impedir de viver vitoriosamente. A alma recebe o encorajamento de Deus, que “não desfalece”, “não falha” e “não muda”.

Robert McClurkin – “Escritos dos Irmãos Plymouth”, 1960.