De acordo com Sua prática usual de ensinar com a ajuda de várias histórias ou parábolas, o Senhor Jesus Cristo apresentou uma notável figura da impossibilidade de misturar a velha e a nova vida. “Ninguém”, Ele disse, “tira um pedaço de um vestido novo para o coser em vestido velho; do contrário, não somente rasgará o novo, mas também o pedaço do novo não condirá com o velho. E ninguém deita vinho novo em odres velhos; do contrário, o vinho novo romperá os odres e se derramará, e os odres se perderão; mas o vinho novo deve ser deitado em odres novos. E ninguém, tendo bebido o velho, quer o novo, porque diz: ‘O velho é bom’” (Lc 5:36-39).
Na Palestina, era familiar a figura do odre se rompendo por causa da fermentação do vinho novo colocado nele, e o resultado poderia ser desastroso. Da mesma forma a nova vida em Cristo não pode ser usada para remendar a velha má natureza em você e em mim, nem pode o novo vinho daquela vida ser contido em nossa velha natureza recebida de Adão. Deus criou uma nova natureza dentro do cristão para conter o rico vinho da vida divina. Muitas vezes não estamos dispostos a aceitar o veredicto de Deus de que a velha natureza não pode ter valor. Bebemos muito do vinho da velha vida com seus desejos, ambições e alegrias e, portanto, não “queremos o novo”.
Todos nós precisamos ter a inutilidade do velho provada para nós, e frequentemente essa é uma dura experiência. Paulo conheceu o fracasso da velha natureza e deixou um registro de sua luta com ela, o qual concorda exatamente com nossos próprios conflitos: “Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço” (Rm 7:15). E ainda, “Acho então esta lei em mim; que quando quero fazer o bem, o mal está comigo (…) Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (versos 21, 24). Ele vê todas as possibilidades da nova vida e se alegra nelas em sua mente, mas de uma maneira ou de outra percebe que a velha natureza nele é forte, e a liberdade e a alegria pelas quais esperava não são suas de fato.
Muitos de nós nos encontramos na mesma situação insatisfatória. Qual é a solução para esse problema? O velho leopardo interior não pode mudar suas manchas nem alterar seu caráter, mas, já que fomos colocados na morte com Cristo, podemos agora ser reconhecidos ou contados como mortos, a fim de que seja criado um caminho para o crescimento da nova natureza criada pelo próprio Deus.
Existem dois lados do Evangelho que precisamos ver, os quais podem ser resumidos nas palavras de 2 Coríntios 5:14: “Julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo todos morreram”. Quando o Senhor Jesus Cristo deu Sua vida por nós na cruz Ele morreu em nosso lugar para que morrêssemos Nele. Paulo, falando de si mesmo, declarou: “Estou crucificado com Cristo” (Gl 2:20), e, descrevendo a condição dos cristãos colossenses, disse: “Porque morrestes e vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3:3). Antes que a nova vida possa crescer e ser livre para desenvolver-se naturalmente, a velha precisa ser contada e reconhecida como morta (Rm 6:11).
Você acha este “reconhecimento” difícil de entender? Você não é o primeiro a achar que é. Você está tentando fazer o que Deus já fez por você? Você tem feito o seu melhor para morrer porque sente que a Palavra de Deus ensina que este é o caminho da libertação do pecado? O fato é que a Bíblia nunca nos diz que temos de morrer, mas que quando Cristo morreu morremos com Ele. Tudo o que temos a fazer é contar, ou reconhecer, que o que Deus diz sobre nós é verdade. Quando viu quão grandemente precisava de perdão, você se voltou com um clamor ao único lugar onde Deus prometeu perdão: olhou para Jesus morrendo por você, e o Espírito Santo, para sua grande alegria, mostrou que Ele de fato morreu para que você pudesse ser perdoado. Por que não voltar ao pé da cruz, pela razão de que você tão grandemente precisa de libertação do poder da velha vida, para pedir ao Espírito Santo que revele exatamente da mesma maneira o fato de que você morreu com Ele?
Isso é algo que poucos veem como uma base para o viver diário. Se você e eu escorregarmos ou tropeçarmos enquanto prosseguimos em nossa vida diária, qual é a solução? Ela está resumida em dois fatos gloriosos, os quais nós, que entramos num relacionamento de filhos de Deus pela redenção feita para nós pelo Senhor Jesus Cristo na cruz, devemos aceitar e reconhecer:
1. “Se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1 Jo 2:1-2). Em outras palavras, o Salvador que morreu por nós vive constantemente para defender o mérito do Seu sacrifício diante de Deus e para perdoar o penitente.
2. “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1:9). Por irmos aberta e honestamente a Ele em arrependimento e confissão, o perdão é recebido. Isso é abençoadamente verdadeiro na experiência do povo cristão e é possível porque Ele morreu por todos. Quando você e eu chegamos face a face com a tentação e estamos profundamente conscientes de nossa incapacidade para enfrentá-la, podemos contar com mais dois fatos revelados a nós na Palavra de Deus.
3. “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado fosse desfeito, a fim de não servirmos mais ao pecado” (Rm 6:6). Em outras palavras podemos enfrentar o poder da tentação pelo reconhecimento do fato de que nossa morte com Cristo nos libertou de uma vez por todas da necessidade de servir ao pecado.
4. “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para obedecerdes às suas concupiscências (…) pois o pecado não terá domínio sobre vós” (Rm 6:12-14). Devemos aceitar o veredicto de Deus acerca da incapacidade de nossa velha natureza enfrentar a tentação e de viver a vida cristã. Assim, por um ato de nossa vontade, devemos tomar posição contra a tirania do pecado, clamando para que Ele lute por nós como Sua Palavra promete. Então, o Espírito Santo tornará real nosso reconhecimento e nos livrará de modo prático da velha natureza para que a nova entre em ação. Esse reconhecimento é uma ocupação do dia a dia tanto quanto foi o colher maná pelo povo de Israel.
Em Efésios 4, Paulo descreve, nos versos 17 a 19, a maneira na qual o incrédulo vive. Note algumas das palavras usadas nesta descrição: “entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus”, ignorantes, duros de coração, entregues à dissolução. Então, falando aos cristãos, ele continua: “Mas vós não aprendestes assim a Cristo, se é que o ouvistes, e nele fostes instruídos (…) a despojar-vos, quanto ao procedimento anterior, do velho homem (…) e vos revestir do novo homem, que segundo Deus foi criado em verdadeira justiça e santidade” (versos 20-24). Isso não resume em poucas palavras tudo aquilo que temos dito? A verdade em Jesus fala de Sua morte por nós sobre a cruz e de nossa morte com Ele, para que em nossa vida cotidiana possamos pouco a pouco nos despojar do velho homem e nos revestir do novo, que é a natureza do próprio Deus.
Os mesmos pensamentos estão expressos no terceiro capítulo de Colossenses. Os quatro primeiros versos falam de nossa morte com Cristo e nossa ressurreição Nele. Os versos 5 a 9 indicam que, à luz desses fatos, é nossa obrigação óbvia romper com o pecado e a razão dada é: “Que já vos despistes do homem velho com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (versos 9-10). O restante do capítulo é então composto de uma série de instruções muito práticas de como isso é realizado na vida diária. A vida cristã não é feita de doutrinas difíceis de entender e que precisam de educação e treinamento especiais para serem alcançadas. Ela é simples e muito prática. Se realmente desejamos fazer assim podemos aprender diretamente de Deus como a grande salvação conquistada para nós pelo Senhor Jesus Cristo na cruz pode tornar a vida nova e radiante para nós.
Olhemos agora para aquelas coisas que são nossas “em Cristo”, expressão usada várias vezes nas epístolas. Tenho a Epístola aos Efésios aberta diante de mim e penso que não podemos fazer melhor do que elaborar uma lista destas bênçãos e graças que podemos contar como nossas porque estamos “em Cristo”, unidos em novidade de vida ao nosso ressurreto Senhor.
- A epístola está escrita para “os santos que estão em Éfeso, e fiéis [significando aqueles que estão cheios de fé] em Cristo Jesus” (1:1).
- É-nos dito que Deus “nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (verso 3).
- É-nos dito que fomos escolhidos Nele (verso 4), o que significa que os eleitos são aqueles que, mediante o novo nascimento, não estão mais em Adão, mas em Cristo, o Escolhido de Deus. Somos adotados como filhos de Deus por Cristo Jesus, por estarmos Nele e unidos a Ele (verso 5).
- Somos agradáveis a Ele (verso 6).
- Temos redenção pelo Seu sangue Nele (verso 7).
- Virá um dia quando “todas as coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” serão congregadas Nele (verso 10).
- Somos feito herdeiros Nele (verso 11).
- Nele temos o selo do “Espírito Santo da promessa” (verso 13).
- Fomos “vivificados juntamente com Cristo” (2:5).
- Fomos “ressuscitados” e assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus (verso 6), o que significa que Nele somos possuidores de uma vida soberana, muito maior e mais poderosa do que a de qualquer governante terreno.
- Somos “criados” em Cristo Jesus “para as boas obras” (verso 10), o que significa que existe alguma coisa para você e eu fazermos aqui neste mundo, a qual não pode ser feita por ninguém mais, e somente pode ser feita em união com Ele.
- Somos aproximados de Deus em Cristo Jesus (verso 13).
- Nele somos edificados junto com nossos companheiros cristãos num edifício, no qual Deus é visto neste mundo por meio do Espírito (versos 20-22).
- Todos os propósitos eternos de Deus para abençoar e enriquecer os homens estão em Cristo Jesus (3:8-11).
- Nele podemos ter ousadia para ir direto à presença do próprio Deus (verso 12).
- Em Cristo Jesus a glória é dada a nosso Deus na Igreja (verso 21).
- Nele somos fortalecidos para enfrentar e conquistar todos os inimigos (6:10).
Quantas riquezas já descobrimos! Se você necessitar de alguma coisa em sua vida cristã há um lugar onde pode encontrá-la, um somente; apenas ali você pode ter certeza de que a encontrará: em Cristo Jesus. Nele você poderá contar com todas essas coisas que o farão verdadeiramente como Ele. “Pois, tantas quantas forem as promessas de Deus, nele [em Cristo] está o sim” (2 Cor 1:20).
Não é difícil ler as epístolas procurando por estas palavras “em Cristo” ou “por Cristo” e, então, pegar uma folha de papel e escrever, como fiz com a Epístola aos Efésios, aquelas coisas que são nossas em Cristo. Algumas vezes penso que um dos maiores triunfos que Satanás está tendo nestes dias é o de impedir os cristãos de olharem para a Bíblia desta forma. Deus opera em graça como faz na natureza. Ele colocou no mundo a semente necessária para o trigo, que pode ser transformado em pão, mas se os homens não plantarem, colherem, moerem e assarem, ficarão com fome.
Deus colocou em Sua Palavra tudo o que o cristão pode possivelmente precisar para manter sua nova vida, mas o cristão precisa ler e aplicar à sua própria vida a verdade que encontra. A pregação é necessária, a comunhão uns com os outros tem seu lugar, mas não há nada que possa ser edificado sobre a nova vida em Cristo sem um conhecimento pessoal da Palavra de Deus e um espírito humilde de aplicação pessoal à vida de tudo o que ali se encontra.
Olhemos para Gálatas 2:20:
- “Estou crucificado com Cristo”. Sobre isso já falamos.
- “Não vivo mais eu, mas Cristo vive me mim”. A nova vida dada a nós quando nascemos de novo está em Cristo e se torna nossa por Sua habitação em nós por Seu Espírito. Agora vamos ao trabalhar prático desses maravilhosos fatos, e não estamos falando de alguma coisa estranha e misteriosa, mas de algo que torna nossa vida neste mundo rica e alegre para nós mesmos, e também enriquece aqueles que estão em nosso lar, aqueles com quem trabalhamos e nos encontramos diariamente e aqueles da igreja à qual pertencemos.
- “A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Em outras palavras a nossa vida, que vivemos entre nossos companheiros, é agora uma vida de fé. Alguns mestres da Bíblia dizem que a fé pela qual vivemos é a fé “do” Filho de Deus, que está vivendo em nós por Seu Espírito. Outros entendem estas palavras como “Vivo pela fé no Filho de Deus”. Mas, em ambos os casos, o princípio é o mesmo: nossa vida neste mundo, quando somos filhos de Deus, não é vivida por nossos próprios esforços e diligências, mas pela extração para toda necessidade dos recursos que Deus nos deu em Cristo Jesus.
O que isso significa? Deixe-me tentar ilustrar usando um verso da Escritura. É-nos dito em 1 Coríntios 1:30: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”. Suponhamos que eu esteja enfrentando uma situação na qual não sei o que fazer ou que direção tomar. O que faço? Primeiro de tudo rejeito meu próprio entendimento (Pv 3:5). Confesso a Deus que diante de mim está um problema que é muito difícil para mim e relembro-Lhe que estou crucificado com Cristo e que agora creio que Ele é a minha sabedoria e que posso enfrentar meu problema sem temor, pois, como preciso dela, Ele dará a direção tanto para o que dizer como para o que fazer.
Em tempos de tentação posso exatamente da mesma forma rejeitar meu próprio poder para resistir e tomar a Cristo como minha justiça. Quando estou consciente de que posso ser levado para longe de Deus e para fora de Seu plano e vontade para mim, posso também me lançar sobre Ele como minha santificação e me achar sendo atraído para amar e desejar a vontade de Deus acima de todas as coisas. No dia em que eu não puder fazer nada por mim mesmo e for chamado para passar do tempo à eternidade, seja pelo túmulo ou por Sua vinda, poderei também olhar para Ele e dizer: “Ele é minha redenção; agora estou seguro na presença de Deus para sempre”. “Olhai para os lírios do campo, como eles crescem”, disse o Senhor Jesus, tendo primeiro feito uma pergunta à qual todos nós temos de responder “Eu não posso!”: “Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura?” Ainda assim isso é o que muitos cristãos tentam fazer em sua vida espiritual. “Eles não trabalham nem fiam; contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles” (Mt 6:27-30).
A razão é que eles crescem e recebem sua beleza pelo poder de Deus. É exatamente dessa forma que você e eu podemos viver dia a dia, pela extração destas coisas que Deus nos deu em Cristo. Podemos reconhecer que estamos “vivos para Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”. É a simplicidade deste reconhecimento de fé que é a maior dificuldade de muitos de nós. Gostamos de coisas difíceis e complicadas, mas o Senhor Jesus disse: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos” (11:25). Então, logo em seguida, Ele faz o maior e mais maravilhoso convite jamais feito ao homem: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo e leve” (versos 28-30). A aceitação simples desse convite é o único caminho seguro na vida cristã saudável e útil.
“Estou crucificado com Cristo” (Gl 2:20).
J. C. Metcalfe – Revista O Vencedor: “Fora de Adão – Em Cristo”.