Recentemente o Sr. Spurgeon disse as seguintes palavras durante uma palestra: “Eu penso que é pelo caminho da Bíblia que todos os cristãos poderão se unir. Nenhum de nós gosta das divisões do cristianismo. Acabaríamos com elas, se pudéssemos, mas não sabemos como. Todos os planos que eu já tenho visto só conseguiram um êxito parcial. Mas quando todos nós nos voltarmos à Palavra de Deus, e cada um disser: ‘Pronto, eu retirarei qualquer palavra que eu tenha dito que não esteja de acordo com o espírito deste Livro’, então iremos todos nos unir”. Estas são, sem dúvida, palavras muito sugestivas, e seria proveitoso considerar alguns dos pontos que elas destacam.
O Sr. Spurgeon disse que ele pensa que é pelo caminho da Bíblia que todos os cristãos poderão se unir. E ele também parece perceber que, para que tal união aconteça, pelo caminho da Bíblia, todos terão que testar suas palavras e seus métodos pelas Escrituras, abandonando tudo que não estiver de acordo com elas. Certamente, seria impossível obter uma união santa por qualquer outro meio. Mas se é isto que cada um deve fazer para conseguir esta união, então todos são responsáveis; não simplesmente para poder alcançar a unidade, mas porque esta é a vontade de Deus para nós. E isto nos traz a um princípio muito importante, mas um que, lamentavelmente, é geralmente esquecido.
Uma ilustração simples poderá nos ajudar a entender este princípio. Um pai, que irá se ausentar de casa por algumas horas, dá duas instruções para os seus seis filhos. A primeira é que todos devem brincar juntos, e a segunda é que não devem passar do portão da casa para fora. Ele enfatiza a primeira instrução, lembrando-lhes como ele se entristece quando eles discutem e se desentendem, e rogando-lhes para que amem uns aos outros, como convém a irmãos e irmãs. Ele não fala muito sobre a segunda ordem, mas simplesmente diz que não devem sair da casa e do quintal. Depois que o pai sai, um dos filhos decide que quer dar uma volta. Os outros o advertem, mas ele não escuta. Depois de algum tempo, ele volta, com histórias atraentes do prazer que ele experimentou, e consegue convencer mais dois a irem com ele.
Mais tarde, outros dois se unem aos três filhos desobedientes, e só um fica em casa. Os outro cinco se esforçam para levarem este último também. “Você não lembra”, eles falam, “o quanto que papai nos exortou para que ficássemos juntos?”. “Sim”, ele responde, “eu lembro, mas ele também nos disse para não sairmos de casa. Eu gostaria que estivéssemos todos juntos, pois é muito triste ficar sozinho; mas, se quisermos obedecer ao papai, teremos que ficar aonde ele mandou”. “Ah, mas você está se esquecendo”, eles insistem, “o quanto ele frisou que devemos ficar juntos, e só uma vez ele disse que não deveríamos sair de casa. Não pode haver muito mal em sairmos, conquanto que todos nós fiquemos juntos, porque era isto que papai mais queria”.
Será que alguém seria iludido com este tipo de argumento? Se perguntarmos quem foi o mais obediente, a resposta é clara. Aquele que ficou em casa foi o único filho obediente, e ele obedeceu a ambos os mandamentos, apesar de estar sozinho. Dizemos que ele obedeceu a ambos os mandamentos porque ele ficou aonde seu pai mandou que ficasse, e estava disposto a se unir alegremente com os outros ali.
O princípio, então, que queremos destacar, é que Deus exige nossa obediência individual aos Seus mandamentos, mesmo que outros não estejam obedecendo; e que, quando um mandamento é dirigido aos santos coletivamente, para que obedeçam juntos, aqueles que estão dispostos a seguir este mandamento da maneira como Deus o deu são verdadeiramente obedientes, mesmo que, devido à recusa de outros em se unirem à eles, seja impossível executar, na prática, este mandamento.
Nos dias de Oséias, Deus ainda queria que as doze tribos de Israel subissem a Jerusalém para adorar, assim como nos dias de Davi e Salomão; mas as dez tribos que haviam se rebelado, com Jeroboão, preferiram ir a Dã e Betel, e recusaram se unir com Judá e Benjamim. Mas este fato não alterou, de maneira alguma, o que Deus esperava daqueles que eram fiéis à Sua palavra. Deus tinha dito que todos deveriam estar juntos, é verdade, mas deveriam estar juntos no lugar que Deus havia escolhido para por o Seu nome.
Ajuntar em qualquer lugar de sua própria escolha seria plena desobediência, ao passo que aqueles que foram ao lugar determinado por Deus, e estavam dispostos, ali, a adorar na companhia de qualquer outro que também estivesse ali, estavam cumprindo o mandamento de Deus, independentemente da atitude dos outros. Por isso encontramos o profeta dizendo: “Efraim me cercou por meio de mentiras, e a casa de Israel com engano; mas Judá ainda domina com Deus, e é fiel com o Santo” (Os 11:12).
Mas vamos continuar um pouco com nossa parábola. Imaginemos que o sexto filho tivesse seguido os outros cinco em sua desobediência, e que eles haviam se separado, saindo em pares. Dois foram ao bosque apanhar nozes, dois foram brincar no riacho, e dois foram para a montanha. Por algum tempo, estão tão ocupados com suas brincadeiras que nem percebem que estão desobedecendo. Mas, com o tempo, começam a perceber que nem tudo está bem. Aquilo que mais os incomoda é o fato de estarem todos separados ao invés de estarem unidos, e várias propostas são feitas. Cada grupo quer convencer os outros a se unirem a eles, mas, quando isto fracassa, começam a pensar em alguma coisa diferente, onde todos possam se unir. Finalmente, porém, um deles percebe que a única coisa que poderá uni-los e mantê-los unidos é uma obediência simples aos mandamentos de seu pai.
É justamente esta ideia que tem se formado em vários corações, além do Sr. Spurgeon: união pelo caminho da Bíblia. O filho que percebe isso tenta persuadir os outros que o caminho que devem seguir é retornar à casa de seu pai, e então terá sido resolvido, da única maneira possível, o problema de todos estarem juntos. Mas eles não estão preparados para isto, e qual deve ser a atitude daquele que vê o caminho correto? Será que ele deve parar onde está, ou voltar ao bosque com seu irmão, até que todos os outros estejam prontos a dizer:
“Devemos comparar tudo com a palavra de nosso pai, e rejeitar qualquer coisa que for contrária à ela”? Ou será que ele deve voltar imediatamente para casa?
Quem pode duvidar que esta última alternativa é a única solução? Mas os outros poderão argumentar que ele só irá criar outra divisão. “Já estamos divididos em três grupos, e você quer fazer um quarto grupo? Justo você que está pregando sobre unidade!”. “… a fim de que todos sejam um” foi a oração do Senhor Jesus, e é a vontade de Deus, pois toda oração do Filho estava em perfeita harmonia com a vontade do Pai. Mas antes destas palavras Ele havia dito: “Eu lhes tenho dado a Tua Palavra…”. “A Tua Palavra é a verdade”. “… E a favor deles Eu me santifico a Mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (Jo 17:14, 17, 19). A unidade deveria ser de acordo com a verdade.
Se fizermos da união nosso principal objetivo, iremos encontrar vários meios de consegui-la, e poderemos até ter uma aparência de sucesso; mas não estaremos andando na verdade, e nada daquilo que alcançarmos terá relação com a oração do Senhor Jesus. Por outro lado, aqueles que estão realmente separados pela verdade, mesmo que esta separação seja, não só do mundo, mas também de irmãos que não estão seguindo a Palavra de Deus, estarão em harmonia com toda a oração registrada em João 17.
A. J. Holiday, 1890 – Tradução: William Joseph Watterson.