Tradições Divinas e Humanas

Em II Tessalonicenses 2 temos uma grande variedade de ensinos preciosos. Em versos 1-12 temos a revelação das coisas ainda futuras concernente à manifestação da “besta” e seu julgamento. Em versos 13-14 temos ações de graças pela graça de Deus que nos escolheu, chamou e salvou. Em verso 15 temos exortação para permanecer firme nas tradições divinas que foram transmitidas pelos apóstolos e em versos 16-17 temos grande consolação na esperança de estar com Cristo eternamente. Com certeza estes ensinos ajudaram muitos aqueles irmãos nas muitas tribulações que enfrentaram e, também vem com o mesmo poder hoje para encorajar a igreja verdadeira que enfrenta a indiferença materialista do mundo e a confusão enganadora das seitas.

“Assim, pois, irmãos, permaneceis firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa” (II Ts 2:15).

Queremos concentrar agora no 47 verso 15 e meditar na frase: “Guardai as tradições que vos foram ensinadas”. Quais são estas tradições? A palavra “tradição” significa a transmissão de valores de geração em geração e assim as tradições mencionadas neste versículo são a doutrina ensinada pelos apóstolos, o bom depósito da verdade revelada para a igreja até a vinda do Senhor Jesus Cristo. Estas tradições são divinas e são à base da comunhão espiritual da igreja do Novo Testamento (At. 2:41).

É necessário entender a grande diferença entre estas tradições divinas de Deus e outras tradições que são humanas que vêm de homens e não têm base nas Escrituras.

1. TRADIÇÕES DIVINAS – Em II Tessalonicenses 2:15, as tradições mencionadas foram “ensinadas por palavras e por epístola nossa”, isto é, dos apóstolos. Notamos que não vieram do Antigo Testamento, mas formam parte da revelação da nova aliança entre Cristo e a igreja, dada aos apóstolos e principalmente a Paulo. Muita da confusão hoje no “cristianismo”, e até entre as igrejas locais, é por causa de seguir as tradições e costumes judaicos usados no templo, sem a autoridade dos ensinos apostólicos no Novo Testamento.

Em I Coríntios 11:2, Paulo louva aquela igreja por ter guardado os “preceitos” (“tradições” – Atualizada) como ele os entregou, mas o resto do capítulo mostra que outras tradições divinas – sobre o uso dos véus pelas irmãs, e sobre a reverência na ceia do Senhor, não foram bem compreendidas e praticadas naquela igreja.

Na carta de I Timóteo também temos outras tradições divinas ensinadas – a reunião de oração (2), a existência e as qualificações dos presbíteros e diáconos em cada igreja local (3). Em II Timóteo 2:2, vemos como estas tradições, transmitidas de Paulo para Timóteo, deveriam ser transmitidas por ele aos homens fiéis e idôneos para continuar esta mesma transmissão a outros. Assim as tradições divinas seriam passadas sem erro de geração em geração.

Há grande necessidade hoje da igreja valorizar, guardar e transmitir estas tradições divinas, pois são as verdades que deus depositou na Sua igreja até o Dia de Cristo e não são meros costumes “opcionais”. De fato, se alguém recusar praticar estas tradições, a igreja não deve mostrar comunhão com ele (II Ts 3:6, 14). Vemos nisto que o amor verdadeiro não abre mão a estas coisas para agradar os que são desobedientes às tradições apostólicas. Por isto não devemos misturar com grupos que embora que são “evangélicas”, não obedecem aos ensinos dos apóstolos.

2. TRADIÇÕES HUMANAS – As tradições humanas são os costumes introduzidos na igreja pelos homens sem a autoridade da Palavra de Deus no Novo testamento e podem ser tratadas em dois grupos:

a) Tradições humanas que estão em conflito com as tradições divinas – Em Mateus 15:1-3, os fariseus reclamaram sobre a desobediência dos discípulos à tradição dos anciãos em não lavar suas mãos antes de comer. O Senhor Jesus respondeu: “Por que transgredis vós o mandamento de Deus por causa da vossa tradição?”. Este tipo de tradição que transgride a Palavra de Deus é muito perigoso e continua até hoje onde os ensinos de homens são considerados ter o mesmo valor, ou até mais, das Escrituras, mas de fato, contradizem a Palavra de Deus. Por exemplo, o batismo de crianças pequenas para serem feitos partes da família de Deus é uma tradição humana sem base na palavra de Deus que contradiz o ensino bíblico sobre o caminho de salvação pela fé em Cristo, e propósito do batismo em água como uma figura da identificação pública do salvo com a morte, sepultamento e ressurreição de Cristo.

Paulo reconheceu que antes da sua conversão ele vivia de acordo com as “tradições dos seus pais” (Gl 1:14), isto é, o judaísmo. Muitos hoje, como Paulo, vivem zelosos na sua religião, nos costumes recebidos dos seus pais, talvez até baseados na lei do Antigo Testamento, mas que contradizem o Evangelho e os ensinos do Novo Testamento. Quando “as tradições dos pais” contradizem as “tradições dos apóstolos” devemos deixar o “fútil procedimento que vossos pais vos legaram” (I Pe 1:18) e receber de coração os ensinos dos apóstolos. Isto não é fácil, mas é o único caminho para receber as bênçãos de Deus, nesta vida, e na eternidade.

b) Tradições humanas que não estão em conflito com as tradições divinas – Temos de reconhecer que existem muitas “tradições” que praticamos nas igrejas locais também não são dos apóstolos, mas de bons homens. Há grande diferença entre as “tradições dos apóstolos” e estas tradições que vem apenas dos homens, mesmo dos bons homens, mas sem qualquer base na Palavra de Deus. Contudo, as Escrituras não ensinam cada detalhe do procedimento da igreja local e há liberdade nestes casos controlada pelo ensino que “Deus não é de confusão e sim de paz” (I Cor 14:33) e “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (I Cor 14:40). Estes costumes geralmente foram introduzidos desde o começo da igreja local pelos primeiros servos de Deus naquele lugar. Por exemplo, o horário e duração das reuniões, quantos hinos, orações, pregações teremos. A maneira de escolher quem vai pregar, ensinar etc. A posição do corpo durante as orações da igreja – assentados, ajoelhados ou em pé; a posição dos homens e mulheres nas reuniões – separados ou assentados em famílias. A maneira de receber a oferta da igreja – em cofre, sacola etc. Nestas coisas haverá diferenças entre igrejas locais e ninguém deve julgar “erradas” tais diferenças, e quem muda de localidade talvez estranha inicialmente com algumas destas “tradições” diferentes, mas deve aceitá-los como parte da sua mudança, pois não formam parte das tradições dos apóstolos, não são princípios da igreja, mas meramente costumes que servem para a boa ordem da Obra de Deus. Se não causam confusão não há razão para procurar mudá-los.

Infelizmente, às vezes damos mais valor a estas coisas humanas do que às tradições divinas e chamamos de “princípios da igreja” aquilo que não passa de ser mero costume. Por exemplo, a tradição da existência do presbitério em cada igreja local (At 14:23; 15:6; 20:17, 28; Fp 1:1; I Tm 3:1; Tt 1:5; Tg 5:14 etc.) é muitas vezes ignorada e substituída pela “reunião administrativa” onde todos os homens batizados são presentes para resolver os assuntos da igreja sem base qualquer nas Escrituras. Este costume “democrático”, geralmente iniciado porque ainda não havia presbíteros, se continuar traz confusão e demora no desenvolvimento dos verdadeiros presbíteros escolhidos por Deus para cuidar da igreja local.

Outro exemplo desta confusão é em pensar que “Casa de Oração” é o nome da igreja onde somos membros na mesma maneira que as denominações usam seus nomes. A igreja do Novo testamento não tinha nome qualquer e para usar um nome nesta maneira é para desviar das tradições apostólicas para imitar as tradições humanas.

Talvez o maior perigo aqui é o pensamento que estas “tradições humanas” nunca podem ser mudadas porque foram praticadas desde o princípio daquela igreja. Contudo, onde existem costumes humanos causando confusão, é necessário que a igreja procure abrir mão nos costumes e chegar mais perto ao padrão do Novo testamento e às tradições divinas.

Que nosso amor possa aumentar mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção (Fp 1:9) para que possamos discernir entre o que na igreja é divina e que é humana e assim guardar e defender firmemente as tradições ensinadas pelos apóstolos, mas abrir mão nos nossos costumes humanos. Uma coisa é certa, o mais perto que ficamos ao modelo simples da igreja no Novo testamento desde seu começo, sem introduzir as nossas tradições, menos problemas teremos para frente, e haverá mais comunhão na igreja, e entre as igrejas locais.

Samuel R. Davidson