Soberania e Responsabilidade
Que Deus é soberano e que o homem, embora caído, é uma criatura responsável, são dois fatos que estão bem claros nas Escrituras. É quando estudamos estes dois fatos em suas implicações que nos vemos diante de uma dificuldade intelectual. É fácil colocarmos todo o peso de um lado, enquanto ignoramos quase completamente o outro. Os dois extremos são conhecidos como Hiper-Calvinismo e Arminianismo.
O Hiper-Calvinismo é o pensamento religioso que enxerga nas Escrituras pouco mais do que a soberania de Deus na eleição. A responsabilidade humana é de tal maneira deixada de lado, ou até mesmo negada, que o homem acaba reduzido a um mero fantoche. O homem fica como um brinquedo nas mãos do destino. Se ele for eleito, então DEVE ser salvo, seja como for; se não for eleito, ele DEVE ser condenado, e ponto final.
O Arminianismo, por outro lado, enxerga quase que somente o fato da responsabilidade do homem, geralmente com a total exclusão da soberania de Deus e da operação de Seu Espírito em graça na alma dos homens. O homem é um ser livre e desimpedido no exercício de sua própria vontade, portanto qualquer coisa que o persuadir a ter força de vontade na direção correta é considerado válido.
O espírito do Hiper-Calvinismo é fatal para qualquer zelo e energia na obra do Evangelho. Como consequência, aqueles que pensam assim menosprezam de todas as maneiras possíveis esse tipo de energia. Se os homens estão espiritualmente mortos, para quê pregar para mortos? Por que dizer “Arrependam-se!” a pessoas que não podem se arrepender, ou “Creiam!” àqueles que não podem crer? Além do mais, acaso Deus não é capaz de cuidar daquilo que é Seu? Será que Ele requer nossa intromissão na salvação dos Seus eleitos? Ainda que venhamos a cobrir terra e o mar em nosso zelo pelas almas, nenhum além dos eleitos será salvo; e se cruzarmos os braços e não fizermos coisa alguma, nenhum dos eleitos se perderá. Portanto a inatividade é a única solução possível, e todo o esforço dos servos do Senhor não passa de pura perda de tempo e energia.
Às vezes nos perguntamos por que este tipo de argumento parece ser usado apenas contra o esforço evangelístico. Se o argumento fosse válido, ele deveria valer também para todas as demais formas de serviço cristão. Acaso Deus não é capaz de cuidar dos Seus eleitos sem nossos esforços de edificá-los? Porventura a obra soberana do Espírito não irá edificar o progresso dessas almas sem a necessidade do trabalho de pastores e mestres, ou até mesmo sem o pequeno esforço de escrever este texto? Aqueles que defendem tais ideias parecem estar cegos ao fato de que estão serrando o galho em que estão sentados.
Atualmente o extremo Arminianista talvez seja o mais professado pelas pessoas verdadeiramente cristãs. Elas percebem a necessidade dos pecadores e se regozijam nas boas novas de perdão por intermédio do Salvador crucificado e ressuscitado. A grande questão é qual a melhor maneira de se chegar aos pecadores e persuadi-los a querer aceitar a Cristo e escolher a vida. Quanto mais ansiosos são esses cristãos, maior o perigo de usarem métodos questionáveis ou até antibíblicos. Os fins que acreditam precisar atingir acabam sendo considerados como suficientes para santificar e justificar os meios empregados.
Os resultados práticos disso são muito diferentes daqueles do outro extremo. No outro, tudo é estagnação; aqui tudo é movimento e sucesso aparente no início. Todavia estamos preocupados com os resultados finais. Ao terminar uma grande missão evangelística em Londres há alguns anos, o pastor de uma grande igreja tinha uma lista de mais de 50 nomes que professaram se converter. O pastor era um cristão empenhado, mas cerca de um ano depois ele confessou com tristeza que podia considerar apenas um deles como realmente convertido. Graças a Deus por aquele um! Mas quão triste saber que cerca de cinquenta podem ter sido levados pelo caminho errado apenas para ter um no caminho certo.
Vamos, pela graça de Deus, nos apossar desses dois grandes fatos – Deus é soberano em Seus caminhos de graça: o homem, apesar de caído, é uma criatura responsável e deve ser abordada como tal. A verdade da soberania divina está claramente mostrada nas Escrituras. Leia passagens como João 6:37-44; Romanos 9:10-24; Efésios 1:4; 1 Pedro 1:2. Do mesmo modo, é bem clara a responsabilidade do homem. Leia passagens como João 3:16-18; Romanos 2:6-16; 1 Pedro 4:5-6. Aceitemos, portanto, ambas as coisas, mesmo que não sejamos capazes de enxergar o suficiente para discernir como elas se encaixam.
Podemos, todavia, discernir isto: que a vontade do homem, se deixada ao seu bel prazer, jamais se voltará para Deus. A queda tornou sua vontade totalmente contrária a Deus. Isto é declarado de forma definitiva em Romanos 3:10-12. Está declarado primeiro que “não há UM justo”; isto é, ninguém está correto diante de Deus. Podemos argumentar que isto é verdade, mas que certamente algumas pessoas são mais sinceras e compreensivas do que outras, e são essas que se convertem. Mas não é assim, pois “não há NINGUÉM que entenda”. Isto torna o problema do ser humano ainda mais sério – NENHUM justo, e NINGUÉM que entenda sua posição desesperadora. Porém, mais uma vez podemos argumentar que certamente alguns terão uma percepção – uma espécie de intuição – de sua necessidade de Deus, e assim irão buscá-Lo. Todavia, mais uma vez vemos que não é assim, pois “não há NINGUÉM que busque a Deus”.
As palavras nenhum e ninguém encerram qualquer possibilidade de libertação se o homem for deixado por conta própria. Deus precisa intervir. Em outras palavras, Deus precisa exercer Sua ação soberana sobre o homem. Ele precisa operar por meio de Seu Espírito nos corações dos homens se for para algum deles buscar a Ele e a salvação que Ele oferece. Isto Ele faz conforme a Sua vontade, quando o Evangelho é pregado, já que “aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação” (1 Cor 1:21).
Se alguém perguntar “se Deus, em sua misericordiosa eleição, quer salvar este e aquele, por que Ele não elege e salva a todos?”, não saberemos responder. O que está por detrás de Suas decisões não nos é revelado, pois não passamos de Suas criaturas. Mas Ele Se revelou a nós em Cristo, e assim estamos certos de que o que Ele decidir é o correto, e no final todos verão o quão certo Ele sempre esteve.
Ao invés de procurarmos invadir os recônditos secretos das decisões e atos de Deus, que estão fora de nosso alcance, devemos do modo mais diligente e fervoroso possível anunciar o Evangelho, já que Ele revelou que é através deste que Ele Se agrada em salvar aqueles que creem, como resultado da obra do Espírito de Deus em seus corações. Frank Binford Hole (1874-1964) – Foi um evangelista, professor, autor, editor e publicador. F. B. Hole desempenhou um papel significativo, durante a primeira metade do século XX, na disseminação do ensino de Bíblia dispensacional, popularizado por como John Nelson Darby e William Kelly no final do século XIX. Seu falar ou escrever, foi notado por sua clareza de expressão e ilustrações. Por muitos anos editou e contribuiu para os dois periódicos: “Edificação” e depois “Verdade das Escrituras”. Hole foi educado na escola King’s School, em The Strand, Londres. Ele trabalhou no negócio da família antes de se tornar um evangelista de tempo integral, professor, escritor e editor. Seus escritos têm sido avaliados pelos cristãos em todo o mundo. Billy Graham, em uma de suas primeiras visitas para Londres enviou ao Sr. Hole cumprimentos pessoais e expressou sua gratidão pelo seu ministério escrito.