Será Que Estamos Vigiando e Servindo?

Ao meditarmos nas palavras de nosso Senhor nos Evangelhos, deveríamos nos lembrar de que Ele disse: “Importa, porém, que seja batizado com um certo batismo: e como Me angustio até que venha a cumprir-se!” (Lc 12:50). Isto é, ali Ele ainda não podia revelar toda a verdade, pois Sua morte e ressurreição ainda não haviam se cumprido. Ele estava angustiado. É por esta razão que a vinda do Senhor como nossa esperança ainda não poderia ser tão claramente apresentada, como o foi posteriormente nas epístolas. Nelas encontramos que há uma distinção entre a vinda de nosso Senhor para nós, e a revelação ou a manifestação do Senhor quando viermos do céu para reinar com Ele. Isso não podia ter sido revelado antes que a nação de Israel, sob a lei, tivesse rejeitado seu Messias e fosse colocada debaixo dos procedimentos judiciais de Deus.

Agora que temos a instrução dada pelas epístolas, podemos voltar atrás e reconhecer, na parábola das virgens e no início do discurso de despedida de nosso Senhor, uma alusão à Sua vinda para nós, quando somente aqueles que são verdadeiramente Seus serão arrebatados.

Em Lucas 12, após o Senhor haver falado bastante sobre Sua vinda, Pedro pergunta: “Senhor, dizes essa parábola a nós, ou também a todos?” E o Senhor responde: “Qual é pois o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos, para lhes dar a tempo a ração?” (41-42). Sabendo muito bem que seria rejeitado, Sua vinda para nós foi por Ele predita. Isto também demonstra que a coisa mais importante para o Senhor agora é cuidar de Seus servos durante Sua ausência.

A pergunta de Pedro faz-nos lembrar também de nosso Senhor em Sua amabilidade em permitir que O interrompessem com perguntas às quais benevolamente respondia, voltando depois ao Seu discurso. No final de João 13 e 14 nosso Senhor foi interrompido por Pedro, Tomé, Filipe e Judas, todos com perguntas que Ele respondeu de uma só vez. Encontramos o mesmo acontecendo em nosso capítulo. O Senhor começou dirigindo-Se aos “Seus discípulos” na presença da multidão e, então, no versículo 13 nos diz que “um da multidão” pediu-Lhe que dissesse a seu irmão que repartisse a herança. A resposta do Senhor vai até o versículo 21, quando Ele mais uma vez volta a Se dirigir aos “Seus discípulos”. É doce notarmos essas maneiras tão amáveis de nosso adorável Senhor.

Pequeno Rebanho

Seus discípulos formavam o “pequeno rebanho”. Eles eram bem poucos quando comparados com as multidões dos que só professavam segui-Lo; todavia, não era para eles terem medo. Eles receberiam o reino, o que agora foi postergado. Essa promessa será desfrutada por aqueles que os discípulos representam nesta passagem como os que receberam o Messias com a esperança de Seu reino no monte de Sião. O bom prazer de Seu Pai será o de dar-lhes o reino (32).

É quase desnecessário dizer que aqueles que compõem a Igreja, o corpo de Cristo, aguardam uma herança celestial e esperam reinar com Ele como o Seu povo celestial. O que importa agora é a condição de nosso coração, pois “onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração” (34). Até que venha, Seu desejo é que sejamos encontrados vigiando e servindo.

Desse comovente discurso aprendemos que nosso Senhor gostaria que fôssemos servos cingidos. “Estejam cingidos os vossos lombos” (35), sempre prontos para serem enviados ali ou acolá, conforme Ele guiar. Em muitas grandes empresas há homens prontos para cuidar de qualquer emergência que seu patrão ordenar. “Portanto, estai vós também apercebidos” (40). O lombo cingido significa que estavam preparados. As longas vestimentas daquela época, quando enroladas ao redor da cintura, mostravam que estavam prontos para subir uma montanha ou descer a um vale, ou mesmo para passar por arbustos e espinhos. Um servo cingido é alguém pronto para ir, apenas aguardando que se lhe diga quando e onde. Que possamos ser verdadeiramente servos cingidos.

Servos Que Brilham

Devemos ser servos que brilham – “acesas as vossas candeias” (35). Ao invés de suas lâmpadas estarem se apagando, elas estão bem supridas, com as mechas bem aparadas e queimando com grande fulgor. Isso implica dependência, fé, comunhão com Cristo, e não entristecermos o Espírito com nosso andar. Deve haver também um inabalável juízo-próprio. Acerca de João Batista, o Senhor afirmou que “ele era a candeia que ardia e alumiava” (Jo 5:35).

Assim deveríamos ser, como o apóstolo tão acentuadamente nos instrui: “Para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio duma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo; retendo a palavra da vida” (Fp 2:15-16). Devemos, portanto, ser servos que brilham. Nossa luz deve brilhar diante dos homens, e assim fará se permanecermos em nosso Senhor Jesus. “Porque noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: andai como filhos da luz” (Ef 5.8).

Servos Que Esperam

“Semelhantes aos homens que esperam o seu senhor”; assim também devemos ser servos que esperam. Os servos devem estar esperando que seu senhor retorne durante a noite. Eles não sabem quando, mas esperam. Eles não vão a lugar nenhum, mas esperam. Eles não se aposentam para descansar, mas simplesmente esperam para poderem abrir a porta logo que ouvirem seu senhor bater. Nosso Senhor Jesus gostaria fôssemos servos que esperam, aguardando para qualquer momento a Sua vinda.

Servos Que Vigiam

Nosso Senhor não somente gostaria de ver-nos esperando, mas também vigiando por Sua vinda. Ele procura servos que vigiam. Já que a noite há muito começou, e que vigília após vigília vão se passando, servos assim sabem que não deve faltar muito para que o Mestre chegue. Eles aguçam seus ouvidos com maior atenção. Assim são os servos que vigiam, e é assim que nosso Senhor deseja. Ele diz: “Em verdade vos digo que se cingirá, e os fará assentar à mesa, e, chegando-se, os servirá” (37). Existe, porventura, algo que possa sobrepujar este testemunho de nosso Senhor a respeito de servos que Ele encontra vigiando? Será que mantemos isto em nossas consciências como deveríamos? Será que esperamos e vigiamos por estar isto em conformidade com Seu amável coração?

Com certeza não vai demorar para vermos Sua face e estarmos com Ele para sempre. Nosso Senhor acrescenta ainda que: “Se vier na segunda vigília, e se vier na terceira vigília e os achar assim, bem-aventurados são os tais servos” (38). Portanto, quão agradável é para Ele o servo que vigia!

As Vigílias

Com respeito às várias vigílias, sabemos que a primeira vigília era das dezoito às vinte e uma horas; a segunda das vinte e uma às vinte e quatro horas (meia-noite); a terceira da meia-noite às três horas da madrugada, e a quarta das três às seis horas da manhã. Certo é que a primeira e segunda vigílias já passaram, pois lemos na parábola das virgens que “à meia-noite ouviu-se um clamor; aí vem o Esposo, saí-lhe ao encontro” (Mt 25:6). É uma realidade o fato de que há mais de cem anos este clamor foi ouvido. Desde então ele já se estendeu para quase todas as partes do mundo civilizado e de um modo tal como nunca se viu desde os dias dos apóstolos.

Na época de Paulo, os crentes se converteram dos ídolos a Deus para servir ao Deus vivo e verdadeiro, e para esperar por Seu Filho vindo do céu. Mas de acordo com a palavra profética de nosso Senhor, “tardando o Esposo, tosquenejaram todas, e adormeceram” (Mt 25:5). Assim, no que diz respeito às vigílias, estamos na terceira vigília, e isto há um tempo considerável. Dizemos estar em alguma parte da terceira vigília porque na quarta vigília nosso Senhor virá para o Seu povo da antiguidade, Israel, como o Seu grande Libertador.

Há uma bela ilustração disso em Mateus 14. Nosso Senhor estava no monte orando. Sua posição ali representa Seu lugar atual de ministério no céu. Na quarta vigília da noite o Seu povo terreno encontra-se em grande tribulação e perigo, e Ele vai encontrá-los em meio à sua profunda angústia. Jesus revela-Se como seu Libertador, de modo que quando entra no barco o vento cessa. Eles O adoram como o Filho de Deus, pois no futuro o povo de Israel O conhecerá como “Filho de Deus” e “Rei de Israel”.

Se, portanto, estamos na terceira vigília da noite, e esta já se encontra bem adiantada, e Ele vem para abençoar a Israel na quarta vigília (e é evidente que seremos arrebatados para encontrar o Senhor nos ares antes de Ele libertar Israel, pois quando for fazê-lo viremos do céu com Ele), com toda a certeza só falta “um pouquinho de tempo” para Ele vir; e não tardará.

Servos Fiéis e Sábios

No presente momento nosso Senhor está procurando por servos fiéis e sábios, pois Ele não somente nos colocou em uma posição de quem espera e vigia, mas também nos deu talentos para usarmos para Ele. Ele nos deu graça para ministrarmos a outros e assim fez de nós mordomos. Assim, nosso Senhor acrescentou: “Qual é pois o mordomo fiel e prudente, a quem o Senhor pôs sobre os Seus servos para lhes dar a tempo a ração? Bem-aventurado aquele servo a quem o Senhor, quando vier, achar fazendo assim. Em verdade vos digo que sobre todos os Seus bens o porá” (Lc 12:42-44).

É quase impossível que existam outras palavras que pudessem exprimir de forma mais marcante a aprovação que o Senhor dá aos servos que cuidam de Seus santos durante a Sua ausência. Trata-se da fidelidade devotada a Ele em usar os talentos que nos deu em benefício de Sua família. Trata-se também da senda de sabedoria, pois isto é fazer tesouro no céu. Prestar auxílio oportuno àqueles que formam a Sua família durante a Sua ausência é o que distingue os verdadeiros dos falsos que professam o Seu nome.

Servos Com Saudades

Além de tudo, sabemos, por meio de outra passagem, que o Espírito Santo gostaria que fôssemos servos com saudades. Não somente servos cingidos, brilhando, esperando e vigiando, fiéis e sábios, mas também servos desejando ardentemente a Sua vinda. “O Espírito e a Esposa dizem: Vem!” (Ap 22:17). Quando o Senhor Se apresenta como “a resplandecente estrela da manhã”, dizendo, “certamente cedo venho”, qual deveria ser o efeito em nossas almas além de uma resposta sincera: “Ora vem, Senhor Jesus”? Há poucos assuntos que soam mais solenes, e nenhum mais eminentemente santificador. Pois “qualquer que n’Ele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também Ele é puro” (1 Jo 3:3). Possamos estar tão ocupados com nosso precioso Salvador lá onde Ele está, que nosso constante clamor seja: “Ora vem, Senhor Jesus” (Ap 22:20).

Servos Maus

Há ainda outra palavra bem solene que é acrescentada por nosso Senhor. É a respeito do servo mau. Este talvez seja um que esteja bem fundamentado em suas opiniões, e cheio das verdades das Escrituras, mas que esteja, em seu coração (oh, quão horrível é isto!), adiando a vinda do Senhor. Ele diz em seu coração: “O meu Senhor tarda em vir”, e, como resultado disso começa a espancar os criados e criadas, e a comer, beber e embriagar-se. Apesar de toda a profissão de seus lábios, ele não amou, pois não provou o amor de Cristo. Sua porção, portanto, quando vier o juízo, deve ser com os incrédulos.

Podemos estar certos de que nosso Senhor não está Se atrasando. Tudo o que precisava acontecer antes da Sua vinda está acontecendo em perfeita harmonia com todos os atributos e conselhos de Deus, enquanto Sua longanimidade para com o mundo mau acabará sendo para Seu eterno louvor e glória. Seu imutável desejo, enquanto está no trono do Pai, é ter-nos junto de Si onde Ele está, para contemplarmos a Sua glória e compartilharmos da herança e glória que o Pai Lhe deu (Jo 17:24). Quão infinito amor para conosco! Será que estamos vigiando e servindo?

Hugh Henry Snell (1815-1891)