Reunidos em Seu Nome

«Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles» (Mateus 18:20).

A promessa contida nestas palavras é das mais preciosas. O Senhor mesmo promete estar no meio dos Seus, ainda que sejam apenas dois ou três. É maravilhoso! Parece bom demais para ser verdade, mas graças a Deus é uma realidade. Mesmo em nossos dias, podemos ter o Senhor presente conosco! Há, porém, uma condição. Se quisermos a Sua presença conosco, é imperativo que estejamos reunidos em Seu Nome.

Esta promessa, embora condicional, torna-se ainda mais preciosa quando percebemos nela certos princípios que o Novo Testamento desenvolve plenamente. Ela contém, em germe, a natureza e a forma de uma igreja local.

Examinemos, então, este pequeno versículo e a grande promessa que ele traz. Vamos notar o seu contexto, pois este é o «pano de fundo» que salienta os princípios apresentados. Vamos observar o desenvolvimento destes princípios através do Novo Testamento, esperando que o Espírito Santo nos ilumine, ajudando-nos a agir conforme estes princípios, e assim produzir as condições necessárias para que o Senhor possa habitar entre nós.

O contexto

A simples leitura de Mateus cap. 18 deixa bem claro que Deus dá valor às coisas pequenas e, ao mesmo tempo, mostra-nos quão errados são os pensamentos dos homens. Bem que o Senhor disse em outra ocasião: «O que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação» (Lucas 16:15). Até os apóstolos se deixaram levar pelo seu próprio raciocínio; não estavam em sintonia com a mente do Senhor. Para corrigir este modo errado de pensar, o Senhor usou três figuras:

Uma criança (versos 1 a 14)

O Senhor chamou uma criança e colocou-a no meio deles. A palavra traduzida «criança» significa «bebê», embora seja também usada no sentido de menino ou moço. Por meio desta figura, o Senhor queria levar os Seus discípulos a uma atitude diferente; queria que abandonassem os seus pensamentos presunçosos e sentissem a sua fraqueza e dependência de Deus.

Irmãos (versos 15 a 22)

A segunda figura empregada pelo Senhor é a de irmãos. Ele queria que Seus discípulos compreendessem a verdadeira relação que existia entre eles; eram irmãos. Nenhum deles poderia pensar em ser o maior; deveriam considerar uns aos outros.

Servos (versos 23 a 35)

Finalmente, o Senhor lhes falou de servos (a palavra grega usada nestes versículos significa «escravo»). Ele queria que compreendessem a sua posição em relação a Ele próprio; eles eram escravos. Ele era o maior e, mesmo sendo Senhor, Ele Se fez servo. Eles, sendo servos, nunca poderiam pensar em dominar; a sua atitude teria de ser de submissão.

A lição é clara. O Senhor queria que fossem transformados pela renovação da sua mente (Romanos 12:2), para que não mais pensassem como os homens pensam e sim, como Deus pensa.

Nestas três figuras, vemos o cristão em três relações distintas. No mundo, ele é como uma criança indefesa e desprezada; entre os demais cristãos, ele é como um irmão na família; em relação ao Senhor, ele é um servo.

Uma compreensão deste fato nos livrará do erro em que aqueles primeiros discípulos caíram. Sentindo a nossa fraqueza e falta de sabedoria, como crianças, acharemos no Senhor a nossa defesa e a nossa honra. Reconhecendo que somos irmãos, o nosso desejo não será o de primazia, mas sim o de ter mais comunhão com os demais membros desta família. Submetendo-nos ao Senhorio de Cristo, nunca pensaremos em ser o maior entre os nossos irmãos.

E é neste contexto que encontramos a promessa maravilhosa do Senhor Jesus Cristo: «Onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome aí estou Eu no meio deles».

Um grupo de cristãos, reunidos em Nome do Senhor Jesus Cristo tem tudo o que precisa para poder testemunhar. Não precisa da proteção duma organização humana para se defender; não precisa da orientação de decretos de concílios para lhe guiar; não precisa de elos denominacionais para manter a sua união; tem o Senhor Jesus Cristo mesmo no seu meio.

Permita Deus que a preciosidade desta promessa encha nosso ser; que o nosso coração transborde de louvor e admiração diante desta grande graça – o Senhor conosco.

A promessa

«Onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles». Sem dúvida, esta promessa é das mais preciosas. O Senhor mesmo condescende em habitar entre os Seus, aqui na terra. De fato, esta sempre foi a vontade de Deus.

Quem poderá descrever o prazer que Deus sentiu naqueles dias alegres da inocência de Adão? Ao contemplar a Sua criação, e em particular o homem que havia criado à Sua imagem, Deus disse que era muito bom (Gênesis 1:31).

Mas durou pouco. Adão pecou. Desfez-se a comunhão que existia entre Deus e o homem e este afastou-se do seu Criador; escondeu-se entre as árvores do jardim.

O homem havia mudado a sua atitude em relação a Deus, mas Deus não mudou. O Seu amor, como Ele, é imutável. Deus achou meios pelos quais os banidos não fossem arrojados para sempre da Sua presença (II Samuel 14:14). Ele veio em busca do pecador (Gênesis 3:8). Mais tarde, ao tirar o povo de Israel da terra do Egito, Deus disse a Moisés: Façam um tabernáculo «para que Eu possa habitar no meio deles» (Êxodo 25:8). Ele queria habitar entre os Seus, mesmo que fosse numa tenda de madeira e pano.

Na terra de Canaã, vemos novamente o mesmo desejo no coração de Deus. Ele mandou construir o Templo, em Jerusalém, e quando este foi dedicado, nos dias de Salomão, a glória de Deus veio e visivelmente encheu a Casa (II Crônicas 6:1-2 e 7:1).

Passando para o Novo Testamento, vemos uma previsão de tempos ainda futuros, e descobrimos que Deus continua tendo o mesmo desejo. João viu, em visão, a santa cidade, a nova Jerusalém, descendo do céu, e ouviu uma grande voz do céu que dizia: «Eis aqui o Tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará» (Apocalipse 21:2-3). Portanto, não podemos nos surpreender com a promessa preciosa de Mateus 18:20. Deus quer habitar no meio do Seu povo; sempre quis e sempre há de querer.

Mas como?

O Tabernáculo feito por Moisés não existe mais; o Templo que Salomão fez em Jerusalém foi destruído há muitos séculos, e a nova Jerusalém ainda não desceu dos céus. Como pode, então, Deus habitar entre os homens hoje? Onde seria o lugar da Sua habitação?

Antes de responder precipitadamente, considere o que Estêvão disse em Atos 7:48 e 49: «O Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens, como diz o profeta: O céu é o Meu trono e a terra o estrado dos Meus pés. Que casa Me edificareis? diz o Senhor».

O lugar onde Ele habita hoje com os Seus não é uma casa material. Ele não se limita a um imóvel e, portanto, não podemos chamar nenhum prédio de «Casa de Deus». Ouça mais uma vez a sua promessa: «Onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles». A localização geográfica não é importante. Em qualquer lugar onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, aí Ele estará.

Quando a mulher samaritana (João 4) conversou com o Senhor, ela perguntou a respeito do lugar de adoração. O Senhor respondeu: «Mulher, crê-Me que a hora vem em que nem neste monte (onde os samaritanos adoravam), nem em Jerusalém (onde os judeus adoravam) adorareis o Pai» (verso 21). O local não mais seria importante e sim, a condição espiritual dos adoradores. O Senhor prosseguiu: «Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito (em contraste com a adoração material dos judeus, que consistia em ritos e cerimônias) e em verdade (em contraste com a adoração falsa dos samaritanos)». Estes adoradores poderiam estar reunidos numa casa ou ao ar livre ou em qualquer lugar. Não é mais o local que é importante.

Você já pensou no privilégio dos apóstolos? Estiveram com o Senhor Jesus durante três anos e meio. Que prazer! Que bênção! Dia e noite, em todas as circunstâncias, o Senhor estava sempre no meio deles. Nas dificuldades e problemas podiam recorrer a Ele; nas horas de perigo Ele estava sempre perto; nas alegrias podiam regozijar-se com Ele. Que privilégio!

Mas veja bem, meu irmão. A promessa contida em Mateus 18:20 nos garante a mesma bênção, hoje. Onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, Ele ali está no meio deles. Confirmando isto, Ele disse: «Eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos» (Mateus 28:20). É verdade que não O temos visivelmente em nosso meio, mas a Sua presença não é menos real por ser invisível. Pelo contrário, é tão real hoje quanto nos dias em que andava com os doze, pela Galiléia.

Mas a maioria dos cristão não acredita!

Se acreditássemos, tudo seria tão diferente. Ninguém mais desejaria a primazia, nem a autoridade, pois tudo isto seria do Senhor. Os títulos distintivos (Reverendo, Pastor, Missionário, etc.) desapareceriam e seríamos todos como crianças, irmãos e servos, protegidos e controlados pelo Supremo Pastor. Não haveria mais ostentação, nem acepção de pessoas; não estaríamos ocupados uns com os outros e sim com o Senhor.

Nunca ficaríamos desanimados porque o nosso ânimo não dependeria das circunstâncias, nem das atitudes dos nossos irmãos; estaríamos firmes e inabaláveis no Senhor. Nem medo, nem tristeza teriam lugar entre nós.

A própria reunião teria um caráter diferente. A leviandade daria lugar à reverência e ninguém mais pensaria em agradar com discursos alegres e com bastante música. Seríamos atraídos ao Senhor; não haveria nenhuma outra atração.

Pense nesta maravilhosa promessa e medite nela até que o seu coração sinta a realidade disto. Não se satisfaça com nada menos do que com esta grande bênção: o Senhor em nosso meio.

Os princípios

Além de termos em Mateus 18:20 uma promessa preciosa, encontramos também alguns princípios importantes. No seu contexto imediato, temos a segunda menção, no Novo Testamento, da palavra «igreja» (verso 17). O Senhor Jesus Cristo havia falado a respeito da Sua Igreja, em Cesaréia de Filipos (Mateus 16:13-19) e agora, no capítulo 18, torna a falar dela. No capítulo 16, a palavra «igreja» refere-se àquele corpo místico de Cristo que inclui todos os verdadeiros cristãos, mas no capítulo 18 a palavra tem um sentido mais restrito. Refere-se a uma igreja local, que pode ser composta de somente duas ou três pessoas. Nesta primeira referência à igreja local, encontramos em «germe» certos princípios que são plenamente desenvolvidos através de Atos dos Apóstolos e das epístolas. Vamos considerá-los.

A atração

A versão portuguesa da Bíblia que tenho em mãos diz: «Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles».

A preposição «em» não traduz plenamente o sentido do vocábulo usado no texto original. A preposição grega usada aqui é eis, que normalmente dá a ideia de movimento em direção a algum objeto. O significado desta frase, portanto, é que dois ou três estão reunidos porque se acham atraídos ao Nome do Senhor Jesus Cristo. A ideia não é apenas de autoridade, como seria o caso se considerássemos a preposição portuguesa «em».

O verbo «reunidos» também merece atenção. No texto original é um particípio perfeito que, na língua grega, indica um ato no passado cujos efeitos continuam no presente. Além disto, é passivo, indicando que foram reunidos por força, ou vontade, de outrem. Isto quer dizer que estes dois ou três estão reunidos porque, antes, o Espírito Santo operou no coração de cada um deles, atraindo-os ao Nome do Senhor Jesus. É em consequência desta operação do Espírito que eles se acham reunidos.

Não é, portanto, em qualquer ajuntamento de dois ou três que o Senhor promete estar. Nem mesmo em qualquer reunião de cristãos! Sabemos que Ele é onipresente, mas esta promessa não se refere a um encontro ocasional ou proposital de dois ou três cristãos. Esta promessa refere-se a algo diferente. Ele promete estar presente onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, isto é, um grupo de pessoas reunidas propositadamente por terem sentido, e estarem sentindo, uma atração ao Nome do Senhor Jesus. Estão reunidos em consequência da operação do Espírito Santo.

O primeiro princípio, portanto, que aprendemos neste versículo é o da atração do crente ao nome do Senhor Jesus; é o motivo que deve inspirar todas as reuniões dos cristãos. Uma igreja local é um grupo de cristãos que se reúne regularmente por estarem atraídos ao Seu nome.

Talvez seria bom ilustrar isto agora, usando os acontecimentos narrados em João 1:29-39. Quando João Batista viu o Senhor Jesus que vinha para ele, disse: «Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo». No dia seguinte, João estava outra vez ali, junto com dois dos seus discípulos, quando viu o Senhor passar e disse: «Eis aqui o Cordeiro de Deus». Note a pequena, porém significante, diferença nas duas declarações de João. Falando com a multidão, João apresentou Aquele que podia tirar o seu pecado; era disto que a multidão precisava. Ao falar com os seus dois discípulos, porém, limitou-se a falar da Pessoa – o Cordeiro de Deus. O mesmo que tira o pecado do pecador atrai as afeições do crente. Mas observe o que aconteceu depois. Vendo que eles O seguiam, o Senhor lhes perguntou: «Que buscais?» Eles não responderam àquela pergunta; antes fizeram outra: «Rabi, onde moras?» E o Senhor também não respondeu diretamente à sua pergunta. Disse-lhes: «Vinde e vede».

Foram e ficaram!

Note bem este fato importante. Eles foram sem saber onde Ele morava. Como Abraão, saíram sem saber para onde iam (Hebreus 11:8). Logo, não foi o lugar que os atraiu; não consideraram se aquele lugar era agradável ou conveniente. Foram porque Cristo estava lá. Ele foi o «imã» que os atraiu! Não sabiam se haveria outras pessoas ali, ou quem seriam estas pessoas. A única atração foi a presença de Cristo. Outro versículo bíblico que ilustra esta atração à Pessoa do Senhor Jesus é Cantares de Salomão 1:7: «Dize-me, ó tu, a quem ama a minha alma: Onde apascentas o teu rebanho, onde o recolhes pelo meio dia: pois porque razão seria eu como a que erra ao pé dos rebanhos de teus companheiros?». A esposa, perplexa e preocupada, procura o rebanho do seu amado. Ela não se contenta em ficar junto dos rebanhos dos companheiros dele, embora pudesse ser bem tratada ali. O seu coração anelava a presença do amado. Não era a qualidade do pasto, nem os confortos do lugar, que a atraíam; queria a presença do seu amado.

No começo da Igreja foi assim. Os cristãos foram atraídos somente ao seu Amado, o Senhor Jesus Cristo. Reuniam-se unicamente em Seu Nome. Havia um rebanho e um Pastor.

Mas isto durou pouco

Logo nos primórdios da Igreja ouvimos alguns dizer: «Eu sou de Paulo», enquanto outros diziam ser de Apolo ou de Cefas ou até de Cristo (talvez num espírito sectário; I Coríntios 1:10-13). Mais ou menos um ano após isto, Paulo avisou os anciãos da igreja em Éfeso que, depois da sua partida, se levantariam homens falando coisas pervertidas para atraírem os discípulos após si (Atos 20:30). Note bem, seriam discípulos os que seriam atraídos. Verdadeiros discípulos! Seriam arrastados da posição certa que até então haviam ocupado e seriam arrastados após homens. Não seriam mais atraídos somente ao Nome do Senhor Jesus; seriam atraídos aos homens que os arrastavam.

O resultado seria confusão. Enquanto alguns cristãos permaneceriam como desde o começo, reunidos em Nome do Senhor Jesus, outros cristãos passariam a reunir-se em torno do seu líder, formando assim a sua seita. Mas não há dúvida, seria errado um cristão unir-se àquela seita. Ele deveria permanecer reunido em Nome do Senhor Jesus. E se concordarmos que seria errado, naquele tempo, um cristão unir-se a uma seita, então é igualmente errado o cristão, hoje, pertencer a uma seita.

Como aquela semente maléfica que apareceu há tanto tempo, em Corinto e em Éfeso, se tem desenvolvido! Hoje, vemos verdadeiros cristãos divididos em denominações que os homens criaram. E o pior é que esta situação está tão generalizada que a maioria dos cristãos a aceita como se fosse normal! Não percebem que a existência de denominações é um mal, uma rebelião contra o senhorio de Cristo, e um testemunho eloquente do orgulho e da ambição dos homens.

Diante desta situação calamitosa, somos forçados a emprestar as palavras de Mateus 13:28: «Um inimigo é quem fez isto». Deus não é o Autor desta confusão (I Coríntios 14:33). Cada seita é um desaforo a Cristo, pois tira os cristãos do lugar onde deveriam estar – reunidos em Seu Nome – e os arrasta para o seu lado, enumerando-os entre os seus adeptos. O que apareceu em Corinto foi apenas a semente; hoje vemos o fruto maduro. Cristãos agora se reúnem em nome de conhecidos servos de Deus, dizendo: «Somos luteranos» ou «somos wesleyanos»; ainda outros reúnem-se em nome indicativo das doutrinas que querem salientar, dizendo: «Somos batistas» ou «somos presbiterianos». E assim atraem os discípulos do verdadeiro centro de reunião, para ajuntá-los em torno do seu estandarte denominacional.

Não se esqueça: Deus estabeleceu a reunião dos salvos em Nome do Senhor Jesus Cristo e nunca formou, nem aprovou a formação de nenhuma denominação. O plano divino é que os cristãos estejam reunidos como cristãos, sem qualquer qualificativo. O denominacionalismo é uma arma do inimigo para dividir o povo de Deus e roubar do nosso Senhor a glória à qual Ele tem todo o direito.

A autoridade

Considerando mais uma vez o contexto de Mateus 18:20, vemos que o Senhor Jesus Cristo estava dando instruções sobre como agir em caso de pecado entre dois irmãos.

Como primeiro passo, o irmão ofendido deveria ir ao outro e tratar do problema pessoalmente. Se isto não produzisse o resultado desejado, então deveria levar com ele mais uma ou duas pessoas, tentando novamente fazer as pazes. Se esta tentativa também fosse infrutífera, então o irmão ofendido deveria levar o caso ao conhecimento da igreja, a fim de que esta pudesse interferir em busca de uma solução. Se, porém, o ofensor não ouvisse a igreja, ele teria de ser considerado como gentio ou publicano, isto é, como um que não pertence à igreja.

Note bem este processo: a mais alta autoridade em casos disciplinares é a igreja local. Se o ofensor não aceitar a decisão da igreja, não há outro recurso senão o de considerá-lo como gentio ou publicano. O Senhor não indicou nenhuma outra autoridade superior à igreja local.

Continuando, o Senhor mostrou a fonte desta autoridade. Veja o versículo 18: «Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra, terá sido ligado no céu e tudo o que desligardes na terra, terá sido desligado no céu». Observe bem o tempo dos verbos. A ação da igreja é posterior à ação no céu. Quando a igreja local exerce a sua autoridade em disciplina, agindo conforme as instruções da Palavra de Deus, ela está fazendo apenas aquilo que Deus já fez. Não é, como muitos pensam, que a igreja age e que Deus ratifica a sua ação; é o contrário: a igreja sabe o que Deus pensa a respeita do problema específico que ela está tratando (através do ensino da Sua Palavra), e ela age de acordo. O que ela liga ou desliga aqui é o que já foi ligado ou desligado no céu. Isto é, a sua autoridade é uma autoridade delegada e, portanto, limitada. Ela simplesmente põe em prática as instruções da Palavra escrita de Deus.

O versículo 19, porém, mostra um caminho mais excelente. Maior do que o poder da disciplina é o da intercessão. Se a igreja tem esta autoridade de julgar e disciplinar, dois dentre os seus membros (no mínimo) têm o privilégio de interceder e conseguir até a recuperação do ofensor.

Esta verdade da autoridade de cada igreja local é lógica e essencial se lembrarmos do versículo 20: «Onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles». Uma igreja local não é simplesmente um grupo de pessoas; é um grupo de pessoas reunidas em torno do Senhor Jesus Cristo. Ele está presente e n’Ele reside toda a autoridade no céu e na terra (Mateus 28:18). Mesmo se for uma igreja de apenas duas ou três pessoas, o Senhor está no meio e, portanto, aquela igreja tem toda a autoridade para resolver todos os problemas que surgirem no seu meio.

Se uma igreja se submete a uma autoridade fora de si mesma, ela está negando a autoridade do Senhor Jesus e é por esta razão que a Bíblia não reconhece nenhuma autoridade superior à igreja local. Não pode haver um «presbitério regional», um «sínodo», nem tão pouco um «ancião» responsável por várias igrejas. Nem missionário, nem pastor, nem cúpula alguma podem intervir nas decisões de uma igreja local, pois o Senhor mesmo está presente nela.

Porém, a limitação desta autoridade também é importante. Cada igreja tem autoridade para julgar todos os casos que surgirem no seu meio e ninguém fora daquela igreja tem o direito de intervir; da mesma forma, a igreja local não tem autoridade alguma fora do seu próprio meio. Quando surgiu um problema na igreja em Corinto, Paulo exortou-a a resolvê-lo. Não indicou um Tribunal Superior à igreja local; ela mesma teria de resolver o caso.

Na sua primeira carta àquela igreja, portanto, Paulo disse: «Em Nome do Senhor Jesus Cristo, juntos vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, seja entregue a Satanás» (I Coríntios 5:4-5). A igreja em Corinto tinha autoridade para reunir-se para julgar aquele pecado que aparecera no seu meio. Nem a presença dum apóstolo daria mais autoridade; ela poderia agir com o poder do Senhor Jesus Cristo.

Porém, no mesmo capítulo vemos a limitação desta autoridade, pois lemos no versículo 12: «Que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro?» A autoridade da igreja em Corinto limitava-se àqueles que estavam «dentro», isto é, aos seus próprios membros.

A autonomia

Uma vez que compreendemos a autoridade que cada igreja local tem para resolver todos os problemas que surgem no seu meio, a compreensão da autonomia da mesma é um passo simples e lógico. Sendo que o Senhor está no meio do Seu povo reunido ao Seu Nome, aquela assembleia possui a mais alta autoridade. Ela não precisa da autorização de mais ninguém; a autoridade está nela, pois o Senhor está ali. Consequentemente, ela é independente de qualquer autoridade humana. Torna-se, então, uma igreja local e autônoma.

E o Novo Testamento confirma que é assim.

O silêncio das Escrituras é um argumento negativo, mas é um argumento válido e irrefutável. Em todo o Novo Testamento não encontramos nenhuma organização de igrejas, nem tão pouco uma sugestão de ser necessário afiliar as igrejas locais a uma organização regional, nacional ou internacional. Não há nenhuma palavra sobre uma autoridade central que exercesse controle, mesmo parcial, sobre as igrejas de um país ou região. E não pode haver mesmo, pois já observamos que o Senhor Jesus Cristo está presente na igreja local, e que cúpula poderia sobrepor-se à autoridade dEle?

Mas não precisamos limitar-nos a este argumento negativo. Os exemplos que Deus deixou registrados na sua Palavra são suficientes para provar que cada igreja local tem que ser autônoma.

A igreja em Damasco recebeu Saulo de Tarso logo que ele se converteu ao Senhor, mas quando ele chegou a Jerusalém, a igreja naquela cidade não o recebeu porque não criam que fosse discípulo. Quando, porém, Barnabé chegou e contou o que havia acontecido, Saulo foi recebido. O mero fato de ser recebido em Damasco não lhe deu o direito de participar em Jerusalém. Tornar-se membro de uma igreja local não significa ser membro duma organização maior.

Em Atos dos Apóstolos vemos como o trabalho do Senhor expandiu-se no primeiro século. Quando o Evangelho chegou a Antioquia, almas foram salvas e uma igreja foi formada, sem nenhuma autorização de Jerusalém. Quando a notícia dos acontecimentos em Antioquia chegou a Jerusalém, a igreja enviou Barnabé, não para formar uma igreja em Antioquia, mas apenas como gesto de comunhão, pois este servo do Senhor nada fez em Antioquia senão exortá-los a permanecer no Senhor. Ele alegrou-se, vendo o que o Senhor havia feito, e foi buscar Saulo para ajudar no ensino naquela igreja. Leia Atos 11:19-26.É linda a simplicidade de tudo isto, mas soa tão estranho aos ouvidos de quem está acostumado com a organização humana! Porém, até hoje, em qualquer localidade onde há pessoas salvas, elas têm o direito e o dever de reunir-se ao Nome do Senhor Jesus Cristo, mantendo um testemunho para o seu Senhor e Salvador. Não precisam de nenhuma autorização humana nem precisam esperar o «reconhecimento» de algum sínodo ou cúpula. O Senhor é Quem autoriza. É o Seu Nome que atrai.

Tal igreja, porém, tem que permanecer nesta autonomia. Se ela chegar a filiar-se a um movimento ou organização, ela terá abandonado a posição inicial e terá perdido a garantia da presença do Senhor no seu meio. Terá se tornado apenas uma filial de uma denominação e não uma igreja de Deus. Já temos visto como a igreja em Corinto foi exortada a agir quando um caso de imoralidade surgiu no seu meio. A igreja em Tessalônica também foi exortada a exercer a disciplina, admoestando os desordeiros (I Tessalonicenses 5:14). Tessalônica, porém, não podia julgar a imoralidade que havia em Corinto, nem tão pouco poderia a igreja em Corinto intervir nos problemas existentes em Tessalônica. Cada igreja era individualmente responsável por si, diante do Senhor.

As sete cartas escritas às sete igrejas na Ásia (Apocalipse 2 e 3) ensinam a mesma verdade. A igreja em Éfeso provou aqueles que se declaravam apóstolos e os achou mentirosos; não suportou homens maus. Sem autorização de ninguém de fora, aquela igreja julgou estes casos. E foi assim em cada caso mencionado nestes dois capítulos. Cada igreja foi exortada a resolver os seus próprios problemas; cada igreja foi tida como responsável pelos erros no seu meio e nenhuma foi autorizada a julgar o pecado de outra, nem foi responsabilizada pelas falhas das outras.

Até o símbolo empregado pelo Senhor neste contexto é significativo. Ele falou de sete castiçais de ouro. No tabernáculo, feito por Moisés, havia um candelabro com sete lâmpadas; eram sete lâmpadas em uma só peça (Êxodo 25:31-40). Para representar as sete igrejas, porém, Deus não usou a figura de um candelabro, mas sim, de sete castiçais. Cada castiçal era separado e independente dos demais; símbolo expressivo da autonomia da igreja local.

O Novo Testamento mostra, também, que havia entre as igrejas locais bastante comunhão. A sua autonomia nunca foi exercida em prejuízo das demais igrejas, e devemos procurar manter a comunhão entre igrejas com o mesmo zelo com que defendemos a autonomia das mesmas.

Em Atos 15, vemos um exemplo desta comunhão. Surgiu um problema na igreja em Antioquia (15:1). Em consequência disto, Paulo, Barnabé e mais alguns irmãos de Antioquia subiram a Jerusalém com respeito a esta questão. Foram, não porque Jerusalém tinha alguma autoridade sobre Antioquia, mas porque o problema tinha vindo de lá. Era um problema mútuo e o que temos neste capítulo mostra-nos duas igrejas com um problema mútuo, reunindo-se como partes iguais para, juntas, resolverem o caso. Não é uma negação da autonomia de Jerusalém e de Antioquia, mas sim, um exemplo lindo de cooperação entre elas.

Em Atos 11 vemos como as igrejas, no tempo apostólico, mantinham comunhão também em coisas materiais. Havendo necessidades na Judéia, os irmãos de Antioquia resolveram enviar-lhes socorro. Mesmo nesta comunhão, vemos a autonomia, pois Antioquia agiu espontaneamente. Veja os versículos 27 a 30 e compare com II Coríntios capítulos 8 e 9.

Havia também comunhão no ensino. A igreja em Colossos recebeu uma carta do apóstolo Paulo, na qual ele pediu que eles passassem a mesma à igreja em Laodicéia e que eles também lessem a carta que os de Laodicéia haviam recebido. Veja Colossenses 4:16 e compare com Apocalipse capítulos 2 e 3, onde as sete cartas foram dirigidas a todas as sete igrejas.

Esta comunhão também se expressa através de cartas de recomendação. Vemos exemplos e ensino sobre isto em Atos 18:27, Romanos 16:1 e II Coríntios 3:1.

A autonomia de cada igreja local tem que ser defendida e respeitada, mas isto tem que ser feito num espírito cristão, procurando promover a máxima cooperação entre estas mesmas igrejas.

A história da federação eclesiástica

Ninguém nega o fato que as igrejas locais, em tempos apostólicos, eram autônomas. Uma leitura do Novo Testamento é suficiente para provar isto. Este fato é também comprovado pelos historiadores eclesiásticos, como podemos observar nas palavras de R. H. Nichols, no seu livro «A História da Igreja Cristã», onde lemos: «As igrejas primitivas eram independentes, com governo próprio, decidindo todos os seus negócios e problemas». No mesmo livro ele ainda diz: «Nenhuma organização de caráter geral exercia controle sobre as inúmeras igrejas espalhadas por toda parte». Outro historiador, H. H. Muirhead, no seu livro «O Cristianismo através dos Séculos» diz: «É fora de dúvida que as igrejas do Novo Testamento eram autônomas e dirigiam os seus próprios negócios internos e externos, dando conta de seus atos somente a Cristo, que era o seu Cabeça». O célebre brasileiro Rui Barbosa diz na introdução que ele escreveu para a tradução portuguesa do livro de Janus, «O Papa e o Concílio»: «Durante a primeira época da igreja, debalde a crítica histórica procura na organização dela as leis e os elementos que hoje lhe servem de base. A unidade não resultava então, senão de acordo espontâneo das almas».

Mas tudo isto durou pouco

As igrejas, como as vemos no Novo Testamento, eram governadas por uma pluralidade de anciãos (presbíteros ou bispos), cuja autoridade não se estendia além da sua igreja local. Porém, logo depois da era apostólica, a história registra a tendência de passar a liderança destas igrejas para um só homem. Este seria um presbítero entre os outros presbíteros, mas, aos poucos, foi-se destacando como líder do presbitério e, no segundo século, já era comum ouvir-se falar em «o Bispo» da igreja local. Nisto vemos um erro duplo. Em primeiro lugar, a liderança que o Espírito Santo havia depositado nas mãos de uma pluralidade de bispos foi usurpada por um só e, em segundo lugar, este «usurpador» arrogava a si o título de« O Bispo».

Alias, este espírito já existia nos tempos dos apóstolos e o Novo Testamento nos fornece comentários sobre isto. Paulo avisa os efésios de que no meio deles (isto é, dos presbíteros da igreja em Éfeso) se levantariam homens falando coisas pervertidas para atraírem os discípulos após si. A carta àquela mesma igreja (Apocalipse 2:1-7) mostra que tais homens de fato apareceram, mas até àquele ponto a igreja soube rejeitá-los. Na terceira carta de João, lemos de Diótrefes, que gostava de preeminência e expulsava da igreja todos os que não reconheciam a sua autoridade. Era o começo do sistema clerical.

As razões deste afastamento do sistema original são fáceis de compreender. Alguns achavam que era necessário ter um líder em cada igreja local para evitar confusão e organizar melhor o trabalho da igreja. Era, na realidade a decisão de confiar na liderança de um homem e rejeitar a liderança do Espírito Santo. Compare com a nação de Israel nos dias de Samuel (I Samuel capítulo 8). Veja especialmente o versículo 7.

Nem todas as igrejas, porém, adotavam esta novidade. Enquanto em muitos lugares «o Bispo» passou a ser reconhecido como «o responsável» pela igreja local, muitas igrejas permaneceram fiéis ao modelo original. Com o desenrolar dos acontecimentos, formou-se uma brecha cada vez maior entre as igrejas dos «Bispos» e as que mantinham o padrão neotestamentário.

Durante o segundo século, estes «Bispos» começaram a reunir-se ocasionalmente para estudar problemas de interesse comum, embora, inicialmente, não atribuíssem nenhuma autoridade a estas reuniões. Neste tempo, Cipriano, conhecido como «Bispo de Cartago», falou em termos enfáticos e explícitos da independência de cada igreja local. Com a suposta conversão do Imperador Constantino, porém, as coisas pioraram muito. As conferências dos «Bispos» tornaram-se mais frequentes e começaram a produzir resoluções autoritárias. Finalmente, este Imperador convocou uma destas conferências em Arles. Uma das condições da mesma era que todos os participantes teriam, obrigatoriamente, de acatar as decisões. Assim nasceu uma organização que Deus não planejou e que a Bíblia não autorizou. As «igrejas» que se filiaram a esta organização deixaram de ser igrejas de Deus porque deixaram a base bíblica de igrejas locais, tornando-se «filiais» de uma organização religiosa com sede em Roma.

O historiador Edwin Hatch, no seu livro «The Organization of Early Christian Churches», diz que «não há provas de que a confederação jamais fosse completa, no sentido de abranger todas as comunidades às quais, por comum consentimento, o nome ‘cristã’ fosse … aplicável … Mas algumas igrejas permaneceram independentes. Não eram subordinadas a nenhuma outra igreja; seus bispos não tinham superior: estavam na posição que Cipriano havia, em tempos anteriores, declarado ser a verdadeira posição de todos os bispos; sua responsabilidade era somente a Deus.»

Aquela organização religiosa então tornou-se a primeira entre muitas. Hoje vemos organizações antigas como a Igreja Apostólica Romana e a Igreja Ortodoxa; vemos outras, não tão antigas, como a Presbiteriana, a Metodista, a Batista e ainda outras, de origem mais recente, como as Pentecostais e uma multiplicidade de seitas que apareceram nestes últimos anos.

O panorama religioso apresenta atualmente uma cena das mais confusas e muitos, de tão acostumados que estão com esta situação, acham que tem que ser assim. Pensam que é necessário uma variedade de seitas para satisfazer os gostos variados do povo; pensam que cada um tem o direito de escolher aquela que lhe servir melhor.

Às vezes, fazem a sua escolha influenciados pela tradição: «Sempre fomos desta seita e nela ficaremos»; às vezes, escolhem por conveniência: «Esta é mais perto»; ou por gosto: «eu gosto deste sistema», e aceitam a existência desta «Babel» como se fosse uma situação normal.

Se pudéssemos, porém, remover o entulho dos séculos e voltar àquela situação original que vemos na Bíblia, descobriríamos que nenhuma organização tem a aprovação de Deus, e consequentemente, o cristão não pode pertencer a denominação nenhuma! Se seguíssemos a Bíblia, procuraríamos reunir-nos com os demais cristãos, simplesmente como cristãos, sem qualquer outro qualificativo, reunindo-nos no Nome do Senhor Jesus, formando assim uma igreja local e autônoma. Ficaríamos separados das denominações que os homens, muitas vezes bem intencionados, fizeram, sabendo que é tão errado dizer hoje: «Eu sou cristão de tal denominação» quanto era errado dizer: «Eu sou de Paulo» (I Coríntios 1:12). Nenhuma denominação foi plantada por Deus. Ele plantou, e ainda planta, igrejas locais e autônomas e cada denominação é divisória, pois separa os verdadeiros filhos de Deus e, consequentemente, é contrária ao Seu propósito (João 17:11, 21-23 / Filipenses 1:27 e 2:3).

Diante destes fatos, o caminho do cristão é claro. Ele não pode ser membro de nenhuma denominação, nem tão pouco cooperar com ela, pois, como servo do Senhor, não pode apoiar nem associar-se com aquilo que o Senhor não aprova.

Ele deve reunir-se com outros cristãos, simplesmente como cristãos, em Nome do Senhor Jesus, formando assim uma igreja local e autônoma, separada de todas as denominações. Que sejamos atraídos à Pessoa do Senhor Jesus Cristo de tal forma que possamos responder prontamente à voz do Espírito, que diz:

«Saiamos, pois, a Ele fora do arraial, levando o Seu vitupério» (Hebreus 13:13).

Ronald E. Watterson – O texto é a íntegra do livrete «Reunidos em Seu Nome», publicado pela Editora Sã Doutrina.