Retende o Que é Bom

Há poucas coisas na “religião” as quais os homens estão tão prontos para esquecer quanto o dever de “lutar seriamente pela fé” e reter o que é verdade. Controvérsia raramente é popular. Muitos preferem uma vida religiosa sossegada. Homens não gostam de qualquer coisa semelhante a conflitos, problemas, lutas e esforço. Eles darão muitos de seus pretextos enganadores para assegurar a paz. Eles são aptos a esquecer que paz a custa da verdade, não é digna. Em resumo, eles precisam se lembrar das palavras de ouro de Paulo: “retende o que é bom” (1 Ts 5:21).

Quando Paulo disse, “retende”, ele escreveu como alguém que sabia como o coração de todo cristão é. Ele sabia que nossa compreensão do Evangelho, no seu melhor, é muito fria, que nosso amor logo “se debilita”, que nossa fé rapidamente oscila, que nosso zelo logo enfraquece, que a familiaridade, o costume, com a Verdade de Cristo muitas vezes traz desobediência, que, assim como Israel, somos aptos a desistir por causa da longa jornada, e como Pedro estamos prontos a dormir em um momento e lutar no outro, mas assim também como Pedro, não estamos prontos para “vigiar e orar”. Em tudo isso Paulo lembra, e como um vigia fiel, ele clama através do Santo Espírito, “retende o que é bom”.

Ele escreveu como se previsse pelo Espírito que os ensinamentos do Evangelho logo poderiam ser corrompidos, estragados e arrancados para longe da Igreja. Ele escreveu como quem previa que Satanás e todos seus agentes poderiam trabalhar duro para abater a Verdade de Cristo. Ele escreveu como se pudesse advertir os homens desse perigo, e ele clama, “retende o que é bom”.

O conselho sempre é necessário – necessidade tão antiga quanto à fundação do mundo. Existe uma tendência à queda na melhor das instituições humanas. A melhor Igreja visível de Cristo não está livre de sua tendência a degeneração. Ela é feita de homens falíveis. Há sempre nela uma tendência a queda. Nós observamos um fermento maligno rastejando dentro da Igreja, mesmo nos tempos do Apóstolo. Havia mal na Igreja de Corinto, na Igreja de Éfeso e na Igreja da Galácia. Todas essas coisas se destinaram para nos avisar e nos guiar nesses últimos tempos. Tudo mostra a grande necessidade que está sobre a Igreja para se lembrar das palavras do Apóstolo: “retende o bom”.

Muitas Igrejas de Cristo desde então tem caído e estado longe de quererem se lembrar desse princípio. Seus ministros e membros se esqueceram que Satanás está sempre trabalhando para nos conduzir na falsa doutrina. Eles esquecem que Satanás pode se transfigurar em anjo de luz, que pode fazer as trevas parecer luz, e luz parecerem trevas; a verdade parecer mentira, e falsificar a verdade. Se ele não pode destruir o Cristianismo, ele sempre tentará estragá-lo. Se não pode evitar a piedade, ele se esforça para roubar o poder das Igrejas. Nenhuma Igreja estará segura se esquecer essas coisas e não manter na mente a ordem do Apóstolo, “retende o que é bom”.

Se alguma vez houve um tempo no mundo em que as Igrejas estavam trilhando seu caminho, em que poderiam reter a verdade ou não, esse é tempo agora, essas Igrejas são as Igrejas protestantes de nossa própria terra.

O Papismo, aquele velho inimigo da nossa nação, está vindo para nós nesses dias como um dilúvio. Nós somos assaltados por inimigos declarados de fora, e traídos continuamente por amigos falsos de dentro. Igrejas Católicas Romanas, capelas, escolas, conventos e monastérios estão constantemente crescendo ao nosso redor. Mês após mês nos chegam noticias de alguma nova apostasia e deserção das fileiras da Igreja da Inglaterra para as classes da Igreja de Roma. O Papa já divide nosso país em dioceses e fala como quem imagina que por ele dividirão os despojos. Ele já parece prever um tempo quando a Inglaterra será o patrimônio de São Pedro, quando Londres será como Roma, quando São Paulo será como São Pedro, e quando o Palácio de Lambeth será como Vaticano é. Sem dúvida, agora ou nunca, nós deveríamos acordar, e “reter o que é bom”.

Alguns de nós em sua cegueira achávamos que o poder da Igreja de Roma estava acabado. Alguns de nós sonhamos em nossa tolice, que a Reforma tinha acabado com a controvérsia Papal, e que se o Romanismo sobrevivesse, estaria também mudado. Se assim pensávamos, temos vivido para aprender que cometemos um dos mais graves erros. Roma nunca muda. É sua vanglória ser sempre a mesma. A serpente não está morta. Ela foi golpeada no tempo da Reforma, mas não foi destruída. O Anticristo Romano não morreu. Ele foi abatido por uma pequena temporada, como a fábula do gigante preso sobre o Etna, mas sua ferida mortal está curada, o sepulcro está aberto mais uma vez, e o Anticristo esta vindo adiante. O espírito impuro do Papismo não está posto em seu lugar. Antes, ele parece dizer, “Minha casa na Inglaterra está varrida e enfeitada para mim; deixe-me retornar para o lugar de onde vim”.

E leitor, a questão agora é se vamos tolerar isso, calmamente, sentados, de braços cruzados e não vamos fazer nada para resistir esse roubo. Nós realmente somos os homens de discernimento desses tempos? Conhecemos o dia de nossa visitação? Certamente essa é uma crise na história de nossas Igrejas e de nosso país. Esse é o tempo que em breve provará se conhecemos o valor de nossos privilégios, ou se, como Amaleque, “a primeira das nações”, nosso fim será perecer para sempre. É o tempo ao qual provará se permitiremos que nosso castiçal seja silenciosamente removido, ou nos arrependeremos e faremos nossas primeiras obras. Se nós amamos a Bíblia aberta, se amamos pregação do Evangelho, se amamos a liberdade de ler essa Bíblia, nenhum homem nos impedirá ou nos travará, e a oportunidade de ouvir esse Evangelho, nenhum homem proibirá, se nós amamos a liberdade civil, se amamos a liberdade religiosa, se essas coisas são preciosas para nossas almas, devemos obrigar nossas mentes a “reter”, para que não percamos tudo pouco a pouco.

Se queremos dizer “retende”, cada paróquia, cada congregação, cada homem Cristão, cada mulher Cristã deve fazer a sua parte na luta pela verdade. Cada um deve trabalhar, cada um deve orar, cada um deve trabalhar duro como se a preservação do puro Evangelho dependesse de si mesmo, de ninguém mais. Os bispos não devem deixar esse assunto para os presbíteros, nem os sacerdotes para os bispos. O clero não deve deixar o assunto para o leigo, nem o leigo para o clero. O Parlamento não deve deixar o assunto para o estado, nem o estado para o Parlamento. O rico não deve deixar o assunto para o pobre, nem o pobre para o rico. Nós todos devemos trabalhar. Cada alma vivente tem uma esfera de influência. Deixe-a ver para que a preencha seu lugar. Cada alma vivente pode obter algum peso na balança do Evangelho. Deixe-a ver para que ela se lance. Deixe todos enxergarem sua responsabilidade individual nesse assunto, e todos, pela ajuda de Deus, ficarão bem.

Se desejarmos reter o que é bom, não devemos tolerar ou consentir com qualquer doutrina que não seja a pura doutrina do Evangelho de Cristo. Há um ódio que é pura caridade: é o ódio das doutrinas errôneas. Há uma intolerância que é puramente louvável: que é a intolerância do falso ensinamento no púlpito. Quem já pensou em tolerar um pouco de veneno ministrado dia a dia? Se homens vierem entre vós e não pregar “todo o conselho de Deus”, não pregar sobre Cristo, pecado e santidade, sobre a ruína, redenção e regeneração, ou não pregar essas coisas de uma maneira Bíblica, vocês devem parar de ouvi-lo. Você deve agir mediante a prescrição dada pelo Espírito Santo no Velho Testamento: Filho meu, deixe de ouvir as palavras de uma instrução que levam ao erro das palavras do conhecimento (Pv 19:27; ou: Se deixa de ouvir as palavras da instrução, desviar-te-ás das palavras do conhecimento). Você deve cumprir aquilo que o Espírito mostrou através do Apostolo Paulo em Gálatas 1:8 – “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo do céu vos pregue Evangelho que vá além do que temos pregado, seja anátema”. Logo, se podemos suportar ouvir a verdade de Cristo mutilada ou adulterada, se não conseguimos enxergar dano em ouvir esse outro Evangelho, se podemos nos sentar tranquilamente enquanto um Cristianismo fraudulento é derramado em nossos ouvidos, e podemos depois ir para casa confortavelmente e não queimar de santa indignação, se esse é o caso, há pouca chance de se fazer muito para resistir a Roma. E se estamos contentes em ouvir Jesus Cristo não sendo colocado em seu Justo lugar, não somos homens e mulheres aptos para fazer o serviço de Cristo, ou lutar uma boa luta ao Seu lado. Aquele que não é zeloso contra o erro, provavelmente não será zeloso com a verdade.

Se nós queremos reter a verdade, devemos estar prontos para nos unir com todos os que retêm a verdade, e amar o Senhor Jesus Cristo em sinceridade. Devemos estar prontos para deixar de lado todas as questões menores como coisas de importância subordinada. Instituição ou não, liturgia ou sem liturgia, batina ou sem batina, bispos ou presbíteros, todos esses pontos de diferença, embora sejam importantes, podem ser colocados em seu lugar e em sua proporção e todos devem ser considerados questões subordinadas. Não peço a nenhum homem suas opiniões pessoais sobre eles. Não desejo que nenhum homem viole sua consciência. Tudo que eu digo é que essas questões são madeira, feno e palha, quando os verdadeiros fundamentos da fé estão em perigo. Os Filisteus estão sobre nós. Podemos chegar a uma causa comum contra eles, ou não? Esse é o ponto da nossa consideração. Certamente não é correto dizer que esperamos passar a eternidade no céu com homens e não podemos trabalhar poucos anos com eles nesse mundo. É tolice falar em aliança e união se, em dias como esses, na existe cooperação. A presença de um inimigo comum deve afogar as nossas diferenças menores. Devemos nos manter unidos: todos os Protestantes devem estar juntos, se eles quiserem “reter o que é bom”.

Em último lugar, se é certo “reter o que é bom”, vamos nos assegurar que temos agarrado pessoalmente a verdade de Cristo para nós mesmos. Leitor, tudo isso não nos salvará do conhecimento de todas as controvérsias e não nos habilitará para detectar tudo que é falso. Conhecimento nunca levará você ou eu para o céu. Isso não nos guardará para estarmos aptos a discutir e argumentar com Católicos Romanos, ou para detectar os erros das bulas Papais, ou cartas pastorais. Isso nos permitirá enxergar que cada um de nós se apegou a verdade de Cristo pela nossa fé pessoal. Veremos que cada um de nós fugiu para o refúgio e nos agarramos à esperança que é colocada diante de nós em Seu Evangelho glorioso. Façamos isso e estaremos bem com nós mesmos, mesmo se todo resto for mal. Vamos fazer isso e então todas as coisas serão nossas. A Igreja pode falhar. O Estado pode falir. As fundações de todas as instituições podem ser abaladas. Os inimigos da verdade podem por alguma razão prevalecer; mas para nós tudo estará bem. Teremos paz nesse mundo e no mundo porvir, vida eterna, para nós que teremos Cristo.Se você ainda não se agarrou nessa esperança em Cristo, busque-a imediatamente. Peça ao Senhor para dá-la a você. Não dê descanso a Ele até que você saiba e sinta que você está Nele.Se você tem se agarrado a essa esperança, “retenha”. Tenha-a em alta estima, para que ela esteja do seu lado quando todo resto falhar.

John Charles Ryle – Traduzido de Evangelical Tracts | Todo direito de tradução em português protegido por Lei Internacional de Domínio Público | Projeto Ryle – Anunciando a Verdade Evangélica.

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