Por Que Quatro Evangelhos?

Um estudo da Palavra de Deus revela o fato (como apontado por outros antes de nós) que, na Bíblia, os números são usados com precisão e significados definidos.

Já fazem vinte anos desde que este que vos escreve leu pela primeira vez o livro do Sr. Andrew Jukes sobre os Evangelhos, em que Jukes delineou tão habilmente as várias personalidades, em que os quatros Evangelistas, de formas diferentes, apresentam o Senhor Jesus Cristo. Desde então nós continuamos, com uma alegria sempre crescente, a traçar por nós mesmos, as várias características que são peculiares a cada Evangelho.

Tem sido um privilégio trazer uma série de leituras bíblicas em relação ao propósito e escopo dos Evangelhos, a vários lugares, na Inglaterra e neste país; e muitos têm sido os pedidos para que os publicássemos na forma de livro. Hesitamos fazê-lo, porque o Sr. Jukes, cinquenta anos atrás, já lidou com o assunto de uma forma melhor que sonhamos alcançar. Desde este dia, muitos outros já escreveram sobre o mesmo tema, mas não com a mesma perspicácia e assistência. Realmente, o Sr. Jukes cobriu o assunto tão exaustivamente (não menos que sua completa extensão) que, para algum outro escritor apresentar algo próximo àquela visão de águia dos quatro Evangelhos, é praticamente impossível complementar mais além do que já foi feito pelo pioneiro original, e repetir muito do que ele primeiramente, como instrumento de Deus, expressou com tão grande efeito. Apenas porque o trabalho de Jukes é desconhecido de muitos a quem esperamos alcançar que agora apresentamos estes estudos ao público cristão. Nós mesmos trabalhamos diligentemente no assunto e buscamos exaustivamente assimilar por completo aquilo que recebemos primeiro dos escritos supramencionados, ao mesmo tempo em que adicionamos, também, nossas próprias descobertas.

Ao escrever neste pequeno livro muito do que foi compilado dos esforços de outros, lembramos das palavras do Apóstolo Paulo a Timóteo, seu filho na fé: “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2 Tm 2.2). E novamente: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido” (2 Tm 3.14). Estamos completamente seguros que há muito mais nos quatro Evangelhos que manifestam as perfeições divinas e as belezas distintas de cada um deles, que ainda não foram expressos por aqueles que buscaram explorar sua profundidade inesgotável; que há aqui um vasto campo para uma pesquisa diligente, e que aqueles que se propuserem a este estudo, em oração, por si mesmos, serão ricamente recompensados por seus esforços. Que agrade a Deus acrescentar um número cada vez maior de seus filhos à “pesquisa” desta porção de sua Palavra Santa, que revela, como em nenhum outro lugar, as excelências de seu Filho bendito, que foi manifestado tão notavelmente por ele durante os anos em que tabernaculou entre os homens.

Por que quatro Evangelhos? Parece estranho que uma questão como esta deva ser perguntada atualmente. O Novo Testamento tem permanecido nas mãos do Povo de Deus por quase dois mil anos e, ainda assim, comparativamente poucos parecem compreender as características e mensagem de seus primeiros quatro livros. Nenhuma parte das Escrituras tem sido estudada tão vastamente como foram os quatro Evangelhos: inumeráveis sermões foram pregados a partir deles, e as divisões, a cada dois ou três anos, de cada um dos Evangelhos é escolhida como assunto para estudo em nossas Escolas Dominicais. No entanto, o fato permanece – que os estilos e características particulares de Mateus, Marcos, Lucas e João são raramente percebidos mesmo por aqueles mais familiares com seus conteúdos.

Por que quatro Evangelhos? Não parece que passou pela cabeça de muitos fazer uma questão como esta. Que nós temos quatro Evangelhos cujo assunto é o ministério terreno de Cristo, isto é universalmente aceito; porém, questões como por que temo-los, o que cada um pretende ensinar, quais são suas características peculiares, suas belezas distintas – estas são menos detectadas e menos ainda apreciadas. É verdade que cada um dos quatro Evangelhos tem muito em comum no geral: todos eles lidam com o mesmo período da história, cada um registra os ensinamentos e milagres do Salvador, cada um descreve Sua morte e ressurreição. Mas, enquanto os quatro evangelistas têm muito em comum, eles também têm suas próprias peculiaridades, e é notando suas variações que somos levados a ver seus verdadeiros significados e estilos, e apreciar suas perfeições. Assim como um curso de arquitetura capacita o estudante a discernir as distinções sutis entre os estilos jônico, gótico e coríntio – distinções que são perdidas por quem não foi instruído no assunto; ou, assim como o treinamento musical permite alguém a apreciar a grandiosidade de uma produção magistral, a majestade do seu tema, a beleza de seus acordes, a variedade de suas partes ou sua execução – tudo isto perdido pelos não iniciados – da mesma forma, as complexas perfeições dos quatro Evangelhos não são notadas e conhecidas para aqueles que não veem neles mais que quatro biografias de Cristo.

Com uma cuidadosa leitura dos quatro Evangelhos, torna-se rapidamente visível a qualquer mente reflexiva que nenhum deles tem alguma coisa que chegue perto de uma biografia completa do ministério terreno de nosso Salvador. Existem grandes silêncios em sua vida, que nenhum dos evangelistas resolveu completar. Depois do registro de sua infância, nada nos é contado até que ele chegasse aos doze anos, e depois de um breve relato que Lucas dá de Cristo como um garoto no Templo de Jerusalém, seguido pela afirmação que seus pais foram a Nazaré e que lá ele “era-lhes sujeito” (Lucas 2), nada mais nos contam sobre Jesus até que alcançasse trinta anos de idade. Mesmo quando chegamos aos relatos do seu ministério público, fica claro que os registro são apenas fragmentários; os evangelistas selecionavam apenas porções de seus ensinamentos e descrevia em detalhes alguns poucos milagres. Concernente ao registro completo de tudo o que aconteceu em sua maravilhosa vida, João nos dá alguma ideia quando diz que “há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem” (João 21.25).

Se, então, os Evangelhos não são biografias completas de Cristo, o que são? A primeira resposta deve ser: quatro livros inspirados, totalmente inspirados por Deus; quatro livros escritos por homens movidos pelo Espírito Santo; livros que são verdadeiros, infalíveis, perfeitos. A segunda resposta é que os quatro Evangelhos são livros, cada um completo em si mesmo, cada um escrito com um propósito distinto, e que o que está contido em suas páginas, e tudo que foi deixado fora, é estritamente subordinado a este propósito, de acordo com um princípio de escolha. Em outras palavras, nada foi trazido a algum dos Evangelhos salvo o que era estritamente relevante e pertinente a seu tema e assunto peculiar, e tudo o que era irrelevante e fracassava em ilustrar e exemplificar seu tema foi excluído. O mesmo plano de escolha é notado em todos os trechos das Sagradas Escrituras.

Tome Gênesis como um exemplo. Por que os primeiros duzentos anos de história são brevemente delineados em seus onze primeiros capítulos, e os próximos trezentos anos são espalhados pelos trinta e nova capítulos restantes? Por que é dito tão pouco sobre os homens que viveram antes do Dilúvio, enquanto as vidas de Abraão, Isaque, Jacó e José são descritas com uma precisão de detalhes? Por que ao Espírito Santo pareceu bem descrever com uma extensão maior as experiências de José no Egito que o relato da Criação? Pegue, novamente, os livros históricos. Um grande tratado nos é dado a respeito das experiências variadas dos descendentes de Abraão, mas temos poucas notícias de poderosas nações contemporâneas a eles. Por que a história de Israel é descrita com tamanha extensão, e a história dos egípcios, hititas, babilônicos, persas e gregos é quase inteiramente ignorada? A resposta a todas estas perguntas é que o Espírito Santo selecionou apenas o que servia a seus propósitos. O propósito de Gênesis é explicar-nos a origem desta nação que ocupa um lugar tão proeminente nos textos do Antigo Testamento; assim, o Espírito Santo atravessa rapidamente, como vemos, os séculos antes de Abraão nascer, e então prossegue descrevendo em detalhes as vidas dos patriarcas de quem nasceria a Nação Escolhida. O mesmo princípio está em vigor nos outros livros do Antigo Testamento. Porque o Espírito Santo está narrando as relações de Deus com Israel, as outras grande nações da antiguidade são grandemente ignoradas, e somente aparecem quando estão diretamente ligadas ao povo das Doze Tribos. Também é assim com os quatro Evangelhos: cada um dos evangelistas foi guiado pelo Espírito a registrar somente o que servia para descrever Cristo nas características particulares em que ele devia ser visto, e o que não tinha relação com a característica particular foi deixado fora. O que queremos dizer se tornará mais claro à medida que o leitor prosseguir.

Por que quatro Evangelhos? Porque um ou dois não era suficientes para dar uma apresentação perfeita das variadas glórias de nosso bendito Senhor. Assim como nenhum dos tipos de Cristo no Antigo Testamento (como exemplo, Isaque ou José, Moisés ou Davi) nos dá um exaustivo presságio de nosso Senhor, nenhum dos quatro Evangelhos apresenta um retrato completo das múltiplas excelências de Cristo. Assim como um ou dois dos grandes sacrifícios ensinados por Deus para Israel (Cf. Lv 1-6) não poderiam, por si mesmos, representar o multi-facetado sacrifício de Cristo, também apenas um ou dois dos Evangelhos não poderia, por si mesmos, apresentar completamente a variedade de interações que o Senhor Jesus teve enquanto esteve aqui na Terra. Resumindo, os quatro Evangelhos apresentam-nos Cristo como cumprindo quatro ofícios distintos. Suponha que eu visitasse uma cidade desconhecida onde havia uma prefeitura imponente, e que ficasse ansioso para relatar aos meus amigos a melhor ideia possível do prédio. O que eu faria? Usaria minha câmera para tirar quatro diferentes fotos da prefeitura, uma de cada lado, e então meus amigos seriam capazes de ter uma concepção completa de sua estrutura e beleza. Isto é exatamente o que temos nos quatro Evangelhos. Falando com reverência, podemos dizer que o Espírito Santo fotografou o Senhor Jesus de quatro ângulos diferentes, vendo-o em quatro relacionamentos diferentes, apresentando-o como cumprindo perfeitamente as responsabilidades dos quatro ofícios. E é impossível ler os Evangelhos de uma forma inteligente, entender suas variações, apreciar seus detalhes, tirar tudo o que podemos, a não ser que o leitor perceba exatamente de que ângulo cada Evangelho em separado está vendo Cristo, que relacionamento particular Mateus ou Marcos apresenta Jesus desempenhando, qual ofício Lucas ou João apresenta-o cumprindo.

Os quatro Evangelhos igualmente apresentam-nos a pessoa e obra de nosso bendito Salvador, mas cada um o vê de uma maneira distinta; e somente o que serviu para ilustrar o desígnio específico que cada evangelista tinha diante dele encontra lugar em seu Evangelho; tudo o que não era estritamente pertinente a este propósito imediato foi omitido. Para tornar a ideia ainda mais simples, usaremos outra ilustração. Suponha que hoje quatro homens receberam o trabalho de escrever a “vida” do ex-presidente Roosevelt, e que cada um precisou apresentá-lo num caráter diferente. Suponha que o primeiro deva tratar de sua vida privada e doméstica, o segundo com o ex-presidente como um esportista e caçador de animais, o terceiro descreva seu talento militar, e o quatro trace sua carreira política e presidencial. Então, perceberemos que, embora estas quatro biografias descreveriam a vida do mesmo homem, entretanto, o veriam em quatro relacionamentos inteiramente diferentes.

Portanto, estará evidente que cada um destes biógrafos foi regido para a seleção de seu material com base na proposta particular que cada um tinha quanto a isto: cada um incluiria apenas o que era pertinente ao seu ponto específico de vista, e pela mesma razão eles omitiriam o que fosse irrelevante. Por exemplo, suponha que, se fosse descoberto que o Sr. Rooseevelt, quando criança, era um excelente atleta e ginasta, qual dos seus biógrafos mencionaria este fato? Obviamente, o segundo, que está descrevendo-o como um atleta. Suponha que, quando criança, o ex-presidente Roosevelt frequentemente estava engajado em combates físicos, quem mencionaria isto? Evidentemente, aquele que está descrevendo sua carreira militar, pois serviria para ilustrar suas qualidades de combate. Novamente, imagine que o Sr. Roosevelt apresentou grande talento para debates quando aluno do colegial. Que biógrafo faria referência a isso? O quarto, que está tratando de sua vida política e presidencial.

Finalmente, suponha que desde sua juventude, o Sr. Roosevelt manifestou uma afeição marcante por crianças, qual dos seus biógrafos iria mencionar isto? O primeiro, pois ele está tratando da vida privada e doméstica do ex-presidente.

O exemplo acima pode servir para ilustrar o que nós temos nos quatro Evangelhos.

Em Mateus, Cristo é apresentado como o Filho de Davi, o Rei dos Judeus, e tudo em sua narrativa gira em torno desta verdade. Isso explica porque o primeiro Evangelho abre com um registro da genealogia real de Cristo, porque o segundo capítulo menciona a jornada dos magos do Oriente, que vieram a Jerusalém perguntando “Onde está aquele que é nascido rei dos judeus?” e porque dos capítulos cinco a sete nós temos o que conhecemos como “O Sermão do Monte”, que, na verdade, é o Manifesto do Rei, contendo uma enunciação das Leis de seu Reino.

Em Marcos, Cristo é descrito como o Servo de Jeová, como aquele que, apesar de ser igual a Deus, humilhou-se e “tomou a forma de servo”. Tudo neste segundo Evangelho contribui para este tema central, e tudo fora disso é rigidamente excluído. Isso explica porque não há genealogia registrada em Marcos, porque Cristo é introduzido já no início de seu ministério público (nada nos é contado sobre sua vida antes disso), e porque há mais milagres (atos de servidão) detalhados que em qualquer outro Evangelho.

Em Lucas, Cristo é apresentado como o Filho do Homem, unido mas diferenciado dos filhos dos homens, e tudo na narrativa serve para mostrar isto. Assim, explica-se porque o terceiro Evangelho traça sua genealogia até Adão, o primeiro homem (ao contrário de apenas até Abraão, como Mateus), porque, como o Homem perfeito, ele é visto frequentemente em oração e porque os anjos são vistos ministrando sobre ele, ao invés de comandados por ele, como acontece em Mateus.

Em João, Cristo é revelado como o Filho de Deus, e tudo neste quarto Evangelho é feito para ilustrar e demonstrar este relacionamento divino. Isso explica porque no versículo de abertura somos levados de volta a antes de o tempo começar e somos apresentados a Cristo como o Verbo “no princípio”, com Deus, e ele mesmo expressamente declarado sendo Deus; esse é o porquê temos aqui tantos de seus títulos divinos, como “O Filho unigênito do Pai”, o “Cordeiro de Deus”, e a “Luz do Mundo”, etc.; é por isso que nos é contado aqui que a oração deve ser feita em seu nome, e que o Espírito Santo será enviado pelo Filho bem como também pelo Pai.

É um fato marcante que esta apresentação quádrupla de Cristo nos Evangelhos foi especificamente indicada através dos profetas do Antigo Testamento. Notavelmente entre as muitas profecias do Antigo Testamento estão aqueles que falam do Messias vindouro com o título de “O Renovo”. A partir daí podemos selecionar quatro correspondências exatas com a maneira em que o Senhor Jesus é visto, respectivamente, em cada um dos quatro Evangelhos.

  • Em Jeremias 23.5 lemos: “Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que levantarei a DAVI um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e agirá sabiamente, e praticará o juízo e a justiça na terra”. Estas palavras servem como uma luva para o primeiro Evangelho;
  • Em Zacarias 3.8 lemos: “Eis que eu farei vir o meu servo, o Renovo”. Estas palavras talvez cairiam bem como um título para o segundo Evangelho;
  • Em Zacarias 6.12 lemos: “Eis aqui o homem cujo nome é Renovo; ele brotará do seu lugar, e edificará o templo do SENHOR”. Não precisamos apontar como isso corresponde exatamente com a caracterização de Cristo por Lucas;
  • Em Isaías 4.2 lemos: “Naquele dia o Renovo do SENHOR será cheio de beleza e de glória; e o fruto da terra excelente e formoso para os que escaparem de Israel”. Assim, esta última citação de predições messiânicas, que fala daquele que haveria de vir sobre a figura do “Renovo” ajusta-se exatamente com o quarto Evangelho, que retrata nosso Salvador como Filho de Deus.

Porém, não apenas as profecias do Antigo Testamento antecipam os quatro ofícios que Cristo manteve na Terra, mas o Antigo Testamento tipifica também prenúncios desta divisão em quatro. Em Gênesis 2.10 lemos: “E saía um rio do Éden para regar o jardim; e dali se dividia e se tornava em quatro braços”. Repare cuidadosamente na palavra “dali”. No Éden “o rio” era um, mas “dali se dividia” e se tornava em quatro braços. Deve haver algum significado profundamente oculto nisto, pois por que contar-nos-iam quantos “braços” o rio tinha? O simples fato histórico é irrelevante ou sem valor para nós, mas o Espírito Santo nos privilegiar com o registro deste detalhe nos prepara para observar além da superfície e procurar algum significado espiritual. E, com certeza, isto não é difícil de procurar. “Éden” sugere-nos o paraíso, o “rio” que o “regava”, fala de Cristo, que é a Luz e a Alegria do Paraíso. Interpretando esta figura, então, percebemos que no Paraíso, Cristo era visto como uma única pessoa – “O Deus de Glória” – mas assim como o “rio”, ao deixar o Éden, era dividido e se tornava em “quatro braços” e também regava a terra, então, da mesma forma, o ministério terreno do Senhor Jesus tornou-se, pelo Espírito Santo, “dividido em quatro braços” nos Quatro Evangelhos.

Outro tipo veterotestamentário que antecipa a divisão quádrupla do ministério de Cristo, como registrado nos quatro Evangelhos, pode ser encontrado em Êxodo 26.31-32 – “Depois farás um véu de azul, e púrpura, e carmesim, e de linho fino torcido; com querubins de obra prima se fará. E colocá-lo-ás sobre quatro colunas de madeira de acácia, cobertas de ouro; seus colchetes serão de ouro, sobre quatro bases de prata”. De Hebreus 10.19-20 descobrimos que o “véu” prenunciava a Encarnação, Deus manifesto em carne – “pelo véu, isto é, pela sua carne”. É claramente significante que este “véu” estava colocado sobre “quatro colunas de madeira de acácia cobertas de ouro”. A madeira, novamente, falando de sua humanidade, e o ouro de sua divindade. Assim como estas “quatro colunas” serviam para apresentar o belo véu, nos quatro Evangelhos nós temos manifestas as perfeições do unigênito do Pai tabernaculando entre os homens.

Em conexão com o último texto citado, pode observar outro detalhe – “com querubins de obra prima se fará”. O véu era ornamentado, aparentemente, com os “querubins” bordados nas cores azul, púrpura e carmesim. Em Ezequiel 10.15, 17, os querubins são designados “seres viventes”. Isto nos permite identificar os “quatro animais” de Apocalipse 4.6, pois literalmente o Grego escreve “quatro seres viventes”. Estes “seres viventes” ou “querubins” são também quatro em número e da descrição que é fornecida deles em Apocalipse 4.7 encontraremos que eles correspondem, de forma muito marcante, com as várias características que o Senhor Jesus é apresentado em Mateus, Marcos, Lucas e João.”E o primeiro animal era semelhante a um leão, e o segundo animal semelhante a um bezerro, e tinha o terceiro animal o rosto como de homem, e o quarto animal era semelhante a uma águia voando” (Apocalipse 4.7). O primeiro querubim, então, era como “um leão” que nos lembra um dos títulos usados para Cristo em Apocalipse 5.5 – “O Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi”. O leão, que é o rei entre as feras, é um símbolo apropriado para retratar Cristo como ele é apresentado no Evangelho de Mateus. Note também que o Leão da Tribo de Judá aqui é chamado de “a Raiz de Davi”. Portanto, a descrição dada em Apocalipse 4.7 do primeiro “querubim” corresponde exatamente com o atributo pelo qual Cristo é registrado no primeiro Evangelho, visto que “o Filho de Davi” é o “Rei dos Judeus”. O segundo querubim era “semelhante a um bezerro”, ou “boi jovem”.

O bezerro apropriadamente simboliza Cristo como ele é apresentado no Evangelho de Marcos, pois assim como o boi era o principal animal de servidão em Israel, no segundo Evangelho nós temos Cristo apresentado em humilhação, como o perfeito “Servo de Jeová”. O terceiro querubim tinha “rosto como de homem”, o que corresponde ao terceiro Evangelho, em que a humanidade do nosso Senhor está enfatizada. O quarto querubim era “semelhante a uma águia voando”: que simbolismo! Os três primeiros – o leão, o bezerro e o homem – todos pertencem à terra, assim como os três primeiros Evangelhos concentram-se em registrar Cristo de uma maneira terrena; mas o quarto querubim eleva-se acima da terra, e os céus são enfatizados! A águia é o pássaro que voa mais alto e simboliza o atributo de Cristo que é visto no Evangelho de João, isto é, o Filho de Deus.

Incidentalmente, nós podemos observar como a descrição dos quatro querubins em Apocalipse 4.7 autentica o arranjo dos quatro Evangelhos como nós temos em nossas Bíblias, evidenciando o fato de que sua ordem atual é de organização divina, como Apocalipse 4.7 confirma!

Chamaremos atenção para um outro detalhe, fechando assim esta introdução e nos voltando para os próprios Evangelhos. Contemplem a sabedoria de Deus demonstrada na seleção dos quatros homens a quem ele utilizou para escrever os Evangelhos. Em cada um podemos discernir uma compatibilidade e aptidão para sua tarefa.

A seleção instrumental por Deus para escrever esse primeiro Evangelho estava singularmente apta para a tarefa diante dele. Mateus é o único dos quatro evangelistas que apresenta Cristo com um atributo oficial, a saber, como Messias e Rei de Israel, e o próprio Mateus foi o único dos quatros que tinha uma posição oficial; diferente de Lucas, cuja profissão era de médico, ou João que era um pescador, Mateus era um cobrador de impostos a serviço dos romanos. Novamente, Mateus apresenta Cristo relacionado ao Reino, como o único que possuía o título para reinar sobre Israel; como é apropriado, então, que Mateus, oficial e acostumado às responsabilidades de um vasto império, seja aquele escolhido para esta tarefa. Mais ainda, Mateus era um publicano. Os romanos escolhiam oficiais cuja função era coletar as taxas dos judeus. Os cobradores de impostos eram odiados mais severamente pelos judeus que pelos próprios romanos – homens como Mateus. Como é tocante, então, Mateus escrever sobre aquele que foi “odiado sem uma causa” e expressar o Messias-Salvador como “rejeitado e desprezado” pela sua própria nação. Finalmente, por Deus escolher este homem, que por vocação estava associado aos romanos, nós temos uma surpreendente antecipação da graça de Deus alcançando os desprezados gentios.

O Evangelho de Marcos nos põe diante do Servo de Jeová, o perfeito Obreiro de Deus. E o instrumento escolhido para escrever este segundo Evangelho aparentemente manteve uma posição única, que o capacitou bem para esta tarefa. Ele não era um dos apóstolos, mas um servo de um apóstolo. Em 2 Timóteo 4.11, temos um texto que nos apresenta isto de uma forma marcante – “Toma Marcos, e traze-o contigo, porque me é muito útil para o ministério”. Assim, aquele que escreveu de nosso Senhor como o Servo de Deus foi ele mesmo alguém que serviu a outros!

O Evangelho de Lucas lida com a humanidade de nosso Senhor, e o apresenta como o Filho do Homem, relacionado, mas diferente dos filhos dos homens. O Evangelho de Lucas é aquele que nos dá o mais completo relato do nascimento virginal. Esse Evangelho também nos revela mais profundamente que qualquer outro o estado decaído e depravado da natureza humana. Novamente, o Evangelho de Lucas é bem mais internacional em seu delineamento que os outros três, e é mais gentílico que judeu – evidências disto serão apresentadas quando viermos a examinar seu Evangelho detalhadamente. Agora, observe quão apropriada a escolha de Lucas para escrever este Evangelho. Quem ele era? Ele não era um pescador nem cobrador de impostos, mas um “médico” (vide Cl 4.14) e assim, um estudioso da natureza humana e diagnosticador da estrutura humana. Mais ainda, há boas razões para crer que o próprio Lucas não era um judeu, mas um gentio, e, portanto, era significantemente apropriado que ele apresentasse Cristo não como “o Filho de Davi”, mas como “O Filho do Homem”.

O Evangelho de João apresenta Cristo com as características mais elevadas de todos, descrevendo ele no ofício divino, apresentando que ele era o Filho de Deus. Esta era uma tarefa que pedia um homem de alta espiritualidade, alguém que era íntimo com nosso Senhor de uma maneira especial, alguém que foi dotado com um discernimento espiritual excepcional. E claramente João, que era mais próximo do Salvador dentre os doze, “o discípulo a quem Jesus amava”, foi bem escolhido. Como é perfeito que aquele que se reclinou junto ao Mestre seja o instrumento para retratar Cristo como o “Unigênito, que está junto do Pai”! Desta forma, nós podemos discernir e admirar a multiforme sabedoria de Deus em equipar os quatro “Evangelistas” para seu trabalho honroso. Antes de fechar esta introdução, devemos retornar mais uma vez a nossa primeira pergunta – Por que quatro Evangelhos? Desta vez devemos dar à questão uma ênfase diferente. Até este ponto, nós temos considerado a pergunta “Por que quatro Evangelhos?” e vimos que a resposta é: para apresentar a pessoa de Cristo em quatro representações diferentes. Mas nós poderíamos agora perguntar: Por que quatro Evangelhos? Por que não reduzi-los a dois ou três? Ou, por que não se adicionou um quinto? Por que quatro? Deus tem um sábio motivo para tudo, e nós podemos ter certeza de que há um propósito divino no número dos Evangelhos.

Tentando responder a questão, “Por que quatro Evangelhos?“, não seremos levados às incertezas da especulação ou imaginação. A Escritura interpreta a si mesma. Um estudo da Palavra de Deus revela o fato (como apontado por outros antes de nós) que, na Bíblia, os números são usados com precisão e significados definidos. “Quatro” é o número do mundo. É, portanto, um número da Terra. Vejamos algumas pequenas ilustrações disto.

Existem quatro pontos cardeais da Terra – norte, leste, sul e oeste. Existem quatro estações do ano na Terra – primavera, verão, outono e inverno. Há quatro elementos conectados com nosso mundo – terra, fogo, ar e água. Existiram quatro, e apenas quatro, grandes impérios mundiais – Babilônico, Medo-Persa, Grego e Romano. A Bíblia divide os habitantes da Terra em quatro classes – “tribo, e língua, e povo, e nação” (Ap 5.9). Na Parábola do Semeador, nosso Senhor dividiu o campo em quatro tipos de solo, e mais tarde, ele disse “o campo é o mundo”. O quarto mandamento nos manda descansar dos trabalhos da terra. A quarta frase da oração de nosso Senhor, conhecida como Pai-Nosso, é “seja feita a tua vontade na terra”. E assim poderíamos continuar. Quatro é, portanto, o número da Terra. Quão apropriado, então, que o Espírito Santo tenha nos dado quatro Evangelhos em que estão descritos o ministério terreno daquele que veio do céu.

Arthur Walkington Pink (1886 – 1952), Swengel, Pa., 1921 – Prefácio e Introdução do livro “Why Four Gospels?”.

Fonte: “Providence Baptist Ministries”.

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