Participantes da Natureza Divina
[ II Pedro 1 ] O grande cuidado que o apóstolo tem para escrever pela segunda vez a estes crentes hebreus dando-lhes instruções a respeito de seu andar, e advertindo-os dos males que viriam, é uma prova clara de que ele não contava com uma continuação da ordem apostólica. O tema geral da carta e seus detalhes também excluem tal pensamento. Certamente, no segundo capítulo, foi mostrado o estado terrível que estava previsto, e então, que Deus julgaria todo aquele cenário.
A segunda carta de Pedro assemelha-se à de Judas em alguns aspectos. A diferença entre a Epístola de Judas e esta é que, quando Pedro, fala sobre corrupção pelo Espírito de Deus, ele fala a respeito do mundo, enquanto Judas fala da corrupção na igreja – que leva o nome do Senhor – a saber, a corrupção eclesiástica. Em ambas as epístolas é tratada a apostasia, especialmente em Judas.
A maneira cuidadosa com que o apóstolo procura ajudar e guiar estes crentes, a quem escreve pela segunda vez, mostra que não haveria continuação da autoridade apostólica; portanto, ele os encaminha ao Senhor e à Sua palavra. E faz um resumo da questão de como Deus trata com a terra de uma forma, e com a majestade que condiz ao Seu caráter.
“Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo”. Pedro dirige-se aos judeus convertidos como servo e apóstolo, e fala a eles como na primeira carta, porém, ao dizer “Aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa”, ao mesmo tempo em que se dirige àqueles irmãos a quem escreveu a primeira epístola, indica uma ampliação incluindo agora “a todos… que conosco alcançaram…”. (II Pedro 1:1).
Pedro tem um gosto especial pela palavra “preciosa”. “Sangue precioso”, “Ele é precioso”, e aqui, “fé preciosa”. Fala da fé – o fato de você crer – e diz que ela começa no terreno da justiça de “nosso Deus e Salvador”. Você tem essa fé por causa da fidelidade de Deus, que era Jeová para Israel, e que é, do mesmo modo, o Salvador que veio aqui e andou neste mundo. Deus tem sido justo e fiel, e como resultado, apesar do pecado, você tem essa fé no bendito Filho de Deus.
“Graça e paz vos sejam multiplicadas, pelo conhecimento de Deus, e de Jesus nosso Senhor” (II Pedro 1:2).
Esta é uma saudação bem habitual. A graça é o favor de Deus, e a paz o lugar de descanso da alma. Pedro deseja que essas bênçãos sejam multiplicadas. É nesse lugar onde a alma descansa em perfeita paz com Deus e numa aceitação real de Deus e em graça diante Dele. Por que Pedro não fala de misericórdia nessa passagem? Porque ela é encontrada somente nas relações individuais, pois, embora eu possa ter graça e paz como indivíduo, necessito da misericórdia para minha alma dia a dia, por viver numa cena onde tudo está contra mim. Quando Pedro se dirige à igreja, a misericórdia não é mencionada, pois a igreja é sempre vista em sua relação com Cristo e como tendo recebido misericórdia por causa de sua conexão com Ele.
Na epístola a Filemon, Paulo escreve a ele e “à igreja que está em sua casa”, e essa é a razão pela qual “misericórdia” não é mencionada. O que podia parecer uma exceção prova realmente o que acima foi dito.
Como esta graça e paz podem ser multiplicadas? “Pelo conhecimento de Deus” (verso 2). A intensificação dessa graça e paz somente pode acontecer à medida que andamos com Deus. Mostre-me uma pessoa que esteja andando com Deus, e eu lhe mostrarei alguém que obtém graça multiplicada dia após dia. Se você andar perto de Cristo terá a paz que Ele veio dar multiplicada dia a dia. Não há nada mais difícil do que andar pela graça, pois se por um lado há a tendência à frouxidão, por outro existe a tendência ao legalismo. Estando, como aqueles crentes estavam vivendo em uma cena de dificuldades, por isso não admira que o apóstolo tenha desejado que a graça e a paz pudessem ser multiplicadas.
“Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude. Pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo” (II Pedro 1:3-4).
Veja como de modo tão belo temos o poder divino no versículo 3 e a natureza divina no versículo 4. No versículo 3 somos os objetos do poder divino, uma operação divina que trabalha em nós dando-nos todas as coisas que pertencem à vida e à piedade. A vida eterna é uma vida que tem prazer em Deus e é própria de Deus, e a piedade é um caráter que é como o de Deus em todos os nossos caminhos aqui, uma semelhança moral a Ele. A vida eterna é uma vida que vem Dele e nunca se ocupa com qualquer outra coisa senão com Ele próprio, e depois vem então a piedade, ou seja, a semelhança com Deus.
“Pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude“. Trata-se de uma profunda familiaridade com o bendito Ser, o qual deu às nossas almas um claro chamado, e se há uma coisa de que somos inclinados a esquecer é nosso chamado ou vocação. Não nos esquecemos de nossos dons, nossas bênçãos, mas estamos prontos a nos esquecermos de nosso chamado, e o que é o nosso chamado? Deus nos chamou para a glória! Somos chamados ao céu no primeiro capítulo da primeira carta, e aqui Pedro diz que o Deus da glória se revelou e nos chamou.
O contraste entre o cristão e seu chamado, e Adão na sua inocência, é bem distinto. Na inocência, Adão era responsável por obedecer a Deus e ficar no Éden onde estava, mas nossa responsabilidade não é ficarmos onde estávamos, pois estávamos no mundo, e o pecado e a paixão constituem nossa natureza. Todavia Deus nos chamou para sairmos dessa esfera pela sua glória e virtude. Abraão foi chamado para ser peregrino; Moisés, para entregar a lei e Josué para ser um líder. Nosso chamado é para a glória. Veja, diz o apóstolo, que você tenha seu rosto dirigido para lá.
A glória é a meta e o que temos para manifestar e expressar é o que ele chama de virtude, energia espiritual. Não há dificuldade maior na nossa vida do que manifestar essa energia, pois isso nos obriga a recusarmos a carne e o mundo. Como Moisés: “Pela fé Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus, do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado” (Hebreus 11:24-25).
O homem que possui essa energia espiritual sabe dizer “não” às mil coisas existentes nele e em torno dele, ou seja, aos apelos da carne. Costumamos desistir com muita frequência. Nos falta essa energia, e o resultado é que caímos com frequência. Moisés recusou a terra e seus prazeres, recusou o lugar mais elevado neste mundo, disse “não” aos fascínios da carne e do mundo, e tomou seu lugar com os desprezados escravos que pertenciam ao povo de Deus. E para agir como Moisés é preciso virtude e coragem. Ele recusou aquilo que a natureza escolheria – o palácio, o trono e a coroa de Egito – e escolheu o que a natureza recusaria, ou seja, estar na companhia de escravos fazendo tijolos! Mas ele viu que eles eram o povo de Deus e isso fez toda a diferença.
Como necessitamos dessa coragem para recusar o mundo em todas as suas formas e nos estreitarmos a nós mesmos com essa pequena companhia dos que amam o Senhor e são unidos a Ele.
Não há nada mais difícil do que romper com velhos hábitos que fazem parte da vida da maioria das pessoas, pois o poder que as tradições têm sobre nós é espantoso, e é preciso coragem para nos mantermos longe delas. Os judeus convertidos, aos quais as cartas de Pedro foram endereçadas, tinham se separado de sua religião, seu templo, suas ordenanças, suas práticas e de tudo aquilo que sua nação e seus antepassados tinham guardado e, saindo do arraial, tinham simplesmente ido a Jesus. E por terem saído para enfrentar o desprezo e o escárnio, Pedro os encoraja de forma generosa.
Se nós não mantivermos vivas em nossas almas essa coragem e energia – o poder em nós – retrocederemos para as coisas que uma vez deixamos.
“Pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo” (II Pedro 1:4).
Todas as promessas estão conectadas com essa vida ou com a glória na qual estaremos no final. Mas as promessas nos associam a Cristo, a fim de sermos “participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo”. Somos feitos participantes da natureza divina na conversão, pela novo nascimento, mas Pedro mostra-nos claramente o doce resultado de provar o que o Senhor é e de andar com Ele. Ele nos permite essa participação na natureza divina moralmente, isto é, somos introduzidos na atmosfera que convém a Deus, respiramos a atmosfera que Ele respira e, como consequência, tornamo-nos espirituais. A alma se alarga ao perceber como Ele é. Primeiro nos é dada a capacidade para a apreciação de Deus, e então, à medida que andamos com Ele, essa apreciação se aprofunda.
Somente à medida que participamos moralmente das palavras e das coisas de nosso Senhor Jesus Cristo, nos transformamos em participantes dessa natureza divina. Se você viver com o Senhor e caminhar com Ele obterá o resultado e escapará da corrupção que pela concupiscência há no mundo. O que é concupiscência? A vontade do homem. É a essa vontade, e ao andar do santo para escapar dela, que o apóstolo está se referindo aqui. Ao levar cativo cada pensamento do coração a Cristo você é libertado de sua vontade própria. As imaginações de seu próprio coração não prevalecerão. Você respirará a atmosfera santa e pura da presença de Deus, atmosfera na qual a alma encontra seu prazer ao fazer a vontade de Deus. Antes você estava no mundo fazendo sua própria vontade, mas agora, tendo sido libertado, é a vontade de Deus que você faz. Que doce pensamento saber que quando formos levados para casa, na glória, não haverá mais nenhuma mancha de pecado! “Mas”, diz Pedro, “você pode conhecer muito sobre isso estando ainda aqui”. Você tem a nova natureza que se deleita em Deus e essa natureza tem espaço para se expandir; sua paz cresce, sua graça é multiplicada e você escapa da corrupção que há no mundo por causa da concupiscência.
Paulo pregou a mesma coisa, “se vivemos no Espírito, andemos no Espírito”. E como será o andar do homem se ele viver no Espírito? Como Cristo! Cada pensamento do coração de Cristo era dirigido para Deus. Que será no final quando cada pensamento, cada movimento de nossos corações for dirigido para Deus? Quando estivermos na glória respiraremos a atmosfera na qual nossa alma terá prazer, e isso livremente, sem termos que cuidar dos pensamentos, sem temor e tremor, quando não haverá nenhuma ação da carne como há agora enquanto estamos no terreno do inimigo de nossas almas. E ao dizer aos hebreus que essas experiências poderiam ser deles já neste mundo, Pedro dá a eles o que iria alegrar e refrescar seus corações.
“E vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência; e à ciência a temperança, e à temperança a paciência, e à paciência a piedade; e à piedade o amor fraternal, e ao amor fraternal a caridade” (II Pedro 1:5-7).
No versículo 5 o apóstolo se volta para a vida prática dos crentes. Tendo lhes dito palavras de conforto e agradáveis a seus corações, disse então que aquilo não era tudo e passou a tratar do lado prático de suas vidas. “E vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência (ou ‘conhecimento’, segundo algumas versões)”. Pedro sabia como era fácil se deixar levar pela indolência, e assim os exorta à diligência. Virtude é a energia e a coragem da alma que sabe recusar e também escolher, como Moisés que “recusou ser chamado de filho da filha do Faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado”, e assim nós lemos, “acrescentai à vossa fé a virtude”. Você tem a fé que o conecta a Deus, e você acredita naquilo que até o momento não vê, mas agora você deve acrescentar a virtude, que é a coragem, que sabe dizer não às mil coisas que nos tentam no dia a dia, e nos pressionam constantemente no caminho que temos diante de nós.
Isto não é uma adição no sentido exato da palavra. O verso 5 deve ser lido assim, “E vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, em sua fé tenha também a virtude, na virtude o conhecimento, etc”. O pensamento aqui é o de ter todas as qualidades do que é perfeito. Você será perfeito quando não tiver falta de nenhuma dessas qualidades. Uma pessoa pode oferecer uma maçã a um bom conhecedor da fruta para provar, e por este ser um bom conhecedor de maçãs, ao provar diz que ela é boa mas falta doçura. Assim você pode dizer a respeito de um cristão, que ele é agradável, mas lhe falta temperança. A natureza divina em todas as suas qualidades deve ser vista no cristão.
Creio que a palavra ‘adição’ não dá o sentido dessa passagem. Adicionar apenas dá a entender que algo novo está sendo introduzido. Mas este é outro tipo de adição, pois: Que não falte em você nenhuma das qualidades desta vida divina – a vida de Cristo.
Somos deixados aqui para manifestarmos a Cristo, para refletir o que Ele é. Isso nunca poderia acontecer sem termos sido feitos participantes da natureza divina. Nascidos de Deus, nós recebemos a Cristo. Então, a vida de Cristo deve ser exibida – todas as qualidades da nova natureza devem ser mostradas – nenhum traço do caráter de Cristo deve faltar. Devemos ser epístolas de Cristo, lidas e conhecidas de todos os homens. Em nossa fé nós temos que ter virtude, etc. Essas qualidades devem existir em nós. Deve haver o conjunto completo – nada faltando – todas as graças presentes e sendo exibidas. Certamente nós sentimos quão pouco temos vivido essa vida divina. Podemos encontrar uma pessoa que tenha essa energia, mas que seja um pouco áspera, e assim Pedro diz que há algo faltando a fim de que essa aspereza não apareça. Então, adicionando à virtude o conhecimento de Deus, da mente e das maneiras de Deus, e do que O agrada, pois, o mero conhecimento ensoberbece, temos o que vem de Deus que é o conhecimento que humilha. O homem que quer conhecer a Deus realmente, não pode conhecê-Lo sem estar em Sua companhia, e uma pessoa que esteja próximo de Deus é terno em suas maneiras, embora possa haver energia nele para seguir em frente. Necessitamos da graça do Senhor para isso.
“E ao conhecimento, o domínio próprio“. Não o mero domínio externo, mas o cultivo da história interior da alma dia a dia, governando-nos, mantendo-nos em ordem. E dependemos disso, pois, se não pudermos nos manter em ordem, não poderemos manter nenhuma outra pessoa. Domínio próprio é essa atitude séria e quieta de espírito, de quem é tranquilo em quaisquer circunstâncias, como Cristo, nunca ficando aborrecido ou irritado diante de qualquer prova.
“E ao domínio próprio, a paciência“. O domínio próprio nos impede de dizer ou de fazer uma coisa que possa ferir alguém, e a paciência impede de nos aborrecermos com alguém que quer nos ferir. O domínio próprio é ativo e a paciência é passiva. Se você não tiver conhecimento não saberá como entender os pensamentos de Deus. Se não tiver domínio próprio certamente fará algo que ferirá alguém, e se não tiver paciência ficará aborrecido por algo que alguém possa lhe fazer.
“E à paciência, a piedade” – à semelhança de Deus. Andando neste cenário, e possuindo a natureza divina, cuide para ilustrar isso, ande como exemplo disso! Diga-me com quem andas e eu te mostrarei quem és! Se você permanecer na companhia de Deus será uma pessoa piedosa, porque todos nós nos assemelhamos àquilo com que nos ocupamos. Isso é demonstrado em mil detalhes de nossa vida diária.
Em seguida temos o amor fraternal e a caridade, duas coisas que podem parecer iguais, mas não são. Amor fraternal é algo que pode ser meramente humano, e pode se deteriorar e desaparecer, pois, pode ser que o amor fraternal seja somente amar pessoas amáveis – ele pode ser parcial – mas quando se trata de caridade, ela é imparcial e infalível – é divina. “O amor (caridade) nunca falha”. Em 1 Coríntios 13 há oito coisas que não devemos fazer e oito que devemos, e isso nunca termina. É exatamente aquilo que nossas almas precisam enquanto atravessamos uma cena onde tudo está contra nós.
Supondo que uma pessoa me rejeite e eu considere o esforço de me aproximar e demonstrar o meu amor apenas como uma intromissão, o amor fraternal talvez dissesse apenas um “Não vou voltar a procurá-la”. Todavia, a caridade, por ser divina, me faz pensar na glória de Deus em conexão ao bem e bênção para pessoa, e assim eu volto atrás e procuro ver se posso ser útil para ela. A caridade não é o amor que minimiza o pecado, mas o amor que procura o benefício das pessoas que são objetos do amor do Deus.
Temos um guia perfeito pelo qual podemos saber se realmente amamos os filhos de Deus: “Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos” 1 João 5:2. Se você amar ao Pai, amará a Seus filhos. Se nós O amarmos nós amamos o Seu povo da mesma maneira, e buscarmos fazer a vontade de Deus, procuraremos a bênção uns dos outros. Devemos agir como quem vai a Deus o mais diretamente possível, dependentes Dele e obedientes a Ele, e devemos, em graça, procurar ajudar uma pessoa, independente da sua condição. Temos a ajuda do Senhor, através da Sua Palavra, para colocar em prática esse amor, e para procurar ter estas qualidades morais encantadoras em nossa fé, pois há muitas consequências agradáveis se agirmos assim.
Se não existir essa abençoada adição é certo que estaremos fazendo um retrocesso, porque não há na vida cristã algo como ficar parado. Se não estivermos progredindo, estaremos regredindo. “Porque a qualquer que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver, até o que tem ser-lhe-á tirado” Mateus 25.29. O que será se não existir o desejo de avançar, de ir adiante com o Senhor? Haverá somente um retorno às coisas das quais o Senhor nos tirou em dias passados. O Senhor nos conceda ter diligência de coração em tal adição à nossa fé, e em progredir no conhecimento Dele.
“Porque, se em vós houver e aumentarem estas coisas, não vos deixarão ociosos nem estéreis no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo” (II Pedro 1:8).
Pela frequência com que o apóstolo menciona as oito coisas nos versículos 5, 6, e 7, parece quase impossível não supervalorizar importância delas. Ele mostra o efeito de ter essas coisas, e o resultado de não as ter.
O fim de cada tratamento de Deus com nossas almas é nos fazer conhecer a Cristo melhor. Se um cristão se exercita nas coisas desses três versículos, nesse você encontrará alguém que traz o bom perfume de Cristo. Pedro sentiu que seria uma perda absoluta de todas as coisas não conduzir os santos a um conhecimento mais profundo de Cristo. Aquilo que nos põe mais próximos de Cristo tem este efeito, percebemos o quanto somos diferentes Dele, e também como o mundo nos seduz, de modo que estaremos mais preparados moralmente para passar através do mundo.
Muitos santos de Deus sentem que estão preparados para o céu, mas não para a terra, porque não estão suficientemente com o Senhor para serem iguais a Ele nas ocasiões que se apresentam enquanto passam por este cenário. Sentimos nossa impotência e insensatez ao percebermos o quanto falhamos como testemunhas para Cristo. É só quando conhecermos melhor a Cristo que estaremos aptos para passar pelas coisas aqui nesse mundo.
“Pois aquele em quem não há estas coisas é cego, nada vendo ao longe, havendo-se esquecido da purificação dos seus antigos pecados” (II Pedro 1:9).
Alguém poderá dizer que tal pessoa está desviada. De maneira nenhuma! Ela está confiante a respeito de sua salvação eterna. “Mas”, dizem, “está cega”. Totalmente verdadeiro! Ponha as coisas que pertencem ao Senhor diante dela e ela não as verá, pois se esqueceu também de que foi purificada de seus velhos pecados. Do que ela se esqueceu? Esqueceu-se de que seus velhos pecados foram purificados? Nem um pouco! Esqueceu-se de que ela foi purificada de seus velhos pecados – seus hábitos, e modo de vida quando não era salva – e assim voltou a praticá-los, voltou para o mundo, havendo perdido completamente o sentido do que é o cristianismo como algo celestial, e qual a chamada do cristão para ser uma pessoa celestial. Houve uma queda e a perda da visão das coisas para as quais o Senhor a chamou; uma queda em direção à terra e suas maneiras, seus princípios, e sua religião. Toda a verdade foi deixada de lado. Passo a passo o padrão foi sendo rebaixado e ela foi se distanciando até que houve a queda, de modo que o Senhor precisa acordar essa alma de uma maneira notável.
“Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis. Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (II Pedro 1:10-11).
Aqui o apóstolo entra outra vez com a solene exortação, “seja diligente”, e essa é uma atitude que necessitamos, a santa diligência da alma para prosseguir com propósito de coração para tudo aquilo que o Senhor nos chamou. Pedro, neste versículo, está outra vez, sem dúvida, referindo-se à terrível queda que ele próprio sofreu.
“Mas”, você dirá, “como podemos ter por certas nossa vocação e eleição?” Quem nos chamou? Nosso Pai. Quem nos escolheu? Nosso Pai. Essa certeza pode se estabelecer mais e mais em nossa mente e em todos aqueles que nos observam. Nossa conduta não deve desmentir aquilo que professamos. Ter certeza de nosso chamado e eleição é estarmos conscientes de que somos possuidores da vida eterna, tal como foi dito pelo apóstolo João, para a apreciarmos. Pedro nos fala que, tendo essa certeza, não cairemos como ele uma vez caiu, ou na verdade duas vezes, e fala ainda de que uma entrada abundante (ricamente fornecida, conforme J. N. Darby) no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo nos será assegurada.
“Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (II Pedro 1:11).
Isso significa mais que a alma estar sendo sustentada e mantida pelo Senhor, embora esta já seja uma graça maravilhosa, pois há muitas quedas na história de um filho do Deus, e isso é bem sabido por Ele e Seu coração. O que Pedro vê aqui é o trajeto de um cristão como uma caminhada sem retrocessos, desde o dia de sua conversão até o dia em que o Senhor o leva para casa. E então fala do cristão como se nunca tivesse dado um passo para trás, num caminho de maravilhosa devoção do primeiro ao último dia. Não há nenhuma referência aqui à misericórdia ou ao perdão, mas Pedro volta ao seu assunto principal sobre o governo de Deus e diz: Se você tiver estas coisas e elas abundarem, não somente você será impedido de cair, mas terá uma agradável entrada no reino. O que ocupava o pensamento de Pedro era o lugar, a porção e o prêmio que o santo de Deus possui no reino vindouro, pois, embora a graça de Deus dê a cada um de nós um lugar comum na glória celestial, existe algo como o reino, e também um lugar no reino, como sendo uma recompensa pelo serviço prestado ao Senhor enquanto estamos aqui. A graça nos dá um lugar comum na glória celestial, mas o governo de Deus nos dá uma distinção, um lugar justo e consequentemente diferente dos demais no reino do Senhor Jesus Cristo, e isso conforme o nosso serviço.
Trata-se de uma questão da recompensa que cada santo receberá do Senhor no final. A mesma diferença ocorre aqui, como a que existe entre duas embarcações que viajam saindo de um mesmo porto e encontram a mesma tempestade pelo caminho. Uma foi mal equipada, mal tripulada e mal comandada, e apesar de alcançar o porto, chegará sem a carga e com as velas e os mastros destruídos – com o casco sem condição de navegar e rebocada por um navio a vapor. A outra embarcação chega ao porto com todas as velas ajustadas, com distinção, tendo tudo em ordem e com a carga segura.
Pedro diz que se você não tiver estas coisas em mente, não “fazendo isso” haverá quedas pelo caminho e um senso de perda no final. Há momentos quando a alma sente profundamente e confessa que não foi fiel ao Senhor como Deus gostaria que fosse, mas se deixou levar pelo mundo de um modo frio, superficial e com o coração dividido! De maneira muito bela, Pedro apascenta as ovelhas a fim de que não caiam nas coisas que ele, de bom grado, as quer proteger.
“Por isso não deixarei de exortar-vos sempre acerca destas coisas, ainda que bem as saibais, e estejais confirmados na presente verdade. E tenho por justo, enquanto estiver neste tabernáculo, despertar-vos com admoestações, Sabendo que brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como também nosso Senhor Jesus Cristo já mo tem revelado” (2 Pedro 1: 12-14).
Às vezes podemos achar que não vale a pena falar repetidas vezes sobre o mesmo assunto. Pedro não pensava assim. E Deus terá prazer se lembrarmos dessas coisas em nossos corações. Acaso não precisamos disso, de sermos lembrados dessas coisas? Sim, precisamos! Satanás sempre faz o máximo esforço para estorvar nossas almas. Que o Senhor nos conduza para sermos mais vigilantes, permanecendo de sobreaviso contra as astutas ciladas do inimigo.
Mas também eu procurarei em toda a ocasião que depois da minha morte tenhais lembrança destas coisas” (II Pedro 1:15).
Como Pedro é persistente! “Para ter sempre lembrança destas coisas”. Ele fala cinco vezes “estas coisas”. Portanto, é impossível para nossas almas estimar o valor e a utilidade dos versos 5, 6 e 7, nos quais o apóstolo se refere a “estas coisas” por cinco vezes. O Senhor nos garante que podemos tê-las sempre na lembrança; sim, nós as temos gravadas nas tábuas do nosso coração. Pedro sentia que não haveria sucessão apostólica, após sua morte não haveria ninguém para fazer o trabalho que fazia. Portanto, agiu como se dissesse: “Deixarei para vocês, em minha epístola, aquilo que pode sempre ser uma bênção e um auxílio para suas almas”.
Em todos os tempos, o povo de Deus teve um apoio de uma maneira peculiar nas Epístolas de Pedro. Por que você acha que foi assim? Eu acredito que seja por elas serem dirigidas especialmente a onde nós que estamos no mundo, e nos suprem de maneira maravilhosa apresentando-nos Cristo, que vem a nós, e nos serve em nossa necessidade neste mundo. Satanás é apresentado na primeira epístola como um leão que ruge (I Pedro 5:8), e na segunda como uma serpente sorrateira (II Pedro 2:1), mas nós temos Aquele que o enfrenta nestes dois aspectos e nos preserva de seus ataques.
“Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas; mas nós mesmos vimos a sua majestade. Porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da magnífica glória lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o meu Filho amado, em quem me tenho comprazido. E ouvimos esta voz dirigida do céu, estando nós com ele no monte santo” (II Pedro 1:16-18).
A ideia dos judeus sobre o reino era que o Messias viria em glória, majestade e poder, e que seus inimigos todos seriam expulsos, mas o Senhor Jesus não veio dessa maneira e por isso O rejeitaram. Até onde eles sabiam, Ele estava morto e enterrado: não tinha ido para a glória. Mas, Pedro disse que realmente tinha visto o Reino do Senhor e testemunhado “Sua majestade”.
A cena a que Pedro se refere é a narrada em Mateus 17, Marcos 9, e Lucas 9. Nestes capítulos o Senhor revela aos discípulos a verdade de Sua rejeição. “É necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas e seja rejeitado”, disse “e quem me segue, deve esperar sofrer as mesmas coisas”. Mas Ele voltará outra vez com três vezes mais glória. Sua glória como o Filho de Deus que teve por toda a eternidade; Sua glória como o Messias, Rei dos Judeus, e Sua glória como o Filho do Homem, de acordo com o Salmo 8. Então, após ter falado aos discípulos sobre Sua rejeição, Ele disse: “Alguns há dos que estão aqui, que de modo algum morrerão, até que vejam o reino de Deus”, e mostrou-lhes no monte da transfiguração um retrato diminuto do Reino, e é a isso que Pedro se refere nesta epístola. Ele tinha visto a cena maravilhosa naquele monte: o Messias, Moisés o legislador e Elias o reformador, e seu coração estava cheio. “Oh”, disse ele, “vamos perpetuar esta cena”. Aquele era o pensamento em sua mente, mas o Messias, o legislador, e o reformador foram colocados por Pedro no mesmo nível, e Deus não poderia agir dessa forma. Então veio a voz e Pedro fala da magnífica glória de onde ouviu: “Este é o meu Filho amado, em quem me tenho comprazido”. Devemos observar que nos Evangelhos Deus incluiu as palavras: “a Ele ouvi”. Pedro precisou ouvir essas últimas palavras, porque colocou Seu Mestre no mesmo nível de Moisés e Elias, rebaixando-O e elevando Moisés e Elias. Entretanto, aprendeu essa lição, e nessa passagem, quando citou as palavras do Pai, omitiu aquelas.
A verdade é que na experiência pela qual passou Pedro aprendeu que nenhuma outra voz deveria ser ouvida além da de Jesus. Era uma lição para Pedro da glória pessoal do Filho, mas do mesmo modo, a introdução para ele do que era celestial tanto quanto o lado terrenal do reino. Moisés e Elias são figuras do lado celestial. Moisés tinha morrido e Elias tinha sido levado para o céu sem passar pela morte, assim como será quando o Senhor vier para seu povo. Ressuscitará os que morreram e levará com Ele os que estiverem vivos. Pedro, Tiago e João formam um retrato dos santos na terra, aqueles que verão a glória de Cristo estando, contudo, na terra por todo o milênio. Pedro tinha visto essa figura do reino vindouro, e confirmou docemente a fé dos crentes judeus, e em atenção a eles os coloca na cena que tinha visto.
“E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações” (II Pedro 1:19).
A profecia está sempre relacionada à terra. Ela descreve as determinações futuras de Deus para a terra, quando irá tirar de cena todos os incrédulos e preparar essa mesma terra para o reino do Senhor Jesus Cristo. Mas a igreja é celestial, em nada pertence à terra, e Pedro diz que é bom considerar as profecias, pois fazendo assim elas nos dirão que o mundo através do qual estamos passando será julgado. Como consequência de entendermos isso passaremos pelo mundo como em um cenário julgado, sem nos misturar a ele.
O que encontramos nas Escrituras é que o Senhor reinará sobre a terra, mas Ele primeiro julgará a terra e, portanto, reconhecemos que não podemos entender isso sem a profecia. Pela profecia Deus revela o que acontecerá com a terra ao varrer todo o cenário aqui com a vassoura da destruição e deixá-la adequada a Cristo. Mas ter apenas a profecia em nossos corações seria um grande erro, porque a profecia não é Cristo, e nada faz tão bem ao coração quanto Cristo.
As profecias do Velho Testamento não nos revelaram aquilo que Pedro nos revelou em sua Epístola, “…até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações”. Não acho que o apóstolo tenha dito isso a respeito da vinda do Senhor, como em Malaquias 4:2: “nascerá o sol da justiça, e cura trará nas suas asas”. Malaquias fala do Dia do Senhor, não do Evangelho, como muitos pregam. O dia ainda não veio, mas deixe-me perguntar a você: “O dia não rompeu no seu coração como a aurora ainda? Você não pertence ao dia?” Sim, é claro que pertence! Se você é um cristão o dia já rompeu em seu coração como a aurora e juntamente com ela a Estrela da Manhã, o próprio Cristo, Aquele a Quem aguardamos ver na glória celestial. Pedro traz por um momento a vinda do Senhor.
Em um certo sentido o que Pedro está dizendo é que toda profecia é muito boa, mas o próprio Senhor está vindo e isso é tudo o que importa ao coração. Ele é a “raiz e a descendência de Davi” para os judeus. É a “estrela brilhante da manhã” para nossos corações. Como Ele disse ao remanescente em Tiatira – ao vencedor – “eu darei a estrela da manhã”. Isto é, para o vencedor é a parcela certa, alegria no céu com Cristo, antes que o reino venha. Isto é o que você e eu estamos procurando agora, o dia em que a aurora romperá em nossos corações, e nós sabemos que nossa porção é com Cristo nas alturas. Sabemos que antes que Ele venha julgar a terra, Ele virá para que nós estejamos com Ele para sempre. Não esperamos um único evento ocorrer antes que o Senhor venha para nos arrebatar. Não esperamos por qualquer coisa, mas pela “estrela da manhã”, a vinda do Senhor. Ele virá para o Seu povo, e para a vida dos santos Ele representa a estrela Polar, a única que permanece sempre fixa no firmamento.
“Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (II Pedro 1:20-21).
Não devemos limitar as Escrituras. O valor das Escrituras é este, de estar toda conectada a Cristo, e a profecia não terá seu pleno alcance até que tudo seja trazido naquilo que estiver conectado com o Cristo em Seu reino e Sua glória vindoura. Aqueles que estão procurando o cumprimento da profecia antes que o Senhor venha para nós, perdem a alegria da esperança da vinda de Cristo. Veem alguma similaridade entre a profecia e algum evento passageiro, mas não sabem o que é prestar atenção na estrela brilhante da manhã. Quando o Senhor nos levar para fora desse cenário, no arrebatamento, o que ocorrerá? Cada profecia das Escrituras será cumprida, e quando no final Ele tomar o Seu lugar à direita do Pai, você e eu estaremos ao Seu lado, reinando com Ele sobre esta terra onde Ele morreu por nós, onde seu sangue precioso foi vertido por nós.
Que grande bênção para nós conhecê-Lo e sermos verdadeiros para com Ele agora nesta cena de sua rejeição, sabendo que o tempo da Sua vinda está próximo, quando Ele terá o lugar a que tem direito nesta terra outra vez. Mas antes que venha esse dia, Ele terá vindo primeiramente para nós, e nos terá levado para estar com Ele na casa do Pai, isso é o que nós esperamos e, consequentemente, digo que nossa porção é a melhor, pois muito embora a profecia seja boa, o próprio Cristo é melhor e Ele próprio é nossa porção.
Que o Senhor nos conceda estar aguardando e apressando a vinda daquele que é a brilhante estrela da manhã! Walter Thomas Prideaux Wolston – Extraído do livro “Simon Peter – His Life and Letters”, capítulo 25.