Padrão, ou Não?!

Chamo sua atenção neste breve artigo para uma pergunta simples. Muitos irão considerá-la mera retórica, outros nem perderão tempo com aquilo que consideram de pouco valor. Mas sei que alguns terão interesse (e coragem) de examinar o assunto de frente. A pergunta é: O Novo Testamento apresenta um modelo claro que deve servir de padrão, ainda hoje, para as igrejas de Deus, ou ele contém apenas princípios gerais que cada igreja interpretará da sua forma?

Para facilitar nosso estudo, sugiro dividir a pergunta acima em três partes: Existe um modelo no NT? Qual é este modelo? E a pergunta mais controversa: este modelo é apenas uma sugestão de como podemos nos reunir hoje em dia, ou deve ser tratado como um padrão com força de mandamento?Existe um modelo?

O modelo existe. Basta um estudo superficial do Novo Testamento para perceber que havia uniformidade entre as igrejas locais. Apesar de não haver uma só pessoa ou organização que governasse sobre as igrejas, todas elas seguiam o mesmo modelo, pois todas procuravam glorificar ao mesmo Deus, obedecendo ao mesmo Senhor, sendo dirigidas pelo mesmo Espírito Santo.

Na primeira epístola aos coríntios o apóstolo Paulo destaca esta verdade. Veja: “…como por toda parte ensino em cada igreja” (4:17); “É o que ordeno em cada igreja” (7:17); “… não temos tal costume, nem as igrejas de Deus” (11:16); “Deus … é Deus de paz, como em todas as igrejas dos santos” (14:33). Também em 16:1 aprendemos que várias igrejas receberam o mesmo ensino que a igreja em Corinto. Destas referências aprendemos que, em todas as igrejas, havia o mesmo ensino (4:17), obediência aos mesmos mandamentos (7:17), submissão às mesmas práticas (11:16), uma mesma forma ordeira de Deus agir (14:33), uma mesma prática quanto às coletas (16:1).

É certo que haveria diferenças nos detalhes secundários. Por exemplo, algumas igrejas reuniam-se em casas (Rm 16:5), outras em escolas (At 19:9), etc. Poderia haver diferenças nos horários das reuniões. Mas havia um modelo sendo claramente praticado. Você poderia visitar a igreja em Roma, e veria o mesmo que veria em Éfeso, que seria o mesmo que era praticado em Tessalônica, e assim por diante.

Desvios, obviamente, sempre houve, pois as igrejas eram constituídas por homens. Porém sempre que uma igreja começava a desviar do modelo, era repreendida pelo Senhor através dos Seus servos (como em Corinto e nas igrejas da Ásia; Apocalipse 2 e 3). Os desvios não eram tratados come sendo algo normal ou aceitável, mas recebiam rápida repreensão. Este fato, aliás, comprova a regra, pois só pode haver desvio onde há padrão! Se cada igreja era livre para agir como queria, a I Epístola aos Coríntios e outros trechos do Novo Testamento jamais teriam sido escritos. As igrejas eram corrigidas, porém, porque havia um padrão, um modelo.

Portanto, este primeiro ponto é claro: nos dias dos apóstolos havia um modelo sendo seguido pelas igrejas locais, o mesmo modelo que podemos encontrar hoje no Novo Testamento.

Qual é este modelo?

Nesta questão também não há dificuldade. Sem tomar o espaço que seria necessário para descrever detalhadamente o modelo que era seguido, apenas menciono alguns aspectos mais patentes deste modelo.

Lendo o Novo Testamento percebemos que naqueles dias cada igreja local era simplesmente um grupo de cristãos reunidos ao nome do Senhor Jesus (Mt 18:20), sem vínculo denominacional (não existiam denominações naqueles dias), onde a liderança era responsabilidade dos anciãos (sempre mais do que um – At 14:23; 20:28; 31; I Tm 3:1-7; Tt 1:5-9; I Pe 5:1-4), e onde todos os irmãos tinham o direito de exercer seu sacerdócio, adorando a Deus através da oração (I Pe 2:1-10). As irmãs, com a cabeça coberta (I Cor 11:1-16), permaneciam em silêncio (I Cor 14:33-37; I Tm 2:9-15), pois suas responsabilidades eram ligadas ao testemunho visível, não audível. A Ceia era celebrada todo primeiro dia da semana (At 20:6-7), com um pão e um cálice (Mt 26:26-28, etc.), pelos membros da igreja.

Em resumo poderíamos dizer que as igrejas eram caracterizadas por total submissão ao Senhor através do Espírito, obedecendo à Sua Palavra. “Assim, pois, as igrejas em toda a Judéia, e Galiléia e Samaria tinham paz, e eram edificadas; e se multiplicavam, andando no temor do Senhor e consolação do Espírito Santo” (At 9:31).

Este modelo é válido hoje?

Havia um modelo; o modelo é claramente apresentado; mas a dúvida maior é: este modelo é válido para nós hoje? Eis a pergunta com a qual estamos preocupados agora. Deus deixou aquele modelo no Novo Testamento como sugestão, dando-nos a liberdade de alterá-lo ao nosso bel-prazer, ou aquele modelo é realmente um mandamento?

Quero afirmar que o modelo foi deixado como um mandamento, pelas razões apresentadas abaixo.Não podemos acrescentar nada

“Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído [ou capacitado] para toda a boa obra” (II Tm 3:16-17).

As palavras deste versículo são conhecidas; mas será que cremos nelas? O Espírito está afirmando, neste versículo, que tudo aquilo que eu preciso saber para ser perfeito, e para servi-Lo perfeitamente, está nas Escrituras. Ou seja, que eu não preciso de nenhuma revelação adicional, e que não preciso de nenhuma prática além daquilo revelado na Bíblia!

Eu pergunto novamente; cremos nisto? Se cremos, jamais poderemos justificar qualquer acréscimo ao modelo que Deus deixou. Tudo aquilo que a igreja deve praticar está na Palavra de Deus. O que está contido ali deve ser obedecido; o que está omitido, não deve ser praticado.

Alguns, por não entenderem (ou aceitarem) esta argumentação, vão ao extremo de dizer que não devemos usar microfones e outras invenções modernas. Ora, estamos tratando de princípios e maneiras de servir a Deus, não de ferramentas. Práticas e métodos conhecidos dos apóstolos mas não registrados nas Escrituras (como o uso de instrumentos musicais) devem ser deixados de lado; usar ferramentas que o homem inventou (como o microfone, a luz elétrica, etc.) estão em outra categoria.

Não podemos omitir nada

O Novo Testamento nos exorta, três vezes, a seguirmos fielmente a tradição recebida dos apóstolos.

A palavra grega “paradosis”, que significa “tradição”, ocorre treze vezes no Novo Testamento. Destas 13 ocorrências, 8 são encontradas na conversa do Senhor com os fariseus (Mt 15:2, 3, 6; Mc 7:3, 5, 8, 9, 13), onde o Senhor repreende severamente os fariseus porque invalidavam, pela sua tradição, o mandamento de Deus. Há ainda 2 referências onde a tradição dos homens é apresentada (Gl 1:14; Cl 2:8). Mas há três referências onde a tradição é apresentada como algo bom (I Cor 11:2; II Ts 2:15; 3:6), a “tradição dos apóstolos”. E somos exortados a seguir fielmente a tradição dos apóstolos.

Mas o que é a tradição dos apóstolos? Quando falamos em tradição, geralmente pensamos no exemplo das gerações anteriores. Seguir as tradições é fazer o que nossos antepassados fizeram. Mas quando a Bíblia fala em tradição (no sentido bom) ela está voltando mais atrás, voltando às nossas raízes.

A “tradição dos apóstolos” não é simplesmente aquilo que eles costumavam fazer; não é aquilo que receberam dos seus pais ou do judaísmo (Gl 1:14 – O Contexto); é aquilo que o Espírito Santo os instruía a ensinar em cada igreja. Naqueles dias era algo novo, que começara no dia de Pentecostes e que não devia nada ao judaísmo. É aquilo que você encontrará nas epístolas do Novo Testamento, escrito para o nosso ensino.

E repare como somos exortados repetidamente a guardar estas tradições! “Estai firmes, e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa”. “Mandamos-vos, irmãos, … que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu”. “Louvo-vos, irmãos, porque … retendes as tradições como vo-los entreguei”.

O modelo foi deixado por Deus para ser obedecido, não alterado.

Conclusão

Examinando o Novo Testamento, percebemos que há um modelo de igreja local nas páginas inspiradas. Percebemos também que este modelo não é difícil, obscuro ou escondido. E temos que concluir que este modelo não é opcional; é, realmente, um mandamento. Se temos tudo de que precisamos na Bíblia (II Tm 3:16-17), então não podemos acrescentar nada ao modelo. Se somos exortados fortemente a reter as tradições dos apóstolos, não podemos omitir nada do modelo.

Podemos apenas obedecer.

Willian Joseph Watterson

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