“Porque para Deus somos o bom perfume de Cristo, nos que se salvam e nos que se perdem. Para estes certamente cheiro de morte para morte; mas para aqueles cheiro de vida para vida. E para estas coisas quem é idôneo?” (2 Coríntios 2:15-16) – Estas são palavras de Paulo expressas em próprio nome e em nome dos apóstolos. São verdadeiras no que concerne a todos aqueles que são eleitos pelo Espírito, preparados e enviados a vinha para pregar o Evangelho de Deus. Sempre admirei o versículo 14 deste capítulo, especialmente quando recordo os lábios que as pronunciarão: “E graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo, e por meio de nós manifesta em todo o lugar a fragrância do seu conhecimento“.
Imaginemos a Paulo, já um ancião, nos dizendo: “Cinco vezes recebi dos judeus quarenta açoites menos um”, que depois foi arrastado como morto, o homem dos grandes sofrimentos, que havia passado através de mares de perseguições; pensemos quando disse, no fim de sua carreira ministerial: “Mas graças a Deus, que faz que sempre nos triunfemos em Cristo!” Triunfar quando se naufragou, triunfar apesar de ter sido flagelado, triunfar havendo sido torturado, triunfar ao ser apedrejado, triunfar em meio ao escárnio do mundo! Triunfar ao ser expulso de uma cidade e ter que sacudir o pó dos seus pés! Triunfar em todo momento em Cristo Jesus!
Agora, se alguns dos ministros de nossa época falassem desse modo, não daríamos muita importância as suas palavras, pois gozam do aplauso do mundo. Sempre podem ir em paz para suas casas. Alguns crentes os admiram, e não possuem inimigos declarados; contra eles nem sequer um cão moveria sua língua, tudo é seguro e agradável. Se dizem, “Mas graças a Deus, que sempre nos conduz vitoriosamente em Cristo”, não nos comovem; mas se alguém como Paulo fala, tão pisoteado, tão torturado e tão afligido, podemos considerá-lo um herói. Aqui está um homem que tinha verdadeira fé em Deus e no caráter divino de sua missão.
E quão doce é, meus irmãos, o consolo que Paulo aplicava a seu próprio coração no meio de todas as suas calamidades. Dizia que, apesar de tudo, Deus “por nosso intermédio exala em todo lugar a fragrância do seu conhecimento”. Ah! Com este pensamento um ministro pode dormir tranquilo em seu leito: “Deus manifesta em todo lugar a fragrância de seu conhecimento”. Com isso, pode fechar seus olhos quando acabar sua carreira e abri-los no céu: “Deus, através de mim, manifestou em todo lugar a fragrância de seu conhecimento”.
Sigam, pois, as palavras do meu texto, que vou expor dividindo-o em três partes. Nossa primeira observação será que, ainda que o Evangelho seja uma “boa fragrância” em todo lugar, produz, contudo, efeitos diferentes em pessoas diferentes: “Para estes somos cheiros de morte, para aqueles fragrância de vida”. Nossa segunda observação será que os ministros do Evangelho não são responsáveis pelo seu sucesso, porque está escrito: “Para Deus somos fragrância do seu conhecimento entre os que estão sendo salvos e os que estão perecendo”. E em terceiro lugar, a carga do ministro do Evangelho não é leve, o seu dever é muito pesado. O Apóstolo mesmo disse, “e para estas coisas quem é idôneo?”.Nossa primeira observação é que O EVANGELHO PRODUZ EFEITOS DIFERENTES. Pode parecer incrível, mas é estranhamente certo que há poucas coisas boas no mundo das que não se desprendam algum mal. Observemos como brilha o sol, seus raios amolecem a cera e endurecem a argila; no trópico fazem com que a vegetação seja extremamente exuberante, e que amadureçam os mais ricos e escolhidos frutos e se deem as flores mais belas, mas quem não sabe que naqueles lugares prosperam os piores répteis e as mais venenosas serpentes da terra?
Assim acontece com o Evangelho. Embora seja o sol da justiça para o mundo, ainda que seja o melhor presente de Deus e nada pode ser comparado a imensidão dos benefícios que concede a raça humana, apesar de tudo, devemos confessar que, às vezes, é “cheiro de morte para morte”. Mas não devemos culpar disso o Evangelho; a culpa não é da verdade de Deus, mas daqueles que não aceitam recebê-la. É “cheiro de vida para vida” para todo aquele que a ouve com um coração aberto para recebê-la. E é somente “morte para morte”, para o homem que odeia a verdade, que a difama, que zomba dela, e tenta opor-se ao seu avanço. Em primeiro lugar, pois, vamos falar desse caráter.
O Evangelho é para alguns homens, “cheiro de morte para morte”. Agora, isto depende em grande parte do que é o Evangelho; porque há algumas coisas chamadas “Evangelho”, que são “cheiro de morte para morte” para todos aqueles que as ouvem. O pregador John Berridge dizia que pregou a moralidade até que não houvesse um só homem moral; porque o modo mais seguro de prejudicar a moralidade é a pregação legalista. A pregação das boas obras e a exortação aos homens à santidade como meio de salvação são muito admiradas na teoria, mas na prática se demonstram, não somente que são ineficazes, mas, e isso é o pior, que às vezes se convertem em “cheiro de morte para morte”.
Assim tem sido comprovado; e creio que mesmo o grande Chalmers confessou que durante anos e anos antes de conhecer ao Senhor, não pregou outra coisa a não ser moralidade e preceitos, mas nunca viu a nenhum beberrão convertido pelo mero feito de lhe mostrar os males da embriaguez. Nem viu a nenhum blasfemo que deixasse de blasfemar porque lhe dissera quão odioso era seu pecado. Quando começou a pregar o amor de Jesus, quando pregou o Evangelho como é em Cristo, em toda sua claridade, plenitude e poder, e a doutrina que “pela graça somos salvos por meio da fé; e isto não vem de nós, pois é dom de Deus” foi quando conheceu o sucesso. Quando pregou a salvação pela fé, multidões de beberrões jogaram fora seus copos e os blasfemos refrearam suas línguas, os ladrões se fizeram honrados, e os injustos e ímpios se inclinaram para o cetro de Jesus.
Mas devem reconhecer como lhes disse antes, que ainda que o Evangelho produza geralmente o melhor dos efeitos em quase todos aqueles que o ouvem, seja afastando-os do pecado ou fazendo-lhes abraçar a Cristo, e isto é, contudo, um feito grande e solene, e sobre o qual dificilmente sei como falar nesta manhã que, para muitos homens, a pregação do Evangelho de Cristo é “morte para morte”, e ao invés de produzir bem produz mal.
E o primeiro sentido é o seguinte: Muitos homens se endurecem em seus pecados ao ouvirem o Evangelho. Oh, que verdade mais terrível e solene é que, de todos os pecadores, alguns pecadores do santuário são os piores. Aqueles que podem mergulhar no pecado, e tem consciência mais tranquila e o coração mais duro, se encontram na própria casa de Deus. Eu sei bem que um ministro fiel servirá de estímulo aos homens, e as advertências severas de um Boanerges muitas vezes lhes fazem estremecer. Igualmente, estou consciente que a Palavra de Deus faz as vezes que seu sangue se coagule em suas veias; mas sei também – porque os tenho visto – que há muitos que convertem a graça de Deus em libertinagem, e até mesmo fazem da verdade de Deus um pretexto para o diabo, e profanam a graça de Deus para justificar seu pecado. A tais homens eu encontrei entre aqueles que ouvem as doutrinas da graça em toda sua plenitude. São os que afirmam: “Sou eleito, por isso posso blasfemar, sou um dos que foram escolhidos por Deus antes da fundação do mundo, assim posso viver da maneira que quiser”.Tenho visto um homem que, em cima de uma mesa de bar e segurando uma garrafa em sua mão, dizia: “Companheiros! Eu posso fazer e dizer mais que qualquer de vocês, eu sou um desses que estão redimidos pelo precioso sangue de Jesus”; e em seguida bebeu sua garrafa de cerveja e começou a cantar diante dos demais, enquanto cantava canções vis e blasfemas. Aqui está um homem para quem o Evangelho é “cheiro de morte para morte”. Ouve a verdade, mas a perverte; toma aquilo que está posto por Deus para o seu bem e o utiliza para suicidar-se. A faca que foi lhe dada para abrir os segredos do Evangelho, volta-se contra seu próprio coração. A mais pura de todas as verdades e a mais elevada de todas as moralidades é convertida para encobrir seus vícios, e faz dela um andaime que o ajuda a construir o edifício de suas maldades e pecados.
Há alguém aqui como esse homem, que gosta de ouvir o Evangelho, como vocês o chamam, e não obstante viva impuramente? Que podem dizer que são filhos de Deus, e apesar disso se comportam como vassalos que servem a Satanás? Saibam bem que vocês são mentirosos e hipócritas, porque a verdade não está de maneira alguma em vocês. “Qualquer que é nascido de Deus, não peca”. Aos eleitos de Deus não lhes permitirá cair permanentemente em pecado; eles nunca “converterão a graça de Deus em libertinagem”, mas em tudo o que depende deles, se esforçarão para permanecerem perto de Jesus. Tenham isto por seguro: “Pelos seus frutos os conhecereis”. “Assim também, toda árvore boa dá bons frutos, mas a árvore podre dá maus frutos. A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons”. No entanto, essas pessoas estão continuamente pervertendo o Evangelho em maldade. Pecam com arrogância pelo mero feito de ouvirem o que eles consideram serem desculpas para seus vícios.
Não encontro outra coisa debaixo do céu, que possa extraviar tanto os homens, como um Evangelho distorcido. Uma verdade distorcida é, geralmente, pior que uma doutrina que todos sabem ser falsa. Igual que o fogo, um dos elementos mais úteis pode causar o mais intenso incêndio, assim é o Evangelho, que é o melhor que possuímos, pode converter-se na mais vil das causas. Este é um sentido na qual o Evangelho é “cheiro de morte para morte”.
Mas há algo mais. É um feito que o Evangelho de Jesus Cristo aumentará a condenação de alguns homens no dia do juízo final. De novo me espanto ao dizer, porque é um pensamento extremamente horrível para aventurar-se a falar dele; que o Evangelho de Cristo vai fazer do Inferno para alguns homens um lugar ainda mais terrível do que poderia ter sido. Todos os homens seriam lançados no inferno se não fosse o Evangelho. A graça de Deus irá redimir “uma grande multidão, da qual não se pode contar”; guardará um exército incontável que será salvo pelo Senhor com salvação eterna; mas, ao mesmo tempo, aqueles que a rejeitam lhes fará mais terrível a condenação. E aqui está o porquê:
Primeiramente, porque os homens pecam contra uma luz superior, e a luz que possuímos é uma excelente medida para nossa culpa. O que um nômade pode fazer sem que para ele seja delito, para mim pode ser o maior dos pecados, pois estou melhor instruído; e o que alguém pode fazer em Londres com impunidade – me refiro a um pecado contra Deus que não seja excessivamente grande – poderia me parecer a maior das transgressões, porque desde minha juventude fui instruído na piedade. O Evangelho vem sobre os homens como a luz do céu. Que errante deve andar o que se extravia na luz! Se o cego cai em uma vala, podemos nos compadecer, mas se um homem com a luz em seus olhos se joga do precipício e perde sua alma, não é impossível a compaixão?
“Como merecem o inferno mais profundo
Aqueles que menosprezam os gozos do céu!
Que cadeias de vingança deverão sentir
Os que burlam do amor soberano!”
Repito-lhes que a condenação de todos vocês aumentará, a menos que encontrem a Jesus Cristo o Salvador; porque ter a luz e não haver andado por meio dela será a essência mesma da condenação. Este será o vírus da culpa: “que a luz vem ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque suas obras eram más”.
A condenação de vocês será também maior se vocês se opõem ao Evangelho. Se Deus tem um plano de misericórdia e o homem se levanta contra Ele, não será grande o seu pecado? Não foi imensa a culpa que caiu sobre homens como Pilatos, Herodes e os judeus? Oh! Quem pode imaginar a condenação daqueles que gritaram: “Crucifica-o! Crucifica-o!” E que lugar do fogo do inferno arderá com força suficiente para o homem que difama o ministro de Deus, para o que fala mal do seu povo, que odeia a verdade, e que, se pudesse, apagaria da terra todo rastro de piedade? Queira Deus ajudar o blasfemo e ao infiel! Deus salve suas almas, se me dessem a escolher entre todos os homens, jamais escolheria ser como um desses.
Vocês pensam, senhores, que Deus não levará em conta o que os homens dizem: Um maldisse a Cristo, chamando-o de charlatão. Outro declarou – sabendo que mentia – que o Evangelho é falso. Um terceiro tem proclamado suas máximas licenciosas, e depois apontou à palavra de Deus dizendo: “Há coisas piores nela!” E outro tem insultado os ministros de Deus ridicularizando suas imperfeições. Creem que Deus esquecerá de tudo isso no último dia? Quando seus inimigos se apresentem diante Dele, Ele os tomará pela mão e dirá: “Outro dia chamaste meu servo de cão, e cuspiste sobre ele, e por isso pensa que te darei o céu?” Não; se o pecado não foi lavado pelo sangue de Cristo, dirás: “Vá embora, maldito, ao inferno de que zombava!; abandona o céu que você desprezava, e aprenda que, mesmo que você disse que não havia Deus, esta destra te ensinará eternamente a lição que há sim um Deus, porque aquele que não me descobriu por minhas obras de benevolência, saberá de mim por meus feitos de vingança; assim pois te digo: Aparta-te!” Aqueles que tem se oposto a verdade de Deus, o castigo lhes será aumentado. Agora, não é esta uma visão solene de que o Evangelho é para muitos “cheiro de morte para morte”?
Consideraremos ainda outro sentido. Creio que o Evangelho faz alguns seres deste mundo mais desgraçados do que pudessem ter sido. O bêbado poderia beber e se alegrar em sua embriaguez com maior alegria, se não ouvisse: “Todos os bêbados têm a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre”. Quão jovialmente o transgressor do Domingo excitaria durante todo o dia se a Bíblia não dissesse: “Lembra-te do dia de sábado para o santificar!” E quão felizmente poderia lançar-se em sua carreira louca o libertino e o licencioso se não estivesse dito: “E aos homens está ordenando morrer uma vez, e depois vem o juízo!” Mas a verdade coloca amargura em suas copas; os avisos de Deus congela a corrente de sua alma. O Evangelho é como o esqueleto na festa egípcia: ainda que durante o dia riem dele, pela noite tremem como folhas de álamo branco, e quando as sombras do entardecer caem sobre eles, se estremecem ao menor sussurro. Diante do pensamento de sua condição futura, sua alegria se torna em tristeza, e a imortalidade, ao invés de ser um presente para ele, é , só de pensar nisso, o tormento de sua existência. As doces palavras de amor da misericórdia não são para eles mais harmoniosas que o estrondo do trovão, pois sabem que a menosprezam. Sim, tenho conhecido alguns que foram tão desagraciados por causa do Evangelho, recusando-se a abandonar seus pecados, estando a ponto de se suicidarem. Oh! Que pensamento terrível! O Evangelho é “cheiro de morte para morte” para quantos que estão aqui hoje assim? Quem está ouvindo agora a palavra de Deus para ser condenado por ela? Quem sairá daqui para ser endurecido pela voz da verdade? Assim será para todo homem que não crê nela; porque para aqueles que a recebem é “cheiro de vida para vida”, mas para os incrédulos é uma maldição, e “cheiro de morte para morte”.
Mas, bendito seja Deus, o Evangelho tem um segundo poder. Além de ser “morte para morte”, é “cheiro de vida para vida” Ah meus irmãos, alguns de nós, poderíamos falar, se isso nos foi entregue esta manhã, do Evangelho de “cheiro de vida” para nós. Olhemos novamente para trás, naquela hora em que estávamos “mortos em delitos e pecados”. Em vão todos os trovões do Sinai, em vão os avisos dos atalaias: dormíamos num sono moral de nossas culpas, e nem um anjo poderia nos despertar. E contemplemos também, com alegria, aquela hora em que entramos pela primeira vez dentro dos muros de um santuário e, para nossa salvação, ouvimos a voz da misericórdia.
Com alguns de vocês isso ocorreu a poucas semanas. Eu sei onde estão e quem são; faz poucas semanas ou alguns meses, também vocês estavam longe de Deus, mas tem sido levados a amá-lo. Lembre meu irmão cristão, aquele momento em que o Evangelho foi para você “cheiro de vida”, quando o separou dos seus pecados, renunciou a suas concupiscências, e se voltando para Palavra de Deus, a recebeu de todo o coração. Ah, aquela hora, a mais doce de todas! Nada pode se comparar a ela. Conheci uma pessoa que durante quarenta ou cinquenta anos havia permanecido completamente surda; uma manhã, sentada na porta de sua casa, enquanto passavam alguns veículos diante dela, creu ter ouvido uma música melodiosa. Não era música, era somente o ruído das carruagens. Seu ouvido se abriu repentinamente, e aquele som comum lhe pareceu como música celestial, porque era a primeira vez que ouvia em tantos anos. De forma semelhante, a primeira vez que nossos ouvidos se abriram para ouvir as palavras de amor, a segurança de nosso perdão, ouvimos a palavra como nunca havíamos ouvido antes até então; nunca nos pareceu tão doce, e talvez, ainda sobre estes momentos, olhamos para trás e dizemos:
“Que horas de paz eu desfrutei, então!
Quão doce é sua memória, todavia!”
Quando pela primeira vez foi “cheiro de vida” para nossas almas. Assim, pois, meus amados, se alguma vez foi “cheiro de vida”, sempre o será; porque não está escrito que seja cheiro de vida para morte, mas “cheiro de vida para vida”. Ao chegar a este ponto, devo dirigir outro golpe aos meus antagonistas os arminianos; não posso remediá-lo. Eles argumentam que, às vezes, o Evangelho é cheiro de vida para morte. Dizem-nos que um homem pode receber vida espiritual, e não obstante, morrer eternamente; quer dizer, pode ser perdoado e, depois, castigado; pode ser justificado de todo pecado, e, no entanto, suas transgressões podem ser carregadas de novo sobre suas costas. Dizem que um homem pode ter nascido de Deus, e não obstante morrer, pode ser amado por Deus, e apesar disso, Deus pode odiá-lo amanhã.
Oh! Não posso suportar o falar de tais doutrinas cheias de mentiras; que creiam nelas os que querem. Pois a meu respeito, creio tão profundamente no amor imutável de Jesus, que suponho se um crente estivesse no inferno, o mesmo Cristo não estaria muito tempo no céu sem gritar: “Ao resgate! Ao resgate!” Oh, se Jesus Cristo estivesse na glória e de sua coroa faltasse uma de suas pedras preciosas, qual Satánas a possuísse no inferno, este diria: “Olhe, Príncipe da luz e da glória, tenho em meu poder uma de suas joias !” E segurando-lhe no alto, gritaria:” Você deu a sua vida por este homem, mas não tem poder suficiente para salvar a si mesmo; Você o amou uma vez, mas onde está seu amor? De nada lhe serve porque depois você o odiou!” E como riria malevolamente daquele herdeiro do céu, dizendo: “Este homem foi redimido; Jesus Cristo o comprou com seu sangue”. E o jogando nas profundezas do inferno com grandes gargalhadas diria: “Toma redimido”! Olhe como posso roubar o Filho de Deus!”. E com alegria maligna continuaria repetindo: “Este homem foi perdoado, contemplem a justiça de Deus! É castigado depois de haver recebido perdão. Cristo sofreu por seus pecados e, não obstante, eu o possuo; porque Deus o tem castigado duas vezes!” Vocês creem que se poderá dizer isso alguma vez? Ah! Não. É “cheiro de vida para vida” e, não cheiro de morte para morte.
Sigam com esse Evangelho indigno; preguem onde queiram; mas meu Senhor disse: “Eu dou as minhas ovelhas a vida eterna”. Vocês dão as suas ovelhas vida temporal, e elas a perdem, mas Jesus disse: “Eu lhes dou a VIDA ETERNA, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão”. Quando falo deste tema, geralmente fico cheio de fervor, porque creio que há poucas doutrinas tão importantes como da perseverança dos santos; porque se um dos filhos de Deus vier a perecer, ou se soubesse que isso pudesse acontecer , chegaria a conclusão imediata que eu poderia ser um deles, e suponho que a cada um de vocês passaria o mesmo, e neste caso, onde estão a alegria e a felicidade do Evangelho?De novo repito que o Evangelho arminiano é uma concha sem conteúdo; uma árvore sem fruto; que permaneçam com ele aqueles que lhe agrada. Não discutiremos com eles. Deixem que continue pregando. Deixem que sigam dizendo aos pobres pecadores que, se creem em Jesus, serão condenados depois de tudo; que Jesus Cristo os perdoará e que, apesar disso, o Pai os enviará para o inferno. Sigam pregando o Evangelho de vocês, porque quem o escutará? E se alguém der ouvidos, lhe serve de algo ouvi-lo? Digo-lhes que não, porque se depois de me converter, estou no mesmo lugar onde me converti, de nada me serve ter sido convertido. Mas aqueles a quem Ele ama, os ama até o fim.
“Uma vez em Cristo, n’Ele para sempre;
Nada poderá me separar de Seu amor”.
É “cheiro de vida para vida”. Não somente “vida para vida” nesse mundo, mas “vida para vida” eternamente. Todo o que possua a vida, receberá a vindoura: “graça e glória de Jeová. Não deixará de fazer o bem aqueles que andam em integridade”. Me vejo obrigado a deixar esse ponto, mas se meu Senhor o toma em suas mãos e fizer destas palavras “cheiro de vida para vida” nessa manhã, me alegrarei de tê-las pronunciado.
Nossa segunda afirmação é que O MINISTRO NÃO É RESPONSÁVEL POR SEUS ÉXITOS. É responsável do que prega e de sua vida e ações, mas não é responsável das demais coisas. Se eu prego a Palavra de Deus, mas nenhuma alma se salve, o Rei me dirá apesar de tudo: “Bem está, servo bom e fiel!” Se não deixo de pregar, e ninguém quer escutar, Ele dirá: “Você lutou o bom combate, recebe tua coroa”. Ouçam as palavras do texto: “Porque para Deus somos o bom perfume de Cristo, nos que se salvam e nos que se perdem”.
Isto será visto claramente se lhes digo como o ministro do Evangelho é nomeado na Bíblia. Às vezes é chamado embaixador. Agora, qual é a responsabilidade do embaixador? É enviado a um país como um agente diplomático, leva os termos de paz em conferências, usa todo seu talento para servir ao seu senhor, intenta demonstrar que a guerra vai contra os interesses de diferentes países, se esforça para promover a paz, mas os outros reis a rejeitam com arrogância. Quando retorna para seu país, seu senhor lhe pergunta: “Por que não promovestes a paz?” “Porque”, contesta o embaixador, “lhes expus as condições e não quiseram ouvi-las”. “Bem”, dirá aquele, “cumpristes o teu dever, não vou lhe culpar se a guerra continua”.
Em outras partes, o ministro do Evangelho é um pescador. Como é natural, um pescador não é responsável pela quantidade de peixes que pesca, mas sim pela maneira como pesca. Isto é uma benção para alguns ministros, porque nunca pescaram nada, e nem sequer atraíram algum peixe próximo de suas redes. Passam todas suas vidas pescando com ganchos elegantes e anzóis de ouro e prata, sempre utilizaram frases elaboradas e belas, mas apesar de tudo o peixe não mordeu a isca, mas nós, que somos de uma classe mais rude temos colocado o anzol na boca de muitas centenas. Não obstante, se armamos a rede do Evangelho no local apropriado, ainda que não pesquemos nada, o Senhor não achará em nós falta alguma. Nos perguntará: “Pescador, cumpriste teu trabalho? Lançastes a rede ao mar em tempos de tormenta?” “Sim, meu Senhor, assim o fiz”. “E o que tens pescado?” “Somente um ou dois peixes”. “Bem, poderia ter-lhe mandado multidões se assim fosse a minha vontade, a culpa não é sua. Em minha soberania, dou ou nego segundo minha boa vontade, mas no que diz respeito a você, tem feito um bom trabalho, por isso aqui está sua recompensa”.
Algumas vezes o ministro é chamado de semeador. E nenhum agricultor faz o semeador ser responsável pela colheita, toda sua responsabilidade consiste em semear e em semear a semente adequada. Se a planta em boa terra então é bem-aventurado, mas se cai no meio do caminho e as aves do céu a comem, quem culpará o semeador? Poderia prevenir-se? Não, ele cumpriu com seu dever, espalhou as sementes amplamente e ali as deixou. De quem é a culpa? Do semeador, é claro que não. Desta forma, meus amados, se um ministro for para o céu somente com um punhado sobre seus ombros, seu Senhor lhe dirá: “Segador, uma vez fostes semeador”! Onde recolhestes teu fruto? “Senhor, eu semeei sobre a rocha, e não cresceu, somente um grão numa manhã de domingo foi levado pelo o vento de um lado para o outro, até que caiu em um coração preparado. E este é meu único fruto” “Aleluia!”, ressoaram os seres angelicais, “um fruto entre as rochas é para Deus mais valiosa do que milhares em uma boa terra, e este semeador sentará tão perto do trono quanto aquele que vem inclinado com seus muitos frutos, provenientes de uma terra fértil”. Creio que, se há graus na glória, não será proporcional ao nosso sucesso, mas a qualidade de nossos esforços.
Se procedemos corretamente, e se com todo nosso coração nos esforçamos para cumprir com nossos deveres de ministros, ainda que não vejamos jamais nenhum resultado, receberemos a coroa. Mas quanto mais feliz é o homem de quem se dirá no céu: “Brilha eternamente, porque foi sábio e ganhastes muitas almas para a justiça”. Sempre tem sido para mim a maior alegria crer que quando entrar no céu, contemplarei em dias futuros suas portas abertas, e por elas verei entrar um querubim voando que, olhando para minha face, passará sorridente diante do trono de Deus, e depois de haver se inclinado diante Dele, e uma vez prestada a homenagem e adoração, virá apertar minha mão, ainda que não nos conheçamos, e se haverão lágrimas no céu, então, chorarei ao ouvi-lo dizer: “Irmão, dos teus lábios ouvi a palavra, tua voz me admoestou pela primeira vez do meu pecado, e eis-me aqui contigo, o instrumento da minha salvação”. E enquanto as portas permanecerem abertas, uma após outras almas redimidas chegarão, e por cada uma dessas, uma estrela, uma joia preciosa na coroa da glória, por cada uma delas outra honra e outra nota no hino de louvor. “Bem aventurados os que morrem no Senhor, sim, disse o Espírito, pois suas obras os seguem”.
O que será de alguns bons cristãos, dos que estão aqui no Exeter Hall nesse momento, se o valor das coroas no céu se mede pelo número de almas que tenham salvado? Alguns de vocês possuirão uma coroa no céu sem nenhuma estrela. Há pouco tempo li algo a respeito: Um homem no céu com uma coroa sem nenhuma estrela. Não salvou nem um sequer! Desfrutava no céu de felicidade completa porque havia sido salvo pela Misericórdia divina, mas, oh! Estar no céu sem nenhuma estrela! Mãe, o que você diria se estivesse no céu sem alguns de teus filhos para decorar seus templos com uma estrela? Ministro! Que diria, sendo um orador refinado, que não possui uma estrela sequer? Escritor! Parecer-te-ia bem ter escrito tão gloriosamente como Milton, e então se encontrar no céu sem nenhuma estrela? Temo que prestamos muito pouca atenção a isso. Os homens escrevem enormes livros e tomos, para vê-los um dia em bibliotecas, e para que seus nomes sejam famosos para sempre. Mas quão poucos se preocupam de ganhar estrelas no céu! Esforça-te, filho de Deus, esforça-te, porque se desejas servir a Deus, o pão que se lança sobre as águas não se perderá para sempre. Se jogares a semente entre as patas do boi ou asno, obterá uma colheita gloriosa no dia em que Ele venha reunir seus escolhidos. O ministro não é responsável por seu êxito.
E em último lugar, PREGAR O EVANGELHO É UMA TAREFA ELEVADA E SOLENE. O ministério tem sido frequentemente rebaixado a uma profissão. Nestes dias se faz ministros de homens que foram bons capitães do mar, ou serviram muito bem para estar atrás de um mostrador, mas que nunca estiveram preparados para o púlpito. São escolhidos pelos homens, sobrecarregados de literatura, educados até certo nível, vestidos adequadamente, e o mundo lhes chama ministros. Desejo que Deus lhes faça triunfar, porque como dizia Joseph Irons: “Deus esteja com muitos deles, ainda que seja somente para reprimir lhes a língua”. Os ministros feitos por homens não possuem utilidade nesse mundo, e quanto antes nos livrarmos deles, melhor. Aqui está sua maneira de proceder: preparam seus manuscritos detalhadamente, os leem no domingo com a maior doçura, em voz baixa e desta forma o povo fica satisfeito. Mas esse não é modo de pregar de Deus. Se assim fosse, me sinto capaz de pregar para sempre. Posso comprar sermões manuscritos por alguns centavos, quer dizer, que já foram pregados cerca de cinquenta vezes, e se os utilizo pela primeira vez valem um pouco mais. Mas essa não é a maneira. Pregar a Palavra de Deus não é como alguns creem, um simples jogo de crianças, um negócio ou profissão que qualquer um pode exercer. Um homem deve sentir, em primeiro lugar, que têm um chamado solene; depois, deve saber que realmente possuí o Espírito de Deus e que quando fala existe uma influência sobre ele que o capacita para pregar como Deus quer que ele pregue. De outra forma deve abandonar o púlpito imediatamente, porque não tem nenhum direito de estar nele ainda que a igreja seja sua propriedade. Não foi chamado para anunciar a verdade de Deus, e Deus lhe disse: “O que você tem para falar das minhas leis”?
Mas vocês dizem: “Que dificuldade existe na pregação do Evangelho de Deus?”. Bem, deve ser algo duro, porque Paulo disse: “E para estas coisas, quem é suficiente?” Primeiro, antes de tudo, deixe-me dizer que é difícil, porque assim é feito para que não distorçam por preconceitos próprios a pregação da Palavra. Quando se tem de falar com severidade, o coração nos diz: “Não o faças. Se falar desta maneira julgarás a ti mesmo”; e então existe a tentação de não fazê-lo. Outra prova é que tememos desagradar o membro rico de nossa congregação. Desta forma, pensamos: “Se digo isto e outro, fulano e ciclano se ofenderão; aquele outro não aprova esta doutrina, será melhor eu abandoná-la”. Talvez suceda que recebamos o aplauso das multidões e não queremos dizer nada desagradável, porque se hoje gritam: “Hosana”, amanhã gritarão: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Todas estas coisas se passam no coração de um ministro. Ele é um homem como vocês, e possui sentimentos. Também, está apontada nele a faca aguda da crítica e as setas daqueles que odeiam o ministro e seu Senhor, e, às vezes, não pode evitar sentir a ferida. Possivelmente colocará sua armadura e gritará: “Não me importam as críticas de vocês”, mas houve épocas em que os arqueiros afligiram penosamente até mesmo José. Então se encontra outro perigo, o de querer defender-se, porque quem procede assim comete uma grande loucura. O que deixe seus críticos sozinhos e, como à águia, que não faz caso do cantarolar do pardal ou o leão que não se molesta em sufocar o gemido do chacal, é um homem e será honrado. Mas o perigo está em que queiramos deixar estabelecida nossa reputação de justos. E, oh! Quem é suficiente para dirigir o navio livrando-se destas rochas perigosas? “Para estas coisas”, meus irmãos, “quem é suficiente?” Para levantar-se e anunciar, domingo após domingo e dia após dia, “as insondáveis riquezas de Cristo”.
Ao chegar a este ponto, e para terminar, farei a seguinte conclusão, se o Evangelho é “cheiro de vida para vida”, e a labuta do ministro é um trabalho solene, quanto bem fará para todos os amantes da verdade orar por todos aqueles que a pregam, para que sejam “suficientes para estas coisas”. Perder meu devocional, como tenho lhes dito muitas vezes, é a pior coisa que pode me acontecer. Não ter ninguém que ore por mim me colocaria numa situação terrível. “Talvez”, disse um bom poeta, “o dia em que o mundo perecer será aquele em que não está embelezado com uma oração”; e talvez, o dia em que o ministro se apartou da verdade foi aquele que sua congregação deixou de orar por ele, e quando não se elevou uma só voz suplicando graça a seu favor. Estou seguro de que assim deve suceder comigo. Dê-me o numeroso exército de homens que tive o orgulho e a glória de ver em minha casa antes de vir para este local; dê-me aquela gente dedicada à oração, que nas tardes da segunda-feira se reúnem em grandes multidões para pedir a Deus que derrame sua bênção sobre eles, e venceremos até o mesmo inferno apesar de toda a oposição. Nossos perigos não são nada, se temos orações. Porque ainda que aumente minha congregação; ainda que se formem gente nobre e educada; e ainda que eu possua influencia e entendimento, se não tenho uma igreja que ore tudo me sairá mal. Meus irmãos! Perderei alguma vez suas orações? Cessarão alguma vez suas súplicas? Nosso trabalho nesse grande lugar está quase terminado, e felizmente voltaremos ao nosso mui amado santuário. Cessarão então, por acaso, vossas orações? Temo que esta manhã não pronunciariam tantas petições como deveriam; temo que não houve uma devoção tão ardente como seria necessária. Eu não senti o poder maravilhoso que experimento algumas vezes. Não os culpo por isso, mas não quero nunca que se diga: “Aquele povo que foi tão fervoroso, se tornou frio”. Não deixem que a frieza penetre em Sothwark, se há de estar em alguma parte, que seja bem longe daqui, no Fim do Leste; não a levemos com nós. “Contendamos eficazmente pela fé que uma vez foi dada aos santos”; e sabendo dos perigos em que se encontra o portador do estandarte, suplico que se reúnam ao seu redor, porque fará males no exército.
“Se o porta-bandeira cai, como bem pode cair.
Porque tudo é de se esperar, nessa luta mortal”.
Levantem-se amigos! Empunhem o estandarte e mantenham-no no alto até que chegue o dia que nos encontraremos no último baluarte conquistado dos domínios do interno, e todos cantem: “Aleluia! Aleluia! Aleluia! Aleluia! Porque reina o Senhor nosso Deus Todo-poderoso!” Até lá, continuemos lutando.
Charles Haddon Spurgeon – Sermão pregado na manhã de Domingo, 17 de Maio de 1855 no “Exeter Hall”, Strand – “The New Park Street Pulpit” | The Spurgeon Center.