O Vigia
O presente momento é de grande significado na história do mundo. Com frequência nos referimos a outras épocas como tendo sido fortemente caracterizadas e de grande importância no progresso do caminho do homem e no desdobramento dos propósitos de Deus. Se nos encontrássemos numa posição apropriada, de modo a poder vê-los corretamente, os acontecimentos presentes seriam, aos nossos olhos, tão importantes quanto aqueles acontecimentos em seu significado.
O homem está preparando a grande exibição de si mesmo, por meio da qual o mundo todo está para ser enredado e enganado para sua própria e completa ruína. Muitos acontecimentos semelhantes no passado corresponderam, como em miniatura, a um tal estado de coisas, e nada escapou ao engano a não ser os que têm “a mente de Cristo”, ou seja, o homem de Deus que é guiado, pelo Espírito, em meio às ilusões e ao engano generalizado.
Esta Grande Babilônia
Havia no passado uma árvore cuja “folhagem era formosa, e o seu fruto abundante”, e “sua altura chegava até ao céu; e foi vista até aos confins da Terra”. “Havia nela sustento para todos; debaixo dela os animais do campo achavam sombra, e as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e toda a carne se mantinha dela” (Dn 4:11-12). Ela era motivo de admiração e jactância de todos; o desejo de todos era para com ela. O coração do homem que a plantou clamava acerca dela como sendo seu gozo e glória – “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei?” (Dn 4:30), disse o rei Nabucodonosor. Era essa a árvore formosa e luxuriante. Toda carne estava satisfeita, e o coração do homem se alegrava nela; os confins da Terra a viam, e assim ela teve a aprovação de tudo aquilo que havia no homem ou que provinha do homem.
Em pouco tempo, porém, o céu a visitou; o céu tinha uma opinião completamente diferente a respeito dela. O Vigia e Santo desceu, como o próprio Senhor havia feito nos dias antigos de Babel e Sodoma. Esse Visitante vindo do céu inspecionou a árvore cujo crescimento era tão belo e extraordinário. Mas para Ele não havia nada a ser admirado ou adorado. Ele não foi levado a cobiçar sua beleza. Em Seus pensamentos aquela não era uma árvore boa para alimento, ou agradável à vista, ou desejável para qualquer finalidade, como ela era vista nos pensamentos de toda a carne. Ele olhou para ela como algo maduro para o justo juízo, e disse seu respeito: “Derrubai a árvore, e cortai-lhe os ramos, sacudi as suas folhas, espalhai o seu fruto” (Dn 4:14).
Isso era algo solene em um momento de exaltação unida e universal, quando as bestas do campo, os pássaros do ar, e toda carne estavam se gloriando naquilo que o céu assim condenava à destruição. Mas Daniel era o único dentre os homens daquela época que tinha a mente do céu, a mente do Vigia e Santo, no que diz respeito à árvore. O santo sobre a Terra tem em si a mente do céu. É este o nosso lugar.
Elevado Entre os Homens
O perigo moral e a tentação assedia os nossos corações. “O que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação” (Lc 16:15). O santo está, hoje em dia, em grande perigo de ter mais da mente do homem em si do que da mente de Deus. Veja o exemplo de Samuel. Quando Eliabe colocou-se diante dele, Samuel disse: “Certamente está perante o Senhor o Seu ungido” (1 Sm 16:6). Mas ele olhava onde o Senhor não olhava. Ele via o aspecto exterior do homem, o porte de sua estatura, enquanto o Senhor via o coração. E nós também, nestes dias de atrativos, tanto seculares como religiosos, corremos o perigo de confundir Eliabe com o ungido do Senhor (veja 2 Cor 10:7).
Paulo era tratado com certo desprezo em Corinto devido à presença do corpo, a qual era fraca (2 Cor 10:10). Ele não era Eliabe; faltava-lhe a aparência exterior. Até mesmo os discípulos em Corinto foram iludidos e levados a se afastar de Paulo. Isso tudo é um aviso para nós nesta época solene e significativa, quando a exaltação que o homem faz de si próprio cresce rapidamente. As coisas são julgadas segundo o pensamento humano e de acordo com sua importância no desenvolvimento do mundo.
Admiração Religiosa
A admiração religiosa que os discípulos nutriam pelos edifícios do templo propiciou a ocasião para que o pensamento do homem fosse repreendido pelo pensamento de Deus. “E, saindo Ele do templo, disse-Lhe um dos Seus discípulos: Mestre, olha que pedras, e que edifícios! E, respondendo Jesus, disse-lhe: Vês estes grandes edifícios? Não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada”. (Mc 13:1-2).
Isso contém o mesmo caráter moral. Trata-se do juízo errôneo do homem, desperdiçando sua admiração e espanto naquilo a que o justo juízo de Deus já renunciou. O Senhor era o Vigia e o Santo referido pelo profeta, lançando do céu a sentença sobre o orgulho e a jactância do coração do homem, o que também é encontrado no meio religioso. Será que isto não chega aos ouvidos da geração atual?
No entanto, o ponto que acima de tudo deveria reter nosso pensamento agora é que em Lucas 19 a multidão estava seguindo o Senhor em Seu caminho de Jericó a Jerusalém, e ali nos é dito, acerca deles, que pensaram “que o reino de Deus se havia de manifestar imediatamente” (Lc 19:11 Versão Almeida Revisada). Isto nos fala da expectativa do coração do homem. O povo julgou que aquela situação, o mundo sob o controle do homem, poderia receber a aprovação de Deus. Eles pensavam que o reino seria estabelecido imediatamente. Mas isso nunca pode acontecer. Cristo não pode adotar o mundo humano. Através do arrependimento e fé o homem precisa identificar-se com o mundo de Cristo, e não pensar que Cristo possa relacionar-Se com o mundo do homem. O reino não pode vir até que o juízo tenha limpado a esfera contaminada pela iniquidade humana. Mas isso não é exatamente o que o homem planeja. Ele julga que o reino possa aparecer imediatamente – ou ser estabelecido – sem qualquer purificação ou mudança. O homem parte do princípio de que tudo o que está faltando são mais alguns passos de avanço, como de Jericó a Jerusalém; um pouco mais de progresso no cenário que se desenvolve, e tudo se tornará no reino pronto para que Deus venha adotá-lo.
O Mundo do Homem
É este o pensamento da geração presente – como aqueles que, no capítulo de Lucas, pensaram “que o reino de Deus se havia de manifestar imediatamente”. As coisas estão tão avançadas, tão refinadas, tão cultivadas por uma multidão de energias renovadas – moral, religiosa e científica – que sob o sucesso e progresso de tais energias, o mundo ficará, logo, logo, pronto para Cristo. Você pode ter limpado e adornado a casa, mas ainda assim ela não deixa de ser a mesma casa de seu velho proprietário. E a despeito de todo o esforço dispendido com ela, isso apenas a tornou mais adequada aos propósitos do velho dono, e não ficou nem um pouquinho mais adequada aos grandes e gloriosos propósitos de Deus.Jesus subiu a Jerusalém, mas encontrou ali um campo cheio de espinhos e sarças. Havia os cambistas e vendedores de pombas no templo de Deus. A casa de oração era um covil de salteadores. Os legisladores, os principais sacerdotes e os escribas buscavam destruir o Justo. A religião corrente era mestra em transgressão. Jesus chorou sobre Jerusalém. Ao invés de estar tudo pronto para a manifestação imediata do reino, tudo estava pronto para o juízo, para o imediato clamor das pedras. E assim a cidade, como a ela Se referiu Jesus, estava para ser em breve sitiada e cercada de trincheiras, e derrubada completamente, ao invés de ser a habitação da glória e testemunha do reino de Deus.
Esta Geração
Mais uma vez vem a pergunta: Não é esta a voz dirigida aos ouvidos desta geração? “O que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação” (Lc 16:15). Jesus, como o Santo e o Vigia, uma vez mais (como em Mt 24:1-2) inspecionou a árvore de adoração e gozo plantada pelo homem. E em espírito Ele disse: “Derrubai a árvore, e cortai-lhe os ramos, sacudi as suas folhas, espalhai o seu fruto” (Dn 4:14). Minha alma está profundamente convencida de que Ele está fazendo isso neste exato momento, no tocante a todo o progresso, avanço, obras de jactância e sucessos da época atual. Aquele que está sentado no céu tem, acerca de tudo isso, uma opinião diferente daquela que é produzida pela vã imaginação do homem. Ele não está pronto a dar Sua aprovação; porém está pronto para julgar o mundo no mesmo dia, um dia muito próximo, em que o mundo considera como sendo de grande progresso e exaltação.
John Gifford Bellett ( 19 de julho de 1795 – 10 de outubro 1864) – Escritor irlandês, cristão e teólogo muito influente no início do movimento Irmãos de Plymouth | Extraído de “Family Character and Family Religion” – Bible Truth Publishers.