O Velho Homem, O Novo Homem, O Eu

Se, como a Escritura ensina, o nosso velho homem está morto e crucificado com Cristo, então, o que em mim precisa ser purificado e limpo? O velho homem está morto, o novo homem não pode pecar, portanto não precisa melhorar: o que permanece então?

Esta pergunta feita recentemente por um sincero cristão, apesar de não parecer muito inteligente, ainda é uma questão que existe em muitas mentes.

Sem dúvida, há muita confusão de pensamento entre cristãos quanto à diferença entre o “velho homem” e o “novo homem”. Existe uma tendência para deixar de lado o “eu”. Assim, ao dividi-lo em um velho homem que deve ser reconhecido morto e um novo homem, o qual é a criação de Deus em Cristo completo e perfeito é que o “Eu” o indivíduo é perdido de vista. Então, a presença do mal e o conflito no coração tornam-se inexplicáveis, causando dificuldade e angústia.

Mas, antes de tudo, o coração deve estar estabelecido com graça, arraigado e alicerçado em amor. Uma alma realmente feliz no amor de Deus, jamais ficará perturbada com estas questões. Mesmo que muitas almas não estejam aptas a explicar a força dos termos da Escritura, contudo, conhecendo em Quem têm crido, podem, por fé, deixar em Suas mãos as perguntas que não sabem responder, permanecendo alegres porque Ele, que tem “derramado” tanto amor sobre elas, suprirá e esclarecerá Suas palavras e caminhos a Seu tempo e maneira, ainda que algumas almas fiquem inquietas, outras perplexas e muitas que são sinceras enganem-se, interpretando mal certas expressões da Escritura.

O crente é visto, na Palavra de Deus, sob um tríplice aspecto, sendo, em cada um deles, referido pelo pronome pessoal “eu”.

Primeiro, como um homem, um indivíduo quer pecador ou santo, tendo uma individualidade e responsabilidades; estas, claro, grandemente diferenciadas quando se trata de um pecador ou de um santo.

Em segundo lugar, como um pecador cujas responsabilidades foram assumidas por (e imputadas a) Cristo na cruz, e cuja punição dos pecados e condenação do “eu” foram levadas sobre a pessoa do Senhor Jesus, o substituto do pecador.

Em terceiro lugar, como o possuidor da vida eterna o dom de Deus e assim, uma nova criação em Cristo Jesus, habitado pelo Espírito Santo, e, portanto, apto e responsável por viver para Deus como um santo e como um filho, na mesma cena em que outrora viveu como um pecador.

O HOMEM TEM SUA INDIVIDUALIDADE XYZ

O homem, quer pecador ou santo, é um ser individual, tendo uma identidade própria. Cada homem e mulher vive, respira, come, bebe, ama, odeia, peca, agindo por si mesmo – ou por si mesma e por ninguém mais. Desse modo, cada homem ou mulher tem sua individualidade, a qual não pode ser transferida para (ou compartilhada por) outro; como está escrito: “Cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus” (Rm 14.12). Por conseguinte, este é o estado do homem e cada um se apresenta diante de Deus dessa maneira. Quando a alma do homem é trazida à presença de Deus, esta individualidade, juntamente com a responsabilidade, ficam evidentes. Desde a queda de Adão, é sempre a mesma história. “Eu estava nu” (envergonhado), foi a primeira expressão do primeiro pecador; e sempre que uma alma for trazida para a luz de Deus, haverá a mesma expressão, ainda que com outras palavras, desta consciência de individualidade, de responsabilidade e de fracasso.

A individualidade do homem parece ser tão óbvia que seria desnecessário dispensar mais tempo para prová-la, porém é importante quando considerada em conexão com a posição e o estado do cristão perante Deus. Constantemente é reconhecida na Escritura, quer como pessoa ou pessoas. Assim, “Eu” e “me” (“mim”), “nós” e “nos”, são palavras repetidamente usadas para descrever tanto o pecador quanto o santo; tanto para o que o cristão era, é e será. Por exemplo: “Nós… éramos por natureza filhos da ira, como os outros também…”. (Ef 2.3), “agora (nós) somos filhos de Deus…”., “… (nós) seremos semelhantes a ele; porque assim como é (nós) o veremos” (1 Jo 3.2). Aqui está o passado, presente e futuro dos crentes como indivíduos, antes pecadores, agora santos e filhos, a fim de serem feitos herdeiros da glória eterna.

É uma grande verdade e um conforto para o coração do crente, saber que sua identidade nunca será perdida e estar confiante que nossa transferência para a cena de glória – com capacidade física e espiritual para entrar e desfrutar dela, ainda que isto implique em indizíveis mudanças na condição e nas circunstâncias – não envolverá uma mudança de personalidade. O “Eu” – antes pertencente ao mundo, um pecador – o qual foi trazido para conhecer e experimentar a graça de Deus e o amor de Cristo, revelá-los na senda do santo e do servo pelo mundo – ainda viverá na glória, com a perfeita recordação e experiência do passado, para realçar a compreensão daquele presente glorioso e eterno. Assim, a esperança do santo não consiste em ser transformado em um anjo ou algum outro ser, mas em estar com Cristo, um homem na glória de Deus por toda eternidade.

Como a consciência disso deveria incitar a “remir o tempo” (Ef 5.16) e a “entesourar para si mesmo um bom fundamento para o futuro” (1 Tm.6.19), para que assim “seja amplamente concedida para nós uma entrada, no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pd.1.11). Realmente este é um solene pensamento, que o “Eu” vive para sempre; que minha individualidade, a qual começou com meu nascimento, prossegue para a eternidade de Deus.

QUEM É O VELHO HOMEM?

Mas alguém poderá perguntar: quem é o “velho homem” e quem é o “Eu” que foi crucificado com Cristo?

A expressão “velho homem” ocorre apenas três vezes na Escritura: em Romanos 6:6, Efésios 4:22 e Colossenses 3:9. Então: “Sabendo isto, que nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado”. Novamente: “que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano”. E outra vez: “não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos”. Em cada um desses casos o “velho homem” só é mencionado no passado, como já tendo sido crucificado, ou seja, julgado no julgamento de Cristo; ou “despojado”, isto é, posto de lado pelo cristão, tanto pela fé como na prática.

Visto que, o velho homem expressa o crente em seu estado passado como um pecador responsável, cujo estado foi achado e julgado na morte de Cristo sobre a cruz. De fato, foi por mim, no meu estado e responsabilidade como um pecador, que Cristo morreu, e cujo estado e responsabilidade o bendito Senhor assumiu, sendo condenado à morte. Portanto, algo concernente ao passado, não ao presente; diz-se que é o “velho homem” porque é relativo ao passado; sendo que, o estado e a responsabilidade ligados a ele, “já passaram” nos propósitos de Deus, como está escrito: “… as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isso provém de Deus…”. (2 Cor 5.17-18). Nesse caso, não sou eu, a pessoa, em minha individualidade, porque nesse sentido eu não morri, mas é naquele estado e caráter de responsabilidade que foi achado e solucionado pela morte e cruz de Cristo. É uma figura de linguagem, se nós podemos dizer assim, expressando que Cristo tinha alcançado tão completa libertação por Sua morte, que posso identificar-me, por fé, com Ele sobre a cruz, e ver, em Sua morte, minha própria morte como um pecador responsável perante Deus. No mesmo sentido pode ser dito: “Eu estou crucificado com Cristo” (Gl.2.20). “O mundo está crucificado para mim, e Eu para o mundo” (Gl 6.14). Aqui aparecem “Eu” e “Mim”, nesse caráter de responsabilidade como um pecador por quem Cristo morreu. Assim também: “os que são de Cristo crucificaram a carne” (Gl 5.24), isto é, por fé, veem e reconhecem a execução do julgamento e sentença de Deus sobre eles como homens na carne, consumados na cruz de Cristo.

POR FÉ

Mas é por fé e não de fato, que o crente morreu. Na verdade foi Cristo quem morreu sob juízo e não o crente. O crente – “Eu” – vive no mesmo trabalho, no mesmo corpo, na mesma cena e geralmente nas mesmas circunstâncias exteriores em que vivia como um pecador. Ele pode ainda, por fé, olhar para a cruz, e dizer: “Nosso velho homem foi com Ele crucificado” (Rm 6.6).

Isto dá não apenas descanso ao coração, mas dá também um verdadeiro senso de poder contra o pecado e o temor da morte. Não que eu esteja fora da cena do pecado e do conflito, mas por fé, tenho aprendido – nesta cena – o valor, perante Deus, da morte de Cristo por mim, um pecador; experimentando então, além de paz com Deus, o poder moral e a vitória, que somente a identificação de mim mesmo – como um pecador responsável – com Ele na morte pode dar à alma. Todavia quando o pecado é introduzido, as perguntas e respostas são: “Como nós, que estamos mortos para o pecado, viveremos ainda nele?” (Rm 6.2). Porque o “Eu” – o pecador que pecou – eu posso considerá-lo morto. Se o temor da morte como a paga do pecado, oprime a alma, e o coração pergunta: “Quem me livrará?” Pode-se também responder: “Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor” (Rm 7.24-25), porque sei que a pena da morte como a paga do pecado, Ele levou sobre Si.

Repetindo, não significa que, no presente, não exista sofrimento, conflito, pecado ou morte, mas que, pela fé na morte de Cristo, o crente está moralmente acima de todas essas coisas e pode com alegria relembrar o grande fato de que “nosso velho homem foi com Ele crucificado”. Deus diz assim, a fé faz Deus verdadeiro e acrescenta seu “Amém”.

Agora, enquanto o termo “velho homem” expressa a compreensão pela fé da maneira pela qual Deus tratou conosco em nosso estado e responsabilidade como pecadores, a expressão “novo homem” mostra o que nós recebemos como recém criados em Cristo.

Tão logo Ele – em Quem estava a vida – veio para este mundo e exerceu Seu trabalho entre os homens, vêmo-Lo declarar: “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3.3). Foi da vontade do Pai, que O enviou, que todo aquele que visse o Filho e n’Ele cresse, tivesse vida eterna e ressuscitasse no último dia; como Adão introduziu a morte através do pecado, Cristo introduziu vida, e não uma vida sujeita ao pecado ou à morte.

O NOVO HOMEM

Assim, se o homem quer ver e entrar no reino de Deus, ele necessita de uma nova criação – uma vida eterna não sujeita à queda – pois sua vida foi arruinada pelo pecado. Embora Cristo, por sua morte, tenha libertado o crente do seu estado de um pecador responsável perante Deus, e sua consequente morte e julgamento – e o tenha identificado com Cristo, sendo libertado do pecado – e morto em seu completo sentido – ainda assim o homem necessita de uma nova criação – ser nascido de novo – para que possa estar apto a habitar e desfrutar da glória de Deus. “Todo aquele que crê no Filho de Deus, tem (esta) vida eterna” (Jo 3.36). É o dom de Deus para o pecador que crê. “E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em seu Filho” (1 Jo 5.11).

“Assim que” – está escrito – “se alguém está em Cristo, nova criação é” (2 Cor 5.17). Não é meramente que ele acredite ser desta maneira – ou que ele é apenas moralmente transformado – mas ele tem vida, uma nova vida espiritual, cuja comunicação é tão real quanto a de sua vida natural em seu nascimento neste mundo.

Como anteriormente, ainda se pergunta: Como pode ser isso? Por que alguém deveria achar estranho ou impossível para Deus, no exercício de Sua graça e poder, dar vida de uma nova fonte, do mesmo modo como Ele deu a velha?

Como possuidores da vida – da qual Deus é o doador e Cristo ressuscitado e glorificado, a fonte – o crente é uma “nova criação”; assim, “… vos revistais do novo homem, que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade…”. (Ef 4.24), ele deve caminhar não somente segundo a medida de um homem da velha criação justificado e perdoado, mas segundo a medida e padrão de Cristo – a Cabeça da nova criação – em quem está aquela vida, à destra de Deus. Sua origem e suas circunstâncias próprias são celestiais, apropriadas para a elevada glória de Deus, e, tendo e conhecendo isso, o crente é chamado para viver e comportar-se aqui como um imitador de Deus, um filho querido, andando “… em amor, como também Cristo vos amou e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (Ef 5.2).

Agora, portanto, sabe-se que nem a crucificação do nosso velho homem, nem o revestimento com o novo homem, aboliu nossa inalterável individualidade e presente responsabilidade. O crente habita no mesmo corpo e se movimenta no mesmo mundo, como antes de sua conversão. Fé – e só fé – confere-lhe, pela Palavra de Deus, as bênçãos e as maravilhas da graça de Deus. Olha para trás e vê a cena do julgamento onde o Único justo foi feito pecado por nós, os injustos. Olha para cima e sabe que aquela mesma Pessoa vive agora para Si à direita de Deus. Olha adiante com a convicção e confiança de que Aquele que “há de vir, virá, e não tardará” (Hb 10.37), nos tomará para Si mesmo para que onde Ele está, possamos nós estar também. Sabe que Deus deu-lhe vida eterna, e mais, a real presença do Espírito, a fim de conhecer as coisas dadas por Deus tão liberalmente. Então, caminhando por fé, ele está consciente do poder da vida divina interior, inclinando seu coração para Deus e para Seu povo, e assim pode dizer: “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4.19). “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1 Jo 3.14). O Espírito de Deus nele (e com ele) faz dele um templo de Deus e guia-o em Seus caminhos. Agora que anda no Espírito, não satisfaz as paixões da carne, porque como “a carne milita contra o Espírito” (Gl 5.17), assim também o Espírito o faz contra a carne.

O MESMO “VASO”

Consequentemente, o crente, em si mesmo, é o cenário de um conflito no qual a natureza divina e espiritual está subjugando, e realmente subjuga, a natural e sensual. Sua individualidade permanece inalterada, e sua humanidade, em todos os seus aspectos – quer bons ou maus – permanece consigo, mas é seu privilégio olhar para o tempo decorrido de sua vida, com todos os seus pecados, como sendo, de fato, do passado. Pode, por fé, reconhecer-se um pecador para estar morto com Cristo, convicto de que todos os seus pecados e responsabilidade, como um homem perante Deus, terminaram na cruz. Experimenta também a presença e poder do Espírito de Deus, como fortalecedor daquela nova e eterna vida, a qual Deus lhe deu em Cristo. Por este Espírito, o crente mortifica as obras do corpo. Apresenta seu corpo como um sacrifício vivo. Purifica sua alma pela obediência à verdade. Seu coração é purificado por fé. Permanecendo em Cristo, purifica-se a si mesmo. Dessa maneira, seu próprio corpo, alma e coração são trazidos sob a influente presença do Espírito de Deus. Às vezes pergunta-se: É do velho coração que se fala? Mas a resposta é que a Escritura nunca fala dos cristãos como tendo dois corações. O que ela ensina é que a energia e o fruto da natureza divina devem ser expressos pelo crente, na (e pela) mesma capacidade e na mesma pessoa, na qual ele, outrora, viveu e caminhou como um pecador, porque “o corpo é para o Senhor” (1 Cor 6.13). Assim, a boca – que estava “cheia de maldição e amargura” (Rm 3.14) – está, agora, repleta de “sacrifício de louvor” (Hb 13.15); o coração – “enganoso mais do que todas as coisas, e perverso” (Jr 17.9) – é ,agora, o lugar da morada de Cristo pela fé; os pés – “antes ligeiros para derramar sangue” (Rm 3.15)- são ,agora, “calçados com a preparação do Evangelho da paz” (Ef 6.15); as mãos – que furtavam – agora, não furtam mais, antes, trabalham, fazendo o que é bom para ter o que repartir com o que tiver necessidade (Ef 4.28). Cristo deve ser engrandecido no seu corpo, quer pela vida ou pela morte. O novo poder é posto no velho vaso para ali operar vitória e destruição de toda concupiscência, na dominação da vontade do homem, assim como para trazer o todo – corpo, alma e espírito do crente – à sujeição e conservá-lo irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Seu poder para vencer reside na fé nessas verdades: a morte do velho homem e a existência do novo homem perante Deus. Porque Deus diz que ele está “morto”, ele mortifica, isto é, condena, na prática, tudo aquilo que é inconsistente com a morte e cruz de Cristo. Porque sua vida está escondida com Cristo em Deus, busca as coisas que são de cima e vive na terra como um homem celestial, aplicando os pensamentos e princípios de Deus em cada detalhe de sua vida diária. Ele lembra que a morte passou sobre o Bendito Senhor quando Ele tomou o lugar do pecador em julgamento e assim, pela fé, ele transfere o mesmo julgamento para si e para todo o seu estado passado e circunstâncias como um pecador, e para cada movimento presente da (ou apelo para a) carne.

Isto – e nada menos do que isto – é Cristianismo, e é no próprio indivíduo – no cristão – habitado e guiado pelo Espírito Santo, que Deus deve ser glorificado neste mundo. Em gloriosa ressurreição, o crente receberá um corpo tal como o glorioso corpo de Cristo, mas, para o presente, o propósito de Deus é ter um povo vivendo no poder da vida divina, de maneira que Ele pode ser glorificado em seus corpos, os quais são de Deus. Tal pessoa pode dizer: “Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20). Estão aqui, então, os três Eus: Eu, o velho homem crucificado com Cristo; Eu, o novo homem, Cristo que vive em mim; Eu, o indivíduo que vive na carne, mas vive pela fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim. Note, Ele me amou, não o velho homem, nem o novo homem, mas me – o indivíduo – antes um pecador, mas agora, por seu amor, constrangido a viver não para mim mesmo, mas para Aquele que por mim morreu e ressuscitou.

O “EU”

Há duas verdades relacionadas ao novo homem que devem ser distinguidas: Primeiramente, o fato de que o crente tem vida eterna em Cristo, o dom de Deus; em segundo lugar, o efeito moral desta verdade sobre sua existência no mundo. Assim que, primeiramente: “Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em Seu Filho” (1 Jo 5.11); e então, a seguir, diz Paulo: “Para mim o viver é Cristo” (Fp 1.21). Ele não viveu para si mesmo aqui, mas para outro, a saber, para Cristo, que foi ressuscitado dentre os mortos. Da mesma maneira, João diz: “Aquele que diz que está n’Ele também deve andar como ele andou” (1 Jo 2.6).

Finalmente por isso, o cristão – o indivíduo – é responsável e tem poder para reconhecer-se morto de fato para o pecado e vivo para Deus. Como ele morreu em Adão, assim em Cristo, ele foi vivificado. Ainda é ele mesmo que, pela fé, está morto e é ele mesmo que, pela graça, está vivo para Deus. Nada é mais danoso do que atribuir ao velho homem todo o mal encontrado no interior do cristão, como se o próprio crente não fosse responsável em manter a santidade dentro ou fora de si. A responsabilidade moral é então reduzida e há o perigo de se aceitar com mais ou menos complacência, como um mal inevitável, as obras e os frutos do pecado nos membros, ao invés de julgá-los e mortificá-los no poder do Espírito de Deus.

Estritamente falando, o velho homem não tem existência presente. Este é um termo, como temos dito antes, para expressar o estado passado de responsabilidade julgado na morte de Cristo. É o crente – “Eu” – que ainda vive, e o crente em Cristo, não meramente seu “velho homem”, que pode pecar, ainda que não deva fazê-lo. “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós” (1 Jo 1.8). “Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis” (1 Jo 2.1). A graça de Cristo e o poder do Espírito Santo, se levados em conta, são suficientes para o crente. “O pecado não terá domínio sobre” ele (Rm 6.14) e não deve deixá-lo reinar em seu corpo mortal. Todavia, se ele encontra pecado ali, não deve alegar que é seu “velho homem”, mas deve confessar honestamente que é ele mesmo; e, “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9). Assim, como já dissemos antes, ele pode, como um recurso contra esse desejo de pecar, voltar-se, por fé, para o bendito fato de que “o nosso velho homem foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, a fim de que não sirvamos mais ao pecado” (Rm 6.6).

A resposta então para a pergunta original é: aquele “Eu” permanece. Eu, que uma vez identificado com Adão, estava debaixo do pecado e sob julgamento, estou agora identificado com Cristo, e, pela Sua morte e ressurreição, libertado do estado e responsabilidade passados, trazido para um novo estado ao qual não pertencem nem o pecado, nem a morte, nem o julgamento. Caminhando nesse mundo devo agir segundo uma ou outra relação, ou como um filho de Adão, ou como um homem em Cristo e filho de Deus; por fé, é do meu domínio e privilégio, através da morte e ressurreição, desassociar-me do primeiro homem – Adão – e associar-me com Cristo – o último Adão – “o Segundo Homem, o Senhor do Céu” (1 Cor 15.47). Consequentemente, “Eu” – o indivíduo – o crente em Cristo, redimido, justificado, avivado e esperando pela glória de Cristo, sou deixado aqui sobre a terra segundo o propósito de Deus, um ser responsável, por um pouco de tempo, para proclamar os louvores d’Aquele que me chamou das trevas para Sua maravilhosa luz (1 Pe 2.9); para viver no mundo toda a verdade revelada pelo Espírito na Palavra e provar sua suficiência, não somente para a glória vindoura, mas para a vitória neste (e sobre este) “presente século mau” (Gl 1.4).

H. C. G. B. – Fonte: “Manjar Celestial

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