O Tribunal de Cristo

Neste dezembro novamente vivenciamos a euforia da comemoração do nascimento de Cristo. O palco singelo do presépio motiva o intenso envolvimento do mundo cristão com as festividades chamadas natalinas, centralizando a pessoa de Cristo no Seu nascimento humilde em Belém. Sem dúvida, foi sobremodo importante o fato do nascimento de Cristo neste mundo, pois marca a inauguração do cumprimento de inúmeras profecias sobre o extraordinário projeto de Deus para a Redenção do homem (2 Cor 5:10-13).

Mas esse foi apenas o momento inicial de uma ampla atuação de Deus para a restauração espiritual do ser humano, levado à perdição eterna, pelo pecado voluntariamente cometido. É lamentável que o comportamento do mundo cristão, em sua maioria, se concentre apenas no fato histórico do nascimento de Cristo, sem a necessária perspectiva de todo o eterno processo Redentor, cujo divino Agente foi o Senhor Jesus.

Essa necessária perspectiva nos deve conduzir a considerar, não somente os fatos que o envolveram em Sua vida humana, na maravilhosa Obra da Redenção, até a Sua gloriosa ascensão, mas também os acontecimentos que havemos de vivenciar, como redimidos, na eternidade programada por Deus.Após o arrebatamento da Sua Igreja, da qual faremos parte, há no cenário celestial um momento de grande importância que deve, desde já, ser seriamente considerado por todo o que se diz cristão. Referimo-nos ao solene Tribunal de Cristo perante o qual devemos, inevitavelmente, comparecer. Entendo que é fato da maior importância no processo Redentor e que não pode deixar de ser levado em conta na euforia das comemorações natalinas.

Em 2 Cor 5:10-13, Paulo aborda o assunto do Tribunal de Cristo, contemplando, adicionalmente, alguns aspectos de comportamento do cristão à luz da convicção da sua realidade futura. Mesmo que o cristão se salve da condenação eterna, pela justificação plena que a fé em Cristo alcança (Rm 5:1), ele será julgado por suas ações (1 Cor 3:13-15). Veremos e lembraremos, momentaneamente, os nossos pecados e faltas, para logo reconhecê-los apagados e perdoados para sempre pela eficácia do sangue de Cristo. A Bíblia não dá fundamento para a doutrina da existência de um purgatório, onde as almas dos cristãos devem ser purificadas.

Todos os crentes comparecerão perante o Tribunal de Cristo (10)

A Bíblia ensina que os cristãos terão, um dia, de prestar contas “perante o tribunal de Cristo”, de todos os seus atos praticados por meio do corpo, sejam bons ou maus. A expressão “tribunal” (no grego, bema) significa “cátedra de juiz” e era bem conhecida dos coríntios (At 18:12). Os cristãos serão julgados, numa resenha de suas obras, com o propósito de se lhes darem galardões. Consideremos alguns destaques específicos a respeito do assunto:

  • Abrangência – Todos os cristãos serão julgados; não haverá exceção (Rm 14:10, 12; 1 Cor 3:12-15; Ecl 12:14);
  • Ocasião – Esse julgamento ocorrerá quando Cristo vier buscar a Sua Igreja (Jo 14:3; 1 Tes 4:14-17);
  • O Juiz – O Juiz desse julgamento será Cristo (Jo 5:22. Veja a expressão “todo o julgamento”; 2 Tm. Veja a expressão “reto Juiz”);

Suas Características

A Bíblia ensina que o julgamento do cristão é algo sério e solene, mormente porque inclui para este a possibilidade de:

  • “dano” ou “perda” (1 Cor 3:15; 2 Jo 8);
  • de ficar envergonhado diante d’Ele “na sua vinda” (1 Jo 2:28);
  • e de se queimar o trabalho de toda a sua vida (1 Cor 3:13-15).

Esse julgamento não é para sua salvação, ou condenação. É um julgamento de obras.

Sua Transparência

Tudo será conhecido. A palavra “compareceremos” (no grego, phaneroo) significa “tornar conhecido aberta ou publicamente”. Deus examinará e revelará, abertamente, na sua exata realidade:

  • Nossos atos secretos (Mc 4:22; Rm 2:16);
  • Nosso caráter (Rm 2:5-11);
  • Nossas palavras (Mt 12:36-37);
  • Nossas boas obras (Ef 6:8);
  • Nossas atitudes (Mt 5:22); nossos motivos (1 Cor 4:5);
  • Nossa falta de amor (Cl 3:23-4:1);
  • Nosso trabalho e ministério (1 Cor 3:13).

O Propósito

O cristão terá que prestar contas da sua fidelidade ou infidelidade a Deus (Mt 25:21, 23; 1 Cor 4:2-5) e das suas práticas e ações, tendo em vista a graça, a oportunidade e o conhecimento que recebeu (Lc 12:48; Jo 5:24; Rm 8:1). As más ações do cristão, quando ele se arrepende, são perdoadas no que diz respeito ao castigo eterno (Rm 8:1), mas são levadas em conta quanto a sua recompensa. “Aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de pessoas” (Cl 3:25). As boas ações e amor do cristão são lembrados por Deus e por Ele recompensados (Hb 6:10). Veja Ef 6:8… “cada um, se fizer alguma coisa boa, receberá isso outra vez do Senhor”. A expressão “mal”, no versículo 10, tem o sentido de “inútil”.

Os Resultados

Os resultados específicos do julgamento do crente serão vários:

  • A perda da alegria (1 Jo 2:28);
  • A aprovação divina (Mt 25:21);
  • Tarefas e autoridade (Mt 25:14-30);
  • Posição (Mt 5:19; 19:30);
  • Recompensa (1 Cor 3:12-14; Fp 3:14; 2 Tm 4:8);
  • Honra (Rm 2:10; 1 Pe 1:7).

No presente, a perspectiva de um iminente julgamento do cristão deve:

  • Aperfeiçoar nele o temor do Senhor (2 Cor 5:11; Fp 2:12; 1 Pe 1:17);
  • Levá-lo a ser sóbrio, a vigiar e a orar (1 Pe 4:5-7);
  • A viver em santa conduta e piedade (2 Pe 3:11);
  • A demonstrar misericórdia e bondade a todos (Mt 5:7; 2 Tm 1:16-18).

O Tribunal de Cristo motiva “fidelidade” no exercício do ministério (11)

A expressão “temor”, no versículo 11, tem o sentido de “assombro”. É o assombro diante do Senhor, em vista do fato de que ele (Cristo) nos vai julgar. Isso nos motiva a:

  • Atuação persuasiva dos homens para levá-los à salvação em Cristo (“persuadimos aos homens”);
  • A sermos transparentes perante Deus, quanto a nossa atitude, pois “somos cabalmente conhecidos por Deus”;
  • A sermos bem reconhecidos pelos outros (“espero que também a vossa consciência nos reconheça”).

A “fidelidade” deve motivar nosso exercício ministerial, pois isso é que vale perante o Tribunal de Cristo.

O Tribunal de Cristo motiva “sinceridade” no exercício do ministério (12)

Paulo deixa claro que espera que os coríntios reconheçam a “sinceridade” do seu ministério. Isso é que deveria recomendar o seu trabalho perante eles (1 Cor 10:18). Alguns tinham insinuado aos cristãos em Corinto o desprezo por Paulo e seus companheiros. Paulo não está fazendo algum autoelogio ou autor recomendação perante eles, mas fá-los sentir que a “sinceridade” do seu ministério, por amor deles, tinha-se tornado evidente perante eles, pois o conheciam bem.

Ele escreve tais coisas para que pudessem ter a resposta certa para as insinuações maldosas dos falsos apóstolos e dos falsos profetas, que o censuravam e se gloriavam nas exibições exteriores, tais como na circuncisão, no conhecimento ou erudição, somente na aparência, mas que nada sabiam quanto à convicção do seu coração, arrependimento e fé (Rm 10:9-10; Lc 16:15; Gl 6:12-14). Bastava um exame da vida íntima de Paulo para terem a resposta de que precisavam para transmitir àqueles cuja ufania se limitava a exterioridades. Temos aí uma boa lição para que não nos gloriemos na aparência, mas na “sinceridade” de nossa atitude ministerial, pois é isso que vai valer perante o Tribunal de Cristo.

Melhor louco fiel do que sábio infiel (13)

Paulo diz aos corintos que, pareça ele louco ou não, é ministro de Deus, não o afetando a opinião de que dele fizessem os seus detratores. Visa a responder a duas críticas que lhe estavam fazendo alguns: 1. Que era um fanático; 2. Que era demasiadamente moderado, sóbrio, um morto em vida. O zelo e o entusiasmo de Paulo, concernentes a Cristo e ao Evangelho da graça de Deus, conduziram muitos dos seus adversários a chamarem-no “fanático”, ou mesmo um “louco” (At 26:24).

Paulo diz-lhes que esse zelo e diligência eram para a glória de Deus e para o bem da Igreja. Quer sejamos loucos, como alguns possam dizer, pregando com grande veemência e energia, ou humildes e calmos, seja isso para promover a glória de Deus e o bem dos cristãos (1 Cor 10:13; Cl 3:17). Abençoada a igreja que tenha “loucos” como Paulo!

Conclusão

O Natal, à margem da motivação que é para o usual comportamento festivo, deve ser a grande oportunidade para que reflitamos sobre a nossa tremenda responsabilidade como cristãos e sobre o momento solene em que deveremos comparecer perante o Tribunal de Cristo. Que contraste notável entre a humilde manjedoura onde o Filho de Deus nasceu como homem e o solene Tribunal onde Ele Se apresentará como Juiz dos que se declaram salvos pela Sua Obra Redentora! Que o Natal nos faça refletir sobre isso!

Jayro Gonçalves – Dr. Jayro é juiz aposentado, grande conhecedor das Sagradas Escrituras. Atua como ministro do Evangelho há pelo menos 60 anos.

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