O Silêncio de Deus

Quando a fé murmura, a incredulidade se revolta e os homens desafiam o Supremo a romper o silêncio e declarar-Se, quão pouco eles percebem o que esse desafio significa! Significa a retirada da anistia; significa o fim do Reino da Graça; significa o encerramento do dia da misericórdia e o alvorecer do dia da ira.

Entre as declarações que angustiaram os ortodoxos no famoso discurso do falecido professor Tyndall em Birmingham sobre “Ciência e Homem” estava sua referência ao cântico dos anjos arautos. “Olhe para o Oriente no momento atual”, exclamou ele, ”como um comentário sobre a promessa de paz na terra e boa vontade para com os homens. A promessa é um sonho arruinado pela experiência de dezoito séculos, e nessa ruína está envolvida a reivindicação da ‘hoste celestial’ à visão profética”.

Mas o cântico dos anjos não era uma promessa; muito menos era uma profecia. Aquele hino de louvor era uma proclamação divina. Ainda não era o momento em que Deus poderia impor a paz entre homem e homem; mas a Graça “veio por Jesus Cristo” e, com esse advento, a paz e a boa vontade tornaram-se a atitude de Deus para com os homens. E isso “na Terra”, mesmo em meio a suas tristezas e pecados. “Ele veio e pregou boas novas de paz” (Ef 2:17). “Quem tem ouvidos para ouvir” pode captar o eco dessa voz enquanto ela ainda vibra em nosso ar.

Se Deus está em silêncio agora, é porque o céu desceu à Terra e o clímax da revelação divina foi alcançado. Ele proferiu Sua última palavra de amor e Graça e, quando quebrar o silêncio, será para liberar os julgamentos que ainda engolfarão um mundo que rejeitou Cristo. Pois “o nosso Deus virá e não se calará” (Sl 50:3).

Um céu silencioso faz parte do mistério de Deus; mas as Escrituras Sagradas declaram que um dia está fixado na cronologia divina quando “o mistério de Deus será consumado” (Ap 10:7). Quando esse dia chegar, as hostes celestiais serão ouvidas novamente, proclamando que “a soberania do mundo passou a ser de nosso Senhor e do Seu Cristo, e Ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11:15). Então, por fim, Ele assumirá o poder que agora é Seu por direito, recompensando abertamente os bons e eliminando os maus. Em uma palavra, Ele fará então o que os homens acham que Ele deve fazer agora.

Se Ele atrasar isso, não é porque Ele seja “negligente com Sua promessa”. A própria “desculpa” de Deus para Sua inação é que Ele é “longânimo para conosco, não querendo que ninguém pereça” (2Pe 3:9).

Ao longo dos tempos, até a vinda de Cristo, o curso da história humana foi uma acusação sem resposta, pela qual cada atributo de Deus foi aparentemente desacreditado. O poder, a sabedoria, a justiça e o amor divinos foram todos questionados. Mas o advento de Cristo foi a revelação completa e final de Deus para o homem. Há mistérios, sem dúvida, que ainda permanecem sem solução, mas são mistérios que estão além do horizonte de nosso mundo.

De todas as perguntas que nos preocupam imediatamente, não há uma que a Cruz de Cristo tenha deixado sem resposta. Os homens apontam para os tristes incidentes da vida humana na Terra e perguntam: “Onde está o amor de Deus?” Deus aponta para a Cruz como a manifestação irrestrita de um amor tão inconcebivelmente infinito que responde a todos os desafios e silencia todas as dúvidas. Mas, ignorando o fato estupendo de que Ele “não poupou o Seu próprio Filho”, o teste que os homens Lhe dão é se Ele atende a algum apelo específico, instigado pela petulância da necessidade presente.

Crer em Cristo é reconhecer Seu senhorio agora. Daí a promessa: “Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Rm 10:9). O pecador que assim crê em Cristo antecipa agora a realização do supremo propósito de Deus e é absoluta e eternamente salvo.

Foi no poder dessas verdades que os mártires viveram e morreram. Aqui estava o segredo de seu triunfo – não “o sentido geral das Escrituras corrigido à luz da razão e da consciência”; não as pretensões insolentes do sacerdócio, degradantes para todos que as toleram. Com o coração abalado pelo temor de Deus, guarnecido pela paz de Deus e exultante no amor de Deus, eles defenderam a verdade contra sacerdotes e príncipes juntos. Ousando ser chamados de hereges, eles foram fiéis ao Senhor na vida e na morte.

O céu estava tão silencioso naquela época quanto está agora. Nenhuma imagem foi vista, nenhuma voz foi ouvida, para fazer seus perseguidores pararem. Mas com a visão focada em Cristo, as realidades invisíveis do céu encheram seus corações, enquanto eles passavam de um mundo que não era digno deles para o lar que Deus preparou para eles.

Para nós, os filhos degenerados de uma época degenerada, a fé vacila sob a pressão das pequenas provações de nossa vida. Enquanto Ele diz: “Nunca te deixarei nem te desampararei”, nossos murmúrios abafam Sua voz. Professando ser “seguidores daqueles que, pela fé e paciência, herdam as promessas”, nossa petulância e descrença afastam de nós a infinita compaixão de Deus. “Suportaram como vendo Aquele que é invisível”: não podemos ver nada além de nossos problemas, cegando nossos olhos para as glórias da eternidade.

A dispensação da lei, do convênio e da promessa – os privilégios distintivos do povo favorecido – foi marcada pela exibição pública do poder divino na Terra. Mas o nosso privilégio é maior, a maior bem-aventurança daqueles “que não viram e creram” (Jo 20:29). Andar pela fé é a antítese de andar pela visão. Se “sinais e maravilhas” nos fossem dados como no Pentecostes, a fé cairia para um nível inferior, e todo o caráter da disciplina da vida cristã seria alterado.

Os sofrimentos de Paulo denotam uma fé mais elevada do que “os feitos poderosos” de seu ministério anterior. Somente depois que os milagres cessaram e ele entrou no caminho da fé como o trilhamos agora, foi-lhe revelado que sua vida deveria ser “modelo para os que haviam de crer” (1Tm 1:16).

Que vida foi essa! O registro surpreendente é dado em 2 Coríntios 11. E tudo isso não apenas sem murmurações, mas com um coração exultante em Deus. Em vez de reclamar de suas enfermidades, ele se gloriava nelas. Em vez de se lamentar, ele aprendeu a ter prazer nelas “por amor de Cristo”. Ele as descreve como “leve aflição”.

Assim, cheios de pensamentos alegres sobre o lar no além e sobre a glória para a qual Ele os está chamando, os santos podem se regozijar nEle, mesmo que estejam sofrendo com o peso das múltiplas provações (1Pe 1:6-7).

Os homens apreciam os ascetismos da religião, as penitências e as ordenanças que são “segundo os preceitos e doutrinas dos homens” (Cl 2:22). Mas isso não tem nada em comum com a vida de fé. São caminhos pelos quais os homens se iludem em vãos esforços para chegar à cruz. Mas é na própria cruz que a vida de fé começa. E os milagres espirituais dessa vida são mais maravilhosos do que qualquer outro que simplesmente controlasse ou suspendesse a operação das leis naturais.

O maior de todos é o milagre do novo nascimento. E ao levarmos a verdade a outras pessoas, descobrimos que ela produz os mesmos resultados que nós mesmos comprovamos. E isso não ocorre apenas em casos isolados ou em circunstâncias favoráveis. Os missionários cristãos têm levado a verdade a algumas das raças mais degradadas do mundo pagão, com resultados que ultrapassam todos os registros anteriores, dando uma prova esmagadora de seu caráter divino.

Portanto, há um sentido em que o céu não está em silêncio. Aqueles que escapam da influência da Terra ouvem as imagens e os sons de outro mundo e, com voz unida, testificam que Deus está com Seu povo e que Sua Palavra é verdadeira. E quando nossa corrida tiver terminado, nós também sairemos da arena para nos juntarmos à poderosa multidão, até que finalmente, com suas fileiras completas, o exército sempre crescente estará de pé, uma multidão incontável, diante do trono de Deus.

Sir Robert Anderson — “Escritos dos Irmãos de Plymouth”.