Oração é o derramar de modo sincero, consciente e afetuoso o coração ou alma diante de Deus, por meio de Cristo, no poder e ajuda do Espírito Santo, buscando as coisas que Deus prometeu, ou que são conforme a Sua Palavra, para o bem da igreja, com submissão, em fé, à vontade de Deus (John Bunyan 1628-1688).
Nessa descrição há sete coisas. Primeiro, de modo sincero; segundo, de modo consciente; terceiro, de modo afetuoso, derramando a alma diante de Deus, por meio de Cristo; quarto, no poder ou ajuda do Espírito Santo; quinto, buscando as coisas que Deus prometeu, ou que são conforme a Sua Palavra; sexto, para o bem da igreja; sétimo, com submissão em fé à vontade de Deus.
Com relação à primeira destas: é um derramar de modo sincero a alma diante de Deus. A sinceridade é uma graça que permeia todas as demais que Deus nos dá, e todas as atividades do cristão, e influenciando-as, pois do contrário Deus não as estimaria. Assim ocorre na oração, como particularmente disse Davi, falando deste tema: “A ele clamei com a minha boca, e ele foi exaltado pela minha língua. Se eu atender à iniquidade no meu coração, o Senhor não me ouvirá” (Salmos 66:17,18). A sinceridade faz parte da oração, pois sem ela Deus não a consideraria como tal. “E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração” (Jeremias 29:13). A falta de sinceridade fez que Jeová recusasse as orações daqueles descritos em Oséias 7:14, onde é dito: “E não clamaram a mim com seu coração” (isto é, com sinceridade), “mas davam uivos nas suas camas”. Mas oram para simular, para exibirem-se hipocritamente, para serem vistos dos homens e aplaudidos por eles. A sinceridade é o que Cristo recomendou em Natanael, quando este estava debaixo da figueira: “Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo”. Provavelmente este bom homem tinha estado derramando sua alma a Deus em oração debaixo da figueira, fazendo-lhe em espírito sincero e não dissimulado, diante do Senhor. A oração que contém este elemento como um de seus ingredientes principais, é a oração que Deus ouve. Assim, “a oração dos retos é o Seu deleite” (Provérbios 15:81).
Por que a sinceridade deve ser um dos elementos essenciais na oração que Deus aceita? Porque a sinceridade induz a alma a abrir o coração diante de Deus com toda simplicidade, a apresentar-lhe o caso de forma franca, sem equívocos; a condenar-se claramente, sem dissimulação; a clamar a Deus desde o mais profundo do coração, sem palavras ocas e artificiais. “Bem ouvi eu que Efraim se queixava, dizendo: Castigaste-me e fui castigado, como novilho ainda não domado” (Jeremias 31:18). A sinceridade é a mesma num canto sozinha, assim como quando está diante do mundo. Não sabe levar duas máscaras, uma para comparecer diante dos homens, e outra para os breves momentos que passa sozinho. Ela se oferece ao olho perscrutador de Deus, e anseia estar com Ele no dever da oração. Não tem apreço pelo esforço de lábios, pois sabe que o que Deus vê é o coração, de onde brota a oração, para ver se a mesma vem acompanhada com sinceridade.
Em segundo lugar: a oração é um derramar de modo sincero e consciente o coração ou alma. Não se trata, como muitos pensam, de umas poucas expressões balbuciantes, de tagarelices, de expressões lisonjeiras, mas de um sentimento consciente do coração. A oração contém nela uma sensibilidade de diversas coisas: algumas vezes do pecado, algumas vezes da misericórdia recebida, algumas vezes da prontidão de Deus em outorgar misericórdia, etc.
(a) Um senso da necessidade de misericórdia, por causa do perigo que representa o pecado. A alma, digo, passa por uma experiência na qual suspira, geme, e o pecado a quebranta; pois a verdadeira oração, da mesma maneira que o sangue brota da carne por razão de sobrecarga, expressa balbuciante o que procede do coração quando este se acha sobrepujado com dor e amargura (1 Samuel 1:10; Salmos 69:3). Davi grita, clama, chora, desmaia em seu coração, os olhos falham, secam, etc., (Salmos 38:8-10). Ezequias gemia como uma pomba (Isaías 38:14). Efraim se lamenta (Jeremias 31:18). Pedro chora amargamente (Mateus 26:75). Cristo experimenta o que é “grande clamor e lágrimas” (Hebreus 5:7). E tudo isto por serem conscientes da justiça de Deus, da culpa do pecado, das dores do inferno e da destruição. “Os cordéis da morte me cercaram, e angústias do inferno se apoderaram de mim; encontrei aperto e tristeza. Então invoquei o nome do SENHOR, dizendo: Ó SENHOR, livra a minha alma” (Salmos 116:3,4). E em outro lugar: “Minha dor corria de noite” (Salmos 77:2). E também: “Estou encurvado, estou muito abatido, ando lamentando todo o dia” (Salmos 38:6). Em todos estes exemplos, e em muitíssimos outros que poderiam ser citados, pode ser visto que a oração carrega uma disposição sentimental consciente, e isto, em primeiro lugar, pelo senso do pecado.
(b) Às vezes há um doce senso da misericórdia recebida; misericórdia que alenta, consola, fortalece, vivifica, ilumina, etc. Assim, Davi derrama sua alma para bendizer, adorar e admirar o grande Deus por Sua bondade para com seres tão pobres, vis e miseráveis: “Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome. Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de nenhum de seus benefícios. Ele é o que perdoa todas as tuas iniquidades, que sara todas as tuas enfermidades, que redime a tua vida da perdição; que te coroa de benignidade e de misericórdia, que farta a tua boca de bens, de sorte que a tua mocidade se renova como a da águia” (Salmos 103:1-5). E assim, a oração dos santos se converte às vezes em adoração e ação de graças; mas nem por isso deixa de ser oração. Isto é um mistério; o povo de Deus ora com suas adorações; como está escrito: “Não andeis ansiosos por coisa alguma; antes em tudo sejam os vossos pedidos conhecidos diante de Deus pela oração e súplica com ações de graças” (Filipenses 4:6). Uma ação de graças consciente, pela misericórdia recebida, é uma oração poderosa aos olhos de Deus; ela prevalece com Ele indizivelmente.
(c) Na oração, a alma se expressa às vezes como já sabendo as bênçãos que há de receber, e isto faz que o coração se inflame: “Pois tu, SENHOR dos Exércitos, Deus de Israel”, disse Davi, “revelaste aos ouvidos de teu servo, dizendo: Edificar-te-ei uma casa. Portanto o teu servo se animou para fazer-te esta oração” (2 Samuel 7:27). Isto é o que moveu Jacó, Davi, Daniel e outros: a consciência das misericórdias a serem recebidas. Sem transes nem êxtases, sem balbuciar de maneira néscia e oca algumas palavras escritas num papel, mas com poder, com fervor e sem cessar, estes homens apresentaram, gemendo, diante de Deus, sua condição, experimentando, como disse, suas necessidades, sua miséria e a boa vontade de Deus em mostrar misericórdia (Gênesis 32:10,11; Daniel 9:3,4).
Ter um bom senso do pecado e da ira de Deus, juntamente com estímulos recebidos de Deus para vir a Ele, é um livro de orações comuns melhor do que as tiradas dos livros papistas usados na missa, que não são outra coisa senão pedaços e fragmentos da imaginação de alguns papas, de alguns monges, e não sei quem mais.
Em terceiro lugar: a oração é derramar a alma diante de Deus de modo sincero, consciente e afetuoso. Oh!, que calor, que fortaleza, vida, vigor e afeto os da verdadeira oração! “Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!” (Salmos 42:1). “Eis que tenho desejado os teus preceitos; vivifica-me na tua justiça” (Salmos 119:40). “Tenho desejado a tua salvação, ó SENHOR; a tua lei é todo o meu prazer” (Salmos 119:174). “A minha alma está desejosa, e desfalece pelos átrios do SENHOR; o meu coração e a minha carne clamam pelo Deus vivo” (Salmos 84:2). “A minha alma está quebrantada de desejar os teus juízos em todo o tempo” (Salmos 119:20). Observai como diz: “Minha alma está desejosa”, etc. Oh!, que afeto se descobre nesta oração! O mesmo encontrareis em Daniel: “Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age sem tardar; por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu povo são chamados pelo teu nome” (Daniel 9:19). Cada sílaba está impregnada de poderosa veemência. Isto é o que Tiago chama de oração fervorosa, ou eficaz. Assim também em Lucas 22:44: “E, posto em agonia, orava mais intensamente”, ou seja, seus afetos eram atraídos mais e mais para Deus, em busca de Sua mão ajudadora. Oh!, quão longe estão de se parecer as orações da maioria dos homens com a verdadeira oração que sobe ao trono de Deus! Que lástima que a maior parte não sente este ardor em sua consciência, e quanto aos que o sentem, é de se temer que muitos deles não saibam o que é derramar seu coração e sua alma diante de Deus de maneira sincera, consciente e afetuosa. Mais ainda, se contentam com um mero exercício de lábios e corpo, murmurando umas poucas orações de memória. Quando os afetos formam deveras parte da oração, o homem todo participa nela, e de tal maneira que a alma, por assim dizer, prefere gastar tudo o que tem para não ser privada do bem desejado, ou seja, a comunhão e consolação com Cristo.
Por isso os santos têm gastado suas forças e perdido suas vidas, antes do que se privar da bênção (Salmos 69:3; 38:9, 10; Gênesis 32:24, 26).
Todo este formalismo se observa sobremaneira na ignorância, irreverência e inveja que reina nos corações daqueles que são tão zelosos pelas formas da oração, mas não pelo seu poder. Dificilmente um entre quarenta deles sabe o que é ter nascido de novo; ter comunhão com o Pai por meio do Filho; experimentar o poder da graça santificadora em seu coração. Apesar de todas as suas orações, vivem, todavia, vidas cheias de maldição, embriaguez, lascívia e abominação, malícia, perseguindo aos amados filhos de Deus. Oh!, que horrendo juízo virá sobre eles; juízo contra o qual todas as suas reuniões hipócritas, e todas as suas orações, jamais poderão ajudar-lhes ou proteger-lhes!
Prosseguindo, orar é derramar o coração ou alma. Há na oração um ato em que o íntimo se revela, em que o coração se rende a Deus, em que a alma se derrama afetuosamente em formas de petições, suspiros e gemidos: “Senhor, diante de ti está todo o meu desejo”, disse Davi no Salmo 38:9, “e o meu suspirar não te é oculto”. E também: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e verei a face de Deus?… Dentro de mim derramo a minha alma…”. (Salmos 42:2-4). Observe-se que disse: “Derramarei a minha alma”, expressão que significa que na oração a própria vida e todas as forças voam para Deus. Com disse em outro lugar: “Confiai nele, ó povo, em todo o tempo; derramai perante ele o vosso coração” (Salmos 62:8). Essa é a oração a qual a promessa é feita, a de livrar uma pobre criatura do cativeiro e servidão. “Mas de lá buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma” (Deuteronômio 4:29).
Continuando, orar é derramar o coração ou alma diante de Deus. Isso mostra também a excelência do espírito de oração. É ao grande Deus que a oração se retira: “Quando entrarei e verei a face de Deus?” A alma que deveras ora assim, vê o vazio de todas as coisas debaixo do céu; vê que somente em Deus há descanso e satisfação para ela. “A que é verdadeiramente viúva e desamparada espera em Deus” (1 Timóteo 5:5). Por isso disse Davi: “Em ti, SENHOR, confio; nunca seja eu confundido. Livra-me na tua justiça, e faze-me escapar; inclina os teus ouvidos para mim, e salva-me. Sê tu a minha habitação forte, à qual possa recorrer continuamente. Deste um mandamento que me salva, pois tu és a minha rocha e a minha fortaleza. Livra-me, meu Deus, das mãos do ímpio, das mãos do homem injusto e cruel. Pois tu és a minha esperança, Senhor Deus; tu és a minha confiança desde a minha mocidade” (Salmos 71:1-5). Muitos falam de Deus com amontoados de palavras; mas a oração verdadeira faz dele sua esperança, seu sustento e seu tudo. A verdadeira oração não vê nada substancial nem que valha a pena, exceto Deus. E o faz (como disse antes) de maneira sincera, consciente e afetuosa.
Continuaremos dizendo que a oração é derramar o coração ou alma de maneira sincera, consciente e afetuosa, através de Cristo. É necessário adicionar isso, através de Cristo, pois do contrário deve ser questionada se é oração, embora na aparência possa ter muita eminência ou eloquência.
Cristo é o caminho pelo qual a alma tem acesso a Deus, e sem o qual é impossível que um só desejo chegue aos ouvidos do Senhor dos Exércitos (João 14:6). “E tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei” (João 14:13-14). Esta foi a maneira como Daniel orou pelo povo de Deus; em nome de Cristo: “Agora, pois, ó Deus nosso, ouve a oração do teu servo, e as suas súplicas, e sobre o teu santuário assolado faze resplandecer o teu rosto, por amor do Senhor” (Daniel 9:17). E o próprio Davi: “Por amor do teu nome (isto é, por amor de teu Cristo), Senhor, perdoa a minha iniquidade, pois é grande” (Salmos 25:11).
Contudo, isso não quer dizer que todo o que menciona o nome de Cristo em suas orações esteja orando realmente em Seu nome. Achegar-se a Deus por Cristo é a parte mais difícil da oração. Ao homem lhe é mais fácil experimentar Suas obras, e inclusive desejar sinceramente Sua misericórdia, do que poder vir a Deus por Cristo. O que vem a Deus através de Cristo, precisa ter conhecimento dele primeiro; “porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe” (Hebreus 11:6). E também o que vem a Deus através de Cristo deve ser capacitado a conhecer Cristo. Senhor, disse Moisés, “rogo-te que me mostres agora teu caminho, para que eu te conheça” (Êxodo 33:13).
Somente o Pai pode revelar esse Cristo (Mateus 11:27). E vir através de Cristo, é para a alma o ser capacitado por Deus para descansar debaixo da sombra do Senhor Jesus, como o que se protege num refúgio (Mateus 16:16). Por isso Davi chama a Cristo muitas vezes de seu escudo, torre, fortaleza, rocha de confiança, etc. (Salmos 18:2; 27:1; 28:1). E lhe dá esses nomes, não somente porque Ele venceu seus inimigos, mas porque por Ele achou favor com Deus o Pai. E assim Ele disse a Abraão: “Não temas, eu sou teu escudo”, etc. (Gênesis 15:1). Assim, pois, o que vem a Deus através de Cristo deve ter fé, pela qual se reveste dele, e nele se apresenta diante de Deus. O que tem fé nasceu de Deus, nasceu de novo, e, portanto, é um dos Seus filhos, em virtude do que está unido a Cristo e feito um membro dele (João 3:5,7; 1:12). Por conseguinte, uma vez membro de Cristo, já tem acesso a Deus. Digo membro de Cristo, pois Deus vê este homem como parte de Cristo, parte de Seu corpo, de Sua carne e de Seus ossos; unido a Ele pela eleição, conversão, iluminação, o Espírito sendo colocado no coração desse pobre homem por Deus (Efésios 5:30). Assim, ele se achega a Deus em virtude dos méritos de Cristo; em virtude do Seu sangue, justiça, vitória, intercessão, e assim permanece diante dele, sendo “aceito em Seu Amado” (Efésios 1:6). Ao ser assim essa pobre criatura membro do Senhor Jesus, e ter, portanto, acesso ao trono de Deus, em virtude desta união, o Espírito Santo é posto também nele, capacitando-lhe para derramar sua alma diante de Deus e ser ouvido por Ele. E isso me leva ao próximo, ou quarto, particular.
Em quarto lugar: oração é um derramar o coração ou alma de modo sincero, consciente, afetuoso diante de Deus, por meio de Cristo, no poder e ajuda do Espírito. Essas coisas dependem de tal modo uma das outras que é impossível que haja oração sem que todas elas ocorram. Por mui excelente que seja nosso falar, Deus rejeita toda súplica que não leve estas características. Se não se derrama o coração de forma sincera, consciente e afetuosa diante dele, e isso por meio de Cristo, não se faz outra coisa senão um mero esforço de lábios, o qual está longe de ser agradável aos ouvidos de Deus. Assim também, se não for no poder e ajuda do Espírito, será como o fogo estranho que os filhos de Aarão ofereceram (Levítico 10:1, 2). Mas disto falarei mais extensamente em outro capítulo; então, enquanto isso, afirmamos que a oração que não é feita por meio do ensinamento e ajuda do Espírito não pode ser “de acordo com a vontade de Deus” (Romanos 8:26, 27).
Em quinto lugar: a oração consiste em derramar o coração ou alma, de maneira sincera, consciente, afetuosa, diante de Deus, por meio de Cristo, no poder e ajuda do Espírito, pedindo o que Ele prometeu, e o que é conforme Sua Palavra (Mateus 6:6-8). A oração é oração quando se acha dentro do âmbito e do desígnio da Palavra de Deus; pois quando a petição está longe do Livro, é blasfêmia ou, na melhor das hipóteses, balbuciar vão. Por isso Davi, em sua oração, mantém o seu olho na Palavra de Deus: “A minha alma está pegada ao pó; vivifica-me segundo a tua palavra” (Salmos 119:25). E também: “A minha alma se consome de tristeza; fortalece-me segundo a tua palavra” (Salmos 119:28; veja também os versos 41, 42, 58, 65, 74, 81, 82, 107, 147, 154, 169, 170). Certamente o Espírito Santo não vivifica nem move diretamente o coração do cristão sem a Palavra, senão por, com e através dela, trazendo-a ao coração, e abrindo este, por cujo meio o homem é impulsionado a achegar-se ao Senhor, e contar-lhe sua condição, e também a argumentar e suplicar conforme a Sua Palavra. Assim ocorreu no caso de Daniel, aquele poderoso profeta do Senhor. Entendendo pelos livros que o cativeiro dos filhos de Israel estava perto do seu fim, ora a Deus conforme a Palavra: “Eu, Daniel, entendi pelos livros (os escritos de Jeremias) que o número de anos, de que falara o Senhor ao profeta Jeremias, que haviam de durar as desolações de Jerusalém, era de setenta anos. Eu, pois, dirigi o meu rosto ao Senhor Deus, para o buscar com oração e súplicas, com jejum, e saco e cinza” (Daniel 9:2,3). Dessa forma, digo que o Espírito é o ajudador e orientador da alma, quando essa ora conforme a vontade de Deus, pois Ele é o mesmo Espírito que a orienta por e segundo a Palavra de Deus e Sua promessa. É por causa disso que o nosso Senhor Jesus Cristo, Ele mesmo, se deteve numa ocasião, embora Sua vida estivesse em jogo: “Ou pensas tu que eu não poderia rogar a meu Pai, e que ele não me mandaria agora mesmo mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, que dizem que assim convém que aconteça?” (Mateus 26:53,54). Como se Ele dissesse: Se houvesse tão somente uma palavra acerca disso na Escritura, logo estaria longe das mãos dos meus inimigos, pois os anjos me ajudariam; mas a Escritura não justificaria tal tipo de oração. Deve-se orar, portanto, segundo a Palavra e a promessa. O Espírito deve dirigir pela Palavra tanto a maneira como o assunto da oração. “Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento” (1 Coríntios 14:15). Mas não há entendimento sem a Palavra. Pois se as pessoas rejeitam a Palavra do Senhor, “que sabedoria é essa que eles têm?” (Jr. 8:9).
Em sexto lugar: para o bem da igreja. Essa cláusula engloba tudo o que tende à glória de Deus, à adoração de Cristo, ou ao proveito de Seu povo; pois Deus, Cristo e Seu povo estão de tal maneira unidos, que se se ora pelo bem de um, a saber, a igreja, se ora necessariamente pela glória de Deus e pela adoração de Cristo. Da maneira que Cristo está no Pai, os santos estão em Cristo; e o que toca nos santos, toca na menina dos olhos de Deus. Orai, pois, pela paz de Jerusalém, e orareis por tudo pelo que deveis orar. Porque Jerusalém não terá perfeita paz até estar no céu; e não há coisa que Cristo deseje mais que tê-la ali, no lugar que Deus, por meio de Cristo, lhe deu. Assim, pois, o que ora pela paz e o bem de Sião, ou da igreja, pede na oração o que Cristo comprou com Seu sangue e o que o Pai lhe deu. Agora, o que ora pedindo isso, há de fazê-lo pedindo abundância de graça para a igreja; ajuda contra todas suas tentações; pedindo que Deus não permita que nada a aflija com demasiada dureza; que todas as coisas cooperem para o seu bem; que Ele lhes guarde, os filhos de Deus, santos e irrepreensíveis, para a Sua glória, sem culpa no meio da nação maligna e perversa. Essa é a essência da oração de Cristo em João 17. E todas as orações de Paulo seguiam esse curso, como mostra o texto bíblico: “E isto peço em oração: que o vosso amor aumente mais e mais no pleno conhecimento e em todo o discernimento, para que aproveis as coisas excelentes, a fim de que sejais sinceros, e sem ofensa até o dia de Cristo; cheios do fruto de injustiça, que vem por meio de Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus” (Filipenses 1:9-11). Como vês, é uma oração curta, mas cheia de bons desejos para a igreja, desde o princípio ao fim; para que esteja firme e persevere, manifestando-se na melhor disposição espiritual, ou seja, irrepreensivelmente, com sinceridade e sem ofensa, até o dia de Cristo, sejam quais forem as tentações ou perseguições que passar (Efésios 1:16-21; 3:14-19; Colossenses 1:9-13).
Em sétimo lugar: a oração se submete à vontade de Deus e diz, como Cristo ensinou: “Seja feita a tua vontade” (Mateus 6:10). Portanto, o povo do Senhor deve, com toda a humildade, colocar a si mesmo, suas orações e tudo o que têm, aos pés do Seu Deus, para que Ele disponha deles segundo melhor lhe agradar em Sua sabedoria celestial. E tudo sem duvidar que Ele responderá ao desejo de Seu povo, da maneira mais conveniente para eles e para Sua própria glória. Por conseguinte, quando os santos oram submissos à vontade de Deus, não significa que devem duvidar de Seu amor e bondade para com eles; mas sim porque não somos sempre bem prudentes, e Satanás às vezes pode se aproveitar para tentar-nos a orar por aquilo que, se alcançássemos, não redundaria na glória de Deus, nem no bem para o Seu povo. “E esta é a confiança que temos n’Ele, que se pedirmos alguma coisa segundo a Sua vontade, Ele nos ouve. E, se sabemos que nos ouve em tudo o que pedimos, sabemos que já alcançamos as coisas que lhe temos pedido”, isto é, pedindo no Espírito de graça e súplica (1 João 5:14,15). Pois, como disse antes, a petição que não é apresentada em e por meio do Espírito, não será atendida, por se apartar da vontade de Deus; pois só o Espírito conhece essa, e, assim, consequentemente, sabe como orar de acordo com a vontade de Deus. “Pois, qual dos homens entende as coisas do homem, senão o espírito do homem que nele está? assim também as coisas de Deus, ninguém as compreendeu, senão o Espírito de Deus” (1 Coríntios 2:11). Mais adiante voltaremos a tocar nesse ponto. Veja, então, em primeiro lugar, o que a oração é.
Fonte: Capítulo 2 do livro “I Will Pray With the Spirit and With the Understanding Also” or, “A discourse touching prayer”, de John Bunyan (1628-1688). Escrito quando Bunyan estava na prisão em 1662, e publicado em 1663.