O Problema do Sofrimento

Alegria no Sofrimento – 1 Pedro 4:12-19

Quase parece que Pedro havia encerrado sua epístola com a doxologia do capítulo 4:11, quando, prevendo a perseguição ainda mais feroz que logo seria desencadeada sobre seus leitores, ele pegou sua caneta novamente para escrever palavras de ânimo e encorajamento para fortalecê-los contra essa provação ardente. Suas palavras foram usadas pelo Espírito de Deus para encorajar o povo de Deus em muitas outras provações e perseguições. Que nota de alegria permeia o texto: “regozijai-vos”, “alegrai-vos”, “exultai”, “glorificai a Deus”. Mesmo na fornalha ardente da aflição, o cristão pode “regozijar-se com alegria indizível e cheia de glória” (capítulo 1:8). Essa alegria tem pelo menos três fontes:

Participação nos sofrimentos de Cristo (verso 13a): que honra é estar associado ao nosso bendito Senhor em Seus sofrimentos – esses sofrimentos que O tornaram eternamente querido por todos os nossos corações! Jamais poderemos participar de Seus sofrimentos substitutivos em nosso favor – eles foram suportados somente por Ele; mas é nosso privilégio inestimável conhecer “a comunhão de Seus sofrimentos” (Fp 3:10), “completar o que resta das aflições de Cristo” (Cl 1:24) e “ir, pois, ter com Ele fora do arraial, levando o Seu opróbrio” (Hb 13:13). Aquele que sofreu tanto por nós nos chama a sofrer um pouco com Ele. Não nos alegraremos por sermos participantes de Seus sofrimentos?

Perspectiva da glória de Cristo (verso 13b): “Sua glória será revelada”. Que dia de júbilo será esse! Um vislumbre dEle então mais do que compensará todas as provações do tempo. Nosso coração deveria se alegrar com uma alegria imensa só de pensar nisso. “Oh, a alegria de Te ver reinando, sendo adorado, glorificado e venerado!” Como a perspectiva emocionante de contemplá-Lo, em toda a Sua glória transcendente, deve iluminar a hora mais escura deste “pouco tempo”! E não apenas contemplaremos Sua glória, mas, maravilha das maravilhas, seremos participantes “da glória que há de ser revelada” (capítulo 5:1). “Apareceremos com Ele em glória” (Cl 3:4). Na verdade, “as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8:18).

Presença do Espírito de Cristo (verso 14). Até o dia em que as sombras da Terra desaparecerão para sempre, temos um Consolador que permanece conosco em meio ao sofrimento, “o Espírito da glória e de Deus”. Sadraque, Mesaque e Abednego, lançados na fornalha ardente e abrasadora, aquecida sete vezes mais do que o normal, por causa de sua fidelidade a Deus, não estavam lá sozinhos. Na fornalha com eles havia uma quarta pessoa “semelhante ao Filho de Deus” (Dn 3:25). Ele ainda é o mesmo hoje. Nenhuma fornalha de aflição é tão quente, mas Ele estará presente conosco por meio de Seu Espírito. Na véspera de Seu sofrimento, Ele não apenas previu tribulações para Seus discípulos, mas também prometeu um Consolador que permaneceria com eles para sempre (Jo 14:16). Compartilhar Sua reprovação é um privilégio pelo qual devemos ser “felizes”, pois é “um sinal evidente” do fato de que o Espírito que habitou em nosso abençoado Senhor agora repousa sobre aqueles que O seguem em Sua rejeição.

Os versículos 17 a 19 desse capítulo apresentam várias dificuldades e podem levar a um mal-entendido se forem separados do contexto dos versículos anteriores – o contexto de sofrimento, reprovação e perseguição por causa do nome de Cristo. À luz do contexto, fica claro que a afirmação de que “o julgamento deve começar na Casa de Deus” não se refere ao Tribunal de Cristo, nem dá apoio à teoria do futuro “purgatório” – para o qual não há evidência bíblica. Pedro ainda está se referindo à ardente provação da aflição que purifica o ouro da fé do crente. Se esse sofrimento, esse julgamento disciplinar, é necessário para o povo de Deus agora – a “Casa de Deus” – que perspectiva terrível está reservada para “os que não obedecem ao Evangelho de Deus”! No versículo 18, a palavra “dificilmente” significa “com dificuldade”, e a palavra “salvos” abrange todos os aspectos de nossa salvação, especialmente seu aspecto atual de libertação das provações e tribulações. Se não fosse pelo poder de Deus que nos mantém, todos nós estaríamos perdidos. Se os justos são salvos apenas com dificuldade – por meio de muita aflição – e apenas pelo poder preservador de Deus, que esperança há para os ímpios e pecadores que deixam Deus fora de suas vidas? Portanto, uma vez que o sofrimento está na vontade de Deus para nós, podemos, com confiança, entregar nossas almas ao Seu cuidado e guarda, e confiar que Ele cumprirá Seus propósitos para conosco e nos guardará até que nos leve para casa (verso 19).

Consequências do Sofrimento – 1 Pedro 5:10

É certamente apropriado que a última palavra de Pedro sobre o sofrimento em sua primeira epístola se refira às questões desse sofrimento na experiência do sofredor – os resultados que o “Deus de toda graça”, em Sua infinita sabedoria e Sua maravilhosa graça, planejou para nós. Observe a cláusula central desse versículo, “depois de haverdes sofrido por algum tempo”. A seção anterior do versículo declara os resultados eternos, e a seção final os resultados atuais que se acumulam “após” o sofrimento.

As consequências atuais: Como citamos em nosso estudo do primeiro capítulo da Epístola, Deus tem propósitos soberanos ao permitir o sofrimento – para o refinamento de nossas vidas. Aqui esses propósitos são elaborados:

(a) “Tornar vocês perfeitos”, não, é claro, sem pecado, mas totalmente equipados e qualificados para o trabalho para o qual Deus nos chamou. O sofrimento faz parte do treinamento em Sua escola, preparando-nos para Seu serviço.

(b) “Estabelecer”: tornar-nos firmes. Como é fácil ficar desanimado até mesmo ao fazer a obra do Senhor! Muitos colocam suas mãos no arado e olham para trás! Na escola do sofrimento, não apenas adquirimos aptidão para o serviço, mas também aprendemos a ter paciência e firmeza no serviço.

(c) “Força:” Na esfera física, o sofrimento enfraquece: quem de nós não experimentou o efeito enfraquecedor de uma doença, mesmo que curta? Na escola de Deus, no entanto, o sofrimento é dado – para nos fortalecer – porque leva a uma maior dependência da força de Deus, que “se aperfeiçoa na fraqueza”.

(d) “Estabelecer-se:” O sofrimento nos torna “inabaláveis” e “firmes” (1 Cor 15:58). Assim como a árvore, em tempos de tempestade, finca suas raízes mais profundamente no solo, também, em tempos de tribulação, ficamos mais firmemente “enraizados (…) Nele” (Cl 2:7), mais dependentes de Seus recursos, mais intimamente atraídos por Ele para obter tudo Dele.

As consequências eternas: Se colhêssemos o fruto de nosso sofrimento apenas no tempo, ainda assim valeria a pena. Muitos dos maiores santos foram os maiores sofredores, e seus sofrimentos os tornaram mais santos. Mas os propósitos de Deus amadurecem na eternidade – e que colheita aguarda o sofredor quando ele chegar ao outro lado! Pois o Deus que nos “chamou” para o sofrimento – muitas vezes injustificado (2:21) – e para uma vida de bênçãos aos outros – muitas vezes em resposta ao mal e à injúria (3:9) – também nos chamou para a glória eterna. Glória eterna – a consumação dos desejos e desígnios de Deus para Seu povo; o grande clímax do trabalho de Sua graça – pois Ele é “o Deus de toda graça”; e o fruto abençoado de nosso pequeno trabalho aqui no tempo! E como esse trabalho parecerá pequeno e breve! Observe o contraste: “glória… depois de haverdes sofrido”, “eterno… por algum tempo” (“por pouco tempo”, R.V.). “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente” (2 Cor 4:17).

Dr. James Naismith