“Um capitão, em cujo mão o rei se apoiara, respondeu ao homem de Deus: ainda que o Senhor fizesse janelas no céu, poderia suceder isso conforme essa palavra? E ele disse: eis que tu o verás com os teus olhos, porém disso não comerás” (2 Reis 7:19).
Um sábio pode salvar uma cidade inteira; um justo pode libertar multidões. Os crentes são o sal da terra; graças à sua presença entre os ímpios, estes são poupados. Se os filhos de Deus não atuassem como preservadores das massas, a raça humana não mais existiria. Na cidade de Samaria, onde nosso texto nos leva, havia um justo: era Eliseu, homem de Deus. A piedade havia completamente desaparecido da corte. O rei Jorão era um pecador mergulhado nos mais negros vícios; suas iniquidades eram gritantes e infames. Ele seguia o caminho de Acab, seu pai, e servia publicamente aos falsos deuses. Como seu monarca, os habitantes de Samaria tinham sido infiéis. Eles tinham abandonado a Jeová, e esquecido o Santo de Israel. A antiga divisa de Jacó: O Eterno seu Deus é o único Senhor (Dt 6:4), não era para eles mais que uma letra morta, e se curvavam diante das divindades abomináveis dos pagãos. Por isso o Deus dos Exércitos fez Israel cair sob as mãos de seus opressores; ele permitiu que Samaria fosse atacada por um exército estrangeiro, ao mesmo tempo castigada por uma fome terrível, de sorte que as maldições pronunciadas sobre o monte Hebal, se cumpriram à letra, e se viu nos muros de Samaria a mulher mais suave e delicada, que não teria, por delicadeza, tentado por a planta de seu pé sobre a terra, olhar, com cobiça nos olhos, seus próprios filhos; e rendida ferozmente pela fome, devorar o fruto de suas entranhas (Dt 28:56-58).
Entretanto, nesta horrível conjuntura, o profeta do Altíssimo tornou-se um instrumento de salvação para a cidade pecadora. Deus usou o sal para conservar Samaria; ele foi o libertador de todo um povo sitiado. Por causa de Eliseu, de fato, e por sua instrumentalidade, Deus prometeu solenemente que, a partir do dia seguinte, os alimentos, que só se podiam obter a peso de ouro, seriam vendidos a preço vil nas portas da cidade. Imaginem, meus irmãos, a alegria da multidão ao ouvir esta predição sair da boca do santo homem. Todos reconheciam nele um profeta do Eterno; suas credenciais estavam marcadas com o selo divino; tudo o que ele havia predito se realizou. Assim, ninguém poderia duvidar, que nesta ocasião ele estivesse, mais uma vez, falando em nome de Deus.
Certamente os olhos do monarca brilharam de alegria e a multidão esfomeada saltou de júbilo, à perspectiva de uma libertação tão próxima. “A partir de amanhã”, todos eles devem ter gritado, “a partir de amanhã nossa fome será saciada! A partir de amanhã mataremos nossa fome!”.
Mas entre a alegria geral, uma voz se fez ouvir com palavras de incredulidade. Era a voz daquele capitão sobre o qual o rei se apoiara. Não nos é dito, notemos, que uma única pessoa do povo comum tenha desconfiado da predição de Eliseu; mas um alto personagem ousou fazê-lo. É uma coisa estranha, meus caros ouvintes, mas é um fato incontestável, que Deus escolhe raramente os grandes deste mundo; na verdade parece que o alto status e a fé em Cristo dificilmente estão de acordo – “Impossível!”. Gritou o oficial da corte; e somando a ironia à incredulidade, acrescentou: “eis que ainda que o Senhor fizesse janelas no céu, poder-se-ia isso fazer conforme essa palavra?”. Este foi o seu pecado: não creu na declaração do profeta, ainda que os milagres antes operados, testemunhassem da maneira mais estrondosa que ele era enviado de Deus.
Sem dúvida, o capitão de Samaria havia assistido à maravilhosa derrota de Moab; sem dúvida lhe haviam contado como Eliseu tinha descoberto os segredos de Ben-Hadad; como ele tinha abatido com cegueira os soldados enviados para lhe prender; como os tinha levado até aos muros de Samaria. Não podemos imaginar que a ressurreição do filho da Sunamita, ou a história dessa viúva, cujo óleo miraculosamente foi multiplicado pelo homem de Deus e bastou para pagar sua dívida, não fossem de seu conhecimento; e quanto à cura de Naamã; ela deve ter sido, certamente, o assunto de todas as conversas da corte (2 Reis 3; 2 Reis 4; 2 Reis 5; 2 Reis 6). Entretanto, na presença de tamanha quantidade de evidências, diante dessas provas irrefutáveis da missão divina do profeta, o capitão não depositou fé em sua palavra. Pior ainda, ele a ridicularizou. Foi então que o Senhor, pela boca daquele mesmo que acabara de proclamar a libertação, fez ouvir sua sentença de condenação: “Tu verás com os teus próprios olhos, mas não comerás”. E a Providência, que sempre cuida em fazer cumprir a palavra de sua profecia, tão fielmente quanto o papel reproduz os caracteres nela impressos – a Providência, dizíamos, fez morrer esse homem. Pisoteado nas ruas de Samaria, pereceu às portas da cidade, tendo contemplado com seus próprios olhos a abundância prometida, mas não podendo aproveitá-la.
As circunstâncias que ocasionaram esta morte trágica são desconhecidas. Talvez a forma orgulhosa e insultante do infeliz, tenha exasperado a povo; talvez ele tenha tentado impedir a multidão que se precipitava em direção às portas; talvez, ainda, tenha sido atropelado por um simples acidente (como comumente se diz); o que quer que tenha sido, o que permanece certo é que ele viveu para ver a profecia justificada pelo acontecimento, mas não o bastante para desfrutar dos benefícios anunciados pela palavra do profeta.
Eu me proponho, meus caros ouvintes, a chamar sua atenção neste dia, sobre dois pontos principais: o PECADO do homem e o seu CASTIGO. Pode ser que ao tratar do meu tema, eu não faça, exceto raramente, alusão ao homem que acabei de lhes lembrar nesta emocionante história; entretanto, espero que esse caso em particular, me ajude a melhor extrair as verdades gerais que quero lhes apresentar.
I. Em primeiro lugar, O PECADO
Primeiramente, dissemos já uma vez, que O PECADO desse homem foi a incredulidade. Ele não depositou fé na palavra de Deus; ele duvidou da veracidade e do poder do Altíssimo. Em outros termos, ele acreditava que o Senhor não cumpriria sua promessa, ou que a coisa prometida estava fora dos limites da possibilidade.
Nada é mais complexo que a incredulidade; ela possui mais fases que a lua e mais nuanças que o camaleão. Segundo uma crença popular, o diabo se mostraria às vezes de uma forma e ora de outra. O que é falso quanto a Satanás em pessoa, é perfeitamente verdadeiro quanto à incredulidade, esta filha primogênita de Satanás. Pode-se dizer dela, com toda a verdade, que seu nome é legião, porque suas formas são várias. Ora a incredulidade me aparece disfarçada em anjo de luz; ela se cobre com o nome de humildade e fala algo parecido com estes termos: “Deus me guarde da presunção! Deus me guarde de afirmar que o Senhor me perdoa; eu sou um pecador grande demais para ousar contar com sua graça”. Com frequência os cristãos mesmos se deixam levar por esta artimanha de Satanás, e louvam a Deus por ter abençoado uma alma com tão bons sentimentos. Mas, longe de louvar a Deus, eu gemo por essa alma, porque sob esse agasalho emprestado, reconheço o demônio da dúvida.
Outras vezes, a incredulidade coloca em questão a fidelidade de Deus: “É verdade que o Senhor me ama, se diz; mas quem pode dizer se ele não vai me rejeitar em seguida? É verdade que ontem ele me socorreu e me ponho ainda sob a sombra de suas asas; mas quem pode dizer se ele amanhã não me abandonará? Quem pode dizer se ele sempre se lembrará de sua aliança e não esquecerá sua compaixão?” Outras vezes ainda, a incredulidade inspira dúvidas sobre o poder de Deus. Alguém encontra em seu caminho novos entraves, ou é enlaçado por uma rede de dificuldades e pensa em seu coração: “Certamente o Senhor não saberia nos livrar”. Então tenta por si mesmo se desembaraçar de seu fardo, e por que não consegue, imagina que o braço de Deus é tão curto quanto o nosso, e que sua força tão fraca como a força humana.
Mas, se essas diversas formas de incredulidade são perigosas no mais alto grau, porque elas retêm as almas longe de Jesus e levam-nas a duvidar de seu poder ou de seu amor, o que dizer daquela incredulidade terrível, confessada, mais revoltante, que, orgulhosamente e em suas cores verdadeiras, blasfema contra Deus e nega atrevidamente sua existência? O deismo, o ceticismo e o ateísmo, tais são os frutos maduros e envenenados da árvore da dúvida; essas são as mais terríveis erupções do vulcão da incredulidade. Sim, pode-se dizer verdadeiramente que ela atingiu sua perfeita estatura, que ela encontrou seu apogeu, esta incredulidade que, tirando toda a máscara e deixando de lado todo o disfarce, percorre insolentemente a terra dando seu grito de revolta: “Não há Deus!” E que levantando o braço contra Jeová, tenta abalar o trono da divindade, e em sua inconcebível loucura, parece não aspirar nada mais que se fazer Deus. Entretanto, meus amigos, notem bem que a incredulidade se manifesta sob formas mais ou menos grosseiras, mais ou menos atenuadas, mas sua natureza permanece a mesma; a seiva é a mesma, ainda que os ramos sejam infinitamente variados.
Há neste mundo certas pessoas muito estranhas, para dizer pouco, que sustentam que a incredulidade não é pecado. E o que é mais inexplicável, é que há pessoas que apesar de uma fé religiosa robusta, caem nesse erro. Conheço um jovem que entrou um dia em uma reunião de amigos e ministros do Evangelho, no momento em que se discutia muito seriamente esta questão: “É pecado o homem não crer no Evangelho?” Pasmo, o jovem tomou a palavra e disse: “Senhores, estou ou não na presença de cristãos? Vocês creem ou não creem na Bíblia?” – “É inegável que nós somos cristãos”, responderam todos de uma só voz. “Então, retomou o jovem, por que esta discussão? A Escritura não diz, expressamente, que o mundo será convencido do pecado, porque não crerá em Cristo? Ela também não denuncia a condenação de todo o pecador que recusa crer no Filho de Deus?”
Este arrazoado, meus irmãos, não lhes parece tão simples quanto conclusivo? Quanto a mim, lhes confesso, não posso compreender que homens que dizem ter respeito pela palavra inspirada, não aceitem implicitamente o que ela ensina. Eu não posso compreender que sob o pretexto de aliar a verdade com não sei quais dados da razão humana, se tenha ousadia de negar as declarações divinas. A verdade é uma torre forte que não tem necessidade de ser apoiada pelo erro. A Palavra de Deus saberá muito bem permanecer em pé, apesar dos ataques de seus inimigos e sem os sofismas de seus pretensos amigos. Pois a Escritura declara nestes termos a causa da condenação: que a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz; lá nós lemos palavras como estas: aquele que não crê, já está condenado, porque não crê no nome do Filho de Deus; eu não temo afirmar da maneira mais positiva, com a Palavra de meu Mestre, que a incredulidade é um pecado.
Sejamos razoáveis, são necessários grandes argumentos para demonstrar esta verdade? Ela não se prova, por si mesma, a todo espírito racional e sem preconceito? O quê? Não é uma coisa medonha, que uma criatura ouse colocar em dúvida a Palavra daquele que a formou? Não é um crime e um insulto à Divindade, que eu, miserável átomo, grão de areia perdido nesta imensidão, ouse desmentir o Todo-poderoso? Não é o cúmulo da arrogância e do orgulho, que um filho de Adão diga em seu coração: “Deus! Eu duvido de tua graça, duvido de teu amor, duvido de teu poder!” Oh! Meus queridos ouvintes, creiam-me; ainda que fosse possível amalgamar, por assim dizer, os mais vergonhosos delitos; ainda que vocês pegassem os assassínios, a blasfêmia, a cobiça, o adultério, a fornicação, em resumo, tudo o que há de mais vil, de mais imundo, de mais revoltante sobre a terra, e que todos estes crimes reunidos, vocês pudessem deles fazer um único crime monstruoso, esta massa hedionda de corrupção e de impureza, seria menos ainda que o pecado de incredulidade. Sem opositor, esse é o pecado rei; ele é a quintessência de tudo o que é mal; o princípio e o veneno de todo o vício; a escória de toda a maldade, a obra-prima de Satanás. Mas para melhor lhes fazer compreender a excessiva malignidade desse pecado, permitam-me entrar com alguns desenvolvimentos.
1. Primeiramente, observem que a incredulidade pode ser chamada, e com justiça, a mãe de todos os outros pecados. De fato, não há crime que ela não possa engendrar. A ela deve ser imputada, em grande parte, a culpa pela queda de nossos pais. O quê? – pergunta o tentador à Eva – Deus disse para vocês não comerem de toda a árvore do jardim? Ele insinua habilmente uma dúvida em sua alma – “Seria correto lhes fazer uma restrição como essa?”, parece-lhe dizer.
A incredulidade foi como a parte mais afiada da lâmina mortal, que Satanás introduziu no coração de Eva; foi ela quem abriu passagem à curiosidade, à cobiça e a todo tipo de maldades pensadas. E desde o dia, nunca suficientemente lamentado, quando o pecado entrou no mundo, e pelo pecado a morte, quem poderia contar as iniquidades sem número, às quais a incredulidade deu origem? Todo incrédulo é capaz de cometer o mais negro dos crimes que jamais tenha poluído a terra. A incredulidade, meus irmãos, foi ela que endureceu o coração de Faraó, ela que descontrolou a língua de Rabsaquê, ela que tornou-se deicida e crucificou o Rei da Glória! Não é a incredulidade, que a cada dia ainda, afia a faca do suicida, prepara a taça envenenada, conduz à prisão milhares de criminosos, e faz descer à tumba ignominiosa o pecador contumaz que se lança ao encontro de seu Juiz, com as mãos ainda tintas de sangue? Aponte-me um homem incrédulo; me assegurem de que ele despreza a Palavra de Deus, que ele não deposita fé nem em suas promessas, nem nas suas ameaças; e postas estas premissas , eu não temeria concluir que, a menos que um poder preventivo extraordinário seja exercido sobre esse homem, algum dia ele será culpado dos excessos mais vergonhosos. A incredulidade é o Belzebu dos pecados; como o príncipe dos demônios, ela não anda só; mas quando ela penetra no coração, traz sempre em seguida um longo cortejo de maus espíritos. Nela encontramos o germe de todos os vícios, a semente de toda a iniquidade; em resumo, não há nada mais odioso, mais vil, mais degradante no mundo, que não esteja incluído nesta única palavra: INCREDULIDADE.
E este é o momento de dizer que a incredulidade que se introduz em alguns momentos no coração do filho de Deus, é absolutamente da mesma natureza daquela do não convertido. Sem dúvida, suas consequências finais serão bem diferentes, porque a incredulidade do cristão lhe será perdoada… Que digo eu? Ela já está perdoada! Ela foi colocada, com todas as suas transgressões, sobre a cabeça daquele cujo símbolo era o bode emissário; por consequência, ela foi expiada e apagada para sempre. Entretanto, repito, quanto à sua natureza, ela não difere em nada da outra incredulidade. Digo mais: se há um pecado mais odioso ainda que a incredulidade do mundano, certamente deve ser a incredulidade do filho de Deus. Que alguém ponha dúvida na Palavra de seu Mestre, aquele que recebeu inumeráveis testemunhos de seu amor, de garantias reiteradas de sua misericórdia, mostre desconfiança em seu Pai celeste, oh! não é isso, lhes pergunto, uma iniquidade sem nenhum paralelo? No cristão, não menos que no mundano, a falta de fé é a raiz de toda a sorte de maldade. Quando eu for perfeito na fé, serei perfeito em relação a tudo. Obedecerei sempre os preceitos de Deus, se eu sempre crer em suas promessas. Eu peco, porque minha fé é fraca. Que eu seja pobre, abatido por preocupações, desprovido de tudo, mas se posso com confiança levantar minhas mãos ao alto e dizer: “o Senhor proverá”, ninguém me verá jamais recorrer a meios iníquos para melhorar minha posição; mas, ao contrário, se não deposito fé nas promessas divinas, o quê virá? Talvez pudesse furtar, ou cometer alguma ação desleal para escapar dos meus credores, ou mergulharia nos hábitos da intemperança para afogar minhas ansiedades. Tirem-me a fé, e meu ser moral não terá mais freio. Ora, como controlar sem freios nem rédeas, um cavalo indócil? Tal como a fábula nos apresenta o carro do sol conduzido por Faeton, assim nós seríamos sem a fé – errantes ao acaso e indo para a perdição. É, portanto, correto dizer que a incredulidade é a mãe de todos os vícios; é o pecado por excelência, porque traz em seu seio todos os outros.
2. Mas não é tudo. Não somente a incredulidade dá origem aos pecados, mas ainda os alimenta e conserva. Vocês nunca se perguntaram, meus amados ouvintes, como os homens continuam vivendo segundo os ditames de seu próprio coração, mesmo tendo sobre seus ouvidos as ameaças do Sinai? Como se explica, por exemplo, que quando um Boanerges (isto é, filho do trovão, Mc 3:17), sustentado pela graça de Deus, levanta a voz e grita do alto da tribuna da verdade: “Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las” (Gl 3:10; Dt 27:26); como se explica que o pecador escute sem tremer as terríveis ameaças da justiça divina, e permaneça em seu endurecimento e nada mude em seu mau caminho? Vou lhes dizer, meus amigos, é simplesmente porque a incredulidade está no fundo de seu coração; é ela que impede as ameaças de Deus tocarem seu coração. Quando nossos mineiros trabalhavam diante de “Sebastopol”, eles não podiam, e vocês sabem por que, trabalhar tranquilamente diante dos muros da cidade; assim, o que fizeram eles? Primeiro eles tiveram o cuidado de construir as trincheiras atrás das quais poderiam responder ao fogo inimigo e prosseguir seu trabalho embaixo da terra sem perigo. Acontece o mesmo com o não convertido. Sua trincheira é a incredulidade. Satanás lhe dá este abrigo, a fim de que as exigências da lei não atinjam sua consciência. Ah! Pecador que hoje está envolvido por uma orgulhosa indiferença, se nunca o Santo Espírito se dignar a converter sua incredulidade, se ele não se dirigir a você com uma demonstração de espírito e de poder, com que força a Palavra de Deus salvará sua alma? Virá o dia quando os homens serão fortemente convencidos que a lei é santa e que o mandamento é santo, justo e bom; quem poderia marcar limites ao poder da Escritura sobre seus corações? Eles se veriam constantemente suspensos em cima do inferno; eles levariam a sério às ameaças divinas. Então, não haveria mais, na casa de oração, nem indiferentes, nem sonolentos, nem ouvintes desatentos; então, depois de ouvir a Palavra, ninguém a esqueceria tão rápido. Sim, eu digo isto com plena convicção, sem a incredulidade, nenhuma exigência lançada pelas temíveis baterias da lei, deixaria de atingir seu alvo e grande seria o número daqueles que seriam mortos pelo Eterno. (Is 66:16).
Como é possível que os homens possam ouvir os doces, tocantes convites da cruz do Calvário, sem vir a Cristo? Como é possível que quando os pregadores do Evangelho tentem lhes expor os sofrimentos inexprimíveis de Jesus, quando lhes falam de sua paixão e de sua agonia, e terminem por lhes dizer da parte de Deus – há ainda lugar; venham porque tudo foi feito – digam, meus caros ouvintes, como é possível que seus corações não lhes sejam quebrantados? Por que vocês não gritam, batendo no peito:
Ó Cristo, teu amor profundoToque, penetre nosso coração;Tu morreste pelos pecados do mundo,Só tu és nosso Deus e Salvador?
E no entanto me parece que a cena do Calvário é comovente o suficiente para amolecer o mármore mais duro! Creio que o lúgubre drama do Gólgotha faria chorar até as pedras, e deveria arrancar lágrimas de arrependimento e de amor ao miserável mais endurecido! Mas vejam. Nós lhes falamos e falamos estas coisas e onde estão aqueles que se afligem? Onde estão aqueles que choram? Oh! Humilhante insensibilidade do coração do homem! Até as rochas se fenderam ao ver Jesus morrer; e vocês, que a cada dia o contemplam, por assim dizer, crucificado de novo sob seu olhos, assistem a este espetáculo com tanta despreocupação que ele não lhes diz mais nada! Oh! Vocês todos que passam, olhem e vejam. Não lhes importa que Jesus esteja morto? “Não. Isso não nos toca”, na maioria das vezes vocês respondem. Por que é assim, meus amigos? Ah! É por que entre vocês e a cruz do meu Salvador, há pensamentos de incredulidade. Se o véu espesso da dúvida não lhes furtasse a figura divina de Jesus, seu olhar de amor derreteria o gelo de seus corações. Mas a incredulidade neutraliza, de alguma maneira, o poder do Evangelho; ela o impede de agir sobre a alma e somente quando o Santo Espírito expulsa essa incredulidade, quando Ele dá um golpe mortal no ceticismo natural do coração humano, então o pecador pode se aproximar de Jesus e pôr nele sua confiança.
3. Uma terceira consideração que nos fará compreender bem apropriadamente o quanto a incredulidade é odiosa, é que ela nos incapacita para toda boa obra.
Estas palavras do Apóstolo – tudo o que não é feito com fé, é pecado (Rm 14:23) – são verdadeiras em mais de um sentido. Deus não se agrada quando não dou valor à moralidade! Deus se agrada quando eu me refiro à probidade, à temperança ou qualquer outra virtude humana, com elogio e respeito. Mas depois de ter dado a essas coisas seu legítimo valor, sabem o quê eu acrescentarei? Isto: todas as virtudes puramente humanas, são parecidas com aquelas pequenas conchas que servem de moeda em certas partes da Índia. Eles servem para comprar na Índia, mas na Europa não têm valor algum. Analogamente, as virtudes humanas podem servir como moeda corrente aqui embaixo, mas no alto não servem para nada. Se você não tem algo melhor que sua própria excelência, você não entrará jamais no céu. Sem dúvida, se devesse passar minha vida no meio do povo indiano, eu teria que ter muitas conchas; mas se devo viver num país civilizado, uma outra moeda me é necessária. Assim, a probidade, a temperança e outras coisas semelhantes, são muito boas para a terra, e quanto mais vocês as possuírem, mais lhes valerá. Todas as coisas que são justas, puras, amáveis e de boa reputação, eu lhes exorto, meus irmãos, à procurar e praticar; mas ao mesmo tempo lhes declaro, lhes é necessário mais para entrar no céu. Sem a fé, todas essas coisas reunidas não têm nenhum valor diante de Deus. As virtudes, sem a fé, são pecados caiados por fora e nada mais. A obediência sem a fé – (admitindo que isso fosse possível) – não seria mais que desobediência disfarçada. A incredulidade anula tudo. É a mosca que deteriora o perfume (Ecc 10:1); é a erva venenosa que envenena o jarro (2 Reis 4:38-41). Se possuíssemos todos nós a pureza mais amável, a filantropia mais generosa, a simpatia mais desinteressada, o gênio mais nobre, o patriotismo mais devotado, a integridade mais conscienciosa, mas não tivéssemos a fé, não temos nada. Sem a fé, diz o Apóstolo, é impossível agradar a Deus.
E esta incapacidade para o bem, inseparável da incredulidade, é encontrada entre os cristãos mesmos, por conta de uma fé fraca.
Permitam-me, meus irmãos, lhes contar uma simples história, um fato narrado nos Evangelhos. Um certo homem tinha um filho possuído de espírito maligno. Jesus estava no monte Tabor, na glória de sua transfiguração. Não podendo chegar até o Mestre, o infeliz pai conduziu seu filho aos discípulos. A primeira atitude deles foi dizer: “Sim. Nós expulsaremos o demônio!” e logo lhe impuseram as mãos. Mas de repente uma dúvida surgiu em seus corações. “Será que vamos conseguir?” questionaram uns aos outros com inquietação. Logo o possuído começou a espumar; rangia os dentes, e rolava por terra, se debatia em terríveis convulsões. Evidentemente, o espírito maligno ainda estava lá. Em vão os discípulos redobraram os esforços. Como um leão na caverna, o demônio parecia lhes desafiar. “Espírito impuro! Sai deste homem!” gritaram com nova energia; mas ele não saiu. “Espírito das trevas! Volte para o seu lugar!” repetiram; mas ele não lhes obedeceu. Os lábios incrédulos dos discípulos não podiam incomodar o Maligno, que pronto lhes pôde dizer: “Eu conheço a fé e conheço Jesus, mas não sei quem são vocês”. Se os discípulos tivessem a fé somente como um grão de mostarda, eles teriam expulsado o demônio; mas sua fé era fraca; por isso eles foram incapazes.
Vejam, ainda, o que aconteceu ao Apóstolo Pedro. Ele cria na palavra de Jesus e andou sobre as ondas. Que andar admirável, que me faz frequentemente invejar o apóstolo. Se sua fé não tivesse enfraquecido, quem poderia dizer até onde Pedro teria ido? Com a fé para sustentá-lo, ele teria podido atravessar o Atlântico e atingir o Novo Mundo! Mas eis que, depois de um momento, Pedro vê uma onda ameaçadora que vem em sua direção e ele se pergunta aterrorizado: “Ela não vai me engolir? ” Depois ele pensa: “Que presunção a minha em ousar me aventurar assim sobre as ondas?” Logo, Pedro começa a afundar. A fé era a corda que o mantinha em cima da água. Com ela, seu passo estava firme; sem ela, começou a perder o pé. Será sempre assim conosco também, meus amados irmãos. Todos, quantos sejamos, temos de andar sobre as águas. O quê é sua vida ou a minha, senão um andar constante em meio às ondas furiosas? Você queria permanecer de pé em meio ao mar tormentoso? Tenha fé em Deus. No momento em que você deixar de crer, as águas da aflição entrarão em sua alma e você afundará. E por que, então, você ainda duvida, ó gente de pequena fé?
A fé desenvolve todo o bom pensamento, todo o bom sentimento; a incredulidade, ao contrário, os mata. Quantas orações não foram sufocadas desde seu nascedouro! Quantas santas aspirações não foram abatidas de morte, antes mesmo de verem o dia! Quantos louvores não teriam alimentado os corações celestes e foram rechaçados pelo sopro ímpio da dúvida! Quantos nobres projetos, concebidos no coração, foram tristemente abortados por causa da incredulidade! Aquele homem seria talvez um missionário devotado; aquele outro, um ousado pregador do Evangelho, se a incredulidade não tivesse esfriado seu generoso propósito. Mostre-me um gigante espiritual incrédulo, e logo ele se tornará um anão. A fé é, para o cristão, o que era sua cabeleira para Salomão. Tire-lhe a fé e você poderá lhe furar os olhos e reduzi-lo a uma completa incapacidade.
4. Observem ainda, meus caros ouvintes, que o pecado de incredulidade deve ser de uma natureza odiosa, porque em todos os tempos o Senhor o puniu severamente. Para nos convencermos desse fato, abramos as Escrituras.
Eu vejo um mundo cheio de brilho, beleza e esplendor, onde suas montanhas riem ao sol e seus vales são banhados por uma atmosfera de ouro. Virgens dançam sob as sombras e jovens cantam em coro. Oh! Maravilhosa visão!
Mas, subitamente um velho de aspecto grave e respeitável aparece em cena. Ele levanta sua mão e grita : “Em breve um dilúvio vai cair sobre a terra e as fontes do grande abismo se romperão; as águas cobrirão todas as coisas. Estão vendo esta arca? Durante 120 dias trabalhei com minhas próprias mãos para construí-la. Apressem-se e nela busquem refúgio e serão salvos”. “Ah! Velho crédulo, que temos nós contigo? Lhes respondem zombando. Deixe-nos aproveitar a vida em paz. Pensaremos no dilúvio quando ele vier. Mas ele não virá, nós sabemos. Vá profetizar a outros. “E a multidão despreocupada, retoma seus cantos e danças. Mas ouçam, incrédulos! Vocês ouvem esse barulho surdo e estranho? As entranhas da terra começam a perturbar-se; seus vastos flancos estão sendo devastados por terríveis convulsões internas. Cedendo a uma tensão enorme, elas eclodem, e águas concentradas, que desde o dia em que Deus as confinou no interior do globo, jamais haviam aflorado, escapam por todas as partes em torrentes impetuosas. E a abóbada celeste! Ela é fendida ao meio. E chove, não apenas gotas de água, mas torrentes de nuvens inteiras. Uma catarata, mais potente que a de Niágara, se precipita do firmamento com um clamor terrível. Os dois abismos – o abismo de cima e o abismo de baixo – se encontram e dão as mãos. Onde estão vocês agora, ó incrédulos? Eu olho, procuro, e não vejo mais que um único homem; em pé sobre uma ponta de rocha, que se eleva solitário acima das águas. Por longo tempo sua mulher se agarrou a seu corpo, mas seu esforço foi em vão! Ela acaba de ser arrastada. Ele mesmo perde rapidamente o pé. A água atinge seu peito. Ouçam seu último grito! Ele sucumbe, se afoga e é levado pela correnteza. Então Noé, olhando da arca, não vê nada, mais nada. Reina o vazio, o caos, o nada! Os monstros marinhos se batem dentro dos palácios dos reis. Tudo está revirado, submerso, revolvido sob as águas. Qual é a causa desta terrível catástrofe? Meus irmãos, vocês disseram: é a incredulidade! Pela fé, Noé foi salvo. Pela incredulidade, o mundo pereceu.
Abramos, ainda, a Escritura. Eis aqui dois grandes servos de Deus, Moisés e Arão. Eles receberam a missão de introduzir o povo de Israel na terra de Canaã, mas, coisa estranha, eles mesmo não puderam entrar. Por que isso? A Palavra de Deus vai nos dizer. Eles não honraram o Eterno diante do povo, nas águas de contestação. Eles bateram na rocha com um gesto de impaciência, ou seja, eles foram incrédulos; e o Senhor os condenou a morrer antes de entrar na terra da promessa, naquele bom país pelo qual eles haviam suspirado e sofrido (Nm 20: 1-13).
Um outro exemplo. Deixem-me lhes conduzir, meus irmãos, por aquele meio selvagem e desolador que Moisés e Arão andaram. Como o beduíno nômade, tornaram-se filhos do deserto. Viajantes cansados, errantes pelas areias escaldantes do deserto da Arábia. Ali, jaz um esqueleto ressecado pelo sol; aqui, podemos ver um outro; mais distante, um terceiro; mais longe ainda, outros vários. O que são esses ossos ressequidos? De onde vieram tantos restos humanos? Quem me explicará sua presença neste lugar? Certamente, o vento do deserto ou o fogo inimigo fez perecer aqui, em uma única noite, um potente exército. Não, esses ossos são os ossos de Israel; esses restos são das velhas tribos de Jacó. Elas não puderam entrar no país da promessa, por causa do medo e da incredulidade. Elas não depositaram confiança em Deus. Os espias tinham declarado que a conquista de Canaan era impossível e o povo creu neles mais que em Jeová (Nm 13).
Eis por que os corpos mortos daquela geração caíram em sua solidão. Não foram os descendentes de Hanaque que destruíram Israel; o vento em brasa do deserto não consumiu aquela gente de elite e as águas do Jordão não puseram obstáculo à sua entrada em Canaan; nem os Heveus, nem os Jebuseus os exterminaram. A incredulidade somente, foi a causa de sua perdição. Oh! Infeliz Israel! Depois de quarenta anos de marcha penosa no deserto, ver-se excluída da terra prometida, em punição de sua incredulidade!
E sem ter medo de multiplicar, além da medida, a quantidade de exemplos do mesmo gênero que a Bíblia me fornece, vejam Zacarias, o pai do Precursor. Ele duvidou, vocês sabem, e imediatamente o anjo o fez ficar mudo; sua língua foi amarrada, por causa de sua falta de fé.
Mas queiram, meus queridos amigos, contemplar, sob as cores mais sombrias, as terríveis manifestações de incredulidade. Vocês querem saber de que maneira o Senhor castiga uma nação que não crê? Venham comigo à Jerusalém, a este massacre assustador, sem precedentes na história! Vejam os Romanos pondo no chão as muralhas da santa Cidade; vejam-nos fazendo passar ao fio da espada ou vendendo como escravos nos mercados públicos, todos os habitantes que encontraram na cidade. Releiam a história comovente da destruição de Jerusalém cumprida por Tito. Detenham-se no relato trágico da morte desses judeus desesperados que, antes de cair nas mãos dos Romanos, se golpearam mutuamente. Mas, por que temos necessidade de olhar o passado? Os julgamentos de Deus não pesam ainda sobre o seu povo? Hoje ainda, Israel não está dispersa sobre a face da terra, errante, exilada, sem nacionalidade e sem pátria? Ela foi cortada, como um sarmento é cortado do cepo. E vocês sabem por que? Foi em punição por sua incredulidade. Aqui e em nenhum lugar mais, está a causa das calamidades que foram derramadas sobre esse povo. Também, toda a vez que vocês encontrarem um judeu com olhos sombrios e tristes; toda a vez que vocês o virem, filho de uma terra longínqua, pisando, como um proscrito, um solo estrangeiro, digam a vocês mesmos: “Foi a incredulidade, ó Israel, que lhe fez tornar-se assassina de Cristo; foi ela que lhe dispersou entre as nações; e só a fé – a fé no Nazareno crucificado – poderá lhe fazer entrar outra vez em sua pátria e lhe dar seu antigo esplendor”.
Oh! Sim, Deus odeia a incredulidade com um ódio todo particular. Como Caim, Ele a marcou na fronte com o sinal de sua cólera. Ele a abateu com rudes golpes no passado e a aniquilará completamente no fim. A incredulidade desonra o Senhor. Qualquer outro crime não toca, por assim dizer, Seu território, mas este ousa atacar sua divindade mesma; ele vai contra a Sua verdade, nega Sua misericórdia, insulta Seus atributos, desfigura Seu caráter. Por isso repito, não há nenhum pecado tão abominável aos olhos de Deus como o pecado da incredulidade, sob qualquer forma que ele seja produzido.
5. Enfim, para fechar esta parte de meu tema, eu lhes faria notar, meus amigos, que a incredulidade é um pecado irremissível. O Evangelho nos fala de um pecado pelo qual Cristo não morreu: é o pecado contra o Espírito Santo. Mas existe um outro pelo qual Jesus jamais fez expiação: o pecado da incredulidade. Digam-me, um após outro, todos os crimes que figuram no catálogo do mal, e lhes citarei as pessoas a quem esses crimes foram perdoados; mas perguntem-me se um homem que morre incrédulo pode ser salvo, eu lhes responderei sem hesitar: “Não, não há perdão, não há salvação possível para esse homem!”. Sem dúvida, a incredulidade do filho de Deus foi expiada, porque ela é temporária; mas para aquela incredulidade final, que jamais se arrepende, eu lhes repito, não foi feita expiação por ela. Examinem a Bíblia do começo ao fim; em seu todo vocês encontrarão que o homem que morre sem possuir a fé, não pode esperar nada mais que condenação eterna. Ele está fora da graça divina. Se foi dado como culpado de todos os outros pecados, mas havia possuído a fé, ele foi salvo; mas se não a possuiu, por consequência está condenado. Demônios, ele lhes pertence! Espíritos infernais, precipitem-no no abismo! Ele não creu e foi para convidados como esse que o inferno foi preparado. O inferno é o quinhão dos incrédulos; é sua herança, seu patrimônio, a prisão que em todos os tempos lhes foi destinada. As cadeias eternas estão marcadas com seus nomes, e eles reconhecerão, como nunca, a verdade desta palavra de Cristo: Aquele que não crer será condenado!
II. Isto nos conduz naturalmente a abordarmos a segunda parte de nosso temam, ou seja, O CASTIGO
Nós pedimos sua atenção sobre a natureza e sobre alguns dos principais caracteres do pecado no qual o capitão de Samaria se fez culpado; nos falta constatar qual foi seu CASTIGO. “Eis que tu o verás com os teus olhos, porém disso não comerás” – tal foi a sentença da parte de Deus que Eliseu lhe pronunciou.
Ouçam esta sentença, ó incrédulos, porque se vocês não se converterem, ela será também a sua! Sim, vocês também, vocês verão com os seus olhos, mas não comerão jamais. E isto, em certas circunstâncias, pode ser aplicado mesmo aos filhos de Deus. Quando sua fé é flácida, eles contemplam as maravilhas da graça divina, mas não podem delas nutrir-se. Assim, por exemplo, se pode dizer que naquela terra do Egito, há agora trigo em abundância; entretanto, há muitos cristãos que no domingo, ao entrar na casa de Deus, dizem com tristeza : “Eu não sei em verdade se o Senhor estará comigo hoje”. Outros ainda, ouvindo o pregador, pensam em suas mentes: “Certamente o Evangelho foi fielmente anunciado, mas não sei se penetrará nos corações”. Estes cristãos estão sempre a duvidar e a temer; a temer e a duvidar. Também lhes pergunte, ao sair do culto divino, se suas almas encontraram o alimento que precisavam. “Não”, lhes responderão suspirando, “não havia nada que nos convencesse”. Eh! É tudo muito simples, meu irmão. Você viu com os seus olhos o pão da vida, mas não o pôde comer, porque você não tinha fé. Se você tivesse trazido à casa de Deus um coração simples e confiante, você teria se alimentado bem. Eu conheço cristãos que se tornaram tão extremamente exigentes e refinados, que se a carne espiritual que lhes apresentam, permitam-me a expressão, não foi destacada de suas imaginações, ou servida através da pesquisa mais esmerada, eles não a querem. Então, não ficarão totalmente subnutridos? E que tomem cuidado, porque isto acontecerá com eles muito provavelmente, se continuarem a se mostrar tão difíceis. Ou talvez, as ervas amargas da aflição estimularão seus apetites enojados ou Deus lhes obrigará a jejuar durante algum tempo, após o que, eles se verão como muito felizes ao receber o alimento mais ordinário e simples. Ora, onde procurar a causa secreta desse espírito descontente e crítico que impede também os filhos de Deus de aproveitar da pregação do Evangelho, se não na incredulidade? Se vocês cressem, meus amados, vocês ouviriam uma única promessa de Deus, e isso lhes bastaria. Bastaria apenas dirigir a vocês uma boa palavra diretamente do trono de Deus; porque não é o que ouvimos, mas o que nós nos apropriamos, por uma fé real e viva que traga proveito à alma.
Mas é, sobretudo, aos não convertidos que se aplica esta terrível ameaça : tu verás com os teus olhos, mas não o comerás. De fato, os filhos do mundo veem cumprir-se sob seus olhos as obras magníficas do Senhor, e permanecem completamente estranhos. Hoje mesmo uma grande multidão veio a este lugar de culto para ouvir a pregação da Palavra, mas quantos, infelizmente retornarão com a alma tão vazia quanto entraram! O homem não pode nutrir sua alma pelas orelhas, mais do que seu corpo pelos olhos. E, no entanto, a maioria de nossos ouvintes, vem à casa de Deus por pura curiosidade. “Vamos ouvir aquele orador, dizem eles; vamos ver aquele caniço agitado pelo vento”. Assim, eles vêm e voltam; eles vêm, vêm, vêm de novo, mas não recebem nenhuma bênção. Ao redor deles, há talvez pessoas que se convertem. Aqui, uma alma foi chamada pela graça soberana de Deus; ali, um pobre pecador se derrete em lágrimas sentindo a sua culpa; acolá, um coração contrito implora a graça divina e além dele uma voz repete a oração do arrependido: Oh! Deus, tenha misericórdia de mim, pecador. Mas quanto àqueles, nada os toca. Eles permanecem frios e impassíveis. É assim que, neste momento em que lhes falo, uma bela obra se processa neste rebanho; mas a maior parte de vocês, daquilo não sabe nada, nem se interessa, porque nenhuma obra é feita em seus próprios corações. E como poderia ser diferente, meus amigos? Vocês julgam esta obra impossível; duvidam do poder de Deus; não creem em sua ação regeneradora; em outros termos, vocês são incrédulos. Disso vem, que neste tempo de glorioso avivamento e de efusão da graça, o Senhor, que nunca prometeu agir em favor daqueles que não o honram, permite que suas almas permaneçam sem arrependimento, sem vida e sem salvação. Vocês veem com seus olhos, mas não comem.
Mas não é tudo, ó pecadores! O mais terrível cumprimento desta sentença, ainda está por vir. Conta-se que o ilustre pregador Whitefield levantava, às vezes, suas duas mãos aos céus, gritando com todas as suas forças – e como eu gostaria que me fosse dado a gritar neste instante mesmo – “A cólera virá! A cólera vem!”. O que é a cólera do tempo presente, comparada com aquela que caíra sobre vocês no futuro? Oh! Então, verdadeiramente vocês verão com seus olhos, mas não poderão comer.
Parece que o grande dia do julgamento é chegado. O tempo já não existe; eu ouço vibrar seu sino fúnebre; sua última hora soou; a eternidade tomou lugar. O mar está em ebulição; suas vagas batem com um estrondo sobrenatural. Eu vejo um arco-íris, uma nuvem densa que atravessa o espaço. Sobre essa nuvem está um trono, e sobre o trono está sentado alguém semelhante ao Filho do Homem. Sim, é ele, eu o reconheço! Em sua mão, ele segura a balança da justiça divina. Diante dele estão os livros – o livro da Vida, o livro da Morte, e o livro das memórias. Eu vejo seu esplendor, e me regozijo; eu contemplo a pompa de sua chegada e estremeço de alegria por aquele que, enfim, veio para ser admirado por todos os seus santos. Mas eu percebo, no fundo do quadro, uma multidão de infelizes, tremendo, perdidos, tomados de horror. Eles curvam suas frontes até ao pó; eles tentam se esquivar de todos os olhares. “Rochas, caiam sobre nós!” – eles gritam. “Montanhas, escondam-nos de sua face!”. Sua face? Que face é esta que lhes causa tanto medo? “É a face de Jesus, daquele que foi morto e que agora veio para julgar. Mas é em vão, ó pecadores, que vocês procurem fugir da presença do Filho do Homem; é necessário que vocês contemplem Aquele que vocês traspassaram. Vocês não se sentarão à direita do Senhor, vestidos de roupas fulgurantes, mas vocês serão testemunhas de sua glória; e quando o cortejo triunfal de Jesus aparecer sobre as nuvens do céu, vocês não poderão participar, mas verão com seus olhos. Oh! Eu creio que o vejo neste instante mesmo, o poderoso Redentor, subindo aos céus, em seu corcel de vitória! Vocês ouvem este barulho estrondoso? Esses são os passos de seu poderoso exército, que ressoa sobre as colinas eternas. Um cortejo vestido de branco vem após ele, e nas rodas de sua carruagem estão atados Satanás, a morte e o inferno. Vejam como estes resgatados batem palmas; ouçam seus gritos de alegria. “Tu subiste às alturas; levaste cativo o cativeiro” (Sl 58:18), dizem eles. Admirem o esplendor de sua aparência; observem as coroas que cingem suas frontes; vejam suas túnicas brancas como a neve; notem a piedade que transpira de suas faces. Ouçam! Eles entoam um canto sublime: Aleluia, o Senhor Deus onipotente reina! (Ap 19:6). E a voz do Eterno lhes responde: Eu me regozijarei por tua causa com grande alegria; eu me regozijarei por tua causa, com um canto de triunfo, porque te esposei para sempre! (Sf 3:17; Os 2:19).
E onde estão vocês durante esse tempo, ó incrédulos? Vejam a multidão dos resgatados, mas onde estão vocês? Infelizmente! Vocês veem com seus olhos, mas não podem comer. O banquete de núpcias está pronto; o fruto da vinha foi servido; os convidados tomam lugar à mesa do Rei; mas vocês, infelizes e famintos, não podem provar do festim eterno. Oh! Eu creio que lhes posso ver, torcendo suas mãos de desespero!
Se ao menos lhes fosse possível comer como os cães, das migalhas que caem sob a mesa do Mestre; mas não, até isto lhes foi impedido!
Um pensamento mais e termino.
Pecador impenitente, eu lhe vejo agarrado a um rochedo nas profundezas do inferno; a alma destroçada pelo cruel abutre do remorso. Você eleva os olhos e reconhece Lázaro, descansando no seio de Abraão. “Isto é possível?” – você grita. “O que? Este mendigo que se deitava sobre o esterco; este miserável que os cães vinham lamber suas feridas; hei-lo no céu, enquanto eu, rico quando vivia, estou no inferno pela eternidade! Pai Abraão, tenha piedade de mim, e envie Lázaro a fim de que molhe seus dedos na água, para me refrescar a língua”. Mas sua súplica é vã, ó pecador! E se pode haver no inferno um sofrimento mais intenso que qualquer outro, será aquele que você provará ao ver os santos regozijarem-se com uma felicidade da qual você jamais poderá ter parte. Oh! Jovem, olhe. Veja sua mãe no céu, enquanto que você foi jogado fora! Veja seu irmão, aquele que dormiu no mesmo berço que você e brincou no mesmo lar; veja seu próprio irmão elevado à glória, enquanto que você foi baixado até o abismo! Marido, veja sua mulher entre os bem-aventurados, e você, contado com os perdidos! Pai, veja teu filho em pé diante do trono, e você, maldito de Deus e dos homens, está no fogo eterno! Oh! Quem poderia dizer o que passará no coração do condenado, quando ele vir seus pais, seus amigos, saciados com as delícias inefáveis e o que sentirá em ser privado dessas coisas por toda a eternidade! Tu verás com os teus olhos, mas nunca o comerás!
E agora, eu lhes conjuro, meus queridos ouvintes, – pela morte de Cristo; pela sua agonia e seu suor sangrento; por sua cruz e paixão; por tudo que há de mais sagrado sobre a terra, mais santo no céu, mais solene no tempo e na eternidade; pelos horrores indizíveis do inferno; pelas alegrias inexprimíveis do paraíso; – eu lhes conjuro, levem estas coisas a sério e lembrem-se que, se sua alma for perdida, será a incredulidade a razão de sua perdição. Sim, se vocês perecerem, será porque vocês recusaram crer em Jesus Cristo; e a gota mais amarga de sua dor, será o pensamento que você não quis entregar-se a este Salvador amoroso que diz a todos em sua Palavra : de maneira nenhuma lançarei fora aquele que vier a mim!
Charles Haddon Spurgeon – Sermão pregado na manhã de domingo, 14 de Janeiro de 1855, no “New Park Street Chapel”, Southwark – Inglaterra.