O Modelo da Casa

Ezequiel 43.10-12; Atos 2 – Sermão pronunciado em Aberdeen, Escócia, Reino Unido, na tarde de quarta-feira 13 de Setembro de 1922, por Hamilton Smith.

Durante a nossa reunião, foi feito referência a essa maravilhosa Escritura de Efésios 5 que diz que “Cristo amou à igreja, e se entregou a si mesmo por ela, para santificá-la, havendo-a purificado por meio da lavagem da água pela palavra, a fim de apresentá-la a si mesmo, uma igreja gloriosa” (Efésios 5.25-27). A partir desta Escritura, nós julgamos corretamente que para o coração de Cristo, a Igreja é a coisa mais preciosa na terra.

Diante disto, proponho-me a falar agora sobre um importante aspecto da Igreja de Deus. Nós sabemos que a Igreja é apresentada em dois grandes aspectos no Novo Testamento. Primeiro como o corpo de Cristo, depois, sob outra figura, como a Casa de Deus. Quando falamos da Igreja como o corpo de Cristo, nós pensamos em todos os Cristãos na terra formando um corpo pelo Espírito Santo e unido a Cristo como a Cabeça no céu; mas quando falamos da Igreja como a Casa de Deus, nós pensamos em todos os crentes unidos pelo Espírito Santo, para formar a morada de Deus na terra.

Em outras palavras, se pensamos na Igreja como o corpo de Cristo, pensamos, mais especialmente, na Igreja em seu aspecto celestial, porque é obvio que se estamos unidos à Cabeça no céu, nós pertencemos ao lugar onde a Cabeça está. Mas quando falamos da Igreja como a Casa de Deus, nós pensamos na Igreja em seu aspecto terreno, como a morada de Deus na terra e, portanto, como um testemunho de Deus para o mundo. É a este último aspecto da Igreja ao que me quero referir esta tarde, a saber, a Casa de Deus.

Como a verdade da Casa de Deus pode ser nova para alguns dos que estão aqui, primeiramente farei referência a duas Escrituras que mostram claramente que Deus tem Sua casa na terra na atualidade. Permitam-me ler um versículo; Efésios 2.22: “em quem vós também sois juntamente edificados para morada de Deus no Espírito”. Leiam depois 1 Timóteo 3.14-15: “Estas coisas te escrevo, esperando ir em breve ver-te, mas se tardar por longo tempo, saibas como deves andar na casa de Deus”. Depois o apóstolo diz claramente que a Casa de Deus é “(…a igreja do Deus vivo) coluna e apoio da verdade”. Refiro-me simplesmente a estas duas Escrituras para demonstrar o grande fato de que Deus tem Sua Casa na terra.

Pois bem, irmãos, lhes recordarei um fato histórico que é muito notável. Muitos dos que estão aqui recordarão como no último século, por volta de 1825, Deus em Sua graça trouxe de volta novamente a grande verdade da Igreja, e a primeira verdade apreendida naquele momento, foi a da Igreja em seu aspecto de corpo de Cristo. É muito surpreendente o fato de que, somente alguns anos depois, é que a verdade da Igreja como a Casa de Deus, foi verdadeiramente apreendida ou ensinada. Foi no ano 1860 que o Sr. Darby publicou seu tratado, “The House of God; the Body of Christ” (a Casa de Deus; o Corpo de Cristo), e em 1867 apareceu seu segundo tratado, “The Church – The House and the Body”. A Igreja – A Casa e o Corpo [1]. A importância disto radica no fato de que, a Igreja como a Casa de Deus é a última grande verdade que foi resgatada e revivida por Deus. E prestem atenção, queridos irmãos, a verdade que foi a última a ser revivida foi também a primeira verdade a ser abandonada no dia do afastamento, e por isso, posso pensar que nós estaremos de acordo que esta verdade da Igreja como a Casa de Deus é de importância fundamental e, por conseguinte, me esforço para apresentá-la diante dos irmãos, de uma maneira simples e prática.

Pois bem, antes de irmos para frente, peço que voltem para Ezequiel 43.10-12: “Tu, oh filho do homem, mostra à casa de Israel esta Casa, para que se envergonhem de suas iniquidades; e meçam eles o modelo. E se se envergonharem de tudo o tem feito, dá-lhes a conhecer a figura da Casa, e a disposição dela, e suas saídas, e suas entradas, e todas suas formas, e todos seus estatutos, e todas suas formas, e todas suas leis; e escreve isto diante de seus olhos, para que guardem todas as suas formas e todos os seus estatutos, e os pratiquem. Esta é a lei da Casa”… Todos nós sabemos que Ezequiel foi o profeta do Cativeiro; ele esteve falando ao povo de Israel quando eles foram levados cativos devido à iniquidade deles, e Deus deu a Ezequiel uma visão magnífica da Casa de Deus, e Ele disse a Ezequiel: “Mostra tu ao povo esta visão da Casa de Deus para que eles possam ver quão longe estão afastados dos meus pensamentos”. Há duas coisas que foi dito ao profeta que fizesse; primeiro ele devia mostrar-lhes “o modelo da Casa”, depois ele continua dizendo, essencialmente, uma segunda coisa “Se”, e, por favor, prestem atenção àquele “Se” – “se este povo se envergonhar da maneira como se afastaram do modelo, tu podes continuar e podes mostrar-lhes a lei da Casa”. Há, então, duas coisas: 1 o modelo da Casa, e 2 a lei da Casa.

Eu posso lhes mostrar um edifício magnífico, e vocês podem olhar sua arquitetura e me dizer, “Sim, estou vendo o desenho, mas diga-me sobre que princípios é governada a casa”? Pois bem, Deus tem Sua Casa, e Ele tem Seus princípios para a Administração da Sua Casa, e, prestem atenção a isto, nós no podemos aplicar a lei da Casa de Deus a uma casa que o homem construiu; só podemos aplicar a lei de Deus ao modelo de Deus; Não podemos conceber um projeto próprio, e depois tratar de executar esse desenho sobre os princípios de Deus. Portanto, a menos que o povo se arrependesse, o profeta não tinha nada mais que dizer-lhes; mas se eles se arrependessem, se reconhecessem que se afastaram do modelo, ele podia comunicar-lhes a lei da Casa.

Voltando agora para os tempos do Novo Testamento, encontramos que Deus tem ainda Sua Casa na terra. Dos versos que li, um em Efésios e o outro em Timóteo, é evidente que a Casa de Deus não é formada, de pedras materiais; é uma Casa formada de pedras vivas, de crentes, e além disto, Deus nos deu o desenho ou modelo de Sua Casa, assim como a lei também, ou seja, o principio sobre o qual Sua Casa é administrada. Portanto, com o objetivo de por diante de nós a imensa importância desta grande verdade, permitam-me mostrar-lhes brevemente que grande lugar tem a Casa de Deus no Novo Testamento.

Por exemplo, em Atos vemos o modelo exemplificado de um modo prático. Em 1 Timóteo encontramos o modelo da Casa de um modo doutrinal. Depois, em 1 e 2 Coríntios temos a lei da Casa ou os princípios divinos para a administração da Casa, tais como associação, comunhão, santidade, liberdade, amor, edificação, e separação. Depois, novamente, nas Epístolas às sete igrejas em Apocalipse 2 e 3, temos a historia profética da Igreja como a Casa de Deus na responsabilidade dos homens, com o resultado de que ela foi arruinada. Assim, voltando para 2 Timóteo, temos ensinos sobre como andar num dia de ruina, e finalmente, em Apocalipse 21, na visão dessa cidade magnífica, nos é apresentado simbolicamente, a Casa de Deus em exibição milenar. Destas Escrituras vemos que uma parte muito grande do Novo Testamento está ocupada com os ensinos quanto à Igreja, a Igreja de Deus, vista como a Casa de Deus.

Havendo feito estas observações preliminares, peço-lhes que voltem para Atos 2, onde veremos algumas ações bem definidas que trarão diante de nós, de uma maneira prática, o modelo da Casa de Deus. Quando olhamos para fora, vemos a Cristandade dividida em inumeráveis seitas, cada uma delas tendo uma forma especial de governo eclesiástico, ostentando credos que as distinguem e conduzindo seus serviços religiosos segundo formas e cerimônias especiais. Vemos, também, um vasto número de sociedades e organizações que enviam missionários, e que dirigem obra religiosa, e em todas elas vemos homens consagrados, por quem podemos dar verdadeiramente graças a Deus.

Mas, amados irmãos, quando olhamos lá fora para a Cristandade, quando vemos esta vasta máquina para levar avante o serviço de Deus, bem podemos perguntar-nos: é isto o que Deus tinha em mente? É toda esta máquina religiosa o modo de agir de Deus para levar adiante Sua obra? É segundo o modelo? Esta, certamente, é uma pergunta apropriada para ser formulada, e para responder esta pergunta nós devemos voltar ao Livro de Deus, pela simples razão de que não é possível, num dia de ruína e afastamento da verdade, como estes, olhar para fora e ver nesta terra alguma ilustração concreta da Casa de Deus.

Por conseguinte, para obter um conceito verdadeiro da Casa de Deus – e nós deparamos aqui com uma imensa dificuldade – nós não devemos obtê-lo de um modo abstrato. Desviando nossas mentes de tudo o que vemos ao redor, devemos procurar ter diante de nós o desenho ou modelo da Casa de Deus tal como nos é apresentada na Escritura, voltando aos dias de Pentecostes. Penso que obteremos algum pensamento verdadeiro do modelo da Casa de uma maneira prática e, como disse, devemos ter o modelo antes de poder falar da lei da Casa.

Nos primeiros capítulos dos Atos, nós encontramos com três grandes feitos. Antes de tudo, a redenção está cumprida. Em Atos 1.3, lemos: “Aos quais também se apresentou vivo, depois de sua morte”. Seus sofrimentos terminaram antes – a redenção foi cumprida. Isto era um grande feito. Dois outros feitos seguem em continuação – o Senhor Jesus Cristo é recebido no céu, na glória – o Espírito Santo é recebido na terra. A Igreja não podia existir aparte do cumprimento destes três estupendos feitos. A redenção devia ser cumprida para quitar tudo o que impedia a Deus de ter a Sua Igreja; depois o Senhor Jesus devia tomar seu lugar na glória, e o Espírito Santo devia descer à terra.

Pois bem, queridos irmãos, desejo, só por um momento, enfatizar esses dois últimos acontecimentos, devido a que toda verdade essencial relativa à igreja depende deles. Hoje há um Homem, um Homem verdadeiro, na glória, e há também uma Pessoa Divina na terra. Quando eu digo que há um Homem na glória não pensem, nem por um segundo, que estou esquecendo que o Homem, o Senhor Jesus Cristo na glória, é “Deus Bendito sobre todas as coisas, eternamente” (Romanos 9.5); Ele é tudo isto, contudo, a Escritura apresenta a verdade de que Ele regressou à glória como um Homem.

Estevão levantou seus olhos ao céu e viu o Filho do Homem à destra de Deus.

Também, há por outro lado, uma Pessoa Divina na terra, e prestem atenção, Àquele que desceu da glória veio representar o Senhor Jesus Cristo em você e em mim. Digo, o Senhor Jesus Cristo tomou seu lugar na glória como Senhor, e o Espírito Santo desceu a terra para revelar o Senhor em nossos corações, e a Pessoa que desceu é tão grande como a Pessoa que subiu – portanto, Ele [o Espírito Santo] é perfeitamente capaz, e perfeitamente competente, para tomar de Suas coisas [as coisas do Senhor Jesus] e mostrá-las a você e a mim.

Pois bem, o Espírito Santo desceu, e em Atos 2, Ele desce sobre os cento e vinte discípulos que estavam reunidos. Ele não veio sobre os doze somente, mas que Ele veio sobre os cento e vinte. Antes daquele dia, recordemos isto, segundo o que está escrito em João 11.52, os filhos de Deus estavam dispersos; mas agora, neste momento quando o Espírito Santo veio, eles foram reunidos num corpo, e não só isso, mas o Espírito Santo veio morar neles – eles foram selados pelo Espírito Santo – e Ele esteve com eles, e o resultado foi que a Casa de Deus foi edificada de uma nova maneira. O povo de Deus formou, assim, a morada de Deus na terra.

Agora sim, quero apresentar-lhes, de um modo simples, sete marcas neste capítulo (Atos 2) que eu creio que nos darão uma ideia do modelo da Casa de Deus. Se tivermos o modelo da Casa de Deus em nossas almas, seremos capazes de ver se nós temos afastado ou não dele. Pois bem, o primeiro grande distintivo da Casa de Deus é que ela deve ser o lugar onde Deus habita. Por isto, a primeira grande coisa que nos é apresentada neste capítulo é a presença, o poder, e o controle do Espírito Santo. Pois bem, notem a maneira como no instante em que o Espírito Santo vem tudo o que os discípulos fazem, é no poder e sob o controle do Espírito Santo. Eles proclamam as boas novas, mas o fazem, “segundo o Espírito lhes concedem que falassem” (Atos 2.4). Em Atos 4.8, lemos, “Então Pedro, cheio do Espírito Santo, lhes disse: Governantes do povo,” etc…, digo, quando surgiu a oposição, ela foi enfrentada no poder do Espírito Santo. Depois, se avançarmos, encontramos que surge uma pergunta em Atos 6 quanto às necessidades temporais dos santos, e imediatamente, homens são escolhidos para resolver essa dificuldade, os quais eram homens “cheios do Espírito Santo”. Depois, no final daquele capítulo, Estevão enfrenta oposição no poder do Espírito. No final de Atos 7, Estevão sofre perseguição, mas ele sofre no poder do Espírito – tal como lemos, “ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus, e a Jesus, que estava em pé, à destra de Deus” (Atos 7.55). No grandioso poder do Espírito Santo ele foi capaz de enfrentar o martírio. Avançando para Atos 8.29, encontramos Felipe, o evangelista, recebendo instruções do Espírito, e encontramos também, se avançarmos capítulo após capítulo, que o Espírito Santo está presente na Casa de Deus para tomar o controle completo.

Pois bem, amados irmãos, penso que bem podemos fazer uma pausa por um momento, para formular a nós mesmos esta pergunta: Não temos nós perdido em grande medida, o sentido da realidade da presença do Espírito Santo? Qual foi a origem da ruina da Cristandade? Não foi por acaso a perda de todo sentido da presença do Espírito Santo? O grande pecado posto em destaque na Cristandade é que ela deixou e ignorou de forma tão ampla o Espírito Santo. Mediante suas organizações religiosas e sua máquina religiosa eles têm, em grande medida, excluído o Espírito Santo.

A presença e o controle do Espírito é, então, a primeira marca da Casa de Deus, e apreendendo isto, seremos capazes de medir quão grande tem sido o afastamento de seu modelo.

Antes de avançar, permita-me dizer que se a presença do Espírito Santo é o primeiro grande traço destacado na Casa de Deus, isso deve demonstrar que onde está o Espírito Santo não pode haver lugar para a carne. Diante disto, podemos ver nestes capítulos iniciais dos Atos, que embora a carne procure intrometer-se, no obstante isso, uma e outra vez, a carne é tratada. No caso de Ananias e Safira, a reputação religiosa é procurada mediante a mentira, e é tratada pelo Espírito Santo; depois, em Atos 6, a carne murmura e é tratada pelo Espírito Santo. Onde o Espírito Santo está a carne deve ser excluída. Oh! Irmãos, olhando ao redor, nós vemos que junto com a perda de todo sentido da presença e do poder do Espírito Santo, dá-se permissão para a carne atuar em quase todas as formas. Com estas praticas dizemos que o Espírito Santo não é capaz, que Ele é incompetente para mover almas, e temos buscado auxilio em toda classe de métodos carnais para tentar alcançar e tocar o coração das pessoas. O Espírito Santo tem sido extinguido por meio da música, de coros, e solos vocais patéticos, e outros métodos carnais, esquecendo que só pelo Espírito Santo as almas podem ser alcançadas, e que Ele é totalmente capaz e suficiente para enfrentar qualquer necessidade que possa surgir na Casa de Deus.

Permita-me repetir, então, que a primeira grande marca da Casa de Deus é a presença e o poder do Espírito Santo. Que Deus possa conceder-nos ver quão longe temos afastado do modelo, e que Ele possa fazer-nos retornar a ele.

A segunda grande marca que vem à luz neste capítulo (Atos 2) é que a Casa de Deus é o lugar onde as disposições de Deus para os homens é dada a conhecer. Este é um pensamento fabuloso na Casa de Deus. É por isso que, imediatamente depois que a Casa de Deus foi formada, os homens começam a ouvir, em todos os seus diferentes idiomas, as obras maravilhosas de Deus. Temos algumas destas obras maravilhosas trazidas à luz nos versículos 22-36 de Atos 2, a forma como Deus esteve com o Senhor Jesus Cristo; como Ele foi entregue, como Ele foi crucificado, como Ele ressuscitou dos mortos, como Ele foi recebido no céu, na glória; e depois, prestem atenção ao que disse Pedro no versículo 38: “Arrependei-vos, e sede batizados, cada um de vós, em o nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo”! Eu penso que nem sempre nos detemos a pensar quão notável versículo é esse. Pedro está falando ao povo que havia cuspido no rosto de seu Messias, eles o cravaram na cruz; eles o coroaram com uma coroa de espinhos; eles disseram, “Fora com este, e solta-nos Barrabás”! (Lucas 23.18). Contudo, uma coisa muito maravilhosa é que, imediatamente após a Casa de Deus ser formada, sai da Casa de Deus esta mensagem maravilhosa que comunica ao mundo a disposição de Deus para com esse mesmo povo que havia expulso o Seu Filho. Isto é o que Pedro lhes diz – apesar do que eles tinham feito; pese o fato de que eles haviam recusado o Messias e haviam cuspido no Seu rosto e o coroaram com uma coroa de espinhos, tal era o coração de Deus, que Ele pode dizer, “Arrependei-vos, e sede batizados, cada um de vós” – sem uma só exceção – “no nome de Jesus Cristo”, e receberão a remissão de seus pecados, e o maior dom possível – “o dom do Espírito Santo”! (Atos 2.38). Agora sim, esta foi a magnífica mensagem que saiu da Casa de Deus.

Portanto, vemos que outro grande traço da Casa de Deus é que ela não só é o lugar onde Deus mora, mas também, o lugar onde Deus se dá a conhecer. Irmãos, se nós prescindirmos do Evangelho, nos apartaremos do modelo da Casa. E por isso vemos capítulo após capítulo deste livro maravilhoso, que o Evangelho é proclamado; e a atitude da Cristandade, destes dias, de prescindirem tanto do Evangelho, mostra quão grande tem sido o afastamento do modelo.

Permita-me acrescentar que no propósito de dar a conhecer o Evangelho, está patente o fato de que a Casa de Deus não é apenas o lugar onde se dá testemunho de Deus, mas o lugar onde o testemunho de Deus é dado pelas testemunhas de Deus. De fato, na Casa de Deus, Ele escolhe o servo que Ele quer para realizar sua obra; e, de fato, Ele ocupa com muita frequência da pessoa simples, tal como lemos em 1 Coríntios 1.26: “Porque, vede irmãos a vossa eleição, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que foram chamados; mas Deus escolheu os néscios do mundo para envergonhar os sábios, e Deus escolheu o débil do mundo, para envergonhar os fortes; e Deus escolheu o vil do mundo, e o desprezível, e o que não é, para anular o que é. Para que nenhuma carne se jacte diante de Deus” (1 Coríntios 1.26-29). Digo, Deus fará que um testemunho maravilhoso saia de sua Casa, mas Ele fará que esse testemunho seja levado avante por meio de Suas próprias testemunhas, e Suas testemunhas são, em sua maior parte, os pobres e débeis deste mundo. Assim que em Atos 2 lemos, “Vede, não são galileus todos estes que falam”? (Atos 2.7). Os Galileus, obviamente, eram as pessoas simples do campo – a comunidade rural – e Pedro, um homem “sem letras e indouto” (Atos 4.13), era seu líder e, em sua maior parte, as testemunhas de Deus foram, através das eras, os simples e pobres deste mundo. Deus, em certas ocasiões, pode ocupar um homem rico, ou um nobre, para alguma obra especial, mas geralmente, hoje como ontem, as testemunhas de Deus são escolhidos dentre os despreciados deste mundo.

Avançando, temos em Atos 2.41 uma terceira marca. A Casa de Deus estava formada por pessoas que foram separadas deste mundo. O versículo diz: “os que receberam sua palavra foram batizados; e foram acrescentados aquele dia quase três mil pessoas”. Eles eram uma companhia separada. O batismo, como todos sabemos, apresenta a ideia de separação. Existia naquele dia, e existe hoje, o grande sistema mundial, dominado pelo poder do mal e pela vontade do homem, mas, por outra parte, havia um novo ajuntamento formado por Deus, e naquele ajuntamento morava o Espírito Santo. Dominado pelo Espírito Santo e excluída a carne, havia um ajuntamento de vida, luz e bênção. Os convertidos eram separados deste círculo do mundo, e eram trazidos para o ajuntamento Cristão mediante o batismo – figura da morte. Eles diziam, essencialmente: “Nós morremos para aquele mundo no qual uma vez vivemos, o deixamos para poder entrar nesse ajuntamento novo de vida e amor onde Deus habita”. Pois bem, queridos irmãos, olhem ao redor para a Cristandade, e que panorama vemos! Vemos o mundo e os Cristãos tão mesclados que não podemos notar a diferença. Não mostra isto quão grande foi o afastamento do modelo da Casa de Deus?

Uma quarta marca está no versículo 42: “E dedicavam, continuamente, aos ensinos dos apóstolos” (Atos 2.42), ou “perseveravam na doutrina dos apóstolos”. A Casa de Deus não é um lugar onde somos deixados na ignorância para seguir nosso próprio caminho, e para fazer o que julgamos melhor; não, esta Casa é um lugar de ensino divino. Nós temos a doutrina dos Apóstolos inspirada pelo Espírito Santo nas epístolas. Em Atos 2, o ensino se limitava ao que era conhecido até aquele momento; hoje nós temos a mente de Deus revelada completamente nas Escrituras, e a doutrina ensinada por Paulo, como está nas epístolas, que lhe foi revelada após o seu chamamento é muito importante. O fato de que a doutrina dos Apóstolos seja menosprezada de forma tão levianamente só marca uma etapa adicional no curso descendente do afastamento do modelo. Irmãos, precisamos regressar à Palavra, e que nossos pensamentos sejam formados pelo ensino dos Apóstolos.

A quinta marca é que eles continuaram em “comunhão”. Comunhão, como sabemos de 1 Coríntios 1.9 é descrita assim: “Fiel é Deus, por meio de quem fomos chamados à comunhão de Seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor”. Trata-se da comunhão de Seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor – não com Seu Filho como rezam algumas versões da Bíblia, mas de Seu filho. Comunhão é um pensamento muito simples; significa que nós participamos em comum, e que involucra um vínculo que nos une. Nós participamos em comum no domínio e administração do Senhor Jesus Cristo, reconhecemos a um Senhor, Ele é o vínculo de nossa comunhão e, amados irmãos, nós somos responsáveis de ser fieis a essa comunhão.

A sexta marca é: “E perseveravam continuamente. . . no partir do pão” (Atos 2.42). No partir do pão nós nos comprometemos formalmente com a comunhão na morte do Senhor Jesus Cristo. “O pão que partimos, não é a comunhão do corpo de Cristo”? (1 Coríntios 10.16). É algo que nós mesmos fazemos. O batismo é o ato de outro. Nós não podemos batizar a nós mesmos. Mas quando tomamos a Ceia do Senhor é algo que nós fazemos. Associamos formalmente na morte de Cristo, e isso, amados irmãos, tem muito significado. Significa, certamente, que não devemos continuar naquilo pelo qual, e para o qual, Cristo morreu. A este respeito lamentamos imensamente o atual estado da cristandade! Quão grande foi o afastamento do modelo.

A sétima marca é: “dedicavam-se continuamente. . . à oração” (Atos 2.42). Aqui está, então, a última grande marca da Casa de Deus. Ela deve ser um lugar de oração. Tal como lemos no Antigo Testamento, a Casa de Deus devia ser o lugar de oração para todas as nações; assim, quando vemos à doutrina na Primeira Epístola a Timóteo, vemos que é dada uma importância muito grande à oração. “Quero, pois, que os homens orem em todo lugar, levantando mãos santas” (1 Timóteo 2.8). A Casa de Deus é o lugar onde podemos entrar em contato com Deus a favor dos homens ao nosso redor, os quais estão num mundo que perece. E, sendo o lugar de oração, é o lugar onde nós expressamos nossa dependência de Deus.

Temos aqui, então, as sete marcas da Casa de Deus – É o LUGAR ONDE MORA O ESPÍRITO SANTO e ONDE SUA PRESENÇA É CONHECIDA.

É O LUGAR DE ONDE SAI O EVANGELHO. É a Casa de Deus que expõe a disposição de Deus para com este pobre mundo. É, então, não só o lugar onde mora o Espírito Santo, onde o Evangelho é proclamado, mas também o lugar que fala de SEPARAÇÃO DO MUNDO. É o próprio lugar onde nós temos LUZ DIVINA, COMUNHÃO CRISTÃ EXPRESSA NO PARTIR DO PÃO e nas ORAÇÕES.

Pois bem, não estamos propondo nada que não seja possível nestes dias. Nós estamos no meio da ruína; tudo está arruinado, mas ainda temos o modelo da Casa de Deus, e uma vez que eu vejo o modelo, há duas coisas diante da minha alma; primeiro, eu devo recusar tudo o que não é conforme o modelo, e, em segundo lugar, eu sou responsável por andar em conformidade com o modelo.

Uma observação adicional antes de terminar. Ao levá-los de regresso a Pentecostes é necessário fazer soar uma nota de advertência, devido ao que nós ouvimos muito nestes dias, acerca de voltar a Pentecostes. Mas o que na verdade as pessoas querem dizer, lamentavelmente, é isto: eles querem chegar a ser algo por si mesmos, voltando ao poder exterior de Pentecostes; gostariam de voltar às línguas, curas e milagres. Não devemos anelar isto. Mas o que devemos buscar – enquanto não temos nenhum pensamento de voltar ao poder exterior de Pentecostes – é procurar voltar aos princípios divinos de Pentecostes, e veremos que tudo o que foi posto perante nós nesta tarde é totalmente possível nestes dias de afastamento da verdade. O Espírito Santo está ainda aqui; o Evangelho ainda pode ser pregado; ainda é possível separar-se deste mundo; ainda temos o ensino dos Apóstolos; ainda é possível andar em comunhão, partir o pão, e orar. Não há nem uma só marca da Casa de Deus posta perante nós, que nos impeça de andar em seu poder e sua bênção. Portanto, nós podemos voltar a Pentecostes para obter os princípios divinos, mas não devemos regressar, apenas, para obter poder exterior.

Nunca pretendamos reconstruir nada ou estabelecê-lo, para que seja um modelo da casa. Seremos inúteis se o fizermos. Tudo o que temos que fazer é procurar, com toda simplicidade, andar de acordo com os princípios dessa Casa, e, irmãos, lhes digo de novo, não devemos voltar a Pentecostes, simplesmente, em busca de poder exterior.

Se eu quero poder – e se você quiser poder – digo, não voltemos a Pentecostes, mas olhemos para frente, para a glória e, amados irmãos, deleitemo-nos em olhar para adiante e ver o poder que está por vir. Um dia de exibição está por vir. Haverá poder e haverá exibição, mas devemos olhar para adiante para isso. Sei que existe uma tendência para olhar atrás e dizer que os dias que se foram eram dias melhores. Algumas vezes se diz que os tempos dos primeiros irmãos foram os melhores dias; e não tenho nenhuma duvida de que eles disseram que dias maravilhosos foram aqueles em que viveram Wesley e Whitefield, e estou seguro que eles, uma vez mais, falaram dos dias de Rutheford e os ‘Covenanters’ [2]; e se tivéssemos vivido em Aberdeen e houvéssemos estado em contato com Samuel Rutheford, ele diria: “Ah! se somente tivéssemos vivido cem anos atrás nos dias de Lutero”; e se Lutero estivesse olhando para o passado, aos dias de Santo Agostinho; e este, novamente, olhando para o passado, aos dias dos Apóstolos; e assim, todos estavam olhando para o passado, e todos olhando para o caminho equivocado [3].

É verdade que nós estamos vivendo em dias de grandes fracassos, e sejamos pessoas débeis, mas os melhores dias estão por vir; eles não ficaram no passado; eles estão em nossa frente, adiante de nós. Maior será a última glória desta Casa que a glória primeira (Ageu 2.9). Apesar de toda divisão, e de toda ruína e de toda debilidade, os melhores tempos estão por vir, e naquela grande cidade – a Santa cidade, a Nova Jerusalém – veremos a glória e o poder e a exuberância do Nosso Bendito Senhor; a debilidade e o fracasso terão desaparecido para sempre, porque as primeiras coisas passaram, e veremos os propósitos de Deus cumpridos apesar do fracasso do homem, desta forma, repito, se nós queremos poder e glória, devemos olhar para frente, e se nós queremos que os princípios divinos nos guiem no momento atual, nós devemos olhar para cima, para o Autor e Consumador da nossa fé.

Que o Senhor possa nos dar um sentido mais profundo do modelo da Casa conforme a Sua própria mente, e que esse modelo possa ser transferido das Escrituras para nossos corações e mentes, de modo que possamos procurar andar e viver de acordo com os princípios e o modelo da Casa de Deus!

Hamilton Smith – Título original en inglés: THE PATTERN OF THE HOUSE, by Hamilton Smith.

[1] Este artigo pode ser encontrado neste endereço: “El Diseño de La Casa”.

[2] Nota: Os ‘Covenanters’ foram defensores do ‘National Covenant’ (Pacto Nacional), redigido em Fevereiro de 1638 contra a intenção do rei Carlos I de Inglaterra e do Arcebispo Laud, de impor uma nova liturgia e um novo livro de orações à Igreja da Escócia (Presbiteriana).

[3] Nota “Nunca digas: Por que os tempos passados foram melhores que estes? Porque com sabedoria nunca perguntarias isso” (Eclesiastes 7.10).

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