“Lava-me, e ficarei mais branco do que a neve” (Salmos 51:7) – Atrevo-me a dizer que a maioria de vocês já tomou conhecimento de um livreto que um velho teólogo sempre usava para estudar, e quando seus amigos se perguntaram sobre qual era o conteúdo do mesmo, ele lhes disse que esperava que todos o conhecessem e o entendessem, mas que não continha nem uma só palavra. Quando o revisaram, descobriram que só constava de três páginas: a primeira, que era negra, a segunda, que era vermelha, e a terceira que era completamente branca. O velho ministro sempre contemplava fixamente a folha negra para lembrar a si mesmo sua condição pecadora por natureza. Depois, contemplava a folha vermelha para trazer à memória o sangue precioso de Cristo. E depois olhava a folha branca que representava a perfeita justiça que Deus deu aos crentes, mediante o sacrifício expiatório de Seu filho Jesus Cristo.Queridos amigos, quero que vocês leiam esse livro essa noite, e eu mesmo desejo lê-lo também. Que Deus o Espírito Santo, por misericórdia, nos ajude a fazê-lo para nosso proveito!
I. Primeiro, COMTEMPLEMOS A FOLHA NEGRA.
Há algo sobre isso no texto, pois a pessoa que usou essa oração disse: “Lava-me” – então, estava negro, e necessitava de limpeza – e a negrura era de um tipo peculiar, que necessitava de um milagre para ser limpa, de forma que se alguém que tinha estado negro se voltasse branco, o fosse de tal maneira que ficasse “Mais branco que a neve”.
Se considerarmos o caso de Davi, quando escreveu esse Salmo, veremos que estava muito enegrecido. Tinha cometido o horrível pecado de adultério, que é um pecado tão vergonhoso que só podemos nos referir a ele contendo a respiração. É um pecado que envolve muita infelicidade para outras pessoas, além também das que o comentem. É um pecado que, ainda que os culpados se arrependam, não se pode reverter. É um crime sobremaneira repugnante e atroz contra Deus e contra o homem, e aqueles que o tem cometido, verdadeiramente precisam ser lavados.
Porém, o pecado de Davi era ainda muito mais grave devido ás circunstâncias nas que ele se encontrava. Ele era como o proprietário de um grande rebanho, que não tinha nenhuma necessidade de tomar a única cordeirinha de seu vizinho, já que tinha muitas ovelhas. Em seu caso, o pecado era completamente inescusável, pois Davi sabia muito bem qual grande era esse mal. Ele era um homem que tinha se deleitado na lei de Deus, e meditava nela dia e noite. Portanto, conhecia o mandamento que expressamente proibia esse pecado. Assim que, quando pecou dessa forma, pecou como quem toma um gole de veneno, não por erro, mas sabendo muito bem quais seriam as consequências ao bebê-lo. Tratava-se de uma maldade intencionada por parte de Davi, para a qual não podia ter nem o mais mínimo atenuante.
Há, todavia, algo pior – Davi não só conhecia a natureza do pecado, também conhecia a doçura da comunhão com Deus, e deve de ter tido um claro sentido do que significaria para ele perdê-la. Sua comunhão com o Altíssimo tinha sido tão estreita, que ele era chamado “Um varão conforme o próprio coração de Deus”. Como cantou docemente de seu deleite no Senhor! Vocês sabem que, em seus momentos mais felizes, quando vocês querem louvar ao Senhor com todos seus corações, não podem usar melhores expressões do que as que Davi lhes deixou em seus Salmos. Quão horrível é que o homem que esteve no terceiro céu da comunhão com Deus, tenha pecado dessa forma tão detestável.
Mais ainda, Davi tinha recebido das mãos do Senhor muitas misericórdias providenciais. Não era mais que um pastorzinho que alimentava o rebanho de seu pai, como quando Deus o tomou e o fez rei sobre Israel. O Senhor também o livrou das garras do leão e do urso – capacitou-lhe para vencer e matar o gigante Golias, e para escapar da maldade de Saul, quando esse lhe caçava como a uma perdiz nos montes. O Senhor o preservou de muitos perigos e, ao fim o estabeleceu firme no trono. No entanto, depois dessas libertações e misericórdias, esse homem tão grandemente favorecido pelo Senhor caiu nesse tão vil pecado.
Também constituía um agravo adicional que o pecado de Davi fosse cometido contra Urias. Se vocês lerem a lista dos valentes de Davi [1] encontrarão ao fim, o nome de Urias, o heteu – ele esteve com Davi quando esse foi proscrito por Saul, e acompanhou a seu líder em suas fugas, participou em seus perigos e privações. Assim que, foi uma vergonhosa retribuição da parte do rei que roubasse a esposa de seu fiel seguidor, que estava naquele preciso momento, combatendo contra os inimigos do rei. Pesquisando ao longo de toda a Escritura, ou pelo menos em todo o Antigo Testamento, não sei onde exista algum registro de um pior pecado cometido por alguém que foi, não obstante, um verdadeiro filho de Deus. Assim, Davi tinha uma boa razão para implorar ao Senhor “lava-me”, pois de verdade estava negro com uma negrura especial e peculiar.
Porém, agora, deixemos Davi, e consideremos nossa própria negridão aos olhos de Deus. Será que não existe, meu querido amigo, alguma negridão peculiar em torno de seu caso como pecador diante de Deus? Eu poderia esboçar essa negrura, mas eu lhe peço que a relembre agora para que sua alma possa ser humilhada devido à lembrança. Talvez você seja filho de pais cristão, ou tenha sido alvo de jovens impressões religiosas, ou, quem sabe, que tenha sido favorecido especialmente por Deus de outras formas. No entanto, pecou contra Ele, tem pecado contra a luz e o conhecimento, pecou contra as lágrimas de uma mãe e as orações de um pai; pecou contras as admoestações e advertências de um pastor. Uma vez, esteve muito doente, e pensou que ia morrer, mas o Senhor perdoou sua vida, e lhe restaurou a saúde e o vigor – Porém, você voltou outra vez para seus pecados, como o cão volta a seu vômito, ou a porca lavada a revolver-se em seu lamaçal. Possivelmente, se alarmou com um súbito sentido de culpa, de tal maneira que não pode desfrutar de seus pecados, mas, no entanto, não pode romper com eles. Gastou seu dinheiro naquilo que não era pão, e gastou seu esforço no que não lhe satisfaz, e, ainda assim, prosseguiu desperdiçando seu dinheiro em uma vida desenfreada até chegar à mendicância; Porém, mesmo nessa condição, não detestou seu pecado. Na casa de Deus, recebeu muitas solenes advertências, e uma e outra vez regressou para casa resoluto a arrepender-se, mas suas resoluções logo se desvaneceram, assim como a névoa da manhã e o orvalho da alva, deixando-lhe mais endurecido que nunca.
Eu me lembro de John B. Gough [2], no Exerter Hall, descrevendo-se em seus dias de embriaguez, como montou num cavalo selvagem que o levava apressadamente a sua destruição, até que uma mão mais poderosa que a sua tomou as rédeas, fez o cavalo se assentar sobre suas ancas, e resgatou o temerário cavalheiro. Era um quadro terrível, mas era uma representação fiel da conversão de alguns de nós. Como espancávamos esse selvagem cavalo, e o colocávamos a uma maior velocidade em sua louca corrida até que parecesse como se fôssemos cavalgar por cima desse Ser clemente que tinha resolvido nos salvar! Isso era pecado, em verdade, não só contra os ditados de uma consciência iluminada, e contra as advertências que nos eram dadas de contínuo, mas antes, era o que o apóstolo chama de “pisotear ao filho de Deus, considerar o sangue do pacto como uma coisa profana, e desprezar ao Espírito de graça”.Irmãos, antes que passem dessa página negra, permita-me exortá-los que a estudem diligentemente, e que tratem de compreender a negridão de seus corações e a depravação de suas vidas. Essa falsa paz que vem de considerar ligeiramente o pecado, é a obra de Satanás – desfaçam dela já, se ela infundiu-se em vocês. Não tenham medo de olhar para seus pecados – não fechem seus olhos ante eles, pois ocultar seus rostos para não vê-los poderia ser sua ruína, mas Deus ocultando Sua face deles, será sua salvação. Olhem para seus pecados e meditem neles, até que os conduzam até mesmo ao desespero.
“Como?” dizem alguns, “até que me conduzam a desesperar?” Sim – eu não me refiro a essa desesperação que brota da incredulidade, mas sim a essa que é quase semelhante à confiança em Cristo. Quanto mais Deus os capacite para ver o vazio de vocês, mais ávidos estarão de se valerem da plenitude de Cristo. Eu sempre comprovei que, conforme cresceu minha confiança em mim mesmo, minha confiança em Cristo diminuiu – e conforme minha confiança em mim mesmo diminuiu, minha confiança em Cristo aumentou. Então, eu exorto-lhes a que tenham uma visão honesta de sua própria escuridão de coração e de suas vidas, pois isso lhes fará que orem com Davi: “Lava-me, e serei mais branco que a neve”. Pesem-se nas balanças do santuário que nunca erram nem no mais mínimo grau. Não precisam exagerar nem um só elemento de suas culpas, pois tal como são, encontrarão mais pecado dentro de vocês se o Espírito Santo os capacite para se verem como vocês são realmente.
II. Porém, agora, temos de passar para segunda folha, A FOLHA DE COR VERMELHA, SANGUE DO LIVRO SEM PALAVRAS, que traz as nossas lembranças ao precioso sangue de Cristo.
Quando o pecador clama “Lava-me”, tem que existir alguma fonte de limpeza aonde possa ser lavado e ficar “mais branco que a neve”. E sim, existe, mas é somente o sangue carmesim de Jesus o que pode lavar a mancha carmesim do pecado. O que é o que existe sobre Jesus que o faz capaz de salvar a todos os que vêm a Deus por Ele? Esse é um assunto sobre o que os cristãos precisam meditar muito, e devem fazê-lo com frequência.
Tratem de entender, queridos amigos, a grandeza da expiação. Vivam muito tempo debaixo da sombra da cruz. Aprendam a…
“Contemplar o fluir
Do precioso sangue do Salvador,
Sabendo pela divina certeza
Que Ele tem feito sua paz com Deus”.
Sintam que o sangue de Cristo foi derramado por vocês, inclusive por vocês. Não estejam jamais satisfeitos até que aprendam o mistério das cinco chagas – jamais estejam contentes enquanto não “poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento” (Efésios 3:18).O poder de Jesus Cristo para limpar do pecado reside primeiro, na grandeza de Sua pessoa. Não é concebível que os sofrimentos de um simples homem, não importando qual santo ou grande poderá ter sido, expiasse os pecados da multidão inteira do povo escolhido do Senhor. Foi devido a que Jesus Cristo era uma das pessoas da Divina Trindade, devido que o Filho de Maria era nada menos que o Filho de Deus, devido que Aquele que viveu, trabalhou, sofreu e morreu, era o grandioso Criador, sem quem nada do que foi criado, foi feito, que Seu sangue tem tal eficácia que pode lavar e deixar tão limpos aos mais negros pecados, quem ficam “mais brancos que a neve”. A morte do melhor homem que tenha existido jamais poderia fazer uma expiação sequer por seus próprios pecados, muito menos poderia expiar a culpa de outros – mas quando Deus mesmo “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens” (Filipenses 2:7) e “achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (8). Não se pode colocar nenhum limite ao valor da expiação realizada por Ele.
Nós sustentamos firmemente a doutrina da redenção particular: que Cristo amou a Igreja, e se entregou a si mesmo por ela; mas nós não sustentamos a doutrina do valor ilimitado de Seu precioso sangue. Não pode haver nenhum limite para a Deidade; tem que existir um valor infinito na expiação que foi oferecida por Aquele que é divino. O único limite da expiação está em seu desígnio, e esse desígnio foi que Cristo desse a vida a todos quantos lhe foram dados pelo Pai; Porém, em si mesma, a expiação seria suficiente para a salvação do mundo inteiro, e se a raça inteira da humanidade fora conduzida a crer em Jesus, haveria suficiente eficácia em Seu sangue precioso para limpar todo aquele nascido de mulher, de todo pecado que todo o conjunto deles jamais houvesse cometido.
Mas o poder do sangue limpador de Jesus radica também nos intensos sofrimentos que suportou a fazer expiação por Seu povo. Não houve jamais um caso como o do nosso precioso Salvador. No que consiste a Seus sofrimentos físicos, pode ter existido alguns que tenham suportado tanto como Ele, pois o corpo humano só é capaz de certa quantidade de dor e agonia, e outras pessoas junto com nosso Senhor alcançaram esse limite – Porém, houve um elemento em Seus sofrimentos que nunca esteve presente em nenhum outro caso. O fato de que Sua morte foi no lugar, posição e em substituição de Seu povo, o único grande sacrifício pela totalidade de Seus redimidos, faz que Sua morte seja inteiramente única, de tal maneira que nem mesmo o mais nobre do exército de mártires pode participar da glória com Ele. Seus sofrimentos mentais também constituíram uma parte vital da expiação: os sofrimentos de Sua alma foram a essência mesma de Seus sofrimentos. Se você pode compreender a amargura da traição que Ele sofreu por um que tinha sido seu seguidor e amigo, e o abandono que experimentou por parte de todos os Seus discípulos, a acusação formal de sedição e blasfêmia diante das criaturas que Ele mesmo tinha criado – se puderem compreender o que foi para Ele, que não cometeu pecado, ser feito pecado por nós, e que fosse colocada sobre Ele a iniquidade de todos nós – se pudessem ter uma ideia de quanto aborrecia o pecado e se apartava dele, poderiam formar uma ligeira ideia do que Sua natureza pura sofreu por nossa culpa.
Nós não nos apartamos do pecado como Cristo o fazia, porque estamos acostumados a ele – uma vez foi o elemento no qual vivíamos, movíamos e existíamos – mas Sua natureza santa rejeita o mal assim como uma planta sensível se recolhe quando é tocada. Porém, Seus piores sofrimentos devem ter sido quando a ira de Seu Pai foi derramada sobre Ele, ao suportar o que Seu povo merecia suportar, mas agora jamais terá que suportar…
“As ondas da crescente dor
Batem contra Seu peito,
Montanhas de ira onipotente
Pesavam sobre Sua alma”.
O fato que Seu Pai tenha escondido Seu rosto Dele te tal forma que clamasse em Sua agonia: “Deus meu, Deus meu, por quê me desamparaste?”, deve ter sido um autêntico inferno para Ele. Esse foi o tremendo gole de ira que nosso Salvador bebeu por nós até suas ultimas gotas, para que nosso copo não pudesse jamais ter nem um restinho de ira sequer sobrando. Deve de ter sido uma grande expiação, essa que foi comprada a um preço tão grande.
Podemos pensar na grandeza da expiação de Cristo de outra forma. Tem que ter sido uma grande expiação essa que tem transportado de forma segura a multidões de pecadores ao céu, e que tem salvado a tantos grandes pecadores e os tem transformado em refulgentes santos. Tem que ser uma grande expiação essa que há de levar ainda inumeráveis miríades à unidade da fé e a glória da igreja dos primogênitos, que estão inscritos no céu.
É uma expiação tão grande, pecador, que, se você confia nela, será salvo por ela sem importar quantos e quão graves poderiam ter sido seus pecados. Você tem medo de que o sangue de Cristo não seja potente o suficiente para limpar-lhe? Por acaso teme que Sua expiação não possa suportar o peso de um pecador como você?
Fiquei sabendo, outro dia, sobre uma mulher néscia de Plymouth, que durante um bom tempo não queria passar sobre a ponte de Saltash [3] porque não a considerava segura. Quando, depois de ver o enorme tráfego que passava com segurança sobre a ponte, foi induzida a ter confiança nela, tremia muito por todo o tempo em que passava sobre nela, e não teve tranquilidade mental até que a deixou para trás. Claro que todo mundo riu dessa mulher, por pensar que essa estrutura tão sólida não pudesse suportar seu levíssimo peso.
Poderia ser que exista hoje nesse prédio algum pecador que tenha medo de que a grande ponte que a eterna misericórdia construiu a um custo infinito, através do abismo que nos separa de Deus, não seja suficientemente forte para suportar seu peso. Se for assim, permita-me lhe assegurar que através dessa ponte do sacrifício expiatório de Cristo, já cruzaram milhões de pecadores tão vís e corruptos como esse tal, e a ponte nem mesmo trepidou sob tal peso, e nenhuma de suas partes ao menos trincou ou jamais descolou.
Meu pobre amigo temeroso, sua ansiedade de que a grande ponte da misericórdia não seja capaz de suportar seu peso, me faz lembrar a fábula do pernilongo que pousou sobre a orelha de um touro, e depois estava preocupado porque o forte animal poderia se incomodar com seu “enorme” peso. É bom que você tenha uma vivida compreensão do peso de seus pecados, mas ao mesmo tempo, deve também entender que Jesus Cristo, em virtude de Sua grande expiação, não só é capaz de suportar o peso de seus pecados, mas também pode levar, e verdadeiramente já levou sobre seus ombros, os pecados de todos os que crerão Nele até o próprio fim dos tempos: levou-os à terra do esquecimento, onde jamais serão recordados ou recuperados. O sangue do pacto eterno é tão eficiente que mesmo você, assim sujo como está, pode orar como Davi: “Lava-me, e serei mais branco que a neve”.
III. Isso me leva a PÁGINA BRANCA DO LIVRO SEM PALAVRAS, que está tão repleta de instrução como as folhas preta e vermelha: “Lava-me, e serei mais branco que a neve“.
Que lindo espetáculo foi nessa manhã, quando olhamos para fora, e vimos o terreno todo coberto de neve! Todas as árvores estavam vestidas de prata; no entanto, é quase um insulto para a neve compará-la com a prata, pois a prata em seu nível mais brilhante não é digna de ser comparada com o maravilhoso esplendor que se podia ver em qualquer lugar em que as árvores pareciam adornadas com formosos festões, sobre a terra que estava vestida de seu puro manto branco. Se tivéssemos tomado um pedaço daquilo que chamamos de “papel branco” e o colocássemos sobre a superfície da neve recém caída, se teria descoberto repleto de sujeira ao comparar a folha com a neve imaculada. A cena dessa manhã trás imediatamente a minha mente o texto: “Lava-me, e serei mais branco que a neve”.
Oh, negro pecador, se você crê em Jesus, não só será limpo em Seu sangue precioso até converter-se em algo toleravelmente limpo, mas sim ficará branco, sim, você será: “mais branco que a neve”.
Quando contemplamos o puro branco da neve antes que fique suja, pareceu-nos como se não pudesse existir nada mais branco. Eu sei que quando estive nos Alpes, contemplei durante horas a deslumbrante branquidão da neve, e quase fui cegado por ela. Se a neve ficasse largo tempo sobre o terreno, e se toda a terra fosse coberta dela, prontamente todos nós ficaríamos cegos. Os olhos do homem sofreram também com sua alma através do pecado, e tal como nossa alma seria incapaz de suportar uma visão da pureza de Deus ao descoberto, assim nossos olhos não poderiam suportar contemplar a poderosa pureza da neve. No entanto, o pecador, negro por causa do pecado, ao ser lavado sob o poder limpador do sangue de Jesus, se volta “mais branco que a neve”.
Agora, como pode um pecador ser lavado para ficar “mais branco que a neve?” Bem, antes que nada, há uma durabilidade na brancura de um pecador lavado com sangue que não existe quanto à neve. Muito da neve que caiu essa manhã não tinha nada de branca à tarde. Lá onde a neve havia começado a derreter, se mostrava amarela, mesmos nos lugares onde nenhum pé de homem a tinha pisado – e, quanto à neve das ruas de Londres, vocês sabem como rapidamente sua brancura some. Porém, não existe temor de que a brancura que Deus dá a um pecador algum dia desapareça dele – o vestido da justiça de Cristo que é colocado sobre ele, é permanentemente branco…
“Essa veste sem mancha se vê igual,
Quando a natureza deteriorada de anos se acumula;
Nenhuma idade pode mudar sua gloriosa tonalidade;
O manto de Cristo é sempre novo”.
Sempre é “mais branco que a neve”. Alguns de vocês precisam viver em Londres, um lugar esfumaçado e sujo, mas a fumaça e a sujeira não podem desbotar o vestido imaculado da justiça de Cristo. Vocês mesmos estão manchados pelo pecado – Porém, quando estão vestidos com a justiça de Cristo diante de Deus, as manchas do pecado desaparecem. Davi, em si mesmo, estava negro e sujo quando fez a oração de nosso texto, Porém, vestido na justiça de Cristo, estava branco e limpo. O crente em Cristo é tão puro aos olhos de Deus na mesma hora, como também o é em outra. O Senhor não olha a pureza variável de nossa santificação como nossa base de aceitação com Ele; antes, olha a pureza imutável e incomparável da pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo, e nos aceita em Cristo, e não pelo que somos em nós mesmos. Por essa razão, uma vez que somos aceitos Nele, somos “mais branco que a neve”.
Mais ainda, o branco da neve é, depois de tudo, só um branco criado. É algo que Deus fez, mas não têm a pureza que pertence a Deus mesmo – Porém, a justiça que Deus dá ao crente, é uma justiça divina, como diz Paulo: “Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus. (2 Coríntios 5:21)”. E lembrem que isso é certo no que toca ao próprio pecados, antes tão negro que tinha que clamar a Deus: “mais branco que a neve”.
Poderia existir uma pessoa que entrou nesse edifício, negra como a noite devido ao pecado – mas, se agora é capacitada pela graça a confiar em Jesus, Seu sangue precioso a limparia imediatamente, tão completamente, que seria “mais branco que a neve”. A justificação não é uma obra que avança de grau em grau – não progride de uma etapa para outra, antes, é uma obra de um momento, e é concluída instantaneamente. O grandioso dom de Deus da vida eterna é concedido em um instante, e você poderia ser incapaz mesmo de discernir o momento exato em que é concedido. No entanto, poderia saber mesmo isso, pois, tão logo como crê no Senhor Jesus Cristo, é nascido de Deus e passou da morte para vida – é salvo, e salvo por toda eternidade. O ato de fé é algo muito simples, Porém é o ato que possa ser feito por um homem que mais glorifica a Deus. Ainda que não exista nenhum mérito na fé, a fé é uma graça sumamente enobrecedora, e Cristo dá-lhe uma alta honra quando diz: “Tua fé te salvou, vai em paz” (Marcos 5:34). Cristo coloca a coroa da salvação sobre a cabeça da fé – no entanto, a fé mesma nunca levará essa coroa, antes a coloca aos pés de Jesus, e dá a Ele toda honra e toda glória.
Poderia existir alguma pessoa nesse lugar que tenha medo de pensar que Cristo a salvará. Meu querido amigo, faz-lhe a meu Mestre a honra de crer que não existe profundidade de pecado no que poderia ter caído, que esteja além do Seu alcance. Deves crer que não existe pecado que seja muito negro para que não possa ser limpo completamente pelo sangue precioso de Cristo, pois Ele há dito: “Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens” (Mateus 12:31) , e “todo pecado,” tem que incluir o teu. A própria grandeza da misericórdia de Deus é o que às vezes deixa um pecador perplexo.
Permita-me usar uma figura familiar para ilustrar o que quero dizer. Suponham que vocês estão sentados à mesa de sua casa, cortando um pedaço de carne para o jantar, e suponham que seu bicho de estimação está debaixo da mesa, esperando conseguir um osso ou um pedaço de cartilagem como sua porção. Agora, se vocês colocassem o prato com todo o pedaço de carne no chão, provavelmente o cãozinho teria medo de tocar nele, porque poderia receber um chute – ele saberia que um cachorro não merece uma comida como essa – e essa é justamente sua dificuldade, pobre pecador. Você sabe que não merece essa graça que Deus se deleita em dar-lhe. Porém, o fato de que seja de graça, deixa completamente de fora o tema do merecimento. “Pela graça sois salvos, por meio da fé: isso não vem de vós, é dom de Deus” (Efésios 2). Os dons de Deus são como Ele mesmo: imensuravelmente grandes.
Talvez alguns de vocês pensem que estariam contentes com migalhas ou ossos da mesa de Deus. Bem, se Ele me fosse dar umas quantas migalhas ou um punhado de carne, eu estaria agradecido, inclusive por isso, mas não me satisfaria – mas quando ele me diz: “Tu és meu filho. Eu te adotei e tens entrado em minha família, e já não sairás jamais fora,” eu não estou de acordo contigo em que seja bom demais para ser verdade. Poderia ser muito bom para você, mas não é demasiadamente bom para Deus – Ele dá como só Ele pode dar. Se eu tivesse uma grande necessidade, e conseguisse acesso a Rainha Vitória, e depois de expor meu caso a ela, me dissera: “Sinto um profundo interesse em seu caso – aqui tem um centavo para você,” eu estaria certo de que realmente não vi a Rainha, mas sim alguma donzela ou empregada de alguma dama que estava gozando de minha cara. Oh, não, a Rainha dá como uma rainha, e Deus dá como Deus! De tal forma que a grandeza de Seu dom, em vez de nos deixar atônitos, só deveria nos assegurar de que é genuíno, e que provêm de Deus.
Richard Baxter disse sabiamente: “O Senhor, têm que ser uma grande misericórdia ou nenhuma misericórdia, pois pouca misericórdia não me serve de nada!” Então, pecador, apele ao grande Deus com seu grande pecado e peça uma grande misericórdia para que sejas lavado na grande fonte cheia do sangue do grande sacrifício, e receberás uma grande salvação que Cristo obteve, e por isso atribuirás um grande louvor ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, por sempre e para sempre. Que Deus nos conceda que assim seja por Jesus Cristo nosso Senhor! Amém.
Charles Haddon Spurgeon – Sermão pregado na noite de quinta-feira, 11 de Janeiro de 1866 no Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres e publicado na quinta-feira de 30 de novembro de 1911.
[…]
[1] 1 Crônicas 11:41.
[2] John B. Gough (1817-1886) nasceu em Folkestone, Kent, Inglaterra. Em 1842 ele participou de uma reunião de temperança, em Worcester, Massachusetts, onde ele tomou o compromisso de se abster totalmente de bebidas alcoólicas. Depois, tornou-se um grande orador contra os males da bebida em todo mundo. Cristão, foi amigo de Spurgeon, e dividiu o púlpito em Boston com D. L. Moody — Bible Believers.
[3] Ponte de Saltash, hoje Royal Albert Bridge, é uma ponte sobre o rio Tamar, no Reino Unido, entre Plymouth , em Devon , e Saltash, em Cornish. Foi projetada por Isambard Kingdom Brunel. Começou a ser levantada em 1848 e a construção iniciada em 1854. Foi inaugurada pelo príncipe Albert, consorte da Rainha Vitória, em 2 de maio de 1859 – Wikipédia.
[…]
SOBRE ESSE SERMÃO
O “Livro sem Palavras” foi apresentado pela primeira vez publicamente por Charles Haddon Spurgeon na data marcada acima. Em 1880, pelo menos, o livro já estava sendo amplamente utilizado na evangelização dos orfanatos, escolas dominicais e em missões transculturais. Diferentes versões surgiram quando D. L. Moody, que sempre foi muito influenciado pelo ministério de Spurgeon, adicionou uma outra cor: ouro (depois do branco) – que representa o Céu. Em 1875, Hudson Taylor e missionários da Missão Chinesa de Evangelização utilizaram a versão de quatro cores em pregações ao ar livre e evangelismo individual.
Hoje, esse livreto é mundialmente utilizado de diversas formas e adaptações por diversas associações e agências, especialmente na moderna evangelização de Crianças e deficientes – Wikipédia.
Charles Haddon Spurgeon – Sermão nº 3278 traduzido do espanhol “El Libro en Blanco” por Allan Román, com autorização e permissão deste para o português para o “Projeto Spurgeon” de La Vieja Historia. Todo direito de tradução protegido por Lei Internacional de Domínio Público — Sermão nº 3278, Volume 47 do “The Metropolitan Tabernacle Pulpit”.