Em sua última epístola o apóstolo Paulo aconselhou Timóteo acerca de um dia em que os cristãos não suportariam a sã doutrina ou ensino (2 Tm 4:3-4). Motivos carnais fariam com que “desviassem os ouvidos da verdade”, e o resultado seria que vagariam em direção aos mitos ou fábulas. Com a diversidade de ensino nas várias denominações na cristandade hoje, e com muitas dessas doutrinas em contradição umas com as outras, alguém com uma disposição correta irá chegar à conclusão de que há muitas fábulas misturadas com a verdade. Infelizmente, parece que a tolerância às doutrinas falsas ou contraditórias está se tornando cada vez mais comum nas igrejas cristãs, e a ênfase em um ensino sadio está se tornando menos comum.
A sã doutrina, também caracterizada como “boa doutrina” em 1 Timóteo 4: 6, é aquela que honra a Deus – Pai, Filho e Espírito Santo. Não há lugar para o orgulho ou luxúria do homem na “doutrina de Deus” (Tt 2:10) e qualquer “vento de doutrina”, pelo qual os cristãos sejam “levados em roda” (Ef 4:14), irá glorificar o homem de uma maneira ou de outra. A sã doutrina glorifica a Deus em Cristo, ponto final.
Há igrejas e líderes cristãos que podem ser bem-intencionados em sua ênfase na vida cristã e na fraternidade prática, à custa de uma insistência na integridade doutrinal e na verdade, e eles têm sua recompensa. O Senhor pode usar qualquer esforço de fé verdadeira, qualquer desejo de glorificá-Lo, não importa o compromisso ou mistura que Ele encontre em um grupo de cristãos. Felizmente estamos seguros de que “o Senhor conhece os que são Seus”, mas por outro lado, a responsabilidade de todos os que confessam o Seu nome é a de “afastar-se da iniquidade” (2 Tm 2: 16-21). Está claro no contexto dessa advertência que a falsa doutrina é uma manifestação de iniquidade.
Agora alguém poderia perguntar: “Existe uma lista de ensinamentos bíblicos que são tão importantes que devem ser defendidos até mesmo ao ponto de nos separarmos de outros que os contradizem?” Outro poderia perguntar: “Existe um perigo de sectarismo quando insistimos em pureza doutrinária à custa da comunhão com outros cristãos sinceros?” Ao invés de responder a essas perguntas diretamente, sugiro que olhemos para vários princípios que são fundamentais na preservação da sã doutrina para a glória de Deus.
1. A integridade doutrinal é eminentemente importante para o cristianismo.
É algo ainda mais crítico do que qualquer volume de bons ensinamentos sobre a vida cristã prática. O ensinamento sério quanto à Pessoa gloriosa e à obra consumada do Senhor Jesus Cristo deve ser mantido na casa de Deus, a igreja, que é coluna e firmeza da verdade (1 Tm 3:15). Qualquer comprometimento neste sentido traz desonra a Deus, e é somente por este motivo que um coração que busca Sua glória deve se separar e evitar os falsos ensinamentos que comprometam a Pessoa e obra de Cristo.
Por exemplo, não se deve tolerar o ensino que especula que Jesus poderia ter pecado, inferindo esse erro do fato de Ele ter sido tentado enquanto estava na terra. Ele passou por aqueles testes para provar que Ele era “ouro puro” quanto à Sua natureza sem pecado, e não porque existisse qualquer dúvida a esse respeito. Aquelas tentações provaram que Ele era “sem pecado” (Hb 4:15). Além disso, Ele “não conheceu pecado” (2 Cor 5:21), pois “nele não há pecado” (1 Jo 3:5). Se a assembleia não guardar zelosamente a glória de Cristo neste e em outros pontos similares de controvérsias doutrinárias, acabará trocando o verdadeiro Cristo por “outro Jesus” (2 Cor 11:4), e mais corrupção certamente se seguirá.
2. As censuras e argumentos dos apóstolos nos dizem muita coisa sobre os ensinamentos nos quais insistiam.
Muitos líderes e grupos cristãos promovem a unidade, os relacionamentos, a vida piedosa e muitos outros valores que são bons e nobres com solidez doutrinária, e alguns até chegam a admitir que “a doutrina divide”, por lamentarem o sectarismo na cristandade. Mas a contenda sectária é muitas vezes consequência de orgulho e mundanismo, não da doutrina, e nos casos em que os cristãos se separaram uns dos outros por causa de falsa doutrina que foi introduzida, o Senhor permitiu isto em Sua disciplina de Sua casa. (1 Cor 11:19; 1 Pe 4:17; 1 Jo 2:19; 1 Rs 12:24).
Paulo e João foram muito claros ao censurarem os que ensinavam falsas doutrinas. (Gl 5:12; 1 Tm 1:19-20; 2 Tm 2:14-26; Tt 3:10; 2 Jo 10) Será que aqueles mestres heréticos teriam sido autorizados a continuar em comunhão na igreja para preservar a unidade ou por medo de divisão? Será que alguém deveria ter insistido na tolerância para que as relações pessoais, estabelecidas há anos, permanecessem intactas? Quase não é preciso dizer que a resposta a ambas as perguntas é um retumbante “Não”!
Os argumentos de Paulo em defesa da verdade doutrinária são evidência de uma mente brilhante, mas sabemos que eles estão de acordo com a mente de Deus, que inspirou a escrita de Paulo. Quando Paulo declara a verdade do justo imputado sem obras, quando declara que o crente foi predestinado por Deus e, portanto, eternamente seguro, quando defende a verdade central da ressurreição e em vários outros casos, ele caminha de maneira lógica através de um argumento e chega a uma conclusão que o homem espiritual prontamente recebe. (Rm 4; 8:28-39; 1 Cor15; Rm 9 e 11; 1 Cor11:1-16; Gl 3-5).
Aqueles que defendem algum tipo de obras de justiça, ou que promovem uma segurança condicional, ou que sobrepõem o raciocínio humanista à doutrina cristã fundamental, só conseguem fazê-lo tirando versículos ou mesmo passagens inteiras de seus contextos, colocando-as contra a verdade que Paulo apresenta de forma tão eloquente e metódica.
3. Existe uma orientação bíblica sobre como a verdade deve ser ensinada e transmitida às gerações futuras.
A verdade não era para ser aprendida num seminário sectário e ensinada exclusivamente por um clero ou ministério ordenado. Quando os arranjos humanos são empregados para designar mestres em assembleias cristãs, isso interfere com a linha de responsabilidade que o servo tem diretamente com seu Senhor, e abre a porta para um ensino questionável. (Compare 2 Tm 4:3-4 com Ef 4:7-16). Pode ser que leve anos ou gerações para esses expedientes humanos revelarem seus efeitos nefastos. O padrão descrito nas Escrituras é o de homens que aprendem a doutrina dos apóstolos entre muitas testemunhas (em uma assembleia) e devem passar essa verdade para os homens fiéis que, por sua vez, serão capazes de ensinar outros. (2 Tm 2:2).
O ministério deve ser conforme o dom que cada um recebeu, e esse dom não pode ser dado ou restringido pelos homens ou seus sistemas. Além disso, “se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre”. (1 Pe 4:10-11). A sã doutrina é mais bem preservada através de métodos que não interfiram com a obra do Espírito em usar quem quer que seja para ministrar a verdade.
A manutenção da sã doutrina nunca foi apresentada à igreja de Deus como um exercício opcional, mas sempre como um imperativo, se for para os santos estarem “arraigados e edificados” em Cristo e fundamentados na fé (Cl 2:7). É verdade que a sã doutrina pode ser mantida com um espírito legalista entre os cristãos, e devemos nos guardar disso. Somente se Cristo for o objeto do coração, é que essa armadilha será evitada. Que Ele seja a fonte de nosso gozo e nosso motivo para lutar pela “fé, uma vez entregue aos santos”. John Kulp | “Great Riches”