O Filho de Deus

A maioria dos comentaristas bíblicos concorda que Marcos apresenta o Senhor Jesus Cristo como o Servo Perfeito. No entanto, é significativo que o livro seja aberto com as palavras: “O princípio do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus”.

Essa declaração não refuta a sugestão de que Ele seja visto como o Servo no segundo Evangelho. Em vez disso, ela elimina qualquer implicação de que Jesus Cristo deixou de ser o Filho de Deus quando se tornou o Servo.

Foi-nos dito que toda palavra será confirmada pela boca de duas ou três testemunhas. Aqui encontramos três testemunhos de três esferas para confirmar o fato de Sua filiação. Primeiro, há o testemunho dos Profetas; depois, o testemunho da Deidade e, por fim, o testemunho da Criação.

Os Profetas

Em Isaías 40:3 e em Malaquias 3:1, é feita referência a alguém que viria como precursor do próprio Senhor, para preparar Seu caminho. Essas passagens são usadas em Marcos 1:2-3, para apresentar João Batista como o arauto de Jesus Cristo, o Vindouro.

Assim, o primeiro e o último dos profetas do Antigo Testamento se combinam para atestar o fato de que esse Um é Deus, o Filho. Eles são, de fato, representantes de todos os profetas que escreveram para dar testemunho Dele.

O trio de testemunhos proféticos é completado pelo próprio João Batista, o último e maior dos profetas da antiga dispensação. Ele pregou a vinda de Alguém maior do que ele, cuja correia dos sapatos, João confessou, não era digno de se abaixar e desatar (versículo 7).

Em outro lugar, somos informados de que João deu testemunho, dizendo: “Vi o Espírito descer do céu como uma pomba, e repousar sobre ele. E eu não o conhecia; mas aquele que me enviou a batizar com água, esse me disse: Aquele sobre quem vires descer o Espírito, e sobre ele permanecer, esse é o que batiza com o Espírito Santo. E eu vi e dei testemunho de que este é o Filho de Deus.”

Deidade

Nos primeiros livros da Bíblia, percebemos que era comum o Senhor falar do céu diretamente aos Seus servos e ao Seu povo. Essa experiência, no entanto, tornou-se cada vez menos frequente à medida que o coração do povo se tornava cada vez mais duro e eles desfrutavam menos da consciência da presença do Senhor em seu meio.

Consequentemente, os profetas e os santos anjos tornaram-se o meio pelo qual Deus falou aos pais, até o momento em que Ele enviou Seu próprio Filho ao mundo como a Palavra Viva.

A voz audível de Deus, o Pai, não era mais ouvida, exceto quando era necessário dar a certeza de que Jesus Cristo era de fato Seu Filho.

Por exemplo, quando Jesus saiu da água, depois de ter sido batizado por João no Jordão, Deus Pai disse, com a voz do Céu: “Tu és o meu Filho amado, em quem me comprazo” (v. 11).

Novamente, no Monte da Transfiguração, quando Pedro propôs fazer três tabernáculos, um para Jesus, um para Moisés e um para Elias, essa mesma voz foi ouvida da nuvem celestial, dizendo: “Este é o meu Filho amado; ouçam-no” (Mc 9:7).

Finalmente, em João 12:28, quando Jesus clamou com a alma perturbada: “Pai, glorifica o Teu Nome”, veio uma voz do Céu, dizendo: “Eu já o glorifiquei e o glorificarei novamente”.

Nessa última ocasião, é triste dizer, as pessoas estavam tão desprovidas de percepção espiritual que não reconheceram a voz como a do Pai. Em vez disso, alguns disseram que era um anjo que falava, enquanto outros ainda ignoraram o fenômeno com a suposição de que era apenas o ribombar de um trovão distante.

No entanto, a evidência de Deus, o Pai, dá um testemunho triplo da verdade de que Jesus Cristo é o Filho de Deus.

O Espírito Santo, como a Terceira Pessoa da Divindade, também tem uma parte distinta no testemunho celestial da Filiação Divina de Jesus de Nazaré. Foi feita referência anterior à Sua descida sobre Ele na forma de uma pomba às margens do Jordão.

Observe também o versículo 12: “E logo o Espírito o impeliu para o deserto”. A privação e a tentação resultantes não foram um ataque surpresa planejado por Satanás; pelo contrário, estavam de acordo com o plano definido do Espírito. Era o meio que o Espírito usaria para mostrar, sob os testes mais severos, as perfeições desse Homem distinto, a fim de estabelecer de forma incontestável que Ele é de fato o Filho de Deus.

A Criação

Consideremos agora a esfera da criação para obter mais um testemunho da Filiação Divina de nosso Senhor Jesus Cristo. Lembremo-nos da declaração em Romanos 1:20: “As coisas invisíveis dEle, desde a criação do mundo, claramente se vêem, entendendo-se pelas coisas que estão criadas, o Seu eterno poder e divindade”.

Muito se fala sobre o milagre que ocorreu quando Daniel foi lançado na cova dos leões. Não menos maravilhoso é o fato de que Jesus, quando tentado no deserto, estava com as feras (v. 13) e, ainda assim, não foi ferido por elas de forma alguma. Sendo Deus o Filho, Ele possuía o poder inerente de fechar a boca dessas feras, assim como fez com a dos leões nos dias de Daniel. Esses animais naturalmente ferozes, ao se sujeitarem a Ele, deram um testemunho mudo, mas vigoroso, de que Ele era o Filho de Deus, o governante ordenado do vindouro reino milenar de paz.

Da mesma forma, o jumentinho da jumenta se submeteu placidamente quando o Senhor entrou em Jerusalém. Que outro homem poderia obter controle imediato e completo sobre um animal tão agitado, no qual ninguém jamais havia se sentado? É dessa forma que os animais brutos dão testemunho de que reconhecem Jesus como o Filho de Deus.

Jesus caminhando pelo Mar da Galileia (v. 16) lembraria o incidente no capítulo quatro em que os elementos atestam Sua filiação. Quando Ele estava dormindo na parte de trás do navio, você se lembra, surgiu uma grande tempestade de vento e as ondas encheram o navio. Levantando-Se do sono, Ele demonstrou Seu poder divino com as palavras: “Paz, aquietai-vos”. Imediatamente o vento cessou e houve uma grande calmaria.

Assim, os discípulos foram levados a exclamar uns para os outros: “Que espécie de homem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?” Esse é apenas mais um testemunho de Sua filiação.

Certamente não foi por mero acaso que, em certa ocasião, um peixe encontrou uma moeda no mar e a levou à boca. Tampouco foi por mera coincidência que esse mesmo peixe abriu a boca novamente para pegar o anzol que Pedro lançou ao mar. Isso aconteceu porque Jesus, como o Filho de Deus, estava no controle de Suas criaturas.

Finalmente, o espírito imundo é forçado a reconhecer Jesus como o Santo de Deus (v. 24). Quando o demônio saiu do homem atormentado, todas as pessoas ficaram maravilhadas e perguntavam entre si, dizendo: “Que coisa é essa? Que nova doutrina é essa? Pois ele ordena com autoridade até mesmo aos espíritos imundos, e eles lhe obedecem”.

Esse também não foi um caso isolado de poder sobre os demônios. Ele expulsou muitos (vs. 34), em toda a Galileia (vs. 39). Talvez o caso mais notável ocorra no capítulo cinco, em que o endemoninhado foi perfeitamente curado quando sua legião de demônios entrou na manada de porcos, fazendo com que eles corressem violentamente por um lugar íngreme e fossem sufocados no mar.

Assim, em Marcos, capítulo um, as palavras dos profetas, o testemunho da Divindade e o testemunho da criação levariam à conclusão indiscutível e irrefutável de que Jesus Cristo é o Filho de Deus.

Em nosso estudo anterior de Marcos, capítulo 1, foram considerados os testemunhos dos profetas, da Divindade e da Criação, pois eles se combinam para revelar o fato de que Jesus Cristo é o Filho de Deus.

Vamos agora concentrar nossa atenção nas evidências que Ele mesmo revelou para atestar que é o Filho de Deus. Ao fazer isso, tenhamos em mente Suas palavras no Evangelho de João: “Eu sou aquele que dá testemunho de mim mesmo” (João 8:18); “Ainda que eu dê testemunho de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro” (João 8:14); e, novamente, “Tenho maior testemunho do que João, porque a obra que o Pai me deu para realizar, as mesmas obras que eu faço dão testemunho de mim, de que o Pai me enviou” (João 5:36).

Aqueles que considerarem cuidadosamente Suas palavras de testemunho certamente serão como as pessoas quando Ele estava aqui na Terra, sobre as quais está escrito: “Ficaram sobremaneira maravilhados, dizendo: Ele fez bem todas as coisas” (Marcos 7:37).

Sua Pregação

Sua pregação é mencionada três vezes no capítulo um de Marcos. Ele pregou em Nazaré (v. 14), onde, como revela Lucas 4:17, leu o livro do profeta Isaías. Ele pregou em Cafarnaum (versículo 21) e, finalmente, pregou por toda a Galileia (versículo 39).

A ordem é significativa e estabelece um bom exemplo para aqueles que aspiram a seguir Seu ministério.

Ele primeiro pregou onde havia sido criado, depois pregou onde estava morando e, finalmente, foi para as regiões mais distantes.

Do ministério público de nosso Senhor Jesus, podemos observar três características. Primeiro, foi com graça. De acordo com Lucas 4:22, quando Ele completou Seu breve discurso em Nazaré, o povo se maravilhou com as palavras graciosas (ou palavras de graça, R.V.) que saíram de Sua boca. Ele não demonstrou dureza ou severidade como os fariseus.

Em segundo lugar, Sua pregação era feita com autoridade (Mc 1:22). Os escribas estavam acostumados a ler para o povo o que outros haviam escrito, provavelmente uma combinação dos escritos de Moisés e das tradições dos anciãos. Este, por ter falado com autoridade, como Deus o Filho, causou espanto nos ouvintes.

Em terceiro lugar, Sua pregação era acompanhada de poder. Por exemplo, quando Ele pregava nas sinagogas por toda a Galileia, expulsava demônios (v. 39). As pessoas comuns nunca haviam testemunhado alguém que pudesse operar milagres juntamente com sua pregação. Ele foi, como Pedro declarou no dia de Pentecostes, “aprovado por Deus por muitos milagres, prodígios e sinais que Deus fez por ele” (Atos 2:22).

É possível que alguém tenha autoridade para falar, mas não o poder para colocar em prática. Outros podem ter força e poder, mas nenhuma autoridade para exercê-los sobre os outros. Em Jesus Cristo, encontramos Alguém que, por ser Deus, o Filho, tem tanto autoridade quanto poder. Sua autoridade e poder, no entanto, sempre foram acompanhados pela graça.

Sua Persuasão

Havia um poder de persuasão no Homem da Galileia, mesmo fora de Sua pregação, que atraía magneticamente os seguidores a Ele. Certo dia, enquanto caminhava à beira-mar, viu Pedro e André, seu irmão, lançando uma rede ao mar. Um pouco mais adiante, os dois filhos de Zebedeu estavam consertando suas redes. Quando Ele chamou esses quatro homens ocupados, eles responderam imediatamente e O seguiram.

Ao fazer isso, em primeiro lugar, deixaram suas ocupações de toda uma vida. Não eram homens ociosos, ansiosos para serem contratados, nem estavam descontentes e procurando outra forma de emprego. De acordo com Lucas 5:9, eles tinham acabado de alcançar seu maior sucesso, com uma pesca recorde de peixes, mas deixaram tudo por Ele.

Como diz o Novo Testamento Amplificado: “Deixaram as redes, renunciando a tudo o que lhes pertencia”. Eles deixaram tudo o que antes lhes era tão caro e permitiram que outros tomassem posse total. Eles fizeram isso, lembrem-se, não por um ganho mais lucrativo, mas por uma perda terrena. Mais tarde, esses mesmos homens, em algumas ocasiões, ficaram sem dinheiro.

Além disso, abandonaram suas associações mundanas. Viraram as costas para a cidade natal e para tudo o que tanto prezavam nela. Abandonaram tudo o que havia sido sua vida e o futuro que esperavam que fosse tão brilhante.

Talvez o mais difícil de tudo tenha sido deixar suas relações naturais. Certamente não foi fácil para esses filhos se afastarem imediatamente de seu amado pai. Você não consegue visualizar o velho Zebedeu com os olhos cheios de lágrimas, olhando para os filhos que partiam? Seu rosto castigado pelo tempo, coberto de sal, suor e respingos do mar, com uma estranha expressão de admiração e tristeza, enquanto se virava para ajudar os empregados a recolher os peixes. “Por que eles estão me deixando agora?”, ele deve ter perguntado.

Esses homens deixaram tudo por causa da personalidade persuasiva de Jesus de Nazaré; mas não o fizeram por impulso repentino ou por causa de um mero apelo emocional. Eles se associaram a Jesus Cristo porque, como Pedro disse: “Cremos e estamos certos de que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (João 6:69). O próprio ato de segui-lo dá testemunho do fato de Sua filiação.

Seu Poder

A última metade do primeiro capítulo de Marcos é ocupada com relatos do poder que Jesus de Nazaré demonstrava na realização de milagres.

Seu poder de cura não estava confinado a nenhum lugar nem restrito a nenhuma circunstância favorável. Ele trabalhou em Cafarnaum e também em toda a Galileia. Ele é visto curando os doentes na sinagoga, em casa e ao ar livre. Alguns foram curados com um toque de Sua mão, enquanto outros foram libertados de demônios com uma simples palavra de Seus lábios.

Seus milagres nunca foram contaminados por qualquer motivo egoísta ou oculto, nem por um desejo de vanglória. Ele sempre agiu para a glória de Deus, Seu Pai, e para o bem-estar dos outros.

Não é de se admirar que as pessoas tenham ficado profundamente impressionadas, como lemos: “Todos estavam maravilhados, a ponto de perguntarem entre si, dizendo: Que é isto? Que nova doutrina é esta? Porque com autoridade ordena até aos espíritos imundos, e eles lhe obedecem” (v. 27).

Tal poder pertence somente a Deus. Portanto, quando esse mesmo poder é demonstrado por Jesus de Nazaré, isso O revela como Deus, o Filho.

Sua Piedade

Os versículos finais do capítulo nos apresentam um milagre que é um de Seus maiores, porque é um milagre de graça condescendente.

Um leproso foi até Ele e, ajoelhando-se diante Dele, implorou sinceramente Sua cura e Sua bênção purificadora. Lucas, sendo médico, acrescenta que o homem estava cheio de lepra.

Anteriormente, havia um momento em que a primeira mancha da terrível doença era descoberta, quando o sacerdote observava a evidência reveladora na pele e declarava o pobre coitado leproso, totalmente impuro.

Como tal, de acordo com a lei de Moisés em Levítico 13, seu lugar era o exterior, onde ele deveria morar sozinho. Proibido de se aproximar de outras pessoas, para não contaminá-las, esse pobre leproso deve ter visto muitas vezes as pessoas se afastarem dele e fugirem ao som de seu grito de lamento: “Impuro! Impuro!”

Mas esse Jesus de Nazaré, de quem ele ouvira falar, não era como os outros homens. O leproso, muito possivelmente, havia sido informado do incidente na sinagoga de Nazaré, quando o povo tentou matar Jesus por causa de Sua referência à purificação de Naamã pelo poder de Deus.

Foi isso que levou a criatura desesperada a cair com o rosto em terra e implorar que ele também pudesse ser purificado? Será que ele discerniu nesse Pregador e Curador os traços que O marcaram como o Filho de Deus? É de se esperar que sim.

Quem, senão o Filho de Deus, se dignaria a fazer o que Jesus fez? Ele realmente tocou o homem! No entanto, ao entrar em contato com a lepra, Ele não se contaminou. Além disso, Ele teve compaixão do leproso; Ele o amou.

Então, em uma demonstração de Seu poder divino, Jesus proferiu as palavras que tornaram o leproso perfeitamente curado e capaz de passar pela mais rígida inspeção do sacerdote. Ao amar o leproso, tocá-lo e torná-lo limpo, Jesus mostrou claramente ser o Filho de Deus.

Este é Aquele que colocou Seu amor compassivo e infinito sobre o homem caído, que se abaixou até onde estava o pecador e, com Seu toque de cura, o purificou de todo pecado. Essa é a história da Cruz.

Sem dúvida, devemos nos posicionar ao lado do centurião de Marcos 15:39 e dizer com ele: “Verdadeiramente este Homem era o Filho de Deus”.

Ernest B. Sprunt

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