Lucas 18:9-14 e II Coríntios 12:1-11 – Lemos em Lucas 18 que dois homens subiram ao templo a orar, um fariseu e outro publicano. Não é tão fácil como aprece erradicar o fariseu, pois há muito que se pode argumentar a seu favor. Vemo-lo no templo, lugar adequado para um homem religioso como ele costuma ser e o local indicado por Deus para adoração. Vemos que agora já não existe o templo e, embora Deus não tenha designado algum lugar de adoração aqui na terra, é evidente que o homem tem procurado fazer imitações do templo – imitações muito pobres, sem dúvida. Então onde é que está presentemente o lugar de adoração? No céu, ali onde Cristo habita.
O fariseu estava no templo e as suas primeiras palavras foram : “Oh, Deus, graças te dou”. Isto está correto, pois que deve fazer toda criatura senão louvar a Deus? Mas ao acrescentar, “porque não sou como os demais homens” é que se coloca em terreno movediço, de vanglória e confiança em si mesmo. Notemos que ele dá graças a Deus por isso: que não sou como os demais homens. É evidente que além de negativo havia algo de positivo no seu caso, pois ele diz : Jejuo duas vezes por semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. Todavia, o seu erro consistia em que ele se apresentava diante de Deus, que conhece a natureza de todas as coisas, apoiado no que ele era em si mesmo, tratando estabelecer a sus própria justiça. Mas Deus prefere a atitude do publicano. O erro do fariseu consiste em querer apresentar-se a Deus pelos seus próprios méritos. Quando pensamos no que Deus é e no que será o seu juízo, quem não desejará fazer sua a oração de Davi : “Não entres em juízo com o teu servo”? (Sl 143:2).
Infelizmente, existem mais fariseus do que imaginamos. Tens paz com Deus? Se acaso não a tens, será que te encontras sobre o terreno do fariseu, ou que de alguma maneira antepões o teu “eu” a Deus? Podemos ver muitas pessoas que foram consideradas como muito devotas durante toda a sua vida e que ao chegarem à morte ficam cheias de dúvidas e hesitações quanto ao seu destino eterno. Como poderá o cristão abandonar as pessoas na sua confusão e dúvidas, e falta de fé, precisamente quando mais precisam da sua ajuda? O que neste caso perturba as suas mentes e as aflige é que não conseguiram desarraigar por completo o seu “eu”, o velho homem sobre o qual pretendem apoiar-se (Rm 6:6).
O Senhor louvou a súplica do publicano, “oh Deus, tem misericórdia de mim, pecador”. Podemos, sem dúvida, simpatizar com tal expressão, embora esta não seja a linguagem do cristão, pois uma vez que o pecador é salvo por Cristo fica sobre o terreno da perfeição diante de Deus. De facto, Jesus Cristo “com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados” (Hb 10:14). Na verdade, querido amigo, podemos afirmar que foi uma expressão bendita arrancada por Deus a uma alma oprimida pelo sentimento da sua miserável e vil condição.Não se trata aqui da posição cristã, mas antes duma bem-aventurada condição.
Então, se o terreno cristão não se encontra no caso do publicano, onde o encontraremos? Com toda certeza no que expressa II Coríntios 12:2, que é o seguinte: “Um homem em Cristo”. É provável que alguém diga: “Bem, mas há sem dúvida uma grande semelhança entre o publicano e o homem em Cristo”. A nossa resposta categórica é que nem por sombras. Se já clamamos a Deus como o publicano: “Oh Deus, tem misericórdia de mim, pecador” e aceitamos Cristo como nosso Salvador, o resultado é que nossa posição passa a ser de “um homem em Cristo” quem poderá dizer-nos que pereceremos? O bendito senhor Jesus disse a este respeito : “Nunca hão de perecer e ninguém as arrebatará da minha mão… Eu e o Pai somos um” (Jo 10:28-30) Não devemos esperar encontrar na história do publicano uma enunciação do Evangelho. O publicano podia ser matéria para bênção de que estamos a falar, mas Cristo não tinha ainda morrido; o Seu sangue não havia sido derramado.
Não nos deve surpreender que as pessoas prefiram estar debaixo dos antigos esconderijos de Adão, entre árvores do jardim, onde, na realidade podem ouvir a voz de Deus, a estarem perto Dele. Preferem a obscuridade e a distância à proximidade e à luz do sol. A expressão “um homem em Cristo” explica tudo. Se estamos em Cristo, estaremos fora do nosso “eu” . Deus considera-nos como tendo sido mortos e passado pelo juízo, e oh! Queridos amigos, haverá ressurreição de todas as coisas, menos dos nossos pecados e da nossa velha natureza. E mais do que estar nos méritos de Cristo, o importante é que estamos agora “em” Cristo.
Encontramo-nos numa posição de valor imutável. Não existe qualquer temor no Seu mais sublime valor. Ainda que Satanás e a minha própria consciência me acusem, isso não altera em nada o valor de Cristo. Eu creio numa paz – e tenho-a! – que não pode ser alterada. Nada do passado, nada do presente, nada do futuro, nada no mundo, nada no inferno poderá jamais perturbar a minha paz. Cristo é tudo para o crente que está assentado sobre o fundamento da mesma excelência de Cristo. Quem poderia acrescentar algo mais? O cristão, na sua posição celestial, é conforme ao valor de Cristo; por outro lado, aqui em baixo não é mais do que uma pobre e débil criatura – uma cana quebrada.
O olhar de Deus pousa com eterna complacência sobre Cristo e sobre mim que estou em Cristo. A fé não exalta minha pessoa. Quanto a mim, nada valho. Paulo disse a respeito de si próprio, “ainda que nada sou”; e se Paulo pôde dizê-lo, também nós o podemos dizer a nosso respeito. Será que o respirar o ar dos céus vai melhorar a nossa carne? Como Paulo disse, ainda que uma pessoa seja elevada até o terceiro céu, logo que regressa aqui à terra encontra novos espinhos.
Se isto aconteceu com um santo homem de Deus – um veterano como era Paulo – que podemos esperar nós, tão insignificantes como somos? Nada pode melhorar a carne, isto é, o velho homem: ” O que é nascido da carne é carne” (Jo 3:6). Mas como cristãos, somos nascidos do Espírito, pela semente divina e incorruptível: a Palavra de Deus (I Pe 1:23). Em Cristo somos muito mais elevados, muito mais santos do que alguma vez poderíamos ter imaginado.
Extracto: “Conserva o modelo das sãs palavras” (II Tm 1:13). O mantermos firmes a verdade no modelo em que Deus no-la deu, no seu carácter, no seu conteúdo e configuração com que Deus nola expressou, é da maior importância … Só poderemos estar seguros da verdade se retivermos a verdadeira linguagem de Deus nela contida.
John Nelson Darby