Chama-se exclusivismo a doutrina que prega ou que dá a entender que a vontade de Deus está presente exclusivamente em um grupo; que um grupo pode deter, exclusivamente, a bênção e o conhecimento do Plano de Deus. O cristão seduzido por esse ensinamento acredita, no seu íntimo, que é melhor e mais abençoado que seus irmãos, e é detentor das verdades mais elevadas e da revelação mais plena do desejo de Deus para o Seu povo.
Uma pessoa exclusivista é facilmente reconhecida pela sua tendência a ensinar sempre, dar sempre, mas nunca receber, já que os demais cristãos estão em um nível inferior de conhecimento e não podem, por isso, trazer-lhe nova luz. O exclusivista não sabe o que significa comunhão na essência do seu significado, não sabe ouvir, não consegue aprender nada de novo dos demais membros do Corpo de Cristo. Ele se fecha em si mesmo e no seu grupo. Não consegue participar de nenhuma atividade promovida pelos demais grupos. Quando fala dos outros, sempre usa o tom professoral de misericórdia com os fracos na fé.
Normalmente, os exclusivistas são pessoas soberbas, altivas e distantes. São conhecedores da Palavra de Deus, costumam entender hebraico e grego, sabem explanar mensagens com maestria, mas lhes falta poder para conduzir, por exemplo, seus filhos ou sua família ao Senhor. Geralmente não pregam o Evangelho e quando o fazem as pessoas não se convertem. Não costuma assim a dar frutos, uma vez que o conhecimento da letra os tornou totalmente estéreis do ponto de vista espiritual. Entretanto, costuma a ganhar todas as discussões bíblicas em que se envolve.
O exclusivista tem prazer em se relacionar com outros exclusivistas do seu grupo, mas acha tedioso ter comunhão com irmãos “mais fracos” ou novos na fé. Esse tipo de cristão pode ensinar aos outros, mas ele mesmo não consegue aprender nunca o que significa misericórdia e compaixão com o próximo. É terrível a situação daqueles que caem na armadilha do exclusivismo… e não são poucos.
E nós, será que estamos sendo seduzidos pelo exclusivismo? Através da experiência, observação e comunhão dos santos, podemos afirmar que em pelo menos 8 situações estará presente o exclusivismo:
SISTEMATIZAÇÃO – Possuirmos uma forma particular de adoração: hinos, formas de reunir etc., que não aceita as demais simplesmente porque são diferentes ou, do nosso ponto de vista, não são tão espirituais (1 Cor 3:3, 12:25, 2 Cor 3:17, Gl 2:4, 4:26, 31, 5:1; 2 Sm 6:14, 22:20; Is 61:1). A aversão ao ritualismo religioso dos outros, por fim cria o ritualismo próprio, igualmente sectário e geralmente mais frio e impessoal, dada a “superioridade espiritual” do grupo;
SUPERIORIDADE ESPIRITUAL – Acharmos que somos mais espirituais que os demais irmãos (Pv 22:4, Sf 2:3, Cl 3:12, Tg 3:13). Ainda que tal situação fosse verdadeira, o crescimento de vida implica a humildade diante de Deus, como pequeninos em Cristo (Mc 10:14), mas alguns “inculcando-se por sábios tornaram-se loucos…”. (Rm 1:22), ignorando que “… o saber ensoberbece, mas o amor edifica. Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber” (1 Cor 8:1b). Por isso está escrito “destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos instruídos” (1 Cor 1:19). Tal superioridade maligna apenas semeia discórdia entre os irmãos e aniquila a luz, levando tal pessoa ou grupo para as trevas da ignorância, como está escrito: “…graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da Terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelastes aos pequeninos” (Mt 11:25), pois a soberba precede à ruína (Pv 16:18), é abominável (Am 6:8), é enganosa (Ob 3), é procedente do coração e contamina o homem (Mc 7:21-23) e será abatida por Deus (Is 13:11);
SUPERIORIDADE DOUTRINÁRIA – Acharmos que temos “as verdades” e que os “pobres irmãos que não reúnem conosco” não as possuem e por isso estão em um nível inferior tanto na doutrina quanto no crescimento de vida (Fp 2:3). A contradição surge quando se verifica que a maioria das verdades estão nas prateleiras das bibliotecas e não no bom depósito da fé (2 Tm 1:12) e, quando muito, foram apenas lidas ou entendidas, mas nunca experimentadas na prática. A fé subjetiva ainda não passou pelo fogo para ser provada e se tornar a preciosa fé objetiva em nossas vidas, misturando-se com o nosso viver (1 Pe 1:6-9), produzindo assim a salvação de almas e isso ocorre no dia-a-dia e não em reuniões “recheadas de verdades”. O confronto da prática diária com a superioridade doutrinária, na luz de Deus, revela apenas o engano do “falso crescimento” e do pecado de presunção;
SECUNDARIEDADE – Nos apegarmos a pontos secundários da fé, não recebendo os que também se apegam a tais pontos: batismo, falar em línguas e demais dons, negligenciando assim Romanos 14. “Sem Romanos 14, jamais poderemos ter a vida do Corpo. A maioria dos que estão falando sobre a vida do Corpo não a têm; eles apenas têm uma divisão… Se quisermos ter a unidade, temos que nos tornar bastante gerais” (Peculiaridade, Generalidade e Sentido Prático da Vida da Igreja, pg. 27). Teoricamente, o grupo afirma que Cristo é o centro e nada mais importa, mas, na prática, os pontos secundários são igualmente importantes e devem ser preservados. Para constatar esse fato basta apenas tentar excluir ou não praticar qualquer um desses pontos secundários; quando fizer isso, você verá quanto forte é a reação do grupo;
BIPOLARIZAÇÃO – Tivermos sentimento bipolarizado na comunhão e tratamento, criando inconscientemente dois grupos distintos: o primeiro formado por NÓS (os que afirmam viver a unidade) e o segundo, formado pelo demais cristãos (os que não estariam “nessa” unidade). Como não é mais possível utilizar o termo NOSSA IGREJA para o primeiro grupo, este passa, sob o manto de uma falsa espiritualidade, a designar os demais filhos de Deus com pronomes e adjetivos que apenas realçam a doença oculta e sutil do sectarismo (Sl 133). Assim os dos segundo grupo são chamados de ELES, os irmãos de denominação, os irmãos que não reúnem conosco, os que estão na religião, “os nossos amados irmãos” que estão na divisão, etc. Tal sentimento faccioso na maioria das vezes é involuntário devido à ignorância, mas quase sempre não é devidamente combatido, o que permite sua propagação e infiltração no coração dos crentes, mesmo diante das advertências da Santa Palavra (Tt 3:10, Tg 3:14, Rm 16:17, 1 Cor 1:10, 11:8, 12:25). Assim como a igreja não possui sobrenome, os irmãos também. Somos apenas irmãos (Mt 23:8) nem mais, nem menos que isso, sem quaisquer qualificativos, graças a Deus (1 Cor 15:10). Geralmente a unidade restaurada no início, degrada-se para a “nossa unidade”, isto é, a unidade de um determinado grupo, quando deveria ser a unidade de todos os filhos de Deus (Jo 17:21). Começam então a haver contradições e conflitos difíceis de serem solucionados, tendo em vista o fortalecimento do sentimento de igreja enquanto assembleia (um grupo de cristãos) e arrefecimento do sentimento de igreja enquanto Corpo de Cristo no aspecto local e universal;
FIDELIDADE MINISTERIAL – Seguirmos um Ministério específico, reportando-nos a tal ministério humano, seguindo cegamente suas orientações (1 Cor 7:23). Tal atitude criaria o que o irmão Watchman Nee chama de igrejas ministeriais, que são sectárias. O mais perigoso ainda é quando tal ministério exige obediência e fidelidade. Contra essa atitude, Pedro adverte “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por CONSTRANGIMENTO, mas ESPONTANEAMENTE, como Deus quer… Nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do Rebanho” (1 Pe 5:2-3). Alguns têm utilizado versículos que falam sobre “preservar a unidade e unanimidade” como sendo fidelidade a determinado ministério. Tais ministros se esquecem que a unidade e unanimidade de que trata a Bíblia não é produto da intervenção humana, mas a constatação de uma realidade espiritual profunda: a vida que nos une! Não há nada que possa unir e manter unidas pessoas com histórias de vida tão diferentes, de diferentes culturas, classes sociais e pontos de vista, a não ser a vida divina, por isso, na oração sacerdotal, o Senhor pediu ao Pai: “a fim de que todos sejam um; e como és Tu, ó Pai, em Mim e eu em Ti, também sejam eles em nós”. Essa é a verdadeira unidade;
MEDO – Através da utilização descontextualizada de versículos relativos a “negar a vida da alma” (Mt 16:24), “sair da mente” (Rm 8:6), “não tocar o ungido de Deus” (1 Sm 24:10) e “respeitar as autoridades” (Rm 13:1, 2) os irmãos são direcionados a não pensar, no sentido de deixarem de raciocinar, a fim de que não vejam a situação em que se encontram. Frequentemente os irmãos que começam a questionar a situação são taxados de mentais, almáticos e divisivos e são invariavelmente induzidos a pensar que o problema são eles próprios. Mas o homem espiritual julga (analisa e decide) todas as coisas (1 Cor 2:15) e não procura agradar a homens, mas a Deus (Cl 1:10; Gl 1:10; Cl 3:22; 1 Ts 2:4);
PROIBIÇÃO A QUALQUER QUESTINAMENTO – Tal proibição é uma decorrência do MEDO, visto acima. O que mantém um grupo no exclusivismo e ainda prolonga sua pífia existência é uma desesperada necessidade de proibir que os irmãos questionem a situação em que se encontram. Ninguém pode pensar, refletir, buscar explicações, ler outros livros, conversar com determinados irmãos nem, muito menos, dizer aos outros que têm dúvidas quanto ao grupo. A doutrina da infalibilidade de determinado ministro já foi utilizada na história do cristianismo em várias oportunidades. Para essa doutrina, as lideranças não devem ser questionadas porque são a voz de Deus na terra e, portanto, simplesmente são infalíveis. Contudo, em um ambiente saudável, todos são livres para expressar seus sentimentos e assim, diante da luz do Senhor, resolver suas diferenças e promover o crescimento do Corpo.Somente um choque muito forte e muita misericórdia de Deus pode liberta alguém enredado pelo exclusivismo.
Lírio dos Vales – “Ele apascenta o Seu rebanho entre os lírios.” (Ct 2:16)