O exclusivismo cristão, que tem sido a visão das igrejas reformadas e biblicamente ortodoxas ao longo dos séculos, é o ensinamento de que (1) Jesus Cristo é o único Salvador, e que (2) é essencial crer n’Ele para ser salvo. Essa ótica está admiravelmente apresentada no Catecismo Menor de Westminster (Q. 21), na Confissão de Fé de Westminster (10:4; 14:2) e no Catecismo Maior de Westminster (Q. 60).
Como segue:
O único Redentor dos eleitos de Deus é o Senhor Jesus Cristo.
Outros, não eleitos, embora possam ser chamados pelo ministério da Palavra, e possam receber algumas operações comuns do Espírito, ainda assim nunca virão verdadeiramente a Cristo, e, pois, não podem ser salvos. Muito menos poderão os homens, sem professar a religião cristã, ser salvos de qualquer outra forma, por mais diligentes que sejam em enquadrar suas vidas à luz da natureza [revelação geral] e à lei da religião que seguirem. E afirmar e sustentar que eles possam, é muito pernicioso, e deve ser rejeitado. Mas os principais atos da fé salvadora são: aceitar, receber e descansar apenas em Cristo para a justificação, santificação e vida eterna, em virtude da aliança da graça.
Aqueles que, por nunca terem ouvido o Evangelho, não conhecem a Jesus Cristo e não creem nele, não podem ser salvos… Tampouco sua salvação está em qualquer outro, mas só em Cristo, que é o único Salvador de seu corpo, a Igreja.
Há um grande número de passagens bíblicas que ensinam o exclusivismo cristão. Quatro das mais explícitas a respeito são: Jo 3.16-18,36; 14.6; At 4.12; 1 Tm 2.5.
João 3.16-18,36: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus… Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”.
Esses versículos dificilmente poderiam ser mais claros. Os que creem em Cristo têm a vida eterna, e os que não creem nele estão condenados. A fé em Jesus Cristo é um “sine qua non” da salvação. Não se pode ser salvo sem essa fé.
João 14.6: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”. Aqui, nas palavras do próprio Cristo, aprendemos que ele é o único caminho para o Pai. “Ninguém vem ao Pai se não for por” Jesus Cristo. Mais uma vez, as palavras não poderiam ser mais claras. Aqueles que não conhecem a Jesus não podem ser salvos. William Hendriksen escreve o seguinte a respeito desse versículo: “Tanto o absoluto [exclusivismo] da religião cristã como a urgente necessidade das missões cristãs estão claramente indicados” (1).
Atos 4.12: “E em nenhum outro [que Jesus Cristo] há salvação; porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos [grego dei. ser salvos”. As palavras de Pedro, registradas por Lucas, são tão diretas e exclusivistas quanto as que lemos no Evangelho de João. Cristo é o único Salvador.
Segundo Simon Kistemaker:
A palavra devamos – dei. revela uma necessidade divina que Deus instituiu, de acordo com o seu plano e decreto, para salvar-nos [os eleitos] mediante a Pessoa e obra de Jesus Cristo. Além disso, esse dei significa que o homem está sob a obrigação moral de responder à chamada para crer em Jesus Cristo e, assim, obter a salvação. Ele não tem outro meio de salvação senão o Filho de Deus (2).
1 Timóteo 2.5: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem”. Aqui, nas palavras do apóstolo Paulo, assim como existe apenas um Deus vivo e verdadeiro, existe também apenas ” um Mediador entre Deus e os homens,” e esse Mediador é o homem Cristo Jesus. Em outras palavras, não há outra maneira pela qual os homens podem ser salvos, exceto mediante Jesus Cristo.
Charnock escreveu:
Cristo é declarado o único Mediador no mesmo sentido em que Deus é declarado o único Deus. Assim como só existe um Criador do homem, só existe um Mediador para os homens. Como Deus é o Deus de todos os que morreram antes que Cristo viesse, bem como de todos quantos morreram depois, assim também Cristo é o mediador de todos os que morreram antes de Sua vinda e também de todos que viram o Seu dia. Eles tinham ou Cristo como seu Mediador, ou algum outro; mas algum outro eles não poderiam ter, porquanto só existe um. Eles poderiam também ter tido outro criador além de Deus, tanto quanto poderiam ter outro mediador além do Mediador Cristo Jesus… Há somente um Deus desde a eternidade; somente um Mediador, cuja mediação tem a mesma data que a fundação do mundo, e corre paralela a esta (3).
Muito embora a verdadeira Igreja de Cristo tenha sempre sustentado a visão do exclusivismo cristão, sempre tem havido os que se opõem a ela. Infelizmente, os adversários do exclusivismo cristão, até dentro das igrejas, estão aumentando hoje.
- [1] William Hendriksen, New Testament Commentary: Exposition of the Gospel According to John. (Baker [1953] 1954), II:269.
- [2] Simon J. Kistemaker, New Testament Commentary: Exposition of the Acts of the Apostles (Baker, 1990), 156.
- [3] Citado pelo editor in John Calvin, Commentaries , Volumes I-XXII (Baker, 1981), Commentary on 1 Timothy 2:5n.
Ronald Nash escreve que:
Antigamente os cristãos se identificavam pela crença absoluta em Jesus Cristo como o único e suficiente Salvador do mundo. Mas a unidade dos cristãos [professos] desapareceu. Hoje muitos que se dizem cristãos escolhem entre três respostas fundamentalmente diferentes à pergunta, “Jesus é o único Salvador?” As respostas podem ser declaradas sucintamente assim: “Não!”; “Sim, mas…”.; “Sim, ponto!” (4)A resposta negativa (“Não!”) é dada pelos chamados pluralistas. Pluralistas, como John Hick (5), negam tanto (1) Jesus Cristo como o único Salvador, como (2) que é essencial crer nele para se ser salvo. A salvação, dizem, pode vir por qualquer uma das várias religiões mundiais, e por qualquer um dos vários salvadores. Hick explica: “Não existe meramente um caminho, mas uma pluralidade de caminhos de salvação… os quais ocorrem de formas diferentes, nos contextos de todas as grandes tradições religiosas”. (6)
Basta dizer que a posição adotada pelos pluralistas religiosos está tão obviamente em desacordo com os ensinamentos da Escritura, que não pode, racionalmente, ser considerada uma visão “cristã” de modo algum. Ou seja, se João 3.16-18,36; 14.6; Atos 4.12 e 1 Timóteo 2.5 são de fato os ensinos da Escritura (o que são mesmo), então não existe possibilidade de haver outro Salvador além de Jesus Cristo. E se o cristianismo for a única religião verdadeira (o que é mesmo), então todas as outras religiões são falsas. Simples assim. O “pluralismo cristão” é uma contradição de termos. O pluralismo soteriológico é anticristão. Jesus afirma isso da seguinte maneira: “Aquele que não está comigo é contra mim, e o que comigo não ajunta, espalha” (Lc 11.23).
Existe, no entanto, um número crescente de pensadores declaradamente cristãos, como Gavin D’Costa (7), Clark Pinnock (8) e John Sanders (9), que respondem à pergunta “Jesus é o único Salvador?” com uma afirmativa condicionada: “Sim, mas…”. Esse grupo adere ao conhecido “inclusivismo cristão”. Os inclusivistas respondem que “Sim”, Jesus é de fato o único Salvador, “mas” eles dizem que as pessoas não necessitam saber de Cristo ou crer nele para receber os benefícios de sua obra redentora. Ou seja, como Nash corretamente expõe os inclusivistas “distinguem entre a necessidade ontológica da obra de Cristo como redentor e a afirmação separada de que sua obra redentora seja epistemologicamente necessária (10)”.
- [4] Ronald H. Nash, Is Jesus the Only Savior? (Zondervan, 1994), (9). Apesar de o presente escritor não (4) concordar com tudo ensinado pelo Dr. Nash em seu livro, ele o achou extremamente útil no trato deste tema. Várias percepções do Dr. Nash foram incorporadas a este artigo.
- [5] Cf. John Hick, God Has Many Names (Westminster, 1982), and Problems of Religious Pluralism (5) (St. Martin’s Press, 1985).
- [6] Hick, Problems of Religious Pluralism, 34.
- [7] Gavin D’Costa, Theology and Religious Pluralism (Basil Blackwell, 1986).
- [8] Clark Pinnock, A Wideness in God’s Mercy (Zondervan, 1992).
- [9] John Sanders, No Other Name (Eerdmans, 1992).
- [10] Nash, Is Jesus the Only Savior? 23.
O inclusivista John Sanders explica:
Os não-evangelizados são salvos ou perdidos com base em seu comprometimento, ou falta dele, ao Deus que salva mediante a obra de Cristo. [Os inclusivistas] acreditam que a apropriação da graça salvadora é mediada pela revelação geral e pelas obras providenciais de Deus na história humana. Resumidamente, os inclusivistas afirmam a particularidade e finalidade da salvação apenas em Cristo, mas negam que o conhecimento de Sua obra seja necessário à salvação. (11)
O inclusivismo está se tornando a visão predominante no Catolicismo Romano. Como indica Nash, esse movimento é uma herança do Concílio Vaticano II (1962-1965), no qual se concluiu que: “Também podem conseguir a salvação eterna aqueles que, não tendo nenhuma imputabilidade, desconhecem o Evangelho de Cristo ou sua Igreja, embora sinceramente procurem a Deus e, movidos pela graça, esforcem-se sozinhos por fazer a Sua vontade, conforme lhes seja conhecida pelos ditames da consciência”. (12)Obviamente, então, a auto revelação de Deus pela revelação geral é crucial na teoria inclusivista. Pois esse é o meio (alegado) pelo qual Deus leva alguns à salvação sem fé em Cristo. Portanto, dizem os inclusivistas, também existe uma distinção necessária entre “crentes” e “cristãos”. Os primeiros estão salvos porque puseram sua fé em Deus; os últimos, por outro lado, estão salvos porque puseram sua fé em Cristo. (13)
Existem algumas dificuldades nisso. Primeiro, a Bíblia não faz distinção entre os crentes e os cristãos. Isto é, os crentes são chamados de crentes porque creem em Cristo (Jo 3.16-18,36). Além disso, aprendemos na Escritura que “quem nega o Filho também não tem o Pai; [mas] quem confessa o Filho tem também o Pai” (1 Jo 2.23; Jo 5.23). Saulo de Tarso é um exemplo de um “crente em Deus” que era tão diligente em seu judaísmo que negava o cristianismo a ponto de perseguir a Igreja de Cristo (At 9.1-3; 22.1-5; 26.1-11). Porém, até ser confrontado por Jesus Cristo e convertido no caminho de Damasco (At 9.3-19; 22.6-16; 26.12-18), ele se considerava o principal dos pecadores perdidos (1Tm 1.12-16; cf. Fp 3.3-16).
Em segundo lugar, a Escritura ensina que, embora a revelação geral mostre Deus como criador, deixando então os homens indesculpáveis (Rm 1.18-21; 2.14-15), não o mostra como Salvador. A Escritura é imprescindível para o conhecimento da redenção (Rm 1.16-17; 10.17), conforme sumarizado na Confissão de fé de Westminster:
Apesar de a luz da natureza e as obras da criação e providência até agora manifestarem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, a fim de deixar os homens indesculpáveis, são, todavia insuficientes para dar o conhecimento de Deus e de sua vontade que seja necessário para a salvação. Portanto aprouve ao Senhor, em diversas épocas e de muitas maneiras, revelar-se e declarar sua vontade para a sua Igreja; e depois, para a melhor preservação e propagação da verdade, para a mais segura instituição e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e a malícia de Satanás e do mundo, outorgou sua verdade completamente por escrito; o que faz a Sagrada Escritura indispensável.
- [11] Sanders, No Other Name, 215.
- [12] Nash, Is Jesus the Only Savior? 108-109.
- [13] Sanders, No Other Name, 224-225.
Sendo assim, a teoria dos inclusivistas fracassa completamente. A Bíblia nega o inclusivismo e claramente ensina o exclusivismo cristão: “Quem nele [em Cristo] crê não está condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do unigênito Filho de Deus… Quem crê no Filho tem a vida eterna; quem não crê no Filho jamais verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele” (Jo 3.18, 36). Falando simplesmente, o inclusivismo, como o pluralismo, não é uma visão cristã de forma alguma. Por negar os ensinos claros da Escritura, ele é anticristão.
Este ensaio apareceu primeiro como um livreto, Christ the Mediator [Cristo, o Mediador], publicado por The Blue Banner em 2000. Para comprar os livros do Dr. Crampton, visite o site:
The Trinity Foundation – The Bible Alone is The Word of God.
Seu livro mais recente é “By Scripture Alone” [Somente pela Escritura], e a segunda edição de “What Calvin Says” [O que diz Calvino].
Apêndice do editor (John W. Robbins)
Não somente temos ouvido, no século passado, uma porção de lixo sobre todas as grandes religiões serem essencialmente semelhantes e “se encontrarem no final”, e agora, como ressalta o Dr. Crampton, temos sido informados que Jesus pode ser “ontologicamente necessário”, mas não “epistemologicamente necessário” para a salvação; também, alguns que se declaram reformados nos dizem atualmente que a informação – proposições, verdade, conhecimento – não é necessária para a salvação. Além disso, esses pseudo-reformados difamam como “gnósticos” os cristãos que insistem na necessidade do conhecimento. Essas acusações ridículas revelam não somente uma abjeta ignorância do gnosticismo, mas também a rejeição do cristianismo. O leitor está convocado a folhear seu Novo Testamento Grego e observar como o Espírito Santo emprega a palavra gnosis.
Seguem alguns exemplos:
- Lucas 1.76-77: “Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor, preparando-lhe os caminhos, para dar ao seu povo conhecimento – gnosis. da salvação…”..
- Lucas 11.52: “Ai de vós, intérpretes da Lei! Porque tomastes a chave da ciência – gnosis…”..
- Romanos 11.33: ” profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento – gnosis. de Deus!”.
- 1 Coríntios 1.4-5: “Sempre dou graças a meu Deus a vosso respeito, a propósito da sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus; porque, em tudo, fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento – gnosis…”..
- 2 Coríntios 4.6: “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento – gnosis. da glória de Deus, na face de Cristo”.
- 1 Timóteo 6.20: “E tu, ó Timóteo, guarda o que te foi confiado, evitando os falatórios inúteis e profanos e as contradições do saber – gnosis., como falsamente lhe chamam…”..
Somem-se a essas os sinônimos e palavras semelhantes empregados centenas de vezes na Escritura pelo Espírito Santo – termos como sabedoria, entendimento e verdade – e se pode começar a compreender o que diz a Escritura. Considere a exortação de Paulo a Timóteo: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2 Tm 3.14-15).
Há, finalmente, as palavras de Pedro em sua segunda epístola: “Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor. Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo” (2 Pe 1.2-4). Aqui Pedro nos diz que o divino poder de Jesus Cristo nos deu todas as coisas que respeitam à vida e à piedade, e essas coisas vêm exclusivamente pelo conhecimento.
A Bíblia chama os que desprezam o conhecimento, a sabedoria e o entendimento de “tolos”, não de piedosos, espirituais ou reverentes. Existe de fato apenas um Salvador, e há somente um caminho de receber suas bênçãos: o conhecimento que ele nos revelou na Escritura. Cristo não é apenas “ontologicamente necessário”, ele também é “epistemologicamente necessário”. A noção de que o entendimento intelectual é desnecessário para a salvação é anticristã.
W. Gary Crampton