O Cristão Como Filho

Você já pensou muito sobre retratos? Não, não sobre retratos como a célebre Mona Lisa de Leonardo di Vinci, que atualmente está pendurada no Louvre em Paris, França, mas sobre os retratos de Deus em Sua preciosa Palavra.

Em 2 Timóteo 2, há sete retratos do cristão e, em relação ao Senhor Jesus Cristo, eles podem ser vistos da seguinte forma:

  • COMO FILHO – CRISTO É O SALVADOR E SENHOR (2:1-2).
  • COMO SOLDADO – CRISTO É O CAPITÃO (2:3-4).
  • COMO ATLETA – CRISTO É O TREINADOR (2:5).
  • COMO AGRICULTOR – CRISTO É O LAVRADOR (2:6).
  • COMO ESTUDANTE – CRISTO É O PROFESSOR (2:15).
  • COMO UM VASO – CRISTO É O PROPRIETÁRIO (2:20-21).
  • COMO SERVO – CRISTO É O MESTRE (2:24-26).

O primeiro desses sete retratos pode ser prontamente deduzido do versículo um, em que o amado apóstolo Paulo se refere ao jovem Timóteo como “meu filho”. Anteriormente, nessa mesma carta, a última que ele escreveu, Paulo se refere ao seu jovem colega como “meu próprio filho na fé” (em cada caso, “filho” significa literalmente criança). Por que Paulo chamou Timóteo de seu filho?

A resposta, pelo menos em parte, é revelada em Atos 14:6. Paulo e Barnabé, na primeira viagem missionária, pregaram o evangelho de Cristo em Listra. Essa era a cidade natal de Timóteo e é bem provável que, naquela época, o jovem Timóteo tenha sido levado a conhecer o Senhor Jesus Cristo como seu Salvador pessoal por ninguém menos que o próprio apóstolo. De qualquer forma, quando chegamos a Atos 16:1-3, Timóteo já havia se tornado um jovem cristão esplêndido. Paulo havia feito a colheita com relação à salvação de Timóteo, mas, do ponto de vista humano, não foi pouco o crédito pela salvação e crescimento de Timóteo devido à semeadura fiel e à oração fervorosa de sua avó e mãe piedosas, Lóide e Eunice (2Tm 1:5; 3:14-15). No entanto, foi o poder de Deus que transformou a vida de Timóteo. Esse mesmo poder transformou sua vida?

Em nosso estudo sobre o tema da filiação, queremos considerar três aspectos principais, usando essa breve passagem de 2 Timóteo 2 como um trampolim para outras Escrituras que abrangem esse tema importante e glorioso. O primeiro aspecto que queremos considerar é:

A Recepção da Filiação

Como um bebê pequeno se torna um príncipe? Só há uma maneira: ele deve nascer na família de um rei. Somente o filho de um rei é um príncipe. Da mesma forma, há apenas uma maneira pela qual o pecador pode se tornar um filho de Deus. Ele deve nascer na família de Deus por meio do Novo Nascimento, ou seja, ele deve “nascer de novo”, conforme o Senhor Jesus instruiu Nicodemos (Jo 3:3, 7).

Duas coisas devem ser esclarecidas.

  1. Nossa posição como filhos. Em João 1:12, é-nos dito que, quando recebemos o Senhor Jesus Cristo, recebemos a posição de filhos de Deus. Esse direito de sermos chamados de filhos de Deus é resultado do fato de termos nascido na família de Deus, e João 1:13 declara claramente que esse novo nascimento não é de descendência humana, nem de determinação humana, nem de desígnio humano, mas de DEUS! Embora nem sempre possamos agir como Seus filhos, Deus declara claramente aqui que todos os verdadeiros crentes são Seus filhos. Essa é a nossa posição atual e eterna em Cristo.
  2. Nossa condição de filhos. Pode surgir a pergunta: “Como uma passagem como 2 Coríntios 6:17-18 pode ser conciliada com João 1:12?” A resposta é simplesmente esta. A primeira passagem está falando sobre nossa prática, enquanto a segunda se refere à nossa posição. Se fizermos o que diz a passagem de 2 Coríntios, nós, que cremos em Cristo, nos comportaremos como filhos e filhas de Deus e Ele poderá agir como Pai para nós em toda a plenitude desse relacionamento abençoado.

Isso nos leva a considerar o segundo aspecto principal de nosso assunto, que é:

Os Direitos da Filiação

O filho de um rei tem certos direitos, ou privilégios, que alguém que não tem essa posição não possui. O mesmo acontece com os filhos de Deus. Eles têm direitos que pertencem exclusivamente àqueles que são membros de Sua família, tendo nascido de novo pelo poder de Deus por meio da fé no Senhor Jesus Cristo.

Uma das passagens clássicas sobre o assunto da filiação é Romanos 8:14-17, na qual são revelados pelo menos sete privilégios de todo crente. Eles são os seguintes:

  • Libertação da escravidão (8:15; Ex 20:18-19; Hb 2:14-18)
  • O Espírito de adoção (8:15)

Nossa “adoção” tem a ver principalmente com nossa posição, enquanto a designação “filhos” tem a ver principalmente com nosso relacionamento.

  • O verdadeiro relacionamento com o Pai (8:15).
  • O testemunho do Espírito Santo (8:16; 1Jo 5:8-10).
  • Herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (8:17).
  • Sofrendo com Cristo (8:17; Fp 3:10; 1Pe 2:21; 4:13).
  • Glorificados com Cristo (8:17; Rm 8:30; 1Jo 3:1-3).

É importante e instrutivo observar que a palavra grega para “filhos” (“huioi”) em Romanos 8:14 é diferente da palavra traduzida como “crianças” (“tekna”) em 8:16-17. W. E. Vine explicou brevemente a diferença entre as duas palavras da seguinte forma: “Huios expressa a dignidade da posição em que a criança é trazida, e o caráter que é consistente com ela. Em sua posição, um crente é um filho de Deus; em seu estado, ele deve ser um filho de Deus, e somente quando ele dá evidência de que é um filho de Deus é que ele pode realmente afirmar ser um filho de Deus” (“The Epistle to the Romans”, p. 119).

Finalmente, chegamos ao terceiro aspecto principal de nosso assunto, a saber:

A Responsabilidade da Filiação

Há muitas responsabilidades de filiação, como confiança, submissão, obediência e crescimento na graça, mas a que queremos enfatizar está revelada aqui em 2 Timóteo 2:2. É a importante questão de não apenas dizer aos outros como se tornar filhos de Deus, mas de transmitir essas gloriosas verdades a outros cristãos que, por sua vez, “… poderão ensinar também a outros”. Nos últimos anos, ouvimos e lemos muito sobre a “reação em cadeia” atômica, mas aqui está uma “reação em cadeia” muito maior e mais importante que vem ocorrendo há quase dois milênios entre os filhos e as filhas de Deus. Ela é ilustrada aqui mesmo em 2 Timóteo, nas pessoas de Lóide, Eunice e Timóteo, respectivamente (1:5; 3:15).

Guy H. King, em sua excelente exposição de 2 Timóteo, intitulada “To My Son” (“Para o Meu Filho”, que recomendo vivamente que todos os jovens leiam, inclusive aqueles com oitenta anos ou mais), relata uma “reação em cadeia” muito interessante e incomum. Ele afirma que “Richard Sibbes, um velho puritano, escreveu um pequeno livro chamado “The Bruised Reed”. Um dia, ele caiu nas mãos de um vendedor ambulante de latas, que o deu a um garoto chamado Richard Baxter, que, ao lê-lo, tornou-se, com o tempo, o santo Richard Baxter de Kidderminster. Com o passar do tempo, Baxter escreveu “A Call to the Unconverted” (Um chamado para os não convertidos) e, ao fazê-lo, acendeu a chama no coração de Philip Dodderidge, que, por sua vez, escreveu um livro chamado “The Rise and Progress of Religion in the Soul” (O surgimento e o progresso da religião na alma). Esse livro caiu nas mãos de William Wilberforce, mudou sua vida e levou o grande emancipador dos escravos a escrever “A Practical View of Christianity” (Uma visão prática do cristianismo). Ao ler esse livro, o coração de Leigh Richmond floresceu estranhamente e, como resultado, ele escreveu The Dairyman’s Daughter (A Filha do Leiteiro), que, além de ser a influência religiosa mais poderosa na vida da Rainha Vitória, teve muito a ver com a transformação de Thomas Chalmers, que, por sua vez, tocou o mundo inteiro. Corrente preciosa! Assim, todo cristão ocupa uma posição estratégica; na expressão moderna, ele é uma ‘célula’, um novo centro de influência” (p. 39).

Deus quer e precisa de filhos e filhas fortes. Mas como podemos ser fortes? Paulo disse a Timóteo: “Fortaleça-se na graça que há em Cristo Jesus” (2Tm 2:1). O verbo traduzido como “sê forte” significa literalmente ser fortalecido. Em outras palavras, ele diz ao jovem Timóteo: mantenha contato com a única e verdadeira fonte de força e poder, o próprio Cristo.

Nunca poderemos ser fortes em nós mesmos. Em vez disso, é o fato de percebermos nossa total fraqueza e, em total dependência de Deus, recorrermos ao infinito suprimento de graça que há em Cristo Jesus que nos tornará filhos e filhas fortes Nele e para Ele. Isso é algo que devemos fazer diariamente por meio da oração, do estudo da Bíblia, da meditação silenciosa e do testemunho ousado – embora não sem tato.

Lembremo-nos de que, como Paulo disse em outro lugar, “quando estou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12:10).

Ross Rainey – “Alimento Para o Rebanho”