“O Supremo Propósito do Pai na Cruz“
Primeiramente aprendemos a apropriar-nos da obra da Cruz; depois, à medida que a cruz vai sendo gravada no nosso coração, aprendemos o caminho da cruz. Na apropriação, a ênfase é colocada naquilo que o homem recebe. O princípio da cruz gravada no coração do homem, por sua vez, enfatiza aquilo que o Pai recebe através de Seus filhos. Na experiência, esses dois aspectos da obra da cruz não precisam necessariamente ocorrer separados, mas cada um deles deve ter sua obra específica na vida do crente que almeja andar no supremo caminho de viver para Deus. Pode-se dizer que o cristão começou a andar no caminho da cruz quando a cruz, para ele, não é mais algo externo apenas, mas tornou-se operante em seu interior. Ao invés d e enfatizar aquilo que o homem recebe, a ênfase agora está na concretização do SUPREMO PROPÓSITO DO PAI na Cruz. Quando recebemos revelação acerca do caminho da cruz, percebemos imediatamente o quanto esse aspecto da verdade tem sido negligenciado.
O escritor de Hebreus devia ter isso em mente quando disse: Por isso pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que é perfeito… (Hb 6.1). Ao que parece, o apóstolo Paulo quer enfatizar que este caminho da cruz é, claramente, a razão evidente por que o seu próprio ministério é frutífero e eficaz: Porque nós, que vivemos, somos sempre entregues à morte POR CAUSA DE JESUS, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal. De modo que em nós opera a morte; mas em vós a vida (2 Cor 4.11-12). Essa afirmação de Paulo pode parecer bastante estranha para aqueles que estão sempre procurando obter e ainda não compreenderam a importância daquilo que Deus poderia receber através de suas vidas. Obviamente eles não podem nem apreciar, nem entender o propósito de vida de Paulo.
De alguma forma eles não captaram a importância de uma pequena frase que Paulo continuamente enfatiza. Essa frase é usada em um contexto semelhante em sua carta aos Romanos: POR AMOR DE TI… fomos considerados como ovelhas para o matadouro (Rm 8.36). Diariamente somos entregues à morte POR CAUSA DE JESUS (2 Cor 4.11). Antigamente víamos todas as coisas para o nosso bem. Todavia, agora, à medida que andamos neste caminho, passamos a interpretar essa operação de morte como algo que sofremos POR CAUSA DE JESUS. Que grande privilégio nós temos! Deus escolheu-nos e nos destinou para que fôssemos vasos transparentes com o objetivo de mostrar o tesouro celestial – vasos através dos quais Ele pudesse continuamente revelar para os outros o morrer do Senhor Jesus. O que parece ser o nosso morrer é realmente o morrer do Senhor Jesus em nós. Essa operação de morte torna-se o meio de vida para todo aquele que recebe essa revelação.
A Razão de Uma Vida Infrutífera
Muitos dos filhos de Deus aproximam-se do caminho da Cruz hesitantes e confusos. Sem entender o que estava na mente de Deus antes da Queda, nem a filosofia de vida celestial, essas pessoas ficam horrorizadas ao pensar em uma constante operação da morte”.Eu não estou pronto para andar nesse caminho, eu desejo vida abundante e alegria – não morte”. Uma carta escrita por um estudante de uma escola cristã revela o espírito do cristianismo moderno:”Desde que estou longe de casa e da minha comunidade as coisas estão ficando mais claras para mim. Tenho visto muitas pessoas aparentemente dispostas a servir ao Senhor desde que isso não exija delas sacrifício algum. Isso, a princípio, deixou-me bastante chocado. Talvez eu estivesse sendo muito limitado ao escolher abrir mão de meus direitos e, voluntariamente, permitir a operação de morte como havia sido ensinado. Eu via como as pessoas gastavam o dinheiro de Deus em coisas extravagantes. Me senti tentado a viver daquela forma. Mas então o Senhor permitiu-me ver como essas vidas eram infrutíferas. Aqueles que viviam como se fossem reis muito pouco sabiam acerca do caminho da cruz”.
A Vida Divina Não Pode Ser Usada
Andar no supremo caminho da realização e experimentar o viver através da vida de Outro não é o caminho mais fácil, mesmo que você esteja cercado por cristãos. Muitos ficam chocados ao descobrir que estão em um outro caminho, porque há somente um modo pelo qual a vida de Cristo pode ser vivida: para Deus e sendo derramada para os outros. No momento em que pensarmos que podemos acomodar-nos e usá-lo (Sua vida) para o nosso próprio bem estar, Ele (Sua vida) não estará à nossa disposição para este fim. A vida divina não atua dessa forma.
Se continuarmos a interpretar o Calvário para o nosso próprio benefício, significa que ainda não fomos libertos do mundo. Mesmo que compartilhemos acerca dos benefícios com os perdidos, nós estamos fazendo isso da nossa própria maneira, preservando nosso direito de reinar. Multidões de crentes estão cativos a este sistema mundano de segurança e recompensa. Deus espera acabar com essa escravidão quando eles chegarem ao fim de seus próprios caminhos. Todavia Ele nunca irá impor Seu caminho para quem quer que seja. É nosso privilégio e alegria poder escolher andar no caminho onde a vida é para Ele.
O Passado e o Presente
Do ponto de vista de Deus, a obra da cruz foi concluída de ama vez por todas. Nós sempre devemos fazer essa distinção. Quando reconhecemos a morte de Cristo para nós e nossa morte com Ele, usamos o tempo passado, dizendo com Paulo: Eu fui crucificado… Nosso velho homem foi crucificado… Reconhecei a vós mesmos… mortos… Nesses e em muitos outros exemplos, Paulo descreve nossa união juntamente com Ele. Nós somos libertados da culpa do pecado e do seu poder reconhecendo nossa identificação com a obra consumada de Cristo na Cruz. Isso é algo consumado, devemos considerar como algo que ocorreu no passado. Algumas pessoas confundem isso com uma outra afirmação de Paulo e acham que somos chamados a morrer diariamente para o pecado. NÃO! Paulo insiste em que nós estamos mortos para o pecado. Desde o momento em que tomamos conhecimento da obra redentora de Cristo e dela nos apropriamos considerando a nossa, estamos mortos para o pecado. Em qualquer disputa com Satanás, em qualquer tentativa de manifestação da carne nós lembramos da primeira vez que reconhecemos nossa inclusão nessa obra. É sempre passado! Concluída!
Quando Paulo disse: eu morro diariamente, ele não estava afirmando que nós somos chamados para morrer diariamente para o pecado. É justamente neste ponto que muitos confundem a obra da cruz com o caminho da Cruz. O primeiro é uma realidade passada a qual nós reconhecemos. O segundo é uma realidade presente da qual compartilhamos continuamente com Cristo.
Jesus, o último Adão, entrou no mundo sem pecado, ele necessitava somente seguir o caminho da cruz. Ele disse: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me (Lc 9.23). Esse versículo é, com frequência, utilizado erroneamente para ensinar que através de alguma medida de autodisciplina o homem pode levar à morte o velho eu negando-se diariamente. Isso anula completamente a graça de Deus! Nós devemos manter os dois aspectos da verdade em seus devidos lugares. Dois homens diferentes estão envolvidos. O Senhor Jesus identificou-se com a raça humana, incluiu-nos nele mesmo e levou-nos à sepultura. Agora Deus considera que nós não somente estamos mortos, mas também sepultados. Esse foi o fim da raça de Adão. Jesus foi o último Adão. Agora nós fomos ressuscitados de entre os mortos e estamos vivos no Senhor Jesus, que é também o segundo Homem. Nós com Ele somos uma nova criação – um homem completamente novo.
O velho homem em Adão experimenta a obra da cruz. O novo homem em Cristo é chamado a andar no caminho da cruz. Nós consideramos que estamos mortos para o velho Adão, baseando-nos na obra consumada de Cristo, sempre no passado. Nós agora compartilhamos diariamente no novo Homem daquele caminho de vida divino, o qual opera morte em nós, mas vida nos outros. Essa mesma verdade pode ser explicada por outra ilustração: nós nos entregamos a Deus para que, como um grão de trigo, possamos ser plantados na morte a fim de produzir muito fruto. Paulo refere-se a este novo homem quando diz: Levando sempre no corpo o morrer de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal. Deus somente deposita o tesouro celestial no novo homem. Supor que Ele colocaria esse tesouro em qualquer outro recipiente é interpretar as Escrituras erroneamente.
Consideremos mais cuidadosamente quatro porções das Escrituras, frequentemente interpretadas como se estivessem relacionadas com o velho homem, mas que, na verdade, aplicam-se ao novo homem. É o novo homem que, por causa do ministério, fica exposto a perigos a toda hora. Por essa razão, Paulo diz: Eu morro diariamente. O contexto é bastante claro. Não há referência quanto ao morrer para o pecado. O apóstolo fala de seu desejo diário de arriscar sua vida pelo Evangelho. A passagem diz: …se os mortos não ressuscitam… por que também nós nos expomos a perigos a toda hora? … Dia após dia morro! … Se como homem lutei em Éfeso com feras, que me aproveita isso? Se os mortos não ressuscitam… (1 Cor 15.30-32). T. A. Hegre escreve: “Seria necessário o maior exercício da imaginação e a maior liberdade na exegese para aplicar esta frase, Eu morro dia a dia à morte ao pecado. Ela não se refere ao pecado… mas ao desejo de Paulo em sacrificar sua vida para que outros possam viver”. Outra passagem frequentemente interpretada como sendo relacionada à morte para o pecado encontra-se em João 12.24. Jesus disse: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer produz muito fruto. Qualquer fazendeiro planta boa semente – semente que possui vida em seu interior. A semente não é plantada para a purificação, mas para a produção. Nós somos como sementes em Suas mãos.
Mortos – Mas Ainda Morrendo
Durante muitos anos, eu fiquei intrigado com o desejo de Paulo expresso em Filipenses 3:10. Seis anos antes dele escrever isso, ele testificou: Eu fui crucificado com Cristo (Nele) – eu compartilhei de Sua crucificação; não sou mais eu quem vive, mas Cristo, o Messias, vive em mim; e a vida que agora tenho no corpo eu vivo pela fé – por apegar-me e confiar (completamente) – no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim (G1 2.20 Tradução A. N.). Por que motivo alguém que testificou a respeito de tal morte iria mais tarde dizer: …para o conhecer e o poder de sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para de algum modo alcançar a ressurreição dentre os mortos (Fp 3.10-11)? Se alguém está morto, será que não está morto? Como então Paulo pode desejar morrer novamente ou continuar a morrer? Antes de entender a distinção que fizemos anteriormente eu não podia compreender que Paulo não mais estava falando a respeito do morrer do velho homem. Ele está falando como o novo homem de Deus – é propósito seu preencher o que resta das aflições de Cristo na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja… (Cl 1.24). À medida que ele compartilhasse mais profundamente dos sofrimentos de Cristo, conformando-se ao caminho da cruz, ele conheceria mais completamente o poder da ressurreição. Nós também temos a mesma alegria e privilégio de sermos identificados com o Senhor Jesus em ministério. Em 2 Cor 1.8-9 (Tradução A. N.), temos outra passagem que explica essa verdade: Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na [província da] Ásia, porquanto foi acima de nossas forças, a ponto de desesperarmos até da [própria] vida. Contudo, já em nós mesmos tivemos a própria sentença de morte; para que não confiemos em nós, e, sim, no Deus que ressuscita os mortos. No que diz respeito à ressurreição, a conformidade com a morte na Cruz significa uma fraqueza cada vez maior em nós mesmos e não um crescente sentimento de força! Nosso desejo natural é sentir que somos fortes e que podemos fazer isto ou aquilo. Fraqueza é o caminho da cruz, pois vivemos pela vida e força de Outro.
Devern F. Fromke