“O que pensamos de Cristo é a coisa mais importante que pode ser dita de nós”. Eu ouvi um pregador dizer isto certa vez, e creio que suas palavras são absolutamente verdadeiras. Nada pode ser mais importante do que conhecer o Senhor, e conhecê-Lo como Ele é, não como nós gostaríamos que Ele fosse, nem como talvez imaginamos que Ele seja. A Palavra de Deus preocupa-se bastante em dar-nos informações detalhadas sobre as características do Senhor, justamente para nós não nos envolvermos em especulações vagas e irreverentes sobre a Sua natureza.
“E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens” (Lc 2:52).
Apesar destas informações específicas, há alguns aspectos da natureza do Senhor, da Sua humanidade ou da Sua divindade, que não estão totalmente revelados nas Escrituras. Quando encontramos tais detalhes, não podemos especular. Há um elemento de mistério em Cristo, um ponto em que as mentes humanas devem humildemente admitir sua incapacidade, permanecendo admirados diante de uma grandeza que nem mesmo a eternidade poderá revelar plenamente.
Isto deveria ser claramente evidente para todo cristão. Porém há aqueles que parecem pensar que todo mistério deve ser revelado através da lógica humana. Aventurando-se a ir além das palavras das Escrituras, fazem afirmações confiantes sobre assuntos dos quais Deus mesmo não nos diz nada. Ficam especulando sobre a natureza da humanidade do Senhor, ou sobre a extensão da Sua divindade, ou sobre a ordem na Divindade, ou sobre outras coisas igualmente sagradas. Em muitos casos, estas pessoas tem boas intenções; eles desejam ajudar-nos a apreciar novas e lindas verdades, ou querem mostrar a suficiência de Cristo para toda experiência, ou algo parecido.
Mas devemos lembrar de Uzá, que colocou sua mão na arca, tentando apoiá-la, e foi ferido de morte pelo Senhor por causa da sua irreverência (II Sm 6:1-10). Ter boas intenções não quer dizer que podemos tocar em qualquer coisa impunemente. Se Deus preocupou-Se tanto com a arca, que era apenas uma figura do Seu Filho, o que diremos que Deus pensa quando, displicentemente, colocamos nossa mão na honra e reputação do próprio Filho? Tomemos cuidado!
Muita especulação desordenada tem sido gerada pelo versículo citado acima (Lc 2:52). As Escrituras falam-nos pouco sobre os anos da infância do Senhor Jesus Cristo, e nossa mente fica confusa ao pensar que Deus poderia um dia ter sido uma Criança. O que quer dizer isto? Como será que Ele era? O que será que Ele fez? Há muito aqui para estimular nossa imaginação. Como é que aquele em quem tudo consiste podia “crescer” em alguma coisa? As mentes humanas se apressam a formar um quadro daquilo que estes anos poderiam esconder.
“Evangelhos” falsos e ensinadores ateus fornecem-nos retratos deste período em abundância. Pare eles, Ele estaria se comportando como um gênio espiritual precoce, ou alguém que fazia pássaros de barro para Seu divertimento. Tais retratos são irresponsáveis e blasfemos. Não devemos pensar nestas coisas.
Lamentavelmente, porém, não são apenas falsos ensinadores que desejam especular sobre os anos ocultos de Cristo. Recentemente li um artigo escrito por um querido e fiel irmão, no qual ele supunha que o Senhor experimentou as frustrações da carpintaria. Eu não sei como é possível que aquele que criou a árvore pudesse ser frustrado pela madeira dela; nem sei como aquele que conhece todos os segredos do coração do homem poderia ter dificuldade em fazer um simples móvel. Mas para este irmão, isto foi uma grande fonte de conforto, pensar que o Senhor lutava com estas coisas como nós fazemos. Confortante ou não, foi uma suposição irreverente.
Na verdade, achamos muito pouco escrito nas Escrituras sobre os anos ocultos de Cristo. Eu digo “pouco” porque não podemos dizer que não há nada. O Senhor mesmo fez uma afirmação importante sobre aqueles anos, uma afirmação pela qual deveríamos medir toda especulação desordenada. Encontra-se em Lucas 2:49. Este versículo pertence ao acontecimento no Templo, quando os pais terrenos do Senhor O haviam perdido, encontrando-O depois de uma busca de três dias. Ao repreender com mansidão o temor e confusão deles, o Senhor disse: “Não sabeis que Me convém tratar dos negócios de Meu Pai?“.
Vamos pensar por um pouco sobre o que esta repreensão implica. Talvez uma comparação ajudaria. Suponha que eu empreste uma quantia em dinheiro de meu irmão, e comprometo-me a pagá-lo uma semana depois. Suponha que ele então descobre que ele tem uma dívida grande vencendo no mesmo dia em que eu vou pagá-lo. Sabendo que, naquele mesmo dia, ele precisa receber o meu dinheiro e pagar sua própria dívida, ele torna-se cada vez mais preocupado com o decorrer da semana. Quando eu chego em sua casa no dia do pagamento, eu o encontro agitado e ofendido comigo. Agora suponha que, como defesa, eu diga o seguinte: “Você não sabia que eu iria pagá-lo?“.
Pois bem, o que teria que ser verdadeiro para que eu pudesse oferecer tal defesa? Suponha que, por diversas vezes, eu havia emprestado dinheiro dele e falhado na hora de pagar; minha defesa teria agora algum valor? E se eu tivesse devolvido o dinheiro cinquenta por cento das vezes? Ele não poderia dizer, com razão: “Eu achei que esta seria uma das vezes em que você atrasaria”. E se eu tivesse falhado apenas uma ou duas vezes? Será que meu hábito geral de pagar pontualmente apagaria da sua mente as poucas ocasiões em que eu falhara? Não; a única forma de minha repreensão ser válida seria se todas as vezes, em todas as circunstâncias, eu tivesse sido fiel em relação às minhas obrigações.
Por esta razão, baseado no testemunho do próprio Senhor, eu afirmo que, em tudo que Ele fez durante os anos ocultos da Sua infância, nosso Senhor estava fazendo a obra do Seu Pai no céu e tratando dos negócios d’Ele. Eu não sei tudo que isto quer dizer. Eu só sei que, seja na carpintaria ou no mercado, seja em casa ou viajando pelas estradas, seja na gloriosa Jerusalém, nas ruas movimentadas de Nazaré, ou na obscuridade de Belém, o Senhor Jesus estava sempre fazendo a vontade do Seu Pai. Além disto, que tenhamos a reverência de não especular. Contentemo-nos em admirar “Jesus Cristo, o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13:8).
Traduzido, com autorização, do original em inglês “The Hidden Years of Christ”.
Stephen L. Anderson