“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
O pecado é o mais custoso que há no universo. Não há nada cujo custo se compare. O ser perdoado ou não ser perdoado é algo de um custo infinitamente grande. Perdoado: o custo recai principalmente no grande substituto que obra a expiação; não perdoado: o custo recai na cabeça do pecador culpável.
A existência do pecado é um fato que se pode observar em todas as partes. Há um pecado em nossa raça e em formas terrivelmente graves.
O pecado é a violação de uma lei infinitamente importante, a lei designada e adaptada para assegurar o maior bem possível do universo. A obediência à esta lei é de modo natural essencial para o bem das criaturas. Sem obediência à esta lei não poderia nem haver bem-aventurança no céu.
Como o pecado é uma violação de uma lei muito importante, não pode ser tratado com ligeireza. Não há governo que possa permitir-se tratar uma desobediência como trivial, posto que tudo – o total bem-estar do governo e dos governadores – gira em torno da obediência. E necessário que se guarde a lei e se castigue a desobediência em proporção ao valor dos interesses que se comprometem no caso.
A lei de Deus não pode ser desonrada por nada do que tenha saído de suas mãos. Foi desonrada pela desobediência do homem; por isso é necessário que Deus considere o caso para recuperar sua honra. A maior desonra à lei se faz desobedecendo-a e desprezando-a. Tudo isto tem feito o homem pecador. Por isso, esta lei, sendo não só boa, senão intrinsecamente necessária para a felicidade dos governantes, passa a ser de todas as coisas a mais necessária que o legislador reivindique. Não pode por menos que fazê-lo.
Por isso, o pecado implica grandes despesas no governo de Deus. Ou bem a lei há de ser executada às custas do bem-estar da raça inteira, ou Deus há de submeter-se a sofrer os piores resultados da falta de respeito à sua lei, resultados que de alguma forma devam implicar graves despesas.
Tomemos por exemplo um governo humano. Suponhamos que as leis justas e necessárias que impõe um governo são pisoteadas, desonradas. Num caso semelhante, a infração da lei deve ser seguida pela execução do castigo, ou algo equivalente, provavelmente mais custoso. A transgressão deve tirar felicidade em alguma parte, e em grande quantidade.
No caso do governo de Deus pareceu aconselhável proporcionar um substituto, alguém que faça possível salvar ao pecador e ao mesmo tempo honrar a lei. A pergunta, segundo os dados anteriores é: Como tem que cobrar este dispêndio?
A Bíblia nos informa da maneira em que se deu a resposta. Quem ia fazer este sacrifício? Ia ser por recrutamento, oferta? Ia ser por uma oferta voluntária, ou por contrato? Quem ia começar? Quem ia a dar o primeiro passo neste vasto projeto? A Bíblia nos diz que o primeiro foi o Pai Infinito. Ele encabeçou a oferta? Deu a seu Filho Unigênito – para começar- e havendo dado, agrega a isto todo o necessário requerido pelo caso. Primeiro deu a seu Filho para fazer a expiação requerida pela lei; logo deu e enviou a seu Santo Espírito para se encarregar da obra. O Filho, por sua parte, consentiu em ser o representante dos pecadores, para que pudesse honrar a lei, sofrendo nos lugar deles. Derramou seu sangue, pôs sua vida em sofrimento como sacrifício gratuito ante o altar – Não recusou as piores humilhações e ofensas – de nada se retraiu, nem da pior injúria que os homens malvados acumularam sobre Ele. E o Espírito Santo também se dedica com esforço incessante a cumprir seu objetivo.
Teria sido um método muito mais simples enviar toda a raça pecadora ao inferno de uma vez. Fez algo assim quando certos anjos “não guardaram o seu principado”. Teve uma rebelião no céu. Deus não a tolerou ao redor de seu trono. Mas no caso do homem seguiu outro curso: não só não os enviou ao inferno, senão que desenhou um vasto plano de medidas, incluindo algumas tão generosas como o sacrifício próprio, para recobrar as almas dos homens à obediência e ao céu.
Para quem foi feita esta grande oferta? “Deus amou ao mundo de tal maneira,” significa a raça humana. Por “mundo” temos de entender aqui não parte da raça, senão a raça inteira. Não só a Bíblia, senão também a natureza do caso, mostra que a expiação devia ser feita para todo o mundo. Porque, evidentemente, se não tivesse sido feita para toda a raça, ninguém nela podia saber que tinha sido feita para ele, e portanto ninguém poderia crer em Cristo no sentido de receber por fé as bênçãos da expiação. Se tivesse havido incertezas com respeito às pessoas afetadas numa provisão limitada a oferta inteira haveria falhado pela impossibilidade de fé racional em sua recepção. Suponhamos que em seu testamento um homem rico faz oferta de certa propriedade a certas pessoas, descritas só com o nome de “os eleitos”. Não são descritos de outra maneira do que por este termo, e todos estão de acordo em que ainda quem fez o testamento tinha os indivíduos definidamente em sua mente, no entanto, não deixou descrição alguma deles, nem às pessoas, nem aos tribunais, nem a ninguém no mundo. Como é compreensível, um testamento assim é totalmente nulo. Não há ninguém no mundo que possa reclamar seu testamento, nem ainda no caso que se descrevesse a estes “eleitos” como, por exemplo, residentes de Oberlin. Como não se diz que são todos os residentes de Oberlin, e como não se diz quais, tudo é inútil. Todos têm em teoria iguais direitos mas ninguém tem um direito específico, pelo que ninguém pode herdar. Se a expiação tivesse sido desta maneira, não haveria homem algum que tivesse razão para crer que é um dos “eleitos” antes de receber o Evangelho. Por isso, não se saberia quem tem autoridade para crer e receber suas bênçãos por fé. De fato, a expiação deve ser totalmente nula – nesta suposição – a menos que haja uma revelação especial feita às pessoas para as quais se destine.
Tal como é agora, o mesmo fato que um homem pertença a raça de Adão – o fato que seja humano, nascido de mulher, é suficiente, em absoluto. O coloca no páreo. É um no mundo por quem Deus deu a seu Filho, para que todo aquele que creia n’Ele não se perca, mas tenha vida eterna.
O motivo subjetivo na mente de Deus para este grande dom é o amor, o amor ao mundo. Deus amou ao mundo de tal maneira que deu a seu Filho para que morresse por ele. Deus amou a todo o universo também, mas o dom de seu Filho procedeu de seu amor por nosso mundo. É verdade que neste grande ato procurou prover para os interesses do universo. Teve cuidado em não fazer nada que pudesse no mais mínimo invalidar a santidade de sua lei. Do modo mais cuidadoso procurou evitar qualquer erro com respeito à consideração à sua lei e aos elevados interesses da obediência e felicidade de seu universo moral. Quis evitar para sempre o perigo de que algum ser moral, nunca, se sentisse tentado a desprezar a lei moral.
Porém, além do mais, não foi só por amor às almas, senão pelo respeito ao espírito da lei de sua razão eterna que deu a seu Filho para morrer. Nisto se originou o propósito de entregar a seu Filho. A lei, por si mesma, tem que ser honrada e considerada santa. Não pode fazer nada incompatível com seu espírito. Tem que fazer tudo o possível para prevenir que se cometa pecado e assegurar a confiança e amor de seus súditos. Tão sagrados considerou estes grandes objetivos que consentiu em que seu Filho derramasse seu sangue, antes que arriscar o bem do universo. Não cabe a menor dúvida que foi o amor e consideração pelo maior bem do universo o que lhe fez sacrificar a seu querido Filho.
Consideremos com atenção a natureza deste amor. O texto faz uma ênfase especial nisto: que Deus amou de tal maneira, seu amor foi de tal natureza, tão maravilhoso e tão peculiar em seu caráter, que lhe conduziu a dar a seu próprio Filho para morrer. Implica-se mais, evidentemente, nesta expressão que, simplesmente, sua grandeza. Este amor é peculiar, em especial, em seu caráter. A menos que entendamos isto, correremos o perigo de cair no estranho erro dos universalistas, que não param de falar do amor de Deus aos pecadores, mas cujas noções da natureza deste amor nunca conduzem ao arrependimento ou à santidade. Parece que pensam que este amor é um simples bem natural, e concebem a Deus como um ser de bem natural, a quem ninguém tem que temer. Estas noções não têm a menor influência à santidade, senão ao contrário. Só quando entendamos o que é o amor em sua natureza sentimos seu poder moral de fomentar a santidade.
Pode se perguntar, se Deus amou ao mundo com um amor caracterizado pela grandeza, e só pela grandeza, por que não salvou a todo o mundo sem o sacrifício de seu Filho? Esta pergunta basta para mostrarmos que há um significado profundo na palavra “de tal maneira,” e isto deveria colocar-nos ao aviso num estudo de seu significado.
1. Este amor em sua natureza não é complacência, um deleite no caráter da raça. Isto não podia ser, porque não havia nada bom em seu caráter. Deus ter amado a raça com complacência teria sido infinitamente degradante para Ele.
2. Não era uma mera emoção ou sentimento. Não era um impulso cego, ainda que alguns parecem que supõem assim. Parece que frequentemente se supõe que Deus atuou como fazem os homens, levado pela emoção forte. Mas não poderia haver virtude nisto. Um homem pode dar tudo num impulso cego de sentimento, e não é mais virtuoso por isso. Mas ao dizer isto não excluímos toda emoção do amor de benevolência, nem do amor por parte de Deus a um mundo perdido. Ele sentia emoção, mas não só emoção. Verdadeiramente, a Bíblia nos ensina em todas as partes que o amor de Deus para o homem perdido em seus pecados era paternal – o amor de um pai por seus filhos, neste caso, para um filho pródigo, rebelde, desordeiro. Neste amor tem que haver misturado, naturalmente, uma profunda compaixão.
3. Por parte de Cristo, considerado como Mediador, este amor era fraternal. “Não se envergonhou de chamá-los irmãos”. Em um ponto de vista atuou pelos irmãos e, em outro, pelos filhos. O pai o deu para esta obra e naturalmente simpatiza com o amor apropriado às suas relações.
4. Este amor tem que ser totalmente desinteressado, porque Ele não tinha nada que esperar ou temer, nem nenhum proveito a obter como resultado de salvar a seus filhos. Na realidade, é impossível conceber a Deus como egoísta, posto que seu amor abraça a todas as criaturas e todos os interesses segundo seu valor real. Não há dúvida que se deleitou salvando a raça. Por que não havia de ser assim? É uma grande salvação em todos os sentidos e aumenta de grande maneira a bem-aventurança do céu, de grande maneira afeta a glória e bem-aventurança do Deus Infinito. Eternamente se respeitará a si mesmo por este amor desinteressado. Ele sabe que todas suas santas criaturas lhe respeitarão eternamente por sua obra e pelo amor que lhe deu origem. Mas temos que dizer também, Ele sabia que não lhe respeitariam por sua grande obra a menos que vissem que a teria feito pelo bem dos pecadores.
5. Este amor era zeloso, não o estado frio da mente que alguns supõem, não uma abstração senão um amor profundo, zeloso, fervente, ardente em sua alma como um fogo que nada pode apagar.
6. O sacrifício foi de suprema abnegação. Não custou ao Pai entregar a seu próprio Filho para sofrer e morrer uma morte assim? Se isto não é abnegação, o que pode ser? Dar assim seu Filho, com tanto sofrimento, não é a forma mais elevada de abnegação? O universo nunca podia ter ideia de uma abnegação assim, se não visse.
7. Este amor era particular porque era universal; e também era universal porque era particular. Deus amou a cada pecador em particular, e por isso amou a todos. Porque os amou imparcialmente, sem acepção de pessoas, amou a cada um em particular.
8. Foi um amor muito paciente. Quão raro é encontrar um pai que ame a seu filho tanto que nunca esteja impaciente com ele. Deixe-me inquirir, vós que são pais, e diga-me se nunca tiveram impaciência com vossos filhos, de modo que podem abraçá-los sob suas maiores provocações, e amá-los, apesar de seus pecados, com arrependimento e um espírito filial? Ou qual de vossos filhos podem dizer: meu pai nunca perdeu a paciência comigo? Com frequência ouvimos os pais dizerem: amo a meus filhos, mas me acaba a paciência às vezes.
Mas Deus nunca se impacienta. Seu amor é profundo e tão grande que é sempre paciente.
Geralmente, quando os pais têm filhos inoportunos, estes são objetos de especial compaixão, e os pais podem ter uma paciência infinita com eles; mas quando os filhos são maus, parece que oferecem uma boa desculpa para que os pais sejam impacientes. No caso de Deus, somos filhos, não desgraçados, senão maus, com uma inteligência corrompida. Mas: Oh, Sua assombrosa paciência, tão desejosa de nosso bem, de nosso máximo bem estar, que ainda que nos comportemos mal com ele, Ele sempre está disposto a bendizer-nos e derreter nossa rebeldia em penitência e amor, por meio da morte de seu Filho em nosso lugar!
9. Este foi um amor ciumento, não no mal sentido, mas no bom sentido; no sentido de ser extremamente cuidadoso para que nada ocorra que dane àquele a quem ama. Como o marido e a esposa que se amam e sentem cuidados com respeito ao bem estar mútuo, procurando fomentá-lo em todas as formas possíveis.
Esta dádiva é feita realmente, não apenas prometida. A promessa foi comprida. O Filho veio, morreu e pagou o resgate, uma salvação preparada para todos os que a aceitam.
O Filho de Deus morreu, não como alguns entendem, para satisfazer uma vingança, mas para cumprir as exigências da lei. A lei tinha sido desonrada porque tinha sido infligida. Por isso Cristo se encarregou de honrá-la para cumprir suas exigências, morrendo uma morte expiatória. Não tinha que apaziguar o espírito vingativo de Deus, senão assegurar o máximo bem possível no universo numa dispensação de misericórdia.
Havendo sido feita a expiação, todos os membros da raça têm direito à mesma. Está aberta a todos os que queiram abraçá-la. Ainda que Jesus permaneça sendo o Filho do Pai, contudo, por direito, pertence num importante sentido a toda a raça, a todos; de modo que todo pecador tem parte em seu sangue se vier humildemente reclamá-lo. Deus enviou a seu Filho para ser Salvador do mundo, para que todo aquele que queira crer, aceite esta grande salvação.
Deus dá seu Espírito para que aplique esta salvação aos homens. Este vem a porta de cada um e chama, para ser admitido e mostrar a cada pecador que pode ter salvação agora. Oh, que trabalho de amor é este!
Esta salvação deve ser recebida pela fé. Este é o único meio possível. O governo de Deus sobre os pecadores é moral, não físico, porque o pecador é um ser moral, não físico neste aspecto. Portanto, Deus pode influenciar em nós só se o damos nossa confiança. Nunca pode salvar-nos meramente levando-nos a um lugar chamado céu, posto que uma mudança de lugar não significa uma mudança voluntária de coração. Não pode haver, pois, outro caminho para ser salvo que a simples fé.
Agora bem, não há que se confundir e supor que abraçar o Evangelho é simplesmente crer nos fatos históricos sem receber verdadeiramente a Cristo como Salvador. Se este tivesse sido o plano, Cristo não teria tido que fazer nada mais que descer ao mundo e morrer, e logo regressar ao céu e esperar para ver quem ia crer nos fatos. Mas é muito diferente disto! Agora Cristo vem a encher a alma com sua vida e seu amor. Os pecadores penitentes ouvem e creem na verdade a respeito de Jesus e logo recebem a Cristo em sua alma, para viver e reinar nela de modo supremo e para sempre. Sobre este ponto há muitos que se equivocam dizendo: “Se creio nestes fatos históricos, basta”. Não, não! Isto não é assim, de nenhuma maneira. “Com o coração se crê para justiça”. A expiação foi realizada para prover o caminho em que Jesus alcançasse ao coração dos homens e os atraísse em união e afinidade com Ele, para que Deus pudesse abraçar com seu amor aos pecadores, para que a lei e o governo divinos não fossem desonrados com tais mostras de amizade mostradas por Deus aos pecadores. Mas a expiação de nenhuma maneira salva aos pecadores, exceto no sentido de que lhes prepara o caminho para entrar em comunhão e afinidade do coração com Deus.
Agora, Jesus vem à porta de cada pecador e chama. Atenção! Por que chama? Porque não foi ao céu e ficou ali para que os homens cressem nos fatos históricos e fossem batizados, como alguns supõem, para salvação. Por outro lado, veja como alcançou, disse ao pecador o que tem feito, lhe revela seu amor, lhe diz quão santo e sagrado ele é, tão sagrado que Ele não pode agir de modo algum sem referência à santidade de sua lei e à pureza de seu governo. Assim, imprimindo no coração as mais profundas e amplas ideias de sua santidade e pureza, faz ênfase na necessidade de um profundo arrependimento e o sagrado dever de renunciar ao pecado.
Observações
1. A Bíblia ensina que os pecadores podem perder seu direito ao novo nascimento e situar-se mais além do alcance da misericórdia. Não faz muito que fiz notar a necessidade de guardar-se contra os abusos de seu amor. As circunstâncias são tais que criam o maior perigo deste abuso e, portanto, Ele deve fazer saber aos pecadores que não podem abusar de seu amor, e se o fazem, não o farão com impunidade.
2. Sob o Evangelho os pecadores estão em circunstâncias da maior responsabilidade possível. Estão no maior perigo de pisotear ao próprio Filho de Deus. “Vinde” – disseram – “matemo-lo, e apoderemo-nos da sua herança”. Quando Deus enviou ao final, a seu próprio Filho, o que disseram? Agregaram a todos seus pecados e rebeliões anteriores o maior insulto possível a seu glorioso Filho. Suponhamos que ocorresse algo análogo sob um governo humano. Ocorre uma rebelião em uma das províncias. O rei envia a seu próprio filho, sem um exército, para apaziguar a rebelião, com mansidão e paciência, tratando de explicar-lhes as leis do reino e exortá-los a obediência. O que fazem neste caso? De comum acordo se apoderam dele e lhe dão a morte!
Mas você nega a aplicação disto e pergunta: Quem matou ao Filho de Deus? Não foram os judeus? Sim! E, não tiveram todos vocês pecadores parte em sua morte? Não mostra o modo que você trata a Jesus Cristo que está em plena simpatia com os antigos judeus que deram morte ao Filho de Deus? Se tivesse estado lá teria gritado mais forte que eles: “Fora, Crucifica-o!”. Não tem dito sempre: “Aparta-te de nós, porque não desejamos conhecer teus caminhos!”?
3. Foi dito de Cristo, que sendo rico se fez pobre para que com sua pobreza pudéssemos ser enriquecidos. Quão verdadeiro é isto. Nossa redenção custou a Cristo sua vida; era rico, mas se fez pobre; nos chamou infinitamente pobres, mas nos fez ricos com todas as riquezas do céu. Mas destas riquezas ninguém pode participar se não as aceitar de forma legítima. Tem que ser recebidas nos termos propostos, ou a oferta passa despercebida, e o que não aceita fica mais pobre que se não a tivessem posto ao alcance destes tesouros.
Há muitas pessoas que parece que compreendem mal todo este ponto. Parece que não creem no que Deus disse, senão que continuam repetindo: “Sim, sim. Se tão só tivesse salvação para mim, se tivesse providenciado expiação para o perdão de meus pecados”. Esta foi uma das últimas coisas que ficou clara em minha mente antes de entregar-me totalmente na confiança de Deus. Havia estado estudando a expiação; via seus aspectos teológicos, via o que exige do pecador, mas me irritava e dizia, se me fizesse cristão, como poderia saber que Deus me recebeu? Sob esta irritação disse coisas estúpidas e amargas contra Cristo, até que minha própria alma estava horrorizada de minha maldade, e disse: “Compensarei de tudo isto a Cristo se me for possível”.
Desta forma muitos avançam nos ânimos que lhes dá o Evangelho, como se fosse só uma aventura, um experimento. Dão um passo adiante cuidadosamente, com temor e tremor, como se fosse extremamente duvidoso se há misericórdia para eles. O mesmo se passou comigo. Estava caminhando ao escritório quando a pergunta me vinha na cabeça: O que está esperando? Você não tem porque levantar tanta poeira. Tudo está providenciado. Só tem que consentir na proposição, entregar teu coração neste instante, isto é tudo. E isto é tudo. Todos os cristãos e os pecadores deveriam entender que todo o plano está completo, que todo o Cristo: seu caráter, sua obra, sua morte expiatória, e sua incessante intercessão pertencem a cada um dos homens e só é preciso aceitá-lo. Há um oceano cheio. Aqui está. Podes aceitá-lo ou não. Está ali, como se estivesse na borda de um oceano de água pura e cristalina e estivesse morto de sede; podes beber, e você não tem por que temer que vai esgotar este oceano, e os outros vão ficar sem água. Se te convida a beber, beba em abundância. Este oceano supre a todas tuas necessidades. Você não tem por que ter em ti os atributos de Cristo, porque estes atributos passam a ser praticamente teus para todo uso possível. Como diz a Escritura: Ele foi feito por parte de Deus para nós sabedoria, justificação, santificação e redenção. O que mais necessita, sabedoria? Aqui a tem. Justificação? Aqui está. Santificação? Está disponível. Tudo está em Cristo. Você pode pensar em algo mais que necessite para tua pureza moral, ou para tua utilidade que não está em Cristo? Nada. Tudo está providenciado aqui. Por tanto, não tem por que dizer, como no hino:
Irei a Jesus apesar de meu pecado.Como se tivesse uma montanha de rosa.Talvez ele aceite meu apelo.Talvez ele ouça a minha oração.
Não há “talvez” com Cristo. As portas estão sempre abertas. São como as portas do Tabernáculo de Broadway, em Nova York, que se abrem e ficam abertas, para que não possam fechar-se sobre as multidões que passam por elas. Quando as construíram, fui aos obreiros e lhes disse que tinham que permanecer abertas e fixas, e assim a construíram.
Assim a porta da salvação está sempre aberta, e ninguém pode fechá-la. Nem o papa, nem mesmo o diabo ou qualquer anjo do céu ou do inferno. Ali está, aberta, para todo pecador de nossa raça que queira entrar por ela.
De novo, repito, o pecado é o mais custoso que há no universo. Você se dá conta, pecador, de qual é o preço que foi pago para que pudesse ser redimido e feito herdeiro de Deus e do céu? Oh, quão custoso foi ceder ao pecado!
Que custo enorme pagou o governo de Deus para redimir esta província de sua ruína! Falemos sobre o pequeno preço que a Inglaterra e todas as outras nações pagaram; – não é nada comparado com o preço pago pelo pecado no governo de Jeová – uma taxa terrível! Pense no mecanismo movido para salvar os pecadores. O Filho de Deus teve que ser enviado à terra. Teve que enviar os anjos e os espíritos ministradores aos missionários, precisou do trabalho cristão, a oração, e o choro da ansiosa solicitude: tudo para buscar e salvar aos perdidos. Que maravilhosa contribuição foi imposta à benevolência do universo para eliminar o pecado e salvar ao pecador! Se o custo pudesse ser computado em ouro maciço, seria um mundo de ouro maciço! Que exibição de trabalho e custo, dos anjos, de Jesus Cristo, do Espírito Divino, dos homens. Que vergonha para os pecadores apegar-se ao pecado, apesar dos esforços feitos para salvá-los, e que, em vez de envergonhar-se de seu pecado, dizem: “Que Deus pague este preço, quem se importa? Que façam o que queiram os missionários e as mulheres piedosas para manter tudo isto em andamento. Eu quero meus prazeres e isso é o que busco!”. Que coração insensível este!
Os pecadores podem muito bem se permitir fazer sacrifícios para poder salvar a seus próximos que ainda são pecadores. Paulo fazia em favor de seus próximos. Ele viu que tinha feito sua parte para fazê-los pecadores, e agora lhe correspondia fazer sua parte para convertê-los e fazer que voltassem a Deus. Mas agora, este jovem crê que não se pode permitir ser um ministro, porque teme que não haverá fundos para sustentá-lo. Ele não deve nada para a graça que salvou sua alma do inferno? Não tem que fazer nenhum sacrifício, havendo feito Jesus tantos por ele? E outros cristãos também não têm orado e sofrido e trabalhado para a salvação de sua alma? E quanto ao perigo de faltar pão na obra do Senhor, que confie em seu Grande Mestre! E contudo devo dizer que as igrejas podem ser culpáveis de não sustentar devidamente a seus pastores. Deus as deixará morrer de fome se não derem pão a seus ministros. Suas almas e as almas de seus filhos padecerão fome, se eles com avareza não entregarem o que Deus providenciou para os que lhes dão o pão da vida.
Quanto custa livrar nossa sociedade de certas formas de pecado que ainda persistem para nossa vergonha como, por exemplo, a escravidão. Quanto já se gastou, e quanto mais se gastará até que esta praga e maldição e pecado seja extirpada de nosso país! Esta é uma parte do grande empreendimento de Deus, e Ele irá avançá-lo até que seja terminado. Não obstante, quão grande é o custo! Quantas vidas e quanta agonia para livrá-los desse pecado!
Ai daqueles que se fazem ricos com os pecados dos homens! Pensemos nos que vendem rum, tentando aos homens enquanto Deus trata de tirar os homens do propósito de entrarem nos caminhos do pecado e da morte! Pensemos na culpa de todos os que se alistam contra Deus! Cristo terá que se ver com eles, porque fazem uma obra contrária à d’Ele.
Nosso tema ilustra a natureza do pecado como mero egoísmo. Não importa quanto custa o pecado para Jesus Cristo, quanto custa para a igreja, quanto custa para todos os que se esforçam para extirpá-lo; o pecador quer permitir-se tudo e o fará na medida que possa. Quantos entre vocês têm custado a seus amigos lágrimas e aborrecimento para sacá-los dos caminhos do pecado? Não se envergonham vocês de que foi necessário fazer tanto em vosso favor, e ainda não se decidem a renunciar a vossos pecados e entregar-se a Deus e a santidade?
Todo o esforço da parte de Deus pelo homem é sofrimento e abnegação. Começando com o sacrifício de seu amado Filho, tudo é levado com enormes sacrifícios e esforços – num dispêndio grande e espetacular. Pense só no tempo em que estes esforços já estão sendo prolongados! Quanta dor de muitas formas este empreendimento já causou e custou! Quantas lágrimas, vertidas como água! Verdadeiramente tem custado muito esse mesmo pecado que você começa a saborear como um bocado de doce debaixo de sua língua! Deus realmente só pode odiá-lo quanto vê o quanto custa, e só pode dizer: Oh, não faça essa coisa abominável que eu odeio!
Mas Deus não está descontente com estas abnegações. Tão grande é sua alegria nos resultados, que Ele estima todo o sofrimento comparativamente insignificante, assim como os pais terrenais desfrutam dos esforços para abençoar a seus filhos. Veja-os; Trabalham quase a ponto de perderem suas mãos; as mães trabalham durante a noite para empreender com suas agulhas até chegarem a passar mal com fatiga e cegueira, mas se você visse seu trabalho, então você simplesmente veria também a sua alegria, tão intensamente elas amam a seus filhos.
E este é o esforço, gozo e abnegação do Pai, do Filho e do Espírito Santo em sua grande obra para a salvação humana. O que Lhes causa tristeza é que tantos recusam ser salvos. Não há nada que, dentro dos limites racionais, não estejam dispostos a realizar ou sofrer para cumprir sua grande obra. É assombroso pensar na forma em que toda a criação simpatiza, também, nesta obra e em seus necessários sofrimentos. Voltemos à cena dos sofrimentos de Cristo. Poderia o sol nos céus permanecer sem comover-se diante uma cena semelhante? Este se tornou escuro porque não pôde contemplá-la. A natureza inteira parecia vestir-se de luto. A cena foi demais até para a natureza inanimada suportar. O sol virou suas costas e não podia olhar para um espetáculo como este.
O tema nos ilustra por necessidade o valor de uma alma. Teria feito tudo isto Deus se tivesse pouca estima pelos pecadores, como eles geralmente consideram?
Os mártires e santos não se negam aos sofrimentos, enchendo neles o que falta aos sofrimentos de Cristo; não na expiação em si, senão em subordinar as partes necessárias para o trabalho que tem que fazer. O amor à abnegação é parte da natureza da verdadeira religião.
Os resultados justificaram plenamente este dispêndio. Deus contou o custo bem antes de começar. Muito antes de formar um universo moral sabia perfeitamente o que ia custar redimir aos pecadores, e sabia que o resultado justificaria amplamente o custo. Sabia a maravilhosa misericórdia que se efetuaria; e o grande tamanho do sofrimento que se exigiria a Cristo; e que os resultados dele seriam infinitamente gloriosos. Olhou para o futuro, para as idades vindouras, e contemplou o gozo dos redimidos, desfrutando de uma bem-aventurança eterna; não lhes bastava isto a seu coração de infinito amor para alegrar-se? E o que pensa disto, cristão? Vai dizer que dá vergonha pedir para ser perdoado? Vai dizer que não pode receber tanta misericórdia? Dirá: “É um preço de sangue, e como posso aceitá-lo? Como posso custar tanto para Cristo?”.
Você tem razão ao dizer que lhe custou muito, toda dor que sofreu, mas não tem que sofre-lo outra vez, e não lhe custará mais pelo fato de você aceitá-lo; além do mais, Jesus Cristo não sofreu mais do que era estritamente necessário para fazer a redenção.
E quando no futuro vê-lo cara a cara, não vai adorá-lo pela sabedoria de seu plano e o infinito amor que te trouxe a este mundo? E que dirias da assombrosa condescendência que lhe trouxe para resgatar-te? Não verteu tua alma, oh cristão, ante teu Senhor em agradecimento pelo que te custou?
Diga agora, pecadores, vai vender os direitos de tua primogenitura? Quanto você receberá por isso? Quanto você receberá pela sua parte em Cristo? Por quanto você vai vender sua alma? Vender seu Cristo! Venderam-no por trinta moedas de prata; e desde então os céus têm estado chorando gotas de sangue sobre nosso mundo culpável. Que preço você requereria do diabo para vender a ele a tua alma? Lorenzo Dow se encontrou uma vez com um homem, enquanto estava cavalgando num caminho solitário para cumprir uma tarefa. Ao passar pelo seu lado lhe disse: “Amigo, você já orou alguma vez?”. “Não”. “Quanto dinheiro você quer para nunca orar a partir de agora?”. “Um dólar”. Dow lhe deu o dinheiro e seguiu cavalgando. O homem pôs o dinheiro no bolso e seguiu cavalgando. Mas aos pouquinhos começou a pensar. Quanto mais pensava no trato que havia feito pior se sentia. “Acabo de vender minha alma por um dólar! Este homem só pode ter sido o diabo. Ninguém teria me tentado desta maneira. Tenho que me arrepender com toda minha alma ou ser condenado para sempre!”.
Quão frequentemente você tem entrado em tratos para vender o teu Salvador por menos de trinta moedas de prata! Por uma insignificância!
Finalmente, Deus quer voluntários para ajudar em sua grande obra. Deus deu a si mesmo, deu a seu Filho, e enviou seu Espírito; mas necessita-se de mais obreiros; e o que você vai dar? Paulo disse que levava no seu corpo as marcas do Senhor Jesus. Você aspira tanta honra? O que fará você por Ele, o que vai sofrer? Não diga que não tem nada para dar. Você pode dar a si mesmo, teus olhos, teus ouvidos, tuas mãos, tua mente, teu coração, tudo; e sem dúvida nada do que você tem é demasiado sagrado ou bom para que não dedique nesta obra diante desta chamada. Quantos jovens estão dispostos a ir, cujos corações estão saltando dentro do peito gritando: “Eis-me aqui! Envia-me a mim!”?
Charles Grandison Finney – Sermão proferido em 22 de junho de 1853.