O Aborto e a Família

Convém definir o que se entende por «aborto». Aborto é a morte espontânea ou provocada do produto da concepção dentro do ventre materno e antes do início do parto. Da definição surge uma primeira distinção: há abortos espontâneos, ou seja, que surgem por efeitos naturais, exteriores à vontade humana, geralmente por doença da mãe ou por deficiências cromossómicas do feto; e os provocados, quando o aborto é intencionalmente criado.

1. NOÇÕES BÁSICAS

Relativamente ao primeiro tipo de aborto, não se põe qualquer problema ético ou bíblico, na medida em que ele surge, geralmente, contra a vontade da mãe e em circunstâncias naturais. Mas já se põem problemas quanto ao segundo, sendo dele que importa fazer uma análise bíblica.

Por outro lado, é importante saber quais as razões que geralmente são apresentadas para recorrer ao aborto provocado – violação, incesto, proteção física da mãe, defeitos físicos da criança. Diremos porém e desde já que segundo as recentes estatísticas em Portugal e nos EUA, 95% dos abortos são feitos por razões de conveniência e não pelas anteriores referidas. Devemos por outro lado notar que mesmo que um bebé seja concebido através de violação, a sua destruição não apagará o trauma da mulher nem tão pouco dissuadirá o criminoso de cometer outra violação.

Além disso, o argumento de que o aborto é um direito da mulher, tem como contrapartida o direito à vida do bebé, o qual é tão válido como aquele. Finalmente, é de considerar que quanto mais nova é a mãe, maior é a probabilidade de que ela fique estéril se fizer um aborto (no Canadá, 30% das meninas de idade entre 15 e 17 anos que fizeram abortos ficaram estéreis).

2. ALGUMAS OPERAÇÕES ABORTIVAS

  • SUCÇÃO: Este é um dos métodos legalmente autorizados para abortar: é semelhante a um aspirador: o bebé é sugado do ventre da mãe e posteriormente feito em pedaços;
  • EMBRIOTOMIA: É um método que já está em desuso, mas que consiste em o médico cortar o bebé dentro do ventre da mãe (com instrumentos especialmente concebidos para este fim);
  • OPERAÇÃO CIRÚRGICA: É utilizado em estados de maior desenvolvimento do feto. Consiste em retirar o bebé do ventre materno e matá-lo quando ele já está cá fora;
  • SOLUÇÃO SALINA: Cada vez em maior uso, consiste em injetar solução salina no saco embrionário. O bebé morre queimado devido ao sal da solução.

Além destes métodos, existe hoje a possibilidade de provocar o aborto durante as primeiras semanas através de um fármaco (medicamento) especialmente receitado pelos médicos, cujo nome, evidentemente, não nos é lícito nem conveniente indicar neste artigo.

3. O ABORTO NA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

Com a Lei n.º 6/84, e a partir desse ano, o aborto foi despenalizado em Portugal. Significa que a mulher pode abortar legalmente se preencher os requisitos exarados na Lei e no Código Penal sem sofrer qualquer punição. Entretanto, desde essa data, o artigo 142.º do Código Penal que se refere à interrupção voluntária da gravidez, tem vindo a sofrer várias alterações.

Atualmente, e de acordo com a última alteração introduzida pela Lei 90/97, de 30.07, a interrupção voluntária da gravidez não é punida nos seguintes casos:

  • Por motivo terapêutico, ou seja, quando constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
  • Se essa interrupção se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física, psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;
  • Pelo motivo eugénico, ou seja, se houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, excetuando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção pode ser praticada a todo o tempo, e finalmente;
  • Pelo motivo criminológico, ou seja, quando a gravidez tenha resultado de violação ou crime contra a autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.

A legislação portuguesa, portanto, não permite o caso do aborto para efeitos de planeamento familiar, o qual se for realizado, constitui um crime punido com prisão até 3 anos para a mulher e para quem a fizer abortar.

No dia 28 de Junho de 1998 realizou-se em Portugal um referendo que visava a despenalização absoluta do aborto até às 10 semanas. A pergunta era a seguinte: Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado ? Embora tenha havido cerca de 55% de abstenção, 51% dos portugueses que votaram responderam «não» e 49% «sim», tendo em consequência sido abandonada a intenção legislativa de despenalizar o aborto até às 10 semanas de vida do feto.

4. O QUE DIZ A BÍBLIA

Deus criou o homem e a mulher, abençoou-os e disse-lhes: «Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a… E viu Deus tudo quanto tinha criado, e eis que era muito bom» (Gn 1:28,31). Verificamos desde logo que a reprodução era um dos propósitos da criação do homem por Deus. Por outro lado, não lemos em passagem alguma que o homem tenha o direito de matar o seu semelhante, aliás, um mandamento é «não matarás» (Ex 20:13 e Rm 13:9).

Ora, a criança que está no ventre da mãe é um ser com identidade própria. Sabia que o primeiro órgão a ser formado no feto é o coração? E que o coração começa a bater 21 dias após a concepção ? Neste sentido, quem aborta está a assassinar um ser humano criado por Deus.

4.1. A VIDA: DIREITO INVIOLÁVEL

Quem tem poder para tirar a vida? É porventura o homem quem pode decidir o futuro de um outro seu semelhante quanto ao momento da sua morte? Lemos em I Samuel 2:6 que a autoridade para decidir o momento da morte de alguém pertence exclusivamente a Deus: «O Senhor é que tira a vida e a dá: faz descer à terra e faz tornar a subir dela».

Lemos por outro lado no Salmos 139:13 que é o Senhor Quem opera a formação de um ser vivo, e que o faz mover no ventre de sua mãe: «Pois Tu formaste o meu interior; Tu entreteceste-me no ventre da minha mãe».

Neste verso, a proteção e a possessão de Deus e o Seu poder criativo são extensivos à vida pré-natal. Este ensino torna impossível considerar o embrião ou feto como «simples pedaço de tecido». O mínimo que alguém pode dizer é que no momento da concepção já existe um ser humano em potencial (melhor, um ser humano com potencial), o qual é sagrado e de valor, à vista de Deus, evidenciado pelo Seu envolvimento pessoal.

4.2. A PASSAGEM DE ÊXODO 21:22-23

«Se alguns homens pelejarem e ferirem uma mulher grávida, e forem causa que. aborte, porém se não houver morte, certamente será multado… Mas se houver morte, então darás vida por vida».

Esta é a única passagem que na Bíblia aborda diretamente o tema do aborto. e tem sido apresentada como justificação para a aceitação do aborto. Trata-se de um caso em que o aborto é provocado, mas como que acidentalmente. Se uma mulher perdesse o filho, havia apenas uma indemnização: se a mulher morresse também, quem a ferisse teria de pagar com a sua vida.

Para quem defenda o aborto, a dedução que é feita é que, visto só haver indemnização no caso de aborto, isso significaria que o feto não teria alma, que apenas seria ganha ao nascer. Levando um pouco mais adiante este pensamento, concluiríamos que o aborto induzido seria biblicamente permitido. Ora, isso seria forçar a aplicação da lei do Êxodo, que trata de um aborto acidental, e não induzido, o que são duas coisas absolutamente distintas: uma, é acidentalmente alguém provocar o aborto a outrem, outra, e com consentimento da mãe, provocar-se o aborto. Todavia, mesmo acidental, lemos que em tal caso havia uma sanção, o que denota a gravidade desse aborto acidental, precisamente porque estava em causa a vida.

4.3. E SE… NASCER… DEFORMADO?

Esta é uma desculpa apresentada para se considerar a hipótese do aborto, que aliás, a nossa Lei atualmente já prevê.

Em primeiro lugar importa notar que Deus criou o homem com características tais que, mesmo em condições à primeira vista adversas, consegue sobreviver e adaptar-se. Por outro lado, quando essa vida e impossível, a morte vem por si própria. Assim sucede por exemplo quando a criança nasce com deformações encefálicas anormais (cérebro). Geralmente, a criança morre passados poucos minutos depois do parto.

Mas, mesmo que haja seguros motivos de que a criança venha a nascer deficiente, será esse um motivo para se aceitar o aborto? Vejamos o que a Palavra de Deus nos diz a este respeito: «Quem fez a boca do homem? Ou quem fez o mudo ou o que vê, ou o cego ? Não Sou Eu, o Senhor?» (Ex 4:11). «E passando Jesus, viu um cego de nascença. E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: “Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego ?” Jesus respondeu: “Nem ele pecou nem seus pais, mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus”» (Jo 9:1-3).

A resposta da Bíblia é clara. Aceitar a morte de crianças ainda não nascidas, conduz a aceitar também a eutanásia infantil, isto é, o homicídio de bebés recém-nascidos que sejam doentes ou deficientes. E a aceitar isto, não faltaria muito para aceitar também a eutanásia dos inválidos, idosos e todos os que, independentemente da sua idade, não possam cuidar de si mesmos ou se sintam à parte da sociedade. Se se entender que o universo se formou por acaso e que o homem é descendente duma criatura pré-histórica, não há razão para se preocupar com a vida humana. Mas, sabendo que o homem foi criado e que tem um destino especial diante do Seu Criador , então concluiremos que a defesa da dádiva divina, que é a vida humana, é de facto inalienável.

4.4. O FETO TEM ESPÍRITO

A questão é polémica e misteriosa. Por muito que se argumente, é difícil chegar a uma conclusão do momento exato em que o ser vivo passa a ter alma e espírito. Antes de mais, é importante não confundir alma com espírito. Aquela é a vida, capacidade de reação e entendimento. O espírito é a consciência, o elo de ligação com o mundo espiritual ? É deste que se põe o problema, pois se tem espírito, se for morto no aborto, terá um destino eterno (certamente o céu).

A este propósito, pode dizer-se que a criança já no ventre da mãe tem vida, «dá pontapés» e reage. Será essa uma evidência de alma ou de espírito ? Independentemente de tal facto, importa atender para o que a Bíblia diz: «Antes que te formasses no ventre te conheci, e antes que saísses da madre te santifiquei» (Jr 1:5). «Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe» [ora, para ser em iniquidade, tinha que ter espirito; se assim é, mesmo morrendo por aborto, só pela obra de Jesus pode ir para o céu !…] (Sl 51:5). «O Senhor me chamou desde o ventre, desde as entranhas de minha mãe fez menção do meu nome;… O Senhor me formou desde o ventre para seu servo…» (Is 49:1,5). Lemos ainda no Salmo 139:

“Pois Tu formaste os meus rins; entreteceste-me no ventre de minha mãe. Os Teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no Teu livro foram escritos todos os dias, sim, todos os dias que foram ordenados para mim, quando ainda não havia nem um deles”.

4.5. OPÇÃO ENTRE MÃE E FILHO

Há situações extremas na vida de escolha entre duas coisas igualmente importantes. Qual deve ser a reação de um crente se o médico disser que, havendo parto, uma vida cederá ? ou a da mãe, ou a da criança. Por qual optar? Há duas vidas em jogo: a vida tem igual valor. Perante uma situação destas muitos não hesitariam em optar pela vida da mãe em vez da criança. É uma opção lógica, lícita e mais racional. Na vida de um cristão, se isso suceder, creio sinceramente que é seguramente uma provação da sua fé em Deus. Mas, de qualquer forma, qualquer que seja a decisão, ela deve ser obtida em comum pelo casal, e pela mesma serão responsáveis perante Deus, porque pertencente ao foro individual de cada um.

Não nos é lícito indicar qual a «melhor» escolha, porque ela na prática é difícil e envolve uma situação psicológica terrível. Muitos têm enfrentado esta situação, e entregue tudo nas mãos de Deus, e sucede que nem a mãe nem o filho morrem, se assim for a Vontade de Deus. Contudo, como já referido, essa é uma questão do foro individual e com a consequente responsabilidade perante Deus, não nos sendo lícito dogmatizar nem reprovar qualquer escolha.

4.6. PLANEAMENTO FAMILIAR

Suponhamos que há um casal, de parcos rendimentos económicos, com 7 filhos e a mulher se encontra grávida. Deverá aceitar-se o aborto nesse caso ? A resposta já foi dada. É contrário à Palavra de Deus em qualquer caso. Já problema diferente é se deve haver planeamento familiar. Antigamente, os casais tinham muitos filhos, os quais tinham uma função de auxílio (agricultura, por exemplo). Não encontramos na Palavra de Deus nenhuma passagem que condena o planeamento familiar. Alguns tentam usar a passagem de Gênesis 38:7-10, porém sendo certo que Onã fez planeamento familiar, tinha por motivo o seu pensamento que se gerasse, o filho seria imputado ao seu irmão já falecido. Mas Onã morreu, não porque fez «planeamento», mas porque desobedeceu a uma ordem de Deus.

Naturalmente que o planeamento familiar não contraria o mandamento do Senhor – aliás, tudo deve ser planeado com o Senhor, quer na oração, quer na informação sexual, no conhecimento do corpo humano dado pelo Senhor. Se Deus fosse contra o planeamento familiar não teria dado à mulher períodos férteis em que pode conceber e outros em que tal é impossível.

4.7. QUESTÕES SUBSIDIÁRIAS

4.7.1. Surgindo uma jovem solteira grávida, qual deve ser a posição da Igreja?

É um facto que 70% das mulheres que recorrem ao aborto não são casadas. Na situação em que uma jovem solteira se encontre grávida, evidentemente que não se deve aconselhar o aborto, antes o mal deve ser remediado na medida do possível. Em primeiro lugar, a jovem deve arrepender-se do pecado cometido e, se possível, casar-se para evitar outros problemas. A Igreja neste ponto tem um papel importante no aconselhamento com a Palavra de Deus e com informações das mulheres casadas experientes e ainda no conforto e acompanhamento.

4.7.2. Relações sexuais antes do casamento

São biblicamente ilícitas. Mesmo quando o casamento já está marcado e os jovens se encontram noivos. Lemos que quando Isaque encontrou Rebeca, não a levou para a sua tenda, antes levou-a para a tenda de sua mãe. Só quando se casaram é que Isaque a levou para a sua tenda (Gn 24:67). Relativamente à data do casamento, devemos obedecer às autoridades, pelo que 2 jovens encontram-se casados perante DEUS, não quando considerem ou quando haja cerimónia religiosa, mas quando se encontram casados oficialmente, perante as autoridades. Se contudo houver uma cerimónia religiosa, devem esperar até à mesma onde ali são apresentados perante DEUS.

5. PARA QUEM JÁ ABORTOU

No Salmo 32, David expressou a miséria e profunda tristeza que sentiu enquanto tentava esconder o seu pecado em vez de o confessar. Depois ele disse: “Confessei-Te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. Confessarei ao Senhor as minhas transgressões e Tu perdoaste a maldade do meu coração». Reconhecendo que era o único meio de escape, David confessou o seu pecado ao Senhor. Foi uma confissão de confiança, dado que David sabia que havia perdão em Deus (Sl 130:4)!

O apóstolo João escreveu para crentes que disse: “o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado… se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça» (I Jo 1:7,9). Notemos que Ele não disse que «nos perdoava à exceção do pecado da imoralidade e do aborto», mas de todo o pecado.

Deus não nos trata segundo os nossos pecados, antes tira completamente da Sua Mente os nossos pecados confessados (Sl 103:10-12). Porém Deus perdoa apenas a quem esteja arrependido e confesse o seu pecado. O perdão de Deus não é todavia justificação para, sabendo que é pecado, abortar para depois pedir perdão.

Quando o filho de David, o resultado da sua relação imoral com Bate-Seba morreu, David não receou que o filho estivesse à espera para o acusar. Antes pelo contrário, o filho tornou-se um símbolo de esperança de que um dia os dois, pai e filho, seriam unidos nos céus na presença de Deus. David declarou em II Samuel 12:23: “Eu irei a ele”. Deus perdoa, sim, e com o perdão de Deus, “temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5:1).

Joel Timóteo Ramos Pereira

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