“Porque Ele disse: Não te desampararei, nem te deixarei” (Hebreus 13:5).
Em “assim disse Jeová” reside um grande poder. O homem que pode empunhar, mediante a fé, esta espada: “Porque Ele disse”, tem em sua mão uma arma que vence tudo. Existe alguma dúvida que não possa ser eliminada por esta espada de dois gumes? Qual medo não cairá aniquilado com uma ferida mortal proporcionada por esta flecha saída do arco do pacto de Deus? Se podemos nos apoiar no baluarte “porque Ele disse”, acaso as tribulações da vida e as agonias da morte não parecerão apenas leves aflições? E não acontecerá exatamente o mesmo com as corrupções internas e com as tentações externas, com as tribulações que provêm do alto e com as tentações que surgem de baixo? Seja para encontrar deleite em nossa quietude ou para receber fortaleza em nosso conflito, “porque Ele disse” há de ser nosso refúgio cotidiano.
Daqui devemos aprender, irmãos meus, o valor extremo de analisar as Escrituras. Pode haver uma promessa na Palavra que se adapte exatamente ao seu caso, mas você pode desconhecê-la e perder, assim, o seu consolo. Vocês são como prisioneiros reclusos em um calabouço, e poderia haver uma chave no molho que abriria a porta para deixá-los em liberdade; mas se não a buscassem, seguiriam sendo ainda prisioneiros mesmo que a liberdade estivesse ao alcance da mão. Na grande farmácia da Escritura, poderia estar disponível um remédio potente, mas vocês continuariam doentes ainda que ali estivesse precisamente o remédio que curaria sua doença, se vocês examinassem e estudassem as Escrituras para descobrir o que “Ele disse”.
Além de ler a Escritura, não deveríamos permear ricamente nossas memórias com as promessas de Deus? Podemos lembrar os ditos dos grandes homens e valorizar os versos de poetas renomados; não deveríamos ser profundos em nosso conhecimento das palavras de Deus? As Escrituras deveriam ser os clássicos do cristão, e assim como nossos oradores citam Homero, Virgílio e Horácio quando querem corroborar um ponto, assim deveríamos ser capazes de citar as promessas de Deus quando quiséssemos resolver alguma dificuldade ou solucionar alguma dúvida. “Porque Ele disse” é o fundamento de todas as riquezas e a fonte de toda consolação; então, que a Palavra repouse em vocês ricamente como “uma fonte de água que jorra para a vida eterna”.
E, oh, irmãos meus, quão diligentemente deveríamos provar as Escrituras! Além de estudá-las – lendo-as e gravando-as em nossa memória – deveríamos prová-las mediante a experiência, e sempre que comprovássemos que uma promessa é verdadeira, deveríamos identificá-la como um sinal e anotar que nós também concordamos com o que disse alguém na antiguidade: “Ela é meu consolo em minha aflição, porque sua palavra me vivifica”. “Aguarde ao SENHOR”, diz o Salmista, e logo acrescenta: “Sim, espera ao SENHOR”, como se sua própria experiência o conduzisse a fazer eco à voz de Deus para seus ouvintes. Experimenta a promessa, apresenta o cheque de Deus no mostrador e registra que foi mudado. Usa a alavanca que Ele dá para levantá-lo das suas tribulações e comprove que possui um poder real. Mergulhe esta árvore divina nas águas amargas de seu mar e aprenda como adoçá-las. Tome este sal, e lança-o nas turvas águas e ateste que são purificadas, assim como ficaram puras as águas de antanho pelo profeta Eliseu. “Provai, e vede que Jeová é bom, pois nada falta aos que O temem”.
Vocês notarão que, à semelhança de seu Mestre, os apóstolos costumavam recorrer às citações. Eram homens inspirados que poderiam utilizar palavras novas, contudo, como um exemplo para nós, preferiam citar estas palavras: “Porque Ele disse”. Façamos o mesmo, pois, ainda que as palavras dos ministros pudessem ser doces, as palavras de Deus são mais doces; e ainda que os pensamentos originais pudessem ter a novidade do frescor, contudo, as antigas palavras de Deus têm o tinir, o peso, e o valor de antigas e preciosas moedas que não serão encontradas deficientes no dia em que nós as usemos.
Com base no nosso texto parece que “Porque Ele disse” não é somente útil para afugentar dúvidas, temores, dificuldades e demônios, mas que também nutre todas as nossas graças. Vocês percebem que quando o apóstolo nos exorta a ter contentamento, diz: “Contentes com o que têm agora; porque Ele disse”; e quando nos motiva a estar confiantes e a ser valentes, diz assim: “Porque Ele disse, portanto, nós podemos dizer confiantemente: o Senhor é meu ajudador; não temerei o que me pode fazer o homem”. Quando o apóstolo quer nutrir a fé, o faz citando a Escritura os exemplos de Abraão, de Isaque, de Jacó, de Moisés, de Gideão, de Baraque e de Jefté. Quando Tiago quer nutrir nossa paciência, diz: “Vocês ouviram sobre a paciência de Jó”; ou se se trata da nossa prática de oração, diz: “Elias era um homem sujeito a paixões semelhantes às nossas, e orou e venceu”. “Porque Ele disse” é alimento para toda graça assim como morte para todo pecado. Aqui vocês têm uma nutrição para o bem, um veneno para o mal. Estudem, então, as Escrituras, pois assim vocês se desenvolverão sãos, fortes e vigorosos na vida divina.
Com grande prazer regressamos de imediato às maravilhosas palavras de nosso texto: “Porque Ele disse: não te desampararei nem te deixarei”. Sem dúvida, vocês estão conscientes de que nossa tradução não transmite toda a força do original, e que em inglês dificilmente seria possível expressar todo o significado do grego. Poderíamos traduzir assim: “Porque Ele disse: eu nunca, nunca te deixarei; eu nunca, nunca, nunca te desampararei”, pois, ainda essa não seria uma tradução literal, senão uma tradução livre, contudo, como há cinco negações no grego, nós não sabemos como expressar sua força de nenhuma outra maneira. Duas negações se anulam em nosso idioma; mas aqui, no grego, intensificam o significado quando se repetem uma depois da outra, como suponho que teriam feito as cinco pedras que Davi tomou da torrente se a primeira não tivesse sido suficiente para fazer com que o gigante caísse. O verso que acabamos de cantar é uma excelente tradução do original –
“A alma que se tem apoiado em JesusEm busca de repouso,Eu não a abandonarei,Não a abandonarei a seus inimigos;Ainda que todo o inferno procure possuirEssa alma,Eu nunca, não, nunca,Não, nunca a abandonarei”.
Aqui vocês têm as cinco negações muito bem colocadas, e à medida do possível conserva fielmente a força do grego.
Ao tratar de expor esta quíntupla segurança, esta quintessência de consolação, teremos que lhes pedir que prestem atenção, antes de tudo, a uma terrível condição, ou aquilo que é negado; em segundo lugar, a uma agraciada promessa, ou aquilo que é garantido positivamente; continuando, temos de observar as notáveis ocasiões ou tempos nos quais essa promessa foi expressa; diremos algumas palavras sobre certas doces confirmações que comprovam que o texto é verídico; e logo, em quinto lugar, apresentaremos algumas conclusões necessárias que fluem das palavras da promessa.
I. Então, considerem antes de tudo, UMA TERRÍVEL CONDIÇÃO: perdidos e DESAMPARADOS por Deus! Se tentássemos descrever este estado mental, seria uma vã empreitada. Tenho pensado nele, tenho sonhado com ele e o tenho sentido na fraca medida em que um filho de Deus pode senti-lo, mas não sei como descrevê-lo.
1. O desamparo implica uma completa solidão. Ponham um viajante em um vasto deserto uivante, no qual por muitas léguas não haja rastros de seres humanos nem marcas dos passos de nenhum outro viajante. O desventurado viajante solitário clama pedindo ajuda, mas o eco vazio das rochas é sua única resposta. Nenhuma ave corta o vento; não há um chacal que se esconda no deserto; nem um só inseto lhe faz companhia sob os raios do Sol; não há sequer uma solitária folhinha de erva que lhe recorde de Deus! Contudo, nem sequer ali está só, pois essas rochas demonstram que há um Deus e a areia quente debaixo de seus pés e o Sol abrasador em cima de sua cabeça dão testemunho de uma deidade presente. Mas, qual não será a solidão de um homem abandonado por Deus! Nenhuma migração poderia ser tão terrível como esta, pois diz: “Se pegares as asas da manhã e habitar no fundo do mar, ali Tu estás”. Uma condição assim seria pior que o inferno, pois Davi diz: “E se no Sheol fizesse meu estrado, assim é, ali Tu estás”. A solidão é um sentimento que não produz nenhum deleite a ninguém. A solidão pode ter alguns encantos, mas aqueles que são forçados a serem seus cativos não os descobriram. Uma solidão passageira poderia proporcionar algum prazer. Mas estar só, completamente só, é algo terrível.
Estar só, sem Deus, é uma solidão tão grande que eu desafio até ao réprobo expressar o horror e a angústia que devem estar concentrados nessa solidão. Quando nosso Senhor Jesus diz: “Eu pisei só o lagar” há na linguagem muito mais do que vocês e eu poderíamos sonhar. Só! Vocês recordarão que Ele disse em uma ocasião: “Deixar-me-ão só; mas não estou só, porque o Pai está comigo”. Não há agonia nessa frase, mas qual não terá sido Sua aflição quando disse:” “Eu pisei só o lagar” “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” É o clamor da natureza humana em seu desânimo extremo. Graças a Deus porque mediante essa promessa somos ensinados, vocês e eu, que nunca conheceremos a desesperada solidão de sermos desamparados por Deus; contudo, assim seria, se Ele nos desamparasse!
2. Combinando com essa penosa solidão, há um sentido de completo abandono. De Deus é o poder; se o Senhor se retira, os homens fortes falharão por completo. Sem Deus, o arcanjo chega a seu fim e desaparece, os montes eternos se inclinam e as sólidas colunas da terra se desmancham. Sem Deus, nosso pó volta à terra; sem Deus, nosso espírito lamenta como Davi: “Esquecido de seu coração como um morto; veio a ser como um vaso quebrado”. Cristo soube o que era isso quando disse: “Eu sou um verme, não homem”. Ele estava tão completamente quebrantado, tão vazio de todo o poder, que quando pendia da cruz com Seus membros deslocados, exclamou: “Como um vaso se secou meu vigor… fui colocado na poeira da morte”. Nenhuma cana descascada ou pavio fumegante poderiam ser tão fracas como uma alma desamparada por Deus. Nosso estado seria tão deploravelmente desvalido como o da criaturinha de Ezequiel, abandonada e deixada sobre o campo sem ninguém que lhe pusesse fraldas e a cuidasse, abandonada completamente para perecer e morrer; assim nós seríamos se fôssemos abandonados por Deus! Gloriosas são essas negações que nos protegem de todo temor de experimentar essa calamidade.
3. Ser desamparado por Deus implica uma completa carência de amizades. Seja o SENHOR bendito mil vezes, porque só alguns de nós temos conhecido o que é não ter amigos! Existem momentos na experiência de alguns de nós em que sentimos que estávamos sem nenhum amigo na esfera particular que então ocupávamos, pois tínhamos uma dor que não podíamos confiar a nenhum outro coração. Todo homem que seja eminentemente útil na Igreja conhecerá tempos quando, como um paladino de Israel, tenha que sair sozinho. Isso, sem dúvida, é compensado por uma fé mais forte e a grandeza moral do heroísmo solitário. Porém, em que consistirá ser um pobre desventurado cujos pais estão enterrados há muito tempo, que perdeu até mesmo os parentes mais distantes e que, passando por algumas ruas, lembre o nome de alguém que foi uma vez amigo de seu pai, que bate à sua porta, mas sofre uma forte repulsa; lembra de outro – e este é sua última esperança – a alguém com quem brincou na infância; posta-se na frente de sua porta solicitando uma caridade, mas o tal amigo pede que continue seu caminho; percorre as ruas em um novembro frio enquanto chove a cântaros, sentindo, para seu grande desfalecimento, que não conta com nenhum amigo. Se regressasse à sua própria vizinhança, seria como voltar a seu próprio calabouço; e se entrasse na casa de caridade, nenhum dos olhos refletiria alguma simpatia por ele! Está completamente desprovido de amigos e está só! Eu creio que muitos suicídios têm sido provocados pela falta de um amigo. Enquanto um homem sentir que há alguém que o ama, tem algo pelo qual viver; mas quando o último amigo partiu e sentimos que estamos flutuando sobre uma balsa que está longe da costa, sem nenhum barco a vela à vista, então exclamamos: “Bem-vinda seja a morte!”. Nosso Senhor e Mestre foi conduzido a esse estado, e soube o que é o abandono, pois não lhe restou nenhum amigo. “O que come pão comigo, levantou contra mim seu calcanhar”. “Todos os discípulos, deixando-o, fugiram”.
Irmãos, muitos santos perderam todos os seus amigos, mas suportaram valentemente a prova, pois, voltando seus olhos para o céu sentiram que, ainda que não contassem com amigos, não lhes tinha sido deixado de usufruir da amizade. Ouviram a voz de Jesus que lhes dizia: “Não os deixarei órfãos; virei até vós”; e fortalecidos pela amizade divina, sentiram que não tinham ficado completamente sós. Mas, ser desamparado por Deus! Oh, que vocês e eu não saibamos nunca o que é isso! Estar sem um amigo no céu; olhar para esse trono de glória e ver a negrura da escuridão lá; dirigir-se à misericórdia se encontrar uma testa franzida; voar ao amor e receber uma reprimenda; dirigir-se a Deus e descobrir que Seu ouvido ficou surdo para ouvir e que Sua mão foi cortada para ajudar; oh, ser desamparado dessa maneira é um grande terror, é terror sobre terror!
4. Solidão, desamparo e falta de amigos, somem todas essas coisas e logo agreguem outro componente: a desesperança. Um homem ao que os demais abandonaram pode abrigar ainda esperanças. Mas se fosse desamparado por Deus, então a esperança teria desaparecido; a última janela teria se fechado; nem um só raio de luz penetra na densa escuridão egípcia de sua mente. A vida é morte; a morte é condenação, uma condenação em seus mais extremos alcances. Se olha para os homens, não são mais que canas descascadas; se recorre aos anjos, são seres vingadores; se olha para a morte, até o túmulo não lhe proporciona nenhum refúgio. Pode olhar para onde quiser, mas um desespero vazio e negro se apodera dele. Nosso bendito Senhor conheceu isso quando o amante e o amigo o desampararam, e seus conhecidos permaneceram na escuridão. Foi unicamente Sua fé transcendente o que permitiu dizer, depois de tudo, “não deixarás minha alma no Sheol, nem permitirás que teu santo veja corrupção”. A negra sombra desse completo desespero o cobriu quando disse: “Minha alma está muito triste, até a morte”, e “era seu suor como grandes gotas de sangue que caiam até a terra”.
5. Para compensar este quíntuplo abandono, contra o qual temos as cinco negações, agreguemos a toda essa solidão, desamparo, falta de amigos, e desespero, um sentido de indizível agonia. Falar de agonia é uma coisa, mas senti-la é algo muito diferente. Calamidade e desespero – que inclui a luta dessas coisas com o espírito até que o espírito é pisoteado, esmagado, quebrado e prefere o estrangulamento mais que a vida; que inclui um horrível sentido de que cada mal tem estabelecido sua guarida no próprio coração; que inclui estarmos conscientes de que somos o alvo de todas as flechas de Deus, que todas as ondas de Deus passaram sobre nós, que Ele esqueceu de ser clemente, que não será misericordioso para conosco, que fechou zangado as entranhas de Sua compaixão – tudo isso é uma parte de ser abandonado por Deus que unicamente os espíritos perdidos no inferno podem conhecer. Nossa incredulidade nos permite algumas vezes uma suspeita do que seria isso, mas se trata de uma suspeita unicamente, de uma olhada, unicamente; damos graças a Deus porque somos libertados de todo temor deste tremendo mal. Por meio de cinco feridas, nosso Redentor mata nossa incredulidade.
Irmãos, se Deus nos deixasse, fixem-se no resultado: eu visualizo o ótimo estado de um desamparado por Deus: é incerteza e azar. Eu preferiria ser um átomo a que Deus governa, que Ele lhe predestina sua senda e o força a seguir avançando de acordo com Sua própria vontade, que ser um arcanjo deixado a meu próprio arbítrio para fazer o que eu quisesse e para atuar conforme minha vontade, sem o controle de Deus; pois um arcanjo, deixado por Deus, logo perderia seu caminho e cairia no inferno; ou se derreteria, cairia e morreria; mas o diminuto átomo, tendo Deus com ele, cumpriria seu curso predestinado; estaria sempre numa pista segura e ao longo de toda a eternidade teria tanta potência nele como no momento em que foi criado. Não posso entender por que algumas pessoas estão tão afeiçoadas com o livre arbítrio. Eu creio que o livre arbítrio é o deleite dos pecadores, mas que a vontade de Deus é a glória dos santos. Não há nada de que eu deseje desfazer-me tanto como de minha própria vontade, para ser absorvido na vontade e no propósito de meu Senhor. Atuar segundo a vontade Daquele que é supremamente bom, supremamente veraz, supremamente sábio e supremamente poderoso, parece-me que é o céu. Que outros escolham a dignidade da independência; eu, ao contrário, anseio a glória de estar inteiramente morto em Cristo, e unicamente vivo Nele.
Oh! Queridos amigos, se o Senhor nos desamparasse, nosso curso seria incerto, para dizê-lo da melhor maneira, e, logo, terminaria em nada. Sabemos, ainda, que se Deus abandonasse ao melhor santo vivente, esse homem cairia imediatamente em pecado. Agora se apoia em segurança nesse pico elevado, mas seu cérebro vacilaria e o santo cairia se mãos secretas não o sustentassem. Agora escolhe seus passos cuidadosamente; mas se lhe tirassem a graça ele se encontraria no lodo, e rolaria nele como outros homens. Se o piedoso fosse desamparado por seu Deus, iria de mal a pior, até que sua consciência, que agora é muito terna, seria cauterizada como com um ferro quente. Logo ele se converteria em um ateu ou em um blasfemo, e chegaria ao seu leito de morte jorrando espuma pela boca, cheio de ira; apresentar-se-ia diante do tribunal de seu Criador com uma maldição em seus lábios; e na eternidade, deixado por Deus e desamparado por Ele, fundir-se-ia no inferno com os condenados, sim, e entre os condenados ele teria o pior lugar, mais baixo que os mais baixos, encontrando nas mais fundas profundidades uma profundidade mais funda, descobrindo na ira de Deus algo mais terrível que a ira ordinária que cai sobre os pecadores comuns!
Quando descrevemos assim o que é ser desamparado por Deus, não é satisfatório num grau supremo lembrar que temos a palavra de Deus repetida cinco vezes a este fim: “Eu nunca, nunca te deixarei; eu nunca, nunca, nunca te desampararei?” Eu sei que aqueles que caricaturam o calvinismo dizem que se fosse permitido que um homem vivesse como quisesse, mas Deus estivesse com ele, tal pessoa estaria segura ao final. Nós não ensinamos nada que se assemelhe a isso, e nossos adversários sabem que é certo. Eles sabem que nossas doutrinas são invulneráveis se as enunciassem corretamente, e que a única maneira com a qual podem nos atacar é nos caluniando e pervertendo o que ensinamos. E mais, na verdade, nós não dizemos isso, mas dizemos que onde Deus começa a boa obra, o homem jamais viverá como lhe aprouver, ou se o fizesse, desejaria viver como Deus quer que viva; que onde Deus começa uma boa obra, Ele continua; que o homem não é jamais desamparado por Deus, nem o homem abandona Deus, mas que é guardado até o fim.
II. Agora, em segundo lugar, temos diante de nós UMA AGRACIADA PROMESSA, ou aquilo que é garantido positivamente.
O que é que essa promessa garante? Amados, nela Deus dá ao seu povo tudo. “Eu não te deixarei”. Então nenhum atributo de Deus pode cessar de estar ocupado em nós. Ele é poderoso? Ele se mostrará forte em favor dos que confiam Nele. Ele é amor? Então, com eterna misericórdia terá misericórdia de nós. Cada um dos atributos que constituem o caráter da deidade estará comprometido de nosso lado ao seu limite máximo. Ademais, tudo o que Deus tem, seja no mais baixo Hades ou no mais sublime céu, tudo o que possa estar contido na infinitude ou possa caber dentro da circunferência da eternidade, qualquer coisa, por fim, que possa estar n’Aquele que preenche todas as coisas, e que contudo, é maior que todas as coisas, estará com Seu povo para sempre, porque ele disse: “Não te desampararei, nem te deixarei”. Quanto poderia estender-se com respeito a tudo isso, mas me abstenho; vocês mesmos sabem que resumir “todas as coisas” é uma tarefa que sobrepõe todo poder humano.
III. Sem dúvida, com o objetivo de expor essa promessa mais plenamente, queria recordar-lhes AS CINCO OCASIÕES EM QUE OCORREM NA ESCRITURA. O número cinco permeia todo nosso tema. O sentido e o espírito do texto têm de encontrar-se em inúmeros lugares, e possivelmente poderá haver outras passagens que se aproximam tanto de nosso texto que vocês poderiam dizer que são também repetições, mas penso que há cinco textos que poderiam ter claramente a prioridade.
1. Um dos primeiros casos se encontra em Gênesis 28:15. “Veja aqui, eu estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e voltarei a te trazer a esta terra; porque não te deixarei até que tenha feito o que te disse”. Aqui temos essa promessa no caso de um homem atribulado. Mais que Abraão ou Isaque, Jacó foi um filho da tribulação. Nessa ocasião, Jacó fugia da casa de seu pai, deixando atrás o carinho excessivo e o apego de uma mãe e o aborrecimento de seu irmão mais velho, que buscava sua morte. Jacó se deita para dormir, com uma pedra como almofada, com as árvores como cortina, com a terra como leito, e os céus por teto e cobertura; e enquanto dorme assim, sem amigos, solitário e isolado, Deus disse: “Não te deixarei”. Observem sua vida posterior. É guiado a Padan-aram. Deus, seu guia, não o deixa. Em Padan-aram, Labão o engana, o engana perversa e maldosamente de muitas maneiras, mas Deus não o deixa, e Jacó é um digno oponente do larápio Labão. Foge, ao final, com sua esposa e filhos; Labão o persegue enfurecido, mas o Senhor não o deixa; o Monte Mizpa dá testemunho de que Deus pode deter o perseguidor, e fazer com que o inimigo se torne um amigo. Esaú sai contra ele: que Jaboque sirva de testamento das lutas de Jacó, e por meio do poder d’Aquele que nunca desamparou seu servo, Esaú beija seu irmão ao qual uma vez pensou matar. Logo, Jacó mora em tendas e cabanas em Sucote; percorre toda essa terra e seus filhos matam traiçoeiramente os habitantes de Siquém. As nações vizinhas buscam vingar seus mortos, mas o Senhor intervém de novo e Jacó é liberto. Depois o pobre Jacó é separado de seus filhos. Clama: “José não aparece, Simeão tampouco, e a Benjamim foi levado; contra mim são todas essas coisas”. Mas essas coisas não estão contra ele. Deus não o deixou, pois ainda não fez tudo o que havia dito. O ancião desce ao Egito; seus lábios se refrescam quando beija as bochechas de José, seu filho dileto, e até o fim, quando recolhe seus pés à cama e canta sobre aquele Siló que viria e daquele cetro que não seria expulso de Judá, o bom ancião Jacó demonstra que, em seis tribulações, Deus está com Seu povo, e em sete não o desampara; que Ele não muda, e até a velhice o suportará. A vocês, que são como Jacó, cheios de aflição: a vocês aflitos e atribulados herdeiros do céu, a cada um de vocês Ele disse – oh! Creiam Nele! – “Eu nunca te desampararei, nem te deixarei”.
2. O seguinte caso no qual encontramos essa mesma promessa está em Deuteronômio 31:6. Aqui encontramos que é dada, não tanto a indivíduos, mas ao corpo tomado em sua coletividade. Moisés disse ao povo de Judá, pela Palavra de Deus: “Esforça-os e cobrai ânimo, não temais nem tenhais medo deles porque Jeová teu Deus é o que vai contigo; não te deixará nem te desamparará”. Amados, podemos considerar essa promessa como se fosse entregue à Igreja de Deus, como uma Igreja. Essas pessoas tinham de lutar contra as nações malditas de Canaã, para expulsar os gigantes e os homens que tinham carros de ferro, mas o Senhor disse que nunca os deixaria, e não o fez, até que de Dan até Berseba a raça escolhida possuiu a terra prometida, e as tribos subiram a Jerusalém com a voz de um jubiloso cântico. Agora, como Igreja de Deus, temos que recordar que a terra se estende ante nós, e que somos chamados por Deus para possuí-la. Eu queria que fosse minha porção ainda mais e mais, como Josué, guiá-los de um lugar a outro, eliminando os inimigos do Senhor e estendendo o reino do Messias! Sem importar o que tentarmos, nunca falharemos. Atrevamo-nos a fazer grandes coisas pela fé, e faremos grandes coisas. Aventuremo-nos a realizar notáveis façanhas que poderiam parecer fanáticas à razão e absurdas aos homens prudentes, pois Ele disse: “Não te desampararei, nem te deixarei”. Bastaria que a Igreja de Deus soubesse que seu Senhor não pode deixá-la, e então ela tentaria fazer coisas maiores do que as que tenha tentado jamais, e o êxito de suas tentativas seria supremamente certo e seguro. Deus não pode jamais desamparar um povo que ora, nem lançar fora uma igreja que trabalha; Ele há de nos abençoar até o fim.
3. A terceira ocasião na qual essa promessa foi feita se encontra em Josué 1:5, onde o Senhor disse a Josué: “Ninguém poderá te enfrentar em todos os dias de sua vida; como estive com Moisés, estarei contigo; Não te deixarei, nem te desampararei”. Agora, esse é o texto de um ministro. Se somos chamados a conduzir o povo, a enfrentar o mais árduo da batalha, o peso e o calor do dia, temos de guardar isto como uma preciosa consolação: Ele não nos deixará nem nos desamparará. Não é necessário que lhes diga que é qualquer um que pode ir à frente das fileiras, e que, ainda que não é pequena a parte de honra dada por Deus a uma tal pessoa, contudo, há em sua porção uma amargura que ninguém mais pode conhecer. Há momentos nos quais, se não fosse pela fé, entregaríamos o espírito, e se não fosse porque o Mestre está conosco, daríamos às costas e fugiríamos, como Jonas o fez com respeito a Nínive. Mas se algum de vocês é chamado a ocupar posições proeminentes na Igreja de Deus, que coloque isto ao redor de seu braço e o fortalecerá. Ele te disse: “Não te desampararei nem te deixarei”. Vá com esta tua força; Jeová está contigo, varão esforçado e valente.
4. Na seguinte ocasião, Davi, em seus últimos momentos, deu essa mesma promessa a seu filho Salomão, em 1 Crônicas 28:20. Davi falava do que ele mesmo tinha comprovado por experiência que era verdade, e declara: “Anime-se e esforce-se, e mãos à obra”; não temas nem desmaies, porque Jeová, Deus, meu Deus, estará contigo; Ele não te deixará nem te desamparará, até que acabes toda a obra para o serviço do templo de Jeová”. Alguns cristãos são colocados onde se necessita muita prudência, discrição e sabedoria. Podem tomar essa promessa e fazê-la sua. A rainha de Sabá veio para ver Salomão; fez-lhe muitas perguntas difíceis, mas Deus não o deixou, não o desamparou, e Salomão foi capaz de responder todas as questões. Como juiz sobre Israel, eram levados diante dele muitos casos complexos; vocês recordam o bebê e as mulheres meretrizes e quão sabiamente julgou esse caso. A construção do Templo era uma obra muito imponente; não se havia visto nada semelhante na terra, mas, pela sabedoria que lhe foi dada, as pedras foram moldadas e postas uma sobre a outra, até que, por fim, colocou-se a pedra de coroação em meio de aclamações. Você fará o mesmo, oh homem de negócios, ainda que a sua seja uma situação de muita responsabilidade. Você terminará sua carreira, oh responsável obreiro, ainda que tenha muitos olhos que estejam atentos ao seu engano. Você fará o mesmo, irmã, ainda que necessite ter sete olhos em vez de dois; você ouvirá a voz de Deus dizendo: “Este é o caminho, andai por ele”. Nunca será envergonhada nem confundida, por todos os séculos.
5. A continuação – e talvez esta quinta ocasião seja a mais consoladora para a maioria de vocês – se encontra em Isaías 41:17: “Os aflitos e necessitados buscam as águas, e não as têm; seca está de sede sua língua; eu, Jeová, os ouvirei, eu o Deus de Israel não os desampararei”. Você poderia ser conduzido a esse estado no dia de hoje. Sua alma pode necessitar de Cristo, mas pode ser incapaz de encontrá-lo. Pode sentir que está perdido sem a misericórdia que provém do sangue expiatório. Você pode ter percorrido as obras e as cerimônias, as orações e as ações, a esmola e as experiências, e ter descoberto que todas essas coisas são poços secos, e agora dificilmente você pode orar, pois sua língua se prega ao céu da boca devido à sede. Agora, em sua pior condição, levado à mais baixa condição a qual uma criatura pode ser colocada, Cristo não lhe desamparará, Ele virá em seu auxílio.
Seguramente uma dessas cinco ocasiões tem que se adaptar a você, e permitam-me recordar aqui que tudo o que Deus disse a qualquer santo, disse-o a todos. Quando Ele abre um poço para um homem é para que todos possam beber. Quando cai o maná, não é somente para os que estão no deserto, mas nós também, por fé, comemos ainda o maná. Nenhuma promessa é de interpretação privada. Quando Deus abre uma porta do celeiro para distribuir o alimento, pode haver um homem morrendo de fome que sirva de impulso para que a porta seja aberta, mas todos os famintos podem se aproximar e comer também. Seja que a palavra tenha sido dada a Abraão ou a Moisés, não importa; deu a você como a um da semente do pacto. Não há uma só bênção sublime que seja muito elevada para você, nem uma ampla misericórdia que seja muito extensa para você.
Alça agora seus olhos ao norte e ao sul, ao leste e ao oeste, pois tudo isso é seu; suba ao cume do Pisga, e olhe até o último confim da promessa divina, pois toda a terra é de sua propriedade. Não há uma só torrente de água viva da qual você não pode beber. Se da terra flui leite e mel, coma o mel e beba o leite. As vacas mais gordas, sim, e os mais doces vinhos, tudo isso é seu, pois não se pode negar nada disso a nenhum santo. Seja valente para crer, pois Ele disse: “Não te desampararei, nem te deixarei”.
Fazendo um resumo, não há nada que você possa necessitar, não há nada que possa pedir, não há nada que possa carecer no tempo ou na eternidade, não há nada vivo, não há nada morto, não há nada neste mundo, não há nada no mundo vindouro, não há nada agora, nada na manhã da ressurreição nem nada no céu que não esteja contido neste texto: “Não te desampararei, nem te deixarei”.
IV. Vou dar quatro golpes para bater o prego enquanto falo sobre AS DOCES CONFIRMAÇÕES dessa promessa sumamente preciosa.
1. Permitam-me recordar-lhes que o Senhor não deixará Seu povo nem desejaria fazê-lo, em razão de Sua relação com ele. Ele é seu Pai; acaso seu pai lhe deixaria? Acaso ele não disse: “Se esquecerá a mulher do que deu a luz, para deixar de compadecer-se do filho do ventre? Ainda que esqueça ela, eu nunca esquecerei de você”. Sendo você mal, deixaria que seu filho perecesse? Nunca, nunca! Lembre que Cristo é seu esposo. Sendo você um esposo, descuidaria da sua esposa? Acaso não seria uma vergonha que um esposo não sustentasse e cuidasse de sua esposa como de seu próprio corpo, e acaso Cristo se converteria em um desses maus esposos? Não disse: “Ele aborrece o repúdio”, e haveria de lhe repudiar? Lembra que você é parte do Seu corpo. Ninguém jamais aborreceu a sua própria carne. Você pode ser só como o dedo mínimo, mas deixará que seu dedo apodreça, que pereça, que morra de fome? Você poderia ser o menos digno de todos os membros, mas não está escrito que a esses se vestem mais dignamente, e assim nossas partes menos decorosas são tratadas com mais decoro? Se Ele é pai, se é esposo, se é cabeça, se é tudo em tudo, como poderia lhe deixar? Não pense tão duramente do seu Deus.
2. Logo, a continuação, Sua honra o obriga a não lhe desamparar nunca. Quando vemos uma casa meio construída e que permanece em ruínas, dizemos: “Este homem começou a edificar, e não pôde acabar”. Dir-se-á isso de seu Deus: que começou a salvá-lo e não pôde levá-lo à perfeição? É possível que quebrante Sua palavra, e que manche assim Sua verdade? Os homens serão capazes de desacreditar Seu poder, Sua sabedoria, Seu amor, Sua fidelidade? Não, graças a Deus, não! “Eu vos dou” – diz – “vida eterna; e não perecerão jamais, nem ninguém as arrebatará de minha mão”. Se você perecesse, crente, o inferno ressonaria com uma risada diabólica contra o caráter de Deus; e se alguma vez pereceu alguém a quem Jesus se propôs a salvar, então os demônios do abismo apontariam para sempre ao Cristo derrotado com o dedo do escárnio, ao Deus que se propôs fazê-lo, mas não pôde cumpri-lo –
“Sua honra está comprometida a salvarA mais insignificante de Suas ovelhas;Tudo o que Seu Pai celestial lhe deuSuas mãos o guardam seguramente”.
3. E se isso não bastasse, lembre que além disso tudo, todo o passado serve para demonstrar que Ele não lhe desamparará. Você esteve em abismos de águas; afogou-se? Caminhou em meio a fogo; queimou-o? Houve seis tribulações; Ele o desamparou? Você desceu até a raiz dos montes e a alga se enrolou em sua cabeça; acaso Ele não o tirou dessa situação de novo? Você experimentou grandes e agudas tribulações; mas, acaso Ele não o livrou? Diga-nos, quando Ele o deixou? Testifique em Seu contrário; se descobriu que Ele é esquecido, então duvide Dele. Se o encontrou indigno de sua confiança, então desconheça-o, mas não até então. O passado ressoa com mil cânticos de gratidão, e cada uma de suas notas demonstra por uma indisputável lógica que Ele não desamparará o Seu povo.
4. E se isso não bastasse, pergunte a seu pai e aos santos que já partiram. Pereceu algum deles confiando em Cristo? Soube que se diz que alguns a quem Jeová amou têm caído da graça e se perderam. Ouvi que lábios de ministros se prostituem assim com a falsidade, mas eu sei que esse nunca foi o caso. O SENHOR guarda a todos os Seus santos; nem um só deles pereceu; eles estão em Sua mão e foram preservados até aqui. Davi deplora: “Todas tuas ondas tem passado sobre mim”; contudo, exclama: “Espera em Deus; porque ainda hei de louvá-lo”. Jonas se lamenta: “A terra trancou-me para sempre com seus ferrolhos”; e, sem dúvida, pouco tempo depois diz: “A salvação é de Jeová”. Vocês, seres glorificados no alto, através de muitas tribulações herdaram o reino, e trajados com suas vestes brancas, vocês sorriem desde seus tronos de glória e nos dizem: “não duvidem do Senhor nem desconfiem Dele, Ele não desamparou Seu povo nem expulsou Seus eleitos”.
5. Amados amigos, não há nenhuma razão pela qual Ele deva nos deixar. Vocês podem formular alguma razão pela qual Ele deveria nos repudiar? Por acaso a pobreza de vocês, a nudez, o risco, o perigo de sua vida? Em todas essas coisas somos mais que vencedores por meio Daquele que nos amou. Você diz que são seus pecados? Então eu lhe respondo que o pecado não pode ser nunca uma causa para que Deus deixe Seu povo, pois estavam cheios de pecado quando Ele abraçou suas pessoas a primeira vez e abraçou sua causa. Essa teria sido uma razão pela qual nunca deveria amá-los, mas, havendo-os amado quando estavam mortos em delitos e pecados, seu pecado não pode ser jamais uma razão para deixá-los. Ademais, o apóstolo diz: “Estou seguro de que nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados nem potestades, nem o presente, nem o porvir”— e o pecado é uma das coisas presentes e temo que é uma das coisas por vir – “nem o alto, nem o profundo, nem nenhuma outra coisa criada poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus Senhor nosso”. Oh filho de Deus, não há temor de que você use indevidamente essa preciosa verdade. O professante de piedade que é de origem má poderia dizer: “Vou pecar, pois Deus não me destruirá”; mas vocês que são herdeiros do céu não diriam isso; antes, atarão isso ao redor de seu coração, e dirão: “Agora vou amar Aquele que havendo amado aos seus, nos amou até o fim”. A Deus seja a glória —
“Em meio a todo o meu pecado, cuidados e dorSeu Espírito não me soltará”.
Escravos que temem a maldição de Deus, apliquem-se a suar e trabalhar arduamente. Nós somos Seus filhos, e sabemos que não pode nos expulsar de Seu coração. Que Deus nos livre da infame servidão da doutrina que faz que os homens temam que Deus possa ser infiel, que Cristo possa divorciar-se de Sua própria esposa e que possa permitir que os membros de Seu próprio corpo pereçam; que morra por eles e, sem dúvida, que não os salve. Se há alguma verdade que a Escritura ensina, é que os filhos de Deus não podem perecer. Se este Livro nos ensina algo, se não é uma ficção do princípio ao fim, ensina-nos em cem lugares que “prosseguirá seu caminho o justo, e ao limpo de mãos aumentará a força”. “Os montes se moverão, e as colinas tremerão, mas não se apartará de ti minha misericórdia, nem o pacto de minha paz se quebrantará, disse o SENHOR Jeová, o que tem misericórdia de ti”.
V. E agora, em quinto lugar, veremos as CONCLUSÕES APROPRIADAS que devem ser extraídas dessa doutrina.
1. Uma das primeiras conclusões é o contentamento. O apóstolo diz: “Tendo sustento e abrigo, fiquemos contentes com isto porque Ele disse: ‘Não te desampararei, nem te deixarei’”. Ismael, o filho de Hagar, tinha sua água em um odre e ele poderia rir-se de Isaque porque ele não possuía nenhum odre, mas a diferença entre ambos consistia em que Isaque habitava junto ao poço. Agora, alguns de nós temos muito pouco neste mundo; não temos nenhum odre de água, nem nenhuma provisão à mão, mas, por outro lado, vivemos junto do poço, e isto é ainda melhor. Depender da providência cotidiana de um Deus fiel é melhor que contar com vinte mil libras esterlinas ao ano.
2. A segunda lição é a valentia. Digamos valentemente: “Deus é o que me ajuda, o que pode me fazer o homem?” Um filho de Deus temeroso! Vamos, não há nada que seja mais contrário à sua natureza. Se alguém os perseguir, olhem-no no rosto e suportem-no alegremente. Se riem de vocês, que riam; vocês poderão rir quando eles uivarem. Se alguém os depreciar, fiquem contentes, fiquem contentes por serem depreciados pelos néscios e serem incompreendidos pelos loucos. Seria duro se o mundo nos amasse, mas é algo fácil se o mundo nos odeia. Estamos tão acostumados a ouvir de nós que somos completamente vis em nossos motivos e egoístas em nossos propósitos; estamos tão acostumados a ouvir que nossos adversários distorcem nossas melhores palavras e destroçam nossas frases, que se fizessem qualquer outra coisa que ladrar, considerar-nos-íamos indignos. “Quem és tu para que tenhas temor do homem, que é mortal, e do filho do homem, que é como feno? E já se esqueceu de Jeová teu Criador, que expandiu os céus e fundou a terra”.
3. Logo, a continuação, temos de nos desfazer de nosso desânimo. Alguns de vocês vieram aqui essa manhã com um ânimo tão negro como o clima. Há uns instantes vimos alguns raios de sol espiando através daquelas janelas, ao ponto de que nossos amigos se apressaram a fechar as persianas para impedir que o deslumbrante brilho cegasse seus olhos; eu espero, sem dúvida, que não impeçam a passagem dos raios do santo gozo que irrompe agora em vocês. Não, porque Ele disse: “Não te desampararei, nem te deixarei” deixem seus problemas em seus genuflexórios, e levem consigo uma canção.
4. E logo, irmãos meus, aqui tem um argumento para o maior deleite possível. Como devemos regozijar-nos com um gozo indizível se Ele não nos deixará nunca! As meras canções não bastam; todos vocês, os retos de coração, irrompam em gritos de júbilo.
5. E, por último, que sustento temos aqui para a fé! Apoiemos todo nosso peso em nosso Deus. Apeguemo-nos sobre Sua fidelidade como o fazemos sobre nossas camas, trazendo todo o nosso desfalecimento ao seu amado repouso. Agora, deixemos os pesos de nossos corpos e de nossas almas sobre nosso Deus porque Ele disse: “Não te desampararei, nem te deixarei”.
Oh, eu desejaria que essa promessa lhes pertencesse, a todos vocês! Eu daria minha mão direita se isso pudesse! Mas alguns de vocês não devem tocá-la; a alguns de vocês não lhes pertence, pois é propriedade exclusiva do homem que confia em Cristo. “Oh!” – dirá alguém – “então vou confiar em Cristo”. Faça-o, alma, faça-o; e se confiar Nele, nunca lhe deixará. Negro como é, Ele o lavará. Malvado como é, Ele o santificará. Ele não lhe deixará nunca. Ainda que não tenha nada que mereça Seu amor, Ele o apertará contra Seu peito. Ele não o deixará nunca. Na vida ou na morte, no tempo ou na eternidade, Ele não o desamparará nunca, mas o levará com segurança a Sua destra, e dirá: “Eis-me aqui, e os filhos que me destes”.
Que Deus sele essas cinco negações em nossas memórias e em nossos corações, por nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
Charles Haddon Spurgeon – Sermão pregado na manhã de Domingo, 26 de outubro de 1862 no “The Metropolitan Tabernacle Pulpit“, Newington, Londres | Uma publicação de Projeto Castelo Forte – Divulgando o Evangelho do SENHOR | Todo direito de tradução protegido por Lei Internacional de Domínio Público e com permissão de Allan Roman, do espanhol.