Não Vos Comove Isto?

“Não vos comove isto a todos vós que passais pelo caminho? Atendei, e vede, se há dor como a minha dor, que veio sobre mim, com que o Senhor me afligiu, no dia do furor da Sua ira” (Lm 1:12).

Estas são palavras fortes, com certeza, que atingem o mais profundo do coração enquanto buscam por uma resposta à questão que foi levantada. Foi Jeremias, o profeta, quem primeiro pronunciou estas palavras há uns 2.500 anos. Elas pareciam estar focalizadas em um tumultuoso agrupamento de pessoas fora da cidade de Jerusalém, por volta do ano 30 d.C.

Muitas pessoas encontram-se ali, indo de um lado para o outro, cuidando das ocupações rotineiras desta vida. Há crianças brincando e chamando umas pelas outras. Há mulheres indo ao mercado ou talvez indo buscar água. Há comerciantes discutindo sobre seus negócios de compra e venda de mercadorias. Há líderes religiosos falando com voz exaltada sobre os eventos dos últimos dias. Há muitos soldados que se dirigem para o cumprimento do dever. E há pequenas rodas de curiosos, caçadores de novidades, repousando sobre as vertentes cobertas pela relva e esperando para ver o que iria acontecer.

Três cruzes

E realmente algo estava para acontecer, pois tratava-se de um dia escolhido para uma execução pública. Três cruzes foram levantadas e, sobre elas, três homens podiam ser vistos com enormes cravos que os prendiam. Não estava sendo dada muita atenção aos dois homens à direita e à esquerda. Eram criminosos conhecidos, e não há dúvidas de que todos achavam que eles estavam recebendo o que mereciam.Todavia, o Homem na cruz do meio estava recebendo muito mais atenção. Alguns pensavam que Ele havia enganado as pessoas; que Ele estivesse querendo abolir os costumes religiosos de sua nação. Outros lembravam que, no entanto, Ele tinha curado muitos enfermos. Tudo isso os incriminava, imputando-lhes a culpa de Seu sangue estar sobre eles e sobre seus filhos. Alguém, tomando a palavra, disse que Ele havia restaurado a vista a um cego de nascença, e era certo que se Ele não fosse Deus não teria sido capaz de fazer algo assim. Desse modo o povo ficava dividido.

Era desprezado

A medida que as horas da manhã passavam, parecia que os antagonistas iam ganhando terreno. Eles zombavam, escarneciam, instigavam, batiam n’Ele e O maltratavam com espinhos e sarças. Aqueles que sabiam um pouco da verdade de que era Ele o próprio Filho de Deus aparentemente nada podiam fazer além de bater no peito em completo desespero. Talvez se lembrassem das palavras do profeta Isaías: “Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, Homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de Quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos d’Ele caso algum” (Is 53:3). E talvez tenham se lembrado das palavras de um deles que havia dito, “Porventura sabem verdadeiramente os príncipes que de fato este é o Cristo?” (Jo 7:26).

Maria, a mãe do Senhor, também se encontrava naquela cena. E como poderia ela ficar longe dali? Ela tinha verdadeiramente um coração de mãe para com seu Filho primogênito. Sem dúvida ela se lembrava das palavras de Simeão naqueles dias de euforia quando Jesus nasceu. Simeão, um velho, havia dito: “Eis que este é posto…para sinal que é contraditado (e uma espada traspassará também atua própria alma); para que se manifestem os pensamentos de muitos corações” (Lc 2:34-35). Seria isto o que ela estava agora testemunhando; seria isto o que Simeão quis dizer?

Maria Madalena

Junto com Maria, a mãe do Senhor, estava outra Maria, Maria Madalena. Não se sabe muito desta Maria, exceto que o Senhor, no começo de Seu ministério, havia expulsado dela sete demônios (Lc 8:2). Por este ato de bondade e compaixão, o coração de Maria havia sido grandemente atraído a Ele. Ela, com frequência, servia a Ele quando estava na Galiléia (Mc 15:41).

E agora desce uma cortina de escuridão sobre a cena toda. Já não é permitido ao homem seguir dando vazão à sua ira contra o amado Ser celestial. Aqueles que estavam nas proximidades não podiam enxergar com seus olhos, mas podiam escutar com seus ouvidos. Penetrando a escuridão, ouviu-se um brado de gelar o coração: “Deus Meu, Deus Meu, porque Me desamparaste?” (Mt 27:46). E depois, “Está consumado” (Jo 19.30). A obra da salvação havia sido completada pela morte do imaculado e incontaminado Filho de Deus, o Cordeiro escolhido pelo próprio Deus.

Desde aquele momento, e até hoje, as palavras da lamentação de Jeremias trazem um significado particular. “Não vos comove isto a todos vós que passais pelo caminho?” (Lm 1:12). Muitos daqueles que participaram da cena da crucificação diriam que aquilo nada significou para eles. Continuaram seus caminhos para seus lares e voltaram às suas atividades habituais. O mesmo não aconteceu com Maria Madalena. Ela aguardou por perto para ver onde Ele seria colocado (Mc 15:47). Já se delineava em sua mente um piano de como ela poderia mostrar mais um ato de bondade para com Aquele que havia mostrado tanta bondade para com ela. Ela esperou pacientemente por uma chance, e quando o Sabbath já havia passado, bem cedo de manhã ela dirigiu-se ao sepulcro com suas especiarias aromáticas a fim de ungir o corpo de Jesus (Mc 16:1-2).

Um sepulcro vazio

Então, naquela manhã da ressurreição, ela encontrou o sepulcro vazio. Aquilo foi demais para Maria, e ela correu a procurar Pedro e João na esperança de que pudessem dar a ela respostas para sua perplexidade. Pedro e João verificaram o fato de que o sepulcro estava vazio, e seguiram para casa, deixando o sepulcro vazio e Maria do lado de fora, tomada de dor. “Pedro – alguém poderia perguntar – “Não vos comove isto?” Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, como pode você voltar para casa numa situação assim?” Longe de Maria pensar isto. Ela permaneceu ao lado do sepulcro chorando e sua reação respondia claramente à pergunta de Jeremias. Suas lágrimas e seu coração em dor falam mais alto do que palavras. Ele era tudo para ela; Ele era “totalmente desejável” (Ct 5:16).

Mesmo havendo Pedro e João partido, ela deve continuar sua busca sozinha. Isso a levou à notável revelação de Jesus a ela, uma honra e privilégio maiores do que os concedidos a quaisquer dos discípulos. Ela escutou dos próprios lábios do Senhor seu nome ser, amorosa e suavemente, chamado outra vez (Jo 20:16). Finalmente seu coração quebrantado já poderia descansar, sabendo que seu verdadeiro Amigo e Benfeitor estava vivo para sempre.

E o que é que acontece com Seus santos nos dias de hoje? Quando nos reunimos para recordá-Lo na morte a cada Dia do Senhor, será que podemos ouvir o lamento de Jeremias, dizendo, “Não vos comove isto?” Será que entramos em Sua presença como algo de rotina? Permanecemos ali conscientes de que fomos libertados da servidão de Satanás, de modo tão completo quanto foi Maria Madalena? Porventura nosso louvor e adoração não deveria alcançar um patamar mais elevado se tivéssemos o mesmo senso de amor e apreciação que teve Maria Madalena? Possamos nós proclamar com ela: Tudo Ele é para mim; Ele é “totalmente desejável” (Ct 5:6).

Is It Nothing to You?

R. Erisman – Extraído de “Christian Treasury”, setembro de 1996.