“Estais vendo a miséria em que estamos, Jerusalém assolada, e as suas portas queimadas a fogo; vinde, pois, reedifiquemos os muros de Jerusalém e deixemos de ser opróbrio” (Neemias 2:17).
O Senhor nos deu dois olhos para enxergar e devemos usá-los, logicamente, para este propósito. Alguns têm dito, e creio com razão, que devemos sempre olhar as coisas com dois olhos, usando um deles para ver o lado positivo e o outro o negativo. Fazendo assim, seremos mais cautelosos e sóbrios, e não seremos levados por um entusiasmo cego, nem por um espírito pessimista constante. Ao usarmos este princípio e olharmos a atual situação missionária nas igrejas locais, nos deparamos com estes dois lados.
Em primeiro lugar consideremos o lado positivo: De alguns anos para cá, está havendo um despertamento para a Obra do Senhor. Vários irmãos têm sido levantados com firmeza para se colocarem à disposição do Senhor para a Sua Obra, tanto no aspecto local como para outras cidades, estados e nações. Dentre estes, podemos encontrar um grande número de jovens.
As informações sobre a Obra do Senhor têm sido mais difundidas atualmente, os crentes individualmente e as igrejas estão tendo um desejo maior de tomar conhecimento do que o Senhor está fazendo no campo missionário. Vários instrumentos estão sendo levantados e usados para o melhor conhecimento da Obra do Senhor em muitos lugares. O número de encontros missionários tem aumentado a cada ano.
A questão financeira, que ainda tem sido um grande obstáculo para as igrejas locais, impedindo-as de se comprometerem ativamente no maior e mais importante investimento neste mundo, já está sendo tratada de forma mais clara e aberta em muitas igrejas.
Quando faço essa afirmação, não estou me referindo aos inconvenientes apelos financeiros que continuamos recebendo por cartas, como se o nosso Senhor não estivesse sendo suficiente para nos sustentar. Nem estou me referindo às discussões sobre salário integral, décimo terceiro e férias, mas estou me referindo aos estudos dos textos bíblicos que tratam do assunto de finanças, contribuições e sustento missionário que estão sendo analisados sem receio em conferências bíblicas.
Entretanto, infelizmente temos que usar o outro olho para ver o aspecto negativo: Nós, os obreiros, muitas vezes, estamos recebendo muitos privilégios que não deveriam ser apenas de uma classe seleta, alguma coisa um pouco semelhante ao clericalismo está presente em nosso meio.
Creio que sejam privilégios corretos e bíblicos o direito de receber sustento financeiro, ofertas voluntárias dos irmãos em particular ou das igrejas, diretamente ou por intermédio de instituições missionárias, não sendo um salário pré-fixado; o reconhecimento da igreja que nos recomendou e das demais que usufruem do nosso ministério; o direito de possuir qualquer equipamento necessário para a realização do trabalho do Senhor; o direito, em determinadas circunstâncias para o bem da Obra, de trabalhar com as próprias mãos ajudando no sustento ou evitando motivos de escândalo ao Evangelho. Mas é possível perceber hoje que os obreiros são considerados os sustentadores das igrejas, ou os líderes das igrejas, no entanto, não é isso o que encontramos no Novo Testamento, os líderes da igreja local são os anciãos, bispos ou presbíteros.
O obreiro não é o líder da igreja, ele pode ser um dos líderes, trabalhando juntamente com os outros. O obreiro não toma conta da igreja nem sustenta nenhuma igreja local. O único lugar onde encontramos algo semelhante a isso no Novo Testamento é no caso de Diótrefes (3 João 9-11) onde há uma clara condenação deste erro. Somos apenas servos subordinados Àquele que verdadeiramente “toma conta e sustenta” a igreja: O Senhor Jesus.
Talvez, por causa deste ar de superioridade que adquirimos, devido a “posição” que ocupamos, estejamos sendo levados a um relaxamento quanto ao caráter do homem de Deus exigido pelo Senhor. Não tem sido raro encontrarmos obreiros em plena atuação no Serviço do Senhor que, no entanto, não estão correspondendo às exigências de 1Timóteo 3 e Tito 1, que deveriam ser encontradas em todos os que servem ao Senhor.
Às vezes encontramos servos caracterizados pela arrogância, são irascíveis; outros são amigos de contendas e avarentos; outros podem ser descuidados com a vida financeira, dando mau testemunho junto aos de fora; alguns não governam a própria casa e não criam os filhos na disciplina e admoestação do Senhor; outros não são de uma só palavra, não são honestos e às vezes gananciosos; e ainda alguns podem ser até imorais, brincando com a sensualidade, podendo chegar até ao adultério; em alguns, raramente pode-se ver algum sinal de humildade e amabilidade em relação a outros, outros por sua vez não estão aptos para ensinar, ensinando uma mensagem distorcida e confusa. Alguns nem mesmo se falam, não se cumprimentam, evitam a presença de algum irmão, no entanto continuam ministrando livremente como se tudo estivesse bem. Alguns irmãos, e também eu, nos encontramos assustados em relação a este assunto. Por vezes, nós, servos do Senhor, não estamos sendo em quase nada semelhantes a Ele.
Somos informados sobre alguns piedosos servos do Senhor, e conheço alguns pessoalmente, que não permitem maledicências em suas mesas ou em suas salas, mas quão triste é ver e estar no meio de irmãos que não fazem outra coisa a não ser caluniar, criticar, semear contendas e discórdias entre os irmãos que servem ao Senhor em tempo integral. Por vezes os encontros de obreiros têm sido promovidos com o desejo sincero de comunhão, confraternização e edificação, mas também têm sido oportunidades aproveitadas pelo maligno para promover calúnias e difamação.
Uma das áreas que mais nos tem preocupado ultimamente é a questão da imoralidade. Quantos têm sido apanhados e derrotados nesta área, mesmo diante de tantas advertências das Escrituras acerca deste assunto? No entanto, está se tornando comum a aplicação de “panos quentes” nestes casos, especialmente se aquele que cai é um presbítero influente na igreja, ou alguém reconhecido e respeitado nacionalmente, ou talvez um obreiro itinerante ou pioneiro que tenha alcançado com o tempo a apreciação de milhares.
Por estes motivos a disciplina exigida pelo Senhor para manter a santidade na Sua casa, para a plena restauração do irmão, não é aplicada. Dizem: “é mais fácil tratar a disciplina de um crente ‘comum’, mas a de um obreiro, ou presbítero…”. Isto nunca deveria acontecer, os obreiros ou os pregadores deveriam ser os primeiros a darem exemplo de submissão à liderança em uma igreja local.
Ainda temos a satisfação de saber que irmãos e irmãs continuam dedicados aos serviços simples, mas básicos na Obra do Senhor, como a evangelização de casa em casa, evangelismo pessoal, pregações ao ar livre, evangelismo em lugares públicos como escolas, creches, hospitais, cadeias e também do serviço pastoral, o aconselhamento pessoal ou em grupo, ensino das doutrinas básicas, discipulado etc.
Mas, infelizmente, também é verdade que há aqueles que desprezam este aspecto do ministério. Não gostam de coisas pequenas, não se envolvem neste modelo original de servir ao Senhor, não gostam de trabalhar onde não serão vistos, acabam se envolvendo em outras atividades inventadas por alguém, ou pelos meios denominacionais, ou em imitação dos métodos empresariais, gastando um enorme tempo e dinheiro em encontros, discussões, viagens, projetos, estatísticas, alvos, planejamentos, organização, reuniões e mais reuniões.
Enquanto isso muitas almas estão descendo ao inferno sem serem evangelizadas, muita literatura empacotada sem ser distribuída, muitos irmãos precisando de aconselhamento, encorajamento, ensino e não estão sendo ajudados, muitos novos convertidos precisando de discipulado que acabam desanimados e prostrados na vida cristã, muitas igrejas do Senhor, pequenas, precisando de ajuda, ensino, encorajamento, mas permanecem desprezadas.
Receio que estejamos abandonando a originalidade da fé no poder de Deus que usa coisas simples e pequenas para realizar grandes coisas e caminhando na direção da confiança na organização, na concentração de força numérica, no sistema de marketing e coisas semelhantes. Por isso, creio eu, estão surgindo a cada dia, de um modo alarmante, novidades estranhas em nosso meio. Estranhas para nós, e estranhas para as Escrituras. Isso nos faz lembrar do fogo estranho de Nadabe e Abiú (Levítico 10:1-2) e no carro novo que Davi mandou fazer para trazer a arca para Jerusalém (1 Crônicas13:5-10).
Ainda mais um ponto que gostaria de considerar e creio firmemente que muitos irmãos gostariam de dizer a mesma coisa sobre este assunto. É a questão do exagerado espaço que a música, e o tipo de música, está tomando em nossos encontros missionários. Que carência urgente que temos de nos voltarmos para os ensinos da Palavra de Deus, que necessidade de um melhor conhecimento das Escrituras, pois os hereges estão cada vez mais preparados e ousados para convencer os seus ouvintes.
Muitas vezes manquejamos num fraco conhecimento das doutrinas bíblicas e, com tanta carência da Palavra de Deus, estamos dando mais espaço para os cantores (de uma a quase duas horas) e depois quarenta minutos de exaustão para tentar ouvir Deus falando conosco. Ouvimos descansados a música, ouvimos exaustos a Palavra de Deus. O primeiro lugar é mais tempo para a música; o último lugar é menos tempo para a Palavra. Irmãos, isso concorda com a sã doutrina?
Creio em uma urgente necessidade de santificação e avivamento entre nós obreiros, talvez estejamos tão ocupados com a obra, viagens, pregações, projetos, que não estamos tendo tempo para o Senhor nos falar, nos corrigir, aperfeiçoar e santificar. Sinto esta necessidade em minha própria vida, tenho lutado com minhas limitações e fraquezas que parecem maiores que eu. Mas estou certo que se reconhecermos as nossas ruínas, assim como Neemias, Jeremias, Daniel e outros e clamarmos humildemente ao Senhor Ele ainda fará maravilhas em nosso meio. “Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no vosso meio” (Josué 3:5).
O Senhor é Aquele que não pode suportar “iniquidade associada ao ajuntamento solene” (Isaías 1:13). É o mesmo que agiu contra Uzá, ferindo-o de morte quando a arca era trazida de volta para Jerusalém de uma maneira contrária a Sua Palavra (1 Crônicas13). É o mesmo que agiu contra Ananias e Safira (Atos 5). Mas também é o mesmo que ouviu as orações de Neemias, trazendo coragem, disposição, comunhão, alegria, edificação e progresso nos seus dias, um verdadeiro avivamento.
“Estais vendo a miséria em que estamos… vinde, pois… deixemos de ser opróbrio”.
Adir Ramos Magalhães | Boletim dos Obreiros