Os assuntos abordados dos capítulos 7 ao 11 da Primeira Epístola aos Coríntios são a resposta do apóstolo às dúvidas dos cristãos de Corinto que haviam escrito a Paulo expondo suas preocupações. No capítulo 7 o apóstolo continua o assunto da liberdade, falando disso em uma esfera um pouco mais ampla, ou seja, no matrimônio.
A Legitimidade do Matrimônio e Suas Obrigações
Nos versículos de 1 ao 9 de 1 Coríntios 7 o apóstolo começa falando da legitimidade do matrimônio e de suas obrigações. Ele fala do modo que foi legitimamente dado por Deus para evitar a tentação da fornicação, ou seja, da possibilidade de casar-se para que os apetites naturais do corpo possam ser atendidos de forma lícita. Ele escreve: “Cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido” (1 Cor 7:2). Repare que ele escreve no singular, pois a poligamia não é o ideal estabelecido por Deus, que desde o início planejou o matrimônio para um homem e uma mulher (Mc 10:6-8). Polígamos poderiam até estar em comunhão à mesa do Senhor quando convertidos, mas não deveriam cuidar das questões administrativas da assembleia (1 Tm 3:2). A afirmação do apóstolo põe por terra a ideia católica do celibato (1 Tm 4:3). Paulo insiste que “cada” homem e mulher no cristianismo tenha a liberdade de se casar, mesmo aqueles que ministram a Palavra (1 Cor 9:5).
Nos versículos 3 ao 5 ele segue falando de algumas das responsabilidades no matrimônio. Os cônjuges não devem defraudar ou privar sexualmente seus corpos uns dos outros, pois existe o perigo real de Satanás os tentar por sua incontinência ou falta de autocontrole, levando-os a praticar imoralidade extraconjugal. A única exceção é para se dedicarem especificamente à oração.
Nos versículos 6 ao 9 Paulo é cuidadoso em mostrar que, naquilo que está prestes a dizer, ele não está ordenando aos santos que se casem, mas apenas aconselhando. Eles têm essa liberdade, porém alguns, como o próprio Paulo, poderiam ter um “dom” de Deus para dispensar o casamento a fim de servirem ao Senhor sem distrações. Todavia, se alguém não consegue se controlar, então que se case, pois é melhor casar-se do que “abrasar-se” em concupiscências.
Casamentos Difíceis
Nos versículos 10 ao 24 Paulo faz seus comentários com respeito a casamentos difíceis. Ele considera dois cenários. O primeiro é um matrimônio cristão no qual tanto o marido como a mulher são salvos (1 Cor 7:10-11). Se a esposa, por alguma razão, decidir se separar (talvez por crueldade do marido), ela deve permanecer separada e não se casar novamente. Do mesmo modo, o marido não deve se divorciar de sua esposa caso ela decida se separar. A razão disso é que mais tarde poderia surgir uma oportunidade de eles se reconciliarem. Se um ou ambos acabassem casando novamente com outra pessoa seria impossível uma reconciliação. Isto era um “mandamento” apostólico vindo do Senhor.
Em um segundo cenário Paulo não dá um mandamento apostólico do Senhor, mas seu conselho apostólico, e tem a ver com um casamento de incrédulos, no qual um dos cônjuges se converte. Isto resulta em um casamento misto – um cônjuge é salvo e o outro não (1 Cor 7:12-24). Ele não está se referindo a um cristão que tenha desobedecido as Escrituras e se casado com um incrédulo. Ao contrário, trata-se de uma situação que já existia nos lugares onde o Evangelho era algo novo, quando a graça de Deus entrava em um lar no qual tanto o marido como a esposa estavam perdidos e um deles se convertia. Existe graça em casos assim, conforme o apóstolo segue explicando.
Ele demonstra que o cônjuge incrédulo está inserido em uma esfera de favor exterior de cristianismo. “Porque o marido descrente é santificado pela mulher; e a mulher descrente é santificada pelo marido” (1 Cor 7:14). Na época do Antigo Testamento se um judeu se casasse com uma pagã, o cônjuge judeu se contaminava (Ed 9:1-5; Ne 13:23-28). No cristianismo é o inverso. Se a graça de Deus operou em um lar e um dos cônjuges foi salvo, o cônjuge incrédulo é santificado por sua ligação com o crente. Porém, mesmo santificado ele continua sendo um incrédulo. Isto pode soar estranho, mas trata-se de uma santificação apenas exterior ou relativa.
Em casamentos assim mistos, se o cônjuge incrédulo quiser se separar do cônjuge crente, este último fica livre para casar-se novamente. Entenda que o apóstolo não está dando liberdade para o cônjuge crente separar-se de sua própria vontade e casar-se novamente (1 Cor 7:15-16). Portanto, as Escrituras permitem um novo casamento em três situações:
- Morte de um dos cônjuges (Rm 7:2; 1 Cor 7:39).
- Abandono por iniciativa do cônjuge incrédulo (1 Cor 7:15).
- Infidelidade (Mt 19:9).
Considerando que a tendência do coração humano é buscar mudanças, nos versículos 17 ao 24 o apóstolo passa a falar do chamado de Deus para pessoas em diferentes situações da vida. O princípio geral é que cada um permaneça na condição em que foi chamado. Todavia, se alguém puder se livrar de uma servidão, poderá usar (e não abusar) da liberdade para servir ao Senhor (1 Cor 7:21).
Conselho Apostólico Para o Solteiro
Nos versículos 25 ao 40 de 1 Coríntios 7 Paulo dá a sua própria opinião para os solteiros, sejam eles homens ou mulheres, que é o sentido da palavra “virgem” usada para ambos. Seu conselho geral é que se alguém estiver verdadeiramente ocupado no serviço para o Senhor, e se recebeu de Deus um dom para viver livre de lascívia em sua condição de solteiro, deve permanecer assim. Paulo dá três razões para permanecer solteiro.
A primeira é que, por causa da condição hostil do mundo em relação à fé cristã, havia uma possibilidade bem real de martírio “por causa da angustiosa situação presente” (1 Cor 7:26 ARA) da perseguição romana. As circunstâncias extenuantes de se ter uma esposa e uma família faziam aumentar ainda mais as responsabilidades dos casados. Havia a preocupação com a segurança da família e a possibilidade muito real de um cônjuge ficar viúvo e as crianças órfãs. Por isso Paulo julgava ser bom que o cristão permanecesse solteiro (1 Cor 7:25-26).
A segunda razão é que no matrimônio haveria “tribulações na carne” (1 Cor 7:27-28). Não que o matrimônio não seja recompensador, mas porque junto com ele vêm também dificuldades. Os problemas decorrentes de termos em nós uma natureza humana caída (a carne) são multiplicados no matrimônio. Já é bem difícil para uma pessoa lidar com sua natureza caída e manter a carne no lugar de morte, quanto mais vivendo com outra pessoa que também tem sua própria carne. Quando duas pessoas se tornam uma, continuam existindo duas vontades e duas personalidades com distintos desejos e aversões. A vida em conjunto exige graça, e quem permanece solteiro pode ser poupado dessas dificuldades.
A terceira razão é que existem preocupações no matrimônio (1 Cor 7:29-35). O cristão deve viver tendo em vista o fato de que “o tempo se abrevia”, pois aguardamos pela vinda do Senhor para qualquer momento. Este mundo em breve passará, portanto tudo deve ser priorizado tendo em vista a devoção à vontade de Deus. Todavia, no matrimônio existem responsabilidades de se manter um relacionamento feliz e uma vida familiar. As alegrias e tristezas, e as necessidades da vida que acompanham o casamento, têm grande influência no tempo que dispomos. A pessoa casada é obrigada a usar de coisas temporais deste mundo (porém sem abusar delas), enquanto a pessoa solteira não precisa se envolver com tantas coisas. Por conseguinte ela estará mais livre de vínculos terrenos para servir ao Senhor. O apóstolo dá um exemplo nos versículos 32 ao 34. A pessoa solteira dispõe de mais tempo para cuidar das coisas do Senhor sem distrações.
Todavia os versículos 36 ao 38 dizem que se alguém tiver dificuldades em controlar seus desejos sexuais, então que abra mão de sua virgindade por meio do matrimônio, “porque é melhor casar do que abrasar-se” com lascívia (1 Cor 7:9). Quem precisar se casar não deve sentir-se culpado por fazê-lo, pois fará bem. Mas se o cristão tiver “poder sobre a sua própria vontade” e tiver um dom neste sentido, então fará “ainda melhor” se permanecer solteiro.
Os versículos 39 ao 40 mostram que, no caso de um novo casamento, o conselho que o apóstolo dá é que a parte divorciada ou viúva tem a liberdade de voltar a se casar com quem achar melhor, mas deve fazê-lo “no Senhor”. Esta expressão mostra algo mais elevado em princípio do que casar-se “em Cristo”. A posição “em Cristo”, como já observamos nesta epístola, é a posição de todo cristão diante de Deus na aceitação que tem em Cristo. Ela não leva em consideração a condição do crente. Portanto, casar-se “em Cristo” seria equivalente a casar-se com outro cristão, sem levar em conta a condição ou interesses pessoais que ambos têm nas coisas do Senhor. Todavia, Paulo aqui não diz para se casaram “em Cristo”, mas sim “no Senhor”. Isto é algo ainda mais elevado, pois envolve pessoas que, no matrimônio, reconhecem o senhorio de Cristo de forma prática em suas vidas. Portanto, um casamento cristão deveria ser uma união na qual ambas as pessoas envolvidas no relacionamento reconhecem o senhorio de Cristo.
Bruce Anstey – Extraído de “The First Epistle of Paul to the Corinthians – The Maintenance of Order in the Local Assembly” – 1 Edição, Julho de 2007.