Libertação dos Pecadores por Meio do Sangue de Cristo
“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito” (1 Pe 3:18).
O tema de nossa meditação será encontrado na Primeira Epístola de Pedro 3:18, nestas palavras: “Cristo também sofreu por nossos pecados”. Que o Espírito Santo exponha e desenvolva o significado destas sagradas palavras para nossa edificação. Amém.
Cristo também sofreu por nossos pecados, para que pudesse nos levar a Deus. Caso eu não seja bem-sucedido no propósito de impressionar vocês com esta verdade, não será falha do tema tratado, pois é o mais interessante, o tópico mais vital para todos os homens que têm pecados de que se arrepender e a alma a ser salva. Há uma grande questão, que tem perturbado muitos pensadores desde que o mundo existe: pode Deus ser supremamente justo, e ainda perdoar pecados frivolamente? Como Ele pode, sendo inteiramente misericordioso, mostrar Sua misericórdia plenamente e, ao mesmo tempo, permanecer dentro dos limites da perfeita justiça? Como pode misericórdia e justiça estar unidas em Suas decisões? Como podem ambas brilhar com o mesmo esplendor, cada uma delas aumentando o esplendor da outra?
Todos os homens tentam responder a essa pergunta. Alguns dirão: “O que farei para apaziguar a justiça divina? Devo dar meu primogênito, ou óleos preciosos ou perfumes caros para que o Todo-Poderoso olhe para mim somente com olhos de misericórdia?” Nenhuma crença ou religião ofereceu resposta satisfatória. Suas crenças podem conduzir à escolha de poucos, mas elas não conquistam a aprovação se todos. Houve alguma religião que possuísse milhares de seguidores que não olhasse para os atributos de justiça e de misericórdia em seu Deus? Meus irmãos, o mesmo ocorre no cristianismo com respeito a isso, mas eu creio que ele responda de modo satisfatório. Ele diz aos homens: “Há um meio de satisfazer ao mesmo tempo o Juiz inflexível e o Pai amoroso, de apaziguar a justiça de Um e de mover as entranhas de compaixão do Outro”. O que busco fazer essa tarde é mostrar a vocês a união, por meio da cruz de Cristo, desses dois princípios que são, de outra maneira, completamente hostis entre si.
Tenho, entre meus ouvintes, alguns homens que pensam ter fundamentado suas esperanças em alicerces não sólidos que me perguntam como Deus pode sorrir e ainda permanecer justo? Escutem-me, enquanto lhes respondo a sua questão. Sim, Deus é supremamente justo e, ao mesmo tempo, infinitamente gracioso. Mas Cristo, por Seu amor por nós, ficou em nosso lugar e pagou nossas dívidas, e a justiça de Deus foi satisfeita. Doravante, Seu povo é livre e salvo, sabendo que Sua justiça assim como Sua misericórdia está satisfeita para sempre.
Quero chamar sua atenção hoje para três coisas distintas: a pessoa do Substituto, os sofrimentos que Ele suportou e a aceitação desses sofrimentos, o recibo de pagamento de nosso débito, que foi dado por Deus em consequência do sacrifício do Filho.
Para começar com o primeiro ponto: todos vocês creem que Jesus Cristo tinha duas naturezas. Ele era homem; que nunca nos esqueçamos disso, pois, de outro modo, ele não teria suportado os sofrimentos humanos. Ele era osso de nossos ossos e carne de nossa carne. Ele era homem [como nós], com uma só exceção: nós somos pecadores, e Ele era imaculado. Ele era homem, mas que homem! Se tivesse sido um homem, meramente homem, Ele teria sofrido apenas pelos próprios pecados, mas, pela mescla de humanidade e divindade, Ele se tornou apto a ser um substituto para nós. Olhe para Ele considerando Sua vida: aqueles olhos nunca olharam com raiva profana, aqueles lábios nunca proferiram uma palavra ríspida, aquela fronte pode ter-se fechado de tristeza, mas nunca de impaciência; aquela mão, sempre ativa, e aquele pé, em constante movimento, sempre foram empregados para realizar o bem. Sua vida, Sua vida inteira era tão pura que mesmo os inimigos não puderam encontrar nada nela de que pudessem acusá-Lo, e Sua vida é um milagre maior do que todos os que Ele fizera. Ele não era um homem transparente? Não havia veneno em Seus lábios; Nele não havia mancha ou ruga; nunca houve um homem assim. Gerado do Espírito Santo, Ele não compartilhou da depravação dos filhos de Adão. Volte-se para os quatro evangelistas: você não encontrará um defeito naquela vida pura. Ele era divinamente humano e perfeito em Seu caráter.
Oh! Meus caros irmãos, cremos que tais sofrimentos provam ser expiatórios quando suportados por tal Ser! Ele é o Imperador da Dor e leva a coroa da angústia. Confiem a alma às mãos Dele, porque Ele é capaz de carregá-las à salvação eterna.
Além disso, Ele era também Deus. Os dois princípios eram distintos Nele; uma humanidade não divina, uma divindade não humana. Venham até Ele, pois Ele é ninguém mais que Aquele que fez os céus, que colocou o fundamento dos montes e que fala aos anjos. É Ele quem segura as inundações, que traça os canais dos rios e os coloca no lugar. Ele se tornou uma criança no seio de Sua mãe, mas era o próprio Deus. Se não fosse assim, Ele nunca seria capaz de viver e morrer como o fez. Eu não confiaria minha alma a um anjo, nem mesmo a um arcanjo, mas eu a confiarei a Ti, ó Jesus onipotente, pois Tu és capaz de carregar todo o fardo dos meus pecados e lançá-los nas profundezas do mar!
Ó, meu irmão, chegue-se a Ele com toda a sua angústia, porque Ele é capaz de removê-la. Nosso Jesus é cheio de piedade, Ele está desejoso de salvar você. Se sua culpa foi maior que os céus, o mérito Dele é ainda maior! Ainda que seus crimes sejam como montanhas, ainda que você esteja carregado com todos os pecados da humanidade, o sangue de Cristo é suficiente para lavar todos eles. Oh! Se você tiver coragem o bastante para lançá-los sobre Ele e descansar em Seus braços, as promessas de Deus se cumprirão! O mar terá secado e o Sol, deixado de brilhar antes que Ele rejeite uma alma que se apega à cruz. Oh! Venham até Ele, pois Ele é um homem perfeito e um Deus perfeito, e Ele é capaz, bem como desejoso, de levá-lo aos pés de Deus!
Isso nos traz à segunda parte de nosso tema. Deixe-me tentar descrever de modo imperfeito, por meio de uma comparação, como se colocar diante de Deus.
Você está em dívida, não dispõe de recursos e teme ser preso. Um amigo vem a você e lhe diz que uma pessoa muito generosa prometeu pagar todas as suas dívidas. Seu coração começa a ter esperança, mas, se essa pessoa generosa vier até você e mostrar o ouro e a prata que irão libertá-lo, você ficará satisfeito em dobro. O nome e o caráter desse amigo dão a você confiança, mas seu conforto é ainda maior quando você o vê. Deixe-me levá-lo à recâmara da salvação, onde você verá o sangue de Cristo, que foi derramado para sua libertação.
Esta noite, o Salvador está sentado à mesa da Ceia, a refeição está posta. Ele sai e volta os pés para o jardim do Getsêmani (assim chamado por ter um lagar para olivas) – nome e lugar se encaixam perfeitamente à cena onde a vingança se engalfinha com o amor! Ele se ajoelha em oração, e que oração! Ele se refugia nos portões do Céu! Ah! Meus irmãos, Ele suou, mas Seu suor não foi como o meu e o seu – não foi suor da fronte, mas do coração. Gotas de sangue caíram de Sua testa ao chão, pois, enquanto Ele orava, Suas veias se dilataram, Suas vestes se manchavam com o sangue coagulado e grandes coágulos de sangue caíram no chão onde Ele havia se prostrado. Essas foram as primeiras gotas derramas nesse terrível esforço – a batalha ainda não havia começado. Oh! Espetáculo de terrível amargura! Não tendo mais nada para nos persuadir, nossa alma crerá na imensidão de Seu amor.
Ele se levanta – Judas, o traidor, vem: “Venha, venha, diabólico!” Tivesse sido um inimigo, Ele o teria suportado, mas foi um dos que comeu do pão com Ele que agora levanta a voz contra o mestre. Eles O arrastaram como um ladrão; eles O levaram perante os juízes; Ele foi posto à prova, acusado de blasfêmia! Eles acrescentaram sedição a Sua acusação, à acusação de ser Rei dos reis! Ele é condenado, os soldados O insultam e zombam Dele. Eles trazem uma velha cadeira, eles O colocam nela e colocam um manto vermelho sobre Seus ombros e um cetro quebrado em Suas mãos; eles Lhe entregam fel como bebida, eles O atacam com zombarias, e Ele…! Ele suporta tudo isso pacientemente, quando poderia tê-los lançado à terra com um simples olhar, quando uma palavra de Seus lábios poderia tê-los desgraçado para sempre!
Eles lhe tiram as roupas e, com flagelos, açoitam Sua carne santa, até que Seu corpo se torne uma massa de sangue coagulado. Que espetáculo horrendo! Palavras não conseguem descrever aquela cena de pesar e de escárnio. Aquilo foi, de fato, um resgate.
Depois, eles O levam à galeria, diante dos olhos da multidão ali reunida. Escute! Escute como elas gritam “Crucifica-O! Crucifica-O! Crucifica-O!” repetidamente. Oh! Deus, depois Ele seria entregue à multidão? Deve ser assim! Deve ser assim!
Ele avança carregando Sua cruz. Não há coração que se apiede Dele, não há voz para consolá-Lo. É verdade: algumas mulheres O seguem, mostrando solidariedade, mas Ele diz: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai, antes, por vós mesmas e por vossos filhos”. Ele segue, tropeçando, na Via Dolorosa, marcando cada passo com sangue. Por fim, Jesus cai. Eles O fazem levantar e O levam aos pés do Calvário.
Dado o sinal, os executores O agarram, colocam-No na cruz e O pregam nela. E o que Ele diz? “Pai, perdoa-lhes!” Eles levantam a cruz e, com grande esforço, colocam-na no encaixe. Cada nervo é tirado do lugar, cada osso está fora de sua junta – Ele chora de dor! Cães, tenham compaixão Dele! Mas, veja, eles encaram, eles zombam de Sua forma macilenta, eles riem de Sua divindade. O Sol quente queima Sua pele, e, quando Ele clama: “Tenho sede!”, entregam-Lhe fel e vinagre para beber!
Por fim, Ele morre! Ele morre, numa agonia tão extrema que devemos fechar os olhos e tremer diante de tal pensamento! O Sol, este olho gigante da natureza, não pôde olhar para tal agonia; ele se velou e foi embora para o horizonte escuro. A Terra tremeu em suas entranhas, e a cena hedionda teve fim com um terrível brado: “Eli, Eli, lamá sabactâni!”, com cada palavra, cada sílaba, daquele terrível apelo, enfaticamente solitário!
Ah! Venham, pecadores sobrecarregados! Venham, os de consciência ferida! Venham e curem suas feridas no sangue de Jesus Cristo! Venham e fiquem onde a triste mãe ficou, aos pés da cruz, que é a porta dos Céus! Nenhum homem jamais creu nisso em vão! Venham, creiam e sejam salvos!
Agora me deixem usar outra figura singela. Suponha que você estivesse com dívidas, e um amigo lhe prometeu e lhe mostrou a você o dinheiro para livrá-lo do problema. Mas se esse amigo, em lugar disso, viesse com um recibo na mão, você ainda ficaria receoso? Não, você diria: “Agora tenho certeza de que meu débito está pago. Eu posso ir, estou livre!”. Deixe-me agora mostrar o recibo daquele pagamento.
Quando Jesus morreu, Seu corpo foi levado e colocado em um sepulcro, para lá permanecer até que Deus aceitasse o sacrifício, para que lá dormisse como um prisioneiro na escura masmorra da sepultura. Entrementes, Seu sangue pleiteia. Deus olha para ele, os anjos clamam: “O Cordeiro, o Cordeiro sem defeito foi sacrificado!”, os santos estão imersos em júbilo, os demônios no inferno olham para cima aterrorizados e se sentem derrotados para sempre!
Três dias se passam. Deus diz: “Que o prisioneiro seja libertado”. Obediente ao comando divino, um anjo desce como um relâmpago e senta-se sobre a sepultura no jardim de José. Jesus não retirou a pedra – o anjo abriu o sepulcro e gritou: “Os céus Te aceitam! Ergue-te e vá!” O Salvador ergue-se, retira o lenço que cobria Seu rosto, põe de lado o lençol que envolvia Seu corpo e deixa a sepultura sem pressa, deixando tudo em ordem. Então, Ele nasce para o ar livre, e, assustado com a aparição inesperada, o sentinela esquece sua tarefa e corre aterrorizado.
No momento em que Jesus ressuscitou do sepulcro, Deus deu um recibo total. Cristo teria ficado na prisão até hoje se não houvesse pago a dívida inteiramente. Oh! Jesus, quando Te vejo surgindo no poder do Pai, meu espírito brada de alegria, pois levantou quem agora está sentado à destra de Deus e que voltará para nos levar à felicidade eterna.
Deixem-me falar a vocês algumas palavras familiares. Certa vez, ouvi alguém dizer: “É possível para um homem saber que isso é assim mesmo?” Meu irmão, há milhares, e dezenas de milhares, que vivem no pleno gozo da inteira confiança. Todos os homens são filhos de Deus; eles não têm necessidade de dar nada, eles devem apenas confiar em Jesus [1] e, doravante, sua culpa será aniquilada, pois nenhuma culpa pode permanecer na alma de um crente. Satanás pode dizer ao homem milhares de vezes que seus pecados permanecem, mas Satanás é o pai da mentira. O homem foi lavado de uma vez por todas, e foi tão absolvido que pecados futuros não podem mais condená-lo. Ele não pode mais deslizar da rocha, ele está tão a salvo quanto no trono de Deus.
Ouço mais alguém dizer: “Oh! O que eu darei para ter certeza disto!” Nada! Nada é requerido. Você só tem de dizer:
“Nada trago aos pés da cruz, mas Jesus morreu, e eu estou salvo”.
Quando eu era mais jovem, assisti o culto a Deus por anos consecutivos, em um estado de angústia por meus pecados. Meu coração desejava seriamente a Palavra, mas nunca ouvi ou entendi o que eu queria ouvir, e eu poderia ter permanecido totalmente na escuridão, mas por intermédio de um homem pobre, velho e sem cultura, que foi para o púlpito um dia e disse, entre outras coisas: “Olhem para Jesus, jovens miseráveis, pois vocês continuarão desse modo enquanto não olharem para a cruz” – bendito seja Deus! – eu olhei! [2] E eu não trocaria com nenhum rei aquele momento em que eu vi a cruz e me senti nadando na corrente do amor redentor!
E você, meu conterrâneo, que veio da Inglaterra buscar descanso nesta terra de paz, veja! Olhe para a cruz! Oh! Se você pudesse voltar com uma consciência leve, isso seria uma vista ainda mais bela do que a dos gigantescos Alpes com toda sua neve inexplorada! Meus conterrâneos, vocês ouviram João Calvino, que, deste mesmo púlpito, derramou torrentes de verdade a esta congregação; deste mesmo púlpito, eu agora solenemente conjuro vocês a olhar para Cristo, e, se o fizerem, nesta hora vocês serão vistos como santos aos olhos de Deus. Ah, anjos, esse dia dará alegria a vocês, quando vocês virem um pecador chorando aos pés da cruz e dizendo: “Ó Cordeiro de Deus, eu venho, eu venho a Ti!”. Meus irmãos, vocês podem se afundar no inferno com as mãos ao redor da cruz, eu irei com vocês e, desafiando o Príncipe das trevas, eu lhes trarei de volta à luz! Mas isso não ocorrerá, não temam! Homem algum se tornou presa da perdição desde que abraçou a cruz, e nunca será!
Que Deus abençoe a todos vocês em Jesus Cristo. Amém.
Charles Haddon Spurgeon – Sermão pregado na manhã de 1 de julho de 1860, na Igreja de São Pedro, no púlpito usado por João Calvino, em Genebra | Transcrição de Adèle Roch. Impresso em Genebra, por Ch. Gruaz, em 1860..
NOTAS:
[1] Spurgeon se refere aos que ele cita anteriormente, aos que confiam plenamente do sangue de Cristo; não é referência a uma pretensa paternidade universal de Deus: Spurgeon mesmo repudia isso em diversos sermões (Projeto Spurgeon).
[2] Referência a conversão em 6 de janeiro de 1850, em Colchester, numa capela metodista (Projeto Spurgeon).