Liberdade Cristã

A liberdade é uma das bênçãos inestimáveis da fé cristã. Sua importância não pode ser minimizada na vida individual do crente ou no testemunho coletivo da Igreja.

O homem, em seu estado não regenerado, possui uma paixão pela liberdade que é uma evidência de pecado e rebelião contra Deus, porque esse desejo pelo que ele chama de “liberdade” é apenas fazer sua própria vontade e seguir seu próprio caminho. Essa é a própria essência do pecado. Sua paixão pela liberdade prova que ele não a tem. O Senhor Jesus disse: “Todo aquele que comete pecado é servo (escravo) do pecado (João 8:34).

Liberdade e salvação

O Senhor Jesus, como o grande Libertador, veio para libertá-lo dessa escravidão. Sua missão era “pregar libertação aos cativos” e “pôr em liberdade os que foram feridos” (Lucas 4:18). Seu Evangelho proclamou a liberdade, e onde quer que seja pregado hoje, a escravidão e a tirania cessam. Todos os que acreditam nessa mensagem entram na inestimável herança da liberdade. É a liberdade da graça possuída pela fé em Cristo. Quando se acredita na verdade do Evangelho e Cristo é recebido, a alma é realmente libertada e a palavra de Deus é experimentalmente verdadeira: “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. Em Cristo, há uma libertação presente e posicional da penalidade e do fardo do pecado; uma libertação progressiva e prática do poder e da paixão do pecado e, finalmente, uma libertação prospectiva e perfeita da presença do pecado.

O pecador que crê também é libertado da lei, tanto em relação à sua escravidão quanto à sua condenação. A questão da sentença, bem como a questão do pecado, é resolvida de uma vez por todas. Ele não vive mais como se estivesse sob a compulsão da lei, mas agora é libertado pela fé. Ele agrada a Deus, não porque a lei o obriga, mas porque o amor o constrange e a graça o vence.

Finalmente, o crente se alegra com a libertação do poder e da escravidão de Satanás, sob os quais ele gemeu como um cativo indefeso até ser libertado por um poder mais poderoso. Assim, a salvação e a liberdade estão inseparavelmente unidas. É um dos doces frutos do Calvário, adquirido para nós pela obediência e sofrimento dEle que, como o Servo hebreu, disse: “Não sairei livre”. Aqueles que o desfrutam cantam:

“Minhas correntes foram cortadas, os laços do pecado foram quebrados
E eu sou livre.
Oh, que os triunfos de Sua Graça sejam anunciados
Que morreu por mim.”

Liberdade e ego

O caminho para o desfrute prático dessa gloriosa liberdade está claramente definido em Romanos, capítulo 6. Não pode haver esse desfrute até que a pessoa seja libertada do ego. Aqui está o segredo de provar, em uma experiência contínua, o que Deus planejou para nós por meio da morte de Seu Filho. Isso é realizado com base na identificação com Cristo na morte, no sepultamento e na ressurreição. Isso foi realizado judicialmente aos olhos de Deus quando Jesus morreu e ressuscitou. Experimentalmente, ela se tornou nossa no momento em que acreditamos. Simbolicamente, ela é exibida publicamente no batismo e, na prática, é considerada verdadeira pela fé e realizada em nossa vida pelo poder do Espírito Santo à medida que nos entregamos a Deus como aqueles que estão vivos dentre os mortos (v. 13). Assim, entramos no propósito divino de sermos “libertados do pecado” para nos tornarmos “servos da justiça e servos de Deus” (v. 18, 22).

Tanto em sua recepção inicial quanto em sua realização diária, a liberdade cristã é uma liberdade da graça. A mesma graça que nos buscou e encontrou, e nos libertou na conversão, é a única que pode nos manter livres, dia após dia, das amarras do pecado, das tentações do mundo e das tentações do maligno. Essa liberdade ocorre por meio do processo de morte e pelo poder da ressurreição. É a liberdade do eu, bem como do pecado e de Satanás. Por meio da união com Cristo na morte e ressurreição, há uma liberdade quádrupla: primeiro, o Velho Homem (o Eu) é morto; segundo, o Velho Monarca (a morte) é deposto; terceiro, o Velho Mestre (o Pecado) é destruído; finalmente, o Velho Casamento (a lei) é dissolvido (Romanos 7). Bendita liberdade!

Liberdade e filiação

Agora entramos no ensino positivo da liberdade. Deus não apenas nos tira de lá; Ele nos traz para cá. Ele quer que sejamos mais do que servos; Ele quer que sejamos filhos. Assim, a LIBERDADE está intimamente associada à Filiação. Recebemos mais do que remissão; nós nos deleitamos com a regeneração. Somos mais do que criminosos perdoados, libertados da penalidade do pecado e do poder de Satanás; somos trazidos para a liberdade da Casa do Pai. Sua presença é nosso lar. A liberdade cristã é a liberdade filial – a liberdade dos filhos com o Pai. Como tal, desfrutamos do calor do amor do Pai, dos segredos do coração do Pai, da certeza de Seu cuidado amoroso e da perspectiva de Seu Lar eterno. Temos liberdade de acesso, podendo nos aproximar em todos os momentos, porque recebemos o Espírito de filiação pelo qual clamamos: “Aba, Pai”.

A liberdade e o Espírito

Isso nos leva a outro dos aspectos mais importantes de nosso assunto, ou seja, a obra do Espírito Santo em relação à liberdade. A obra de Cristo por nós, que nos libertou do pecado e nos trouxe à filiação, de nada serviria se não fosse o Espírito Santo. Ele é o Espírito de filiação e entrou em nosso coração porque somos filhos de Deus (Gl 4:6). A liberdade e o Espírito estão inseparavelmente ligados em 2 Coríntios 3:17: “Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”. A verdadeira liberdade será conhecida e desfrutada somente na medida em que o Espírito agir em nosso coração e em nossa vida. Isso também é verdadeiro coletivamente.

Esse é um princípio que exige atenção cuidadosa. Não devemos inverter a ordem. É incorreto dizer que “onde há liberdade, aí está o Espírito de Deus”. É tristemente possível que nossa liberdade professada seja apenas o exercício da vontade própria, e o que podemos chamar de “liberdade” deveria ser corretamente chamado de “licença”, e é estranho à orientação do Espírito. Que resultados tristes foram testemunhados como resultado da falha em distinguir entre os dois! Que diferenças seriam percebidas em nossas reuniões para adoração e para o ministério da Palavra se essa verdade fosse mais plenamente compreendida e colocada em prática! Tais ocasiões resultariam na glorificação de Deus e na bênção e no enriquecimento de Seu povo, em vez de serem mandados embora em um estado de desânimo e confusão. Certifiquemo-nos de que a liberdade na qual nos gloriamos seja fruto da presença e do poder do Espírito em nosso meio, e não dos desejos sutis e dos estímulos da carne.

Liberdade e submissão

A verdadeira liberdade cristã nunca está separada da obediência à Palavra. Há uma ligação inseparável entre liberdade e submissão. Tiago se refere à “perfeita lei da liberdade”. Essa lei perfeita deve ser o princípio predominante que governa nossa vida. O que reivindicamos como nossa legítima liberdade não nos permite seguir nosso próprio caminho, buscar nossos próprios desejos ou exercer nossa própria vontade. Muita liberdade professada hoje em dia tem um sabor de insubmissão à Palavra e é motivada por mero emocionalismo e uma evidente exibição da carne. Nossa vida deve ser governada agora, assim como será julgada no futuro, por essa lei perfeita de liberdade. Precisamos examinar essa lei constantemente para que nossa vida seja vivida para a Sua glória e para a bênção de outros.

Liberdade e serviço

Há muito tempo, Deus declarou Seu propósito na redenção de Seu povo: “Deixe o Meu povo ir para que Me sirva”. Se experimentamos a Liberdade para o Serviço, consequentemente deve haver a Liberdade no Serviço. Paulo insistiu nisso durante todo o seu ministério na Igreja e no mundo. Ele não sacrificaria isso por ganho ou popularidade de qualquer tipo. Todas as restrições criadas pelo homem impedem e prejudicam essa liberdade frutífera e inestimável. O verdadeiro servo ainda exige isso hoje. Ao sacrificar isso, a pessoa prontamente vende sua consciência e sua comunhão com Deus. 1 Coríntios 7:22-23 ainda é o princípio orientador em todo serviço: “Porque o que é chamado no Senhor, sendo servo, é livre do Senhor; assim também o que é chamado, sendo livre, é servo de Cristo.” “Fostes comprados por bom preço; não sejais servos dos homens.” A liberdade é o fruto abençoado da redenção. Embora não deva ser abusada ou usada como licença para a desobediência aos princípios divinos, é um tesouro inestimável que nunca deve ser abandonado. Ele se manifesta tanto de forma positiva quanto negativa. Há ocasiões em que o servo de Deus reivindica seu direito de dizer “sim”, conforme exercido perante o Senhor. Novamente, em um exercício semelhante, ele pode ser constrangido a dizer “não”. Ele deve permitir os mesmos direitos a seus companheiros de serviço.

Essa liberdade ordenada por Deus é o golpe fatal na interferência humana quanto ao serviço ao Senhor. Todas as restrições criadas pelo homem impedem e prejudicam esse exercício. O Mestre se deleita em usar a variedade na seleção de Seus servos e no serviço prestado a eles. Ele deseja variedade sem variação, diversão sem dissensão, escolha sem conflito. Não ousamos usurpar a prerrogativa que pertence ao próprio Mestre e tentar ditar a outra pessoa. Isso leva a críticas e, muitas vezes, ao ostracismo; além disso, resulta em um triunfo para Satanás e um obstáculo para a obra de Deus. Muitos servos verdadeiros e humildes gemeram sob essa escravidão, chegando ao ponto de serem forçados a desistir daquilo que o Senhor colocou em suas mãos. A menos que possa ser clara e inequivocamente provado que o serviço de alguém está em absoluta desobediência à ordem do Mestre, mantenhamos nossas mãos afastadas e não sejamos culpados da prática ruinosa de roubar de um dos servos fiéis de Deus a alegria de fazer a vontade de seu Mestre com um motivo e um coração honestos. Guardemo-nos cuidadosamente contra a prática de destruir essa bendita liberdade divinamente concedida àqueles que, seja de maneira grande ou pequena, procuram servir ao Senhor Cristo. O verdadeiro Servo cobiça essa bênção acima de muitas outras.

Liberdade e substituições

Já sugerimos que a licença pode ser um substituto perigoso para a liberdade. Temos um inimigo sutil que procura perverter as bênçãos que Deus nos concedeu. Muitas vezes, a legalidade toma o lugar da liberdade. São impostas regras e proibições que nos levam à escravidão. O Espírito é ofendido e substituído pela ordenação humana; surge o sectarismo, o homem assume a preeminência e a tradição humana é substituída pela verdade. Devemos estar atentos a esse legalismo. Se for dado um centímetro, ele tomará um metro e se infiltrará insidiosamente. Se isso acontecer, ele nos roubará, tanto individual quanto coletivamente, a alegria da liberdade e nos levará à miséria da escravidão. A religião convencional em toda parte é legalista em seu princípio. A carne, que ainda está em nós, não é regenerada e, portanto, é legalista em sua atitude. O legalismo tem, ao longo da história, roubado a liberdade, o poder e a bênção da Igreja. Infelizmente, em nossa comunidade da Assembleia, esse mesmo perigo existe.

Isso geralmente leva a outro perigo. Há uma reação, e alguns, embora se recusem a ficar presos à tradição humana, vão para o outro extremo, o que resulta em um liberalismo carnal, outro triste substituto para a verdadeira liberdade. Vale tudo! Alguns não reconhecem nenhuma restrição ou barreira, usando a desculpa da liberdade para os extremos que são introduzidos, para a tristeza de muitos. Isso resulta em um muro quebrado de separação do mundo, bem como em um espírito quebrado na Assembleia. Isso é muito doloroso para o Senhor e só nos leva de volta àquilo de que Deus, em Sua graça, nos tirou. É um golpe mortal na simplicidade e na ordem piedosas que devem caracterizar aqueles que professam se reunir ao nome do Senhor.

Precisamos estar atentos. Satanás sempre tem um substituto, e seja ele a licença, a legalidade ou o liberalismo, todos são destrutivos para a liberdade das escrituras. Paulo, em sua época, advertiu contra os dois extremos do ritualismo e do racionalismo. O primeiro traz a autoridade e a regulamentação humanas; o segundo desafia toda autoridade divina e permite que o indivíduo se expresse da maneira que quiser. Ele não será limitado e sua mente é sem lei. Ambos os tipos são produto da carne; eles podem ser encontrados em todas as assembléias. A verdadeira liberdade cristã é o antídoto para ambos os extremos. Eles devem ser julgados à luz da cruz. Tomemos cuidado com a liberdade falsa, um artifício de Satanás. Por mais justa e plausível que possa parecer, ela só trará desonra ao Senhor e ao Seu testemunho e aumentará a confusão.

A liberdade e suas salvaguardas

Há três salvaguardas dadas na Palavra para qualificar e controlar nossa liberdade. Primeiro, ela não deve ser usada como uma ocasião para a carne (Gl 5:13). Segundo, ela não deve ser uma pedra de tropeço para os outros (1 Coríntios 8:9). A esse respeito, Paulo também acrescenta: “Todas as coisas são lícitas… mas não convenientes”. Terceiro, não deve ser usado como uma capa de malícia (1 Pedro 2:16). A primeira é voltada para si mesmo, a segunda para a Igreja e a terceira para o mundo. Devemos usar a liberdade dada por Deus com cuidado e no temor de Deus. Em relação a nós mesmos, ela destruirá o egoísmo e resultará em serviço amoroso aos outros santos. Em relação à Igreja, ela produzirá uma simpatia pelas convicções dos outros. Em relação ao mundo, ela se manifestará em sujeição e nos levará a honrar todos os homens.

Procuremos nos apropriar e desfrutar dessa maravilhosa bênção da liberdade cristã. Ela é apenas uma amostra do que nos aguarda em Sua vinda. A liberdade da graça é o penhor da liberdade da glória. “Porque também a própria criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rom. 8:21). Então, entraremos na liberdade eterna em toda a sua plenitude e perfeição. Senhor, apresse o glorioso Dia!

Gordon Reager, junho de 1963.