Justificação – Nenhuma Condenação Há!
Se crermos na doutrina da justificação coerentemente, jamais poderemos afirmar que um filho de Deus perde a salvação. Sim, uma vez que Deus declara um pecador justificado, sua salvação é para sempre alicerçada em tal declaração divina. O filho de Deus é assim declarado justo, independentemente de suas obras, sejam elas boas ou más, ou seja, ainda que suas obras sejam as mais santas, ou, que ele incorra em graves pecados, a doutrina da justificação afirma que nada que façamos ou deixemos de fazer pode nos dar ou tirar o céu.
“A auto-salvação, ou pelo valor pessoal, ou pelo arrependimento, ou por resolução própria, é a esperança inerente da natureza humana, e é muito difícil de ser extirpada” (C.H Spurgeon).
Antes de prosseguirmos, estabeleçamos o que é a justificação. Primeiro: não é uma mudança de natureza. É uma declaração que não altera o interior de quem a recebe. Portanto, não estamos tratando aqui da santificação que inevitavelmente ocorre na vida daqueles que foram justificados.Por isso se chama “declaração forense”. O que opera uma mudança interior, como afirmamos, é a santificação a qual, lembremo-nos bem, jamais será completa nessa vida. A justificação, ao contrário, é completa, acabada, não pode ser aperfeiçoada. Segundo: não é perdão, apesar de envolver isso. O perdão é algo negativo, ou seja, cancela a dívida que temos com Deus, mas a justificação é positiva, ou seja, credita a nós a justiça de Cristo, isto é, somos consideramos eternamente justos por causa da obra vicária. Além disso, o pecador declarado justo por Deus tem ainda o privilégio de saber antecipadamente, hoje mesmo, que no Juízo Final não será considerada a sua vida, mas a de Cristo, pois a justificação é também uma declaração escatológica a seu respeito. Por isso, inclusive, a principal obra do Espírito Santo é apontar Cristo e assim termos a certeza da realidade desse fato de que fomos justificados somente pela graça, tão certo como mergulhamos nas águas do batismo que representa nossa morte e ressurreição bem como a certeza cabal de que assim como nos alimentamos dos elementos da ceia estaremos para sempre nutridos e sustentados por Ele. Exclusivamente Cristo, do início ao fim, é a garantia do salvo.
No minuto em que uma pessoa olha para “Cristo somente” para sua salvação, dependendo da Sua vida santa e sacrifício substitutivo na cruz, naquele exato momento ela ou ele é justificado (posto em posição de justiça, declarado justo, santo, perfeito). A própria santidade de Cristo é imputada (creditada) na conta do crente, como se ele ou ela tivessem vivido uma vida perfeita de obediência – mesmo enquanto aquela pessoa continua a cair repetidamente no pecado durante sua vida. O Cristão não é alguém que está olhando no espelho espiritual, medindo a proximidade de Deus pela experiência e progresso na santidade, mas é antes alguém que está “olhando para Cristo, o Autor e Consumador da nossa fé” (Hb. 12.2). Resumindo, é o estilo de vida de Cristo, não o nosso, que atinge os requisitos de Deus, e é por Ele que a justiça pode ser transferida para nossa conta, pela fé (olhando somente para Cristo).
HORTON, Michael. O que é um evangélico? Jornal “Os Puritanos” Ano V – Número 3.
Sabemos também que grandes equívocos ocorrem mesmo nas mentes mais sinceras. Todos estão sujeitos a isso. Por isso, melhor que se definam os pontos que envolvem a nossa salvação. Como se pode ver nas definições abaixo, um dos entraves para a correta compreensão da obra de Cristo está em como conceituamos a Lei de Deus e o pecado. Consideremos exatamente então o que a Bíblia diz a respeito desses assuntos: o nosso coração, ainda que tenha um só leve e tênue desvio do padrão que de nós é requerido, será merecedor da grave e santa ira divina. Deus não vê o pecado de forma mais branda nos seus filhos. O pecado sempre será odioso aos olhos do Senhor e merecerá a ira divina.
A ira de Deus é uma perfeição divina tanto como a sua fidelidade, o Seu poder ou a Sua misericórdia. Só pode ser assim, pois não há mácula alguma, nem o mais ligeiro defeito no caráter de Deus, porém, haveria, se Nele não houvesse “ira”! A indiferença para com o pecado é uma nódoa moral, e aquele que não odeia é um leproso moral. Como poderia Aquele que é a soma de todas as excelências olhar com igual satisfação para a virtude e o vício, para a sabedoria e a estultícia? Como poderia Aquele que é infinitamente santo ficar indiferente ao pecado e negar-Se a manifestar a Sua “severidade” (Rm.11:22) para com ele? Como poderia Aquele que só tem prazer no que é puro e nobre, deixar de detestar e de odiar o que é impuro e vil? A própria natureza de Deus faz do inferno uma necessidade tão real, um requisito tão imperativo e eterno como o céu o é. Não somente não há imperfeição nenhuma em Deus, mas também não há Nele perfeição que seja menos perfeita do que outra.
A nossa prontidão ou a nossa relutância em meditar na ira de Deus é um teste seguro de até que ponto os nossos corações reagem à Sua influência. Se não nos regozijamos verdadeiramente em Deus, pelo que ele é em Si mesmo, e por todas as perfeições que n’Ele há eternamente, como poderá permanecer em nós o amor de Deus? Cada um de nós precisa vigiar o mais possível em oração contra o perigo de criar em nossa mente uma imagem de Deus segundo o modelo das nossas inclinações pecaminosas. Desde há muito o Senhor lamentou: “… pensavas que (Eu) era como tu” (Sl.50:21). Se não nos alegramos “… em memória da sua santidade” (Sl.97:12), se não nos alegramos por saber que num dia que logo vem, Deus fará uma demonstração sumamente gloriosa da Sua ira, tomando vingança em todos os que agora se opõem a Ele, é prova positiva de que os nossos corações não estão sujeitos a Ele, que ainda, permanecemos em nossos pecados, rumo às chamas eternas.
PINK, A. W. “Os atributos de Deus”, PES.
Portanto, para melhor compreensão e aplicação disso na vida dos filhos de Deus, vejamos o que disse Lutero no seu famoso prefácio à epistola aos Romanos quanto ao pecado, à fé e as exigências da Lei:
A Lei de Deus – A palavrinha “lei” não a deve entender, neste caso, de maneira humana, como se fosse uma doutrina acerca das obras que devem ser feitas ou evitadas, como é o caso com as leis humanas, as quais são cumpridas por meio de obras, mesmo que o coração não esteja junto; o que Deus julga é o fundo do coração; por isso também sua lei reivindicava o fundo do coração e não se dá por satisfeita com obras; ao contrário, ele pune aquelas obras que não vêm do fundo do coração, por serem hipocrisia e mentira. Daí por que todas as pessoas são chamadas de mentirosas (SI 116), porque ninguém cumpre nem consegue cumprir a lei de Deus do fundo do coração; pois cada um encontrará dentro de si mesmo a indisposição para o bem e a disposição para o mal. E onde não houver livre disposição para o bem, o fundo do coração não estará com a lei de Deus, ali com certeza haverá pecado e merecida ira de Deus, ainda que por fora pareça haver muitas boas obras e vida honrada.
O Pecado – Significa na Escritura não somente a obra exterior do corpo, e sim toda a atividade que se inquieta e movimenta ao se fazer a obra exterior, ou seja, o fundo do coração com todas as forças, de sorte que a palavrinha “fazer” significa: a pessoa cai e anda inteiramente no pecado. Pois de qualquer maneira não acontece nenhuma obra exterior do pecado sem que a pessoa participe plenamente, de corpo e alma.
A Graça – Pode acontecer que as dádivas e o Espírito aumentem diariamente em nós e ainda assim não sejam perfeitos, de sorte que ainda restem em nós maus desejos e pecado a se oporem ao Espírito, conforme capítulo 7.5ss e Gálatas 5.16ss, e a promessa de contenda entre a semente da mulher e a semente da serpente. Ainda assim a graça é tal que perante Deus somos considerados inteira e plenamente justificados; pois sua graça não se divide e não vem em parte, como acontece com as dádivas, mas nos acolhe totalmente na benevolência, por causa de Cristo, nosso intercessor e mediador.
A Fé – Fé não é a ilusão e o sonho humano que muitos acham que é. E quando veem que não acontece uma melhoria de vida nem boas obras e ainda assim muito ouvem e falam da fé, caem no erro de dizer que a fé não é suficiente, que seria preciso fazer obras, se é que se quer ficar justo e salvo. A consequência disso é que, ao ouvirem o Evangelho, agem precipitadamente e, por esforço próprio, criam um pensamento no coração, que diz: “Eu creio”. Isso eles então consideram uma fé como deve ser. Mas assim como isso não passa de inspiração e pensamento humano, que jamais atinge o fundo do coração, também nada ocasiona, tampouco se segue uma melhoria.
Fé verdadeira, entretanto, é uma obra divina em nós, que nos modifica e faz renascer de Deus (Jo 1.3), além de matar o velho Adão, transformando-nos em pessoas bem diferentes de coração, sentimento, mentalidade e todas as forças, trazendo consigo o Espírito Santo. Ah, há algo muito vivo, atuante, efetivo e poderoso na fé, a ponto de não ser possível que ela cesse de praticar o bem. Ela também não pergunta se há boas obras a fazer, e sim, antes que surja a pergunta, ela já as realizou e sempre está a realizar. Quem, porém, não realiza tais obras, é pessoa sem fé, que anda às apalpadelas à procura da fé e de boas obras e nem sabe o que é fé nem boas obras, e ainda fica falando muito e conversando fiado sobre as mesmas.
LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo: Obras selecionadas de momentos decisivos da Reforma. Trad. Walter O. Schlupp. Porto Alegre: Concórdia & São Leopoldo: Sinodal, 1984. pp. 179-192.
Mas, andemos adiante indo ao cerne da questão: como é natureza de quem foi justificado, salvo? Sim, pois há um divisor de águas que se abre cada vez mais a partir da concepção do que foi feito por Cristo na cruz pelo pecador. Ora, há uma diferença enorme entre dizer que Cristo morreu em lugar do pecador e por isso por seus pecados e que Cristo morreu pelos pecados do pecador e por isso ele. Ora, nenhum pecado é obra do acaso, mas fruto do ser que o pecador é. Não há pecado que não seja evidência de que somos pecadores por natureza. Nascemos em pecado e morreremos nele – exceto, claro, se formos transformados quando vivos na Segunda Vinda do nosso Salvador.
Assim, se cremos que a obra de Jesus Cristo foi feita, em lugar da natureza pecaminosa, em lugar sim – e completamente – daquilo que o pecador é, no âmago do seu ser, logo não há segurança maior para aqueles que se refugiam num Salvador que os substituiu plena e eternamente.
Portanto, se há algum pecado que um crente possa imaginar que o fará perder a salvação, não há nada mais desesperador para ele que passar, diariamente, lutando contra a carne, o mundo e o diabo e perder algumas dessas lutas. A espada flamejante da Lei está apontada para ele diuturnamente sem que lhe seja dado descanso. É impossível descansar de si mesmo em si mesmo. O descanso que tem e sua esperança são a sua memória, mais do que o memorial da ceia representa para ele. Sim, se ele lembrar de todos os pecados, poderá confessá-los, um a um, e assim procurar dormir um pouco em paz. A sua confissão de pecados ser tornará muito mais uma penitência do que um reconhecimento da sua incapacidade de amar a Deus com todas as suas forças, coração e entendimento. Mas sabemos que nenhuma confissão genuína de pecado pode ser pronunciada sem que seu coração, fonte de pecados, esteja junto de sua boca, sem que sua confiança esteja unicamente na obra consumada de Cristo.
Uma fé é inteiramente inútil quando se une qualquer coisa a Cristo com respeito à salvação da sua alma. Você não deve somente depender de Cristo para salvação, mas deve depender de Cristo somente, e exclusivamente de Cristo.
Existem multidões de homens e mulheres batizados que professam honrar a Cristo, mas na realidade O desonram grandemente. Eles dão a Cristo um certo lugar no seu sistema religioso, mas não o lugar que Deus tencionou que Ele ocupasse. Cristo, exclusivamente, não é “tudo em todos” para suas almas. Não!
É Cristo e a igreja; ou Cristo e os sacramentos; ou Cristo e Seus ministros ordenados; ou Cristo e a bondade deles; ou Cristo e suas orações; ou Cristo e a sinceridade e caridade deles, nas quais eles realmente descansam suas almas.
Se você é um cristão deste tipo, eu também o advirto claramente que sua fé é uma ofensa a Deus. Você está mudando o plano de salvação de Deus em um plano da sua própria invenção. De fato você está depondo Cristo do seu trono, dando a glória que Lhe é devida a outro.
Eu não me importo quem lhe ensina sua fé, cuja palavra você confia. Se ele é papa ou cardeal, arcebispo ou bispo, diácono ou presbítero, episcopal ou presbiteriano, batista, independente ou metodista; quem quer que acrescente alguma coisa a Cristo, está ensinando incorretamente.
Cuidado para não dar às ordenanças a honra devida ao Senhor. Cuidado para não descansar o fardo de sua alma em coisa alguma a não ser Cristo e Cristo exclusivamente. Cuidado para não ter uma fé que seja inútil e que não pode salvar.
RYLE, J. C. – Sermão “Tipos inúteis de fé”, pregado no século XIX.
Cabe ainda mais uma vez afirmar que biblicamente é incontestável que a morte de Jesus – e não somente a morte, mas Sua vida – foi substitutiva em lugar de alguém. O ministério de Cristo é vicário – “em lugar de”. Não é por acaso que “Vice” é o que substituiu – acredito que somente na modernidade adquiriu o sentido de “segundo”. O papa, dito Vigário de Cristo, é, por isso, considerado pelo romanismo como “o substituto” de nosso Senhor aqui na Terra. Portanto, tudo dependerá de como a obra de Cristo é compreendida. Não é por acaso ainda que o verdadeiro Vigário de nossas almas é denominado nas Escrituras como um Fiador. Quem nos garantiria maior consolo do que um Fiador assim? Se de fato nossa natureza, nosso coração é tudo o que descrevemos até aqui, então, nada mais firme do que um Fiador de tal quilate. Igualmente para Deus, não nos esqueçamos disso, o Fiador é exatamente aquele que pode preencher todas as demandas exigidas.
Por isso, devemos ampliar o ângulo de nossa visão e ver toda a obra de Cristo, não somente focando-a num ponto apenas: a cruz. A vida perfeita, a morte e a ressurreição de Jesus estão unidas na salvação. Consideremos o ministério do Senhor de forma completa. É importante destacar isso, pois Deus não aceita um pecador somente porque ele foi perdoador.
Ora, ninguém entra no céu somente porque foi perdoado. Deus, o Juiz da Terra, o Santíssimo dos Santos, exige que tenhamos uma vida perfeita, uma vida justíssima, impecável, sem ruga ou mancha alguma. O nosso coração deve estar completamente limpo. Deus requer santidade plena de nós, não apenas dos nossos atos, sejam eles omissivos ou comissivos. Quer uma vida puríssima, reta, em 100% do tempo. Ah, mas isso é impossível! Sim, de fato é. Por isso, a vida de Cristo, o Cordeiro sem mácula, é considerada como sendo nossa. Quando falamos que “o sangue de Jesus tem poder” ou quando cantamos “há poder, sim, força sem igual, só no sangue de Jesus” não apenas estamos fazendo uma referência à cruz, mas à toda a vida imaculada do Cordeiro de Deus. O sangue de Cristo, em si mesmo, não teria poder, mas o que ele representa – uma vida perfeita vicariamente em nosso lugar – isso sim, tem poder ilimitado e irresistível – não há poder igual.
Além disso, se nós, humanos, débeis na fé muitas vezes, ficamos deslumbrados com o potentíssimo sacrifício da vida e morte de Jesus, não esqueçamos de que muito mais para Deus a obra de Cristo tem valor. Por isso, nossa fé não é baseada em emoções, mas em fatos. Fatos que não somente são realidades para nós, mas, que antes, são realidades para Deus. Se não fossem realidade para Deus, não haveria motivo para nos alegrarmos com a obra de Cristo, seríamos os mais desesperados dos homens. Porém, sabemos que Deus ficou plenamente satisfeito com o fruto do penoso trabalho do Seu Filho. Graças a Deus que nosso Senhor ressuscitou e isso prova a todos que o Sumo Sacerdote da Igreja teve aceitação por parte do Senhor Jeová, no qual não há uma possibilidade sequer de não saber a verdade e a realidade dos fatos. Maior consolo ainda é sabermos que Cristo não veio por vontade própria, mas enviado por Deus, nosso Pai.
Portanto, se entendermos que Deus considerou toda a obra de Cristo em lugar daqueles que são salvos por Sua graça, é impossível que a declaração da imputação da justiça de Jesus seja mudada, pois não há o que se possa acrescentar ou tirar dessa obraii. Somos justificados justamente porque somos incapazes de nos salvar, de termos um coração puro. É impossível alguém chegar ao céu e dizer: “Obrigado Senhor, pois me aceitaste no teu reino pela minha força de vontade, e fiz bom uso da tua graça, diferentemente daqueles que não souberem aproveitá-la como eu e acabaram se perdendo no caminho”.
Somado a isso, também é bom lembrarmos de que a teologia reformada pôs de volta no seu devido lugar o conceito de remissão de pecados. Acabou assim a errada distinção entre a pena do pecado e a satisfação por ele. Dizem os católicos romanos que Cristo apenas nos redimiu da pena do pecado na cruz, mas que estamos obrigados a dar satisfação por eles por meio de obras, penitências, etc. A Reforma abriu a Bíblia e protestou: “Solus Christus” – Somente por Cristo! Isso significa que Cristo não somente nos redimiu da pena do pecado, mas cumpriu plenamente a satisfação de todos eles em lugar dos pecadores. Nada mais é necessário, Somente Cristo! Glórias a Deus por isso.
Todo homem, portanto, admite a verdade da declaração de que os homens estão em um estado miserável a menos que DEUS trate misericordiosamente com eles, não lhes imputando os seus pecados. Mas Davi vai mais longe, declarando que toda a vida do homem está sujeita a ira e maldição de DEUS, exceto quando Ele concede da Sua livre graça para recebê-los no Seu favor. Sobre isso o Espírito, que falou por Davi, é um intérprete incontestável e testemunha para nós através da boca de Paulo, “Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras, dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos” (Rm 4.6-7).
Se Paulo não tivesse usado esse testemunho, seus leitores nunca teriam penetrado no real significado daquilo que foi dito pelo profeta, pois constatamos que os papistas, apesar de cantarem em seus templos: “Abençoados são aqueles cujas iniquidades são perdoadas”, etc, passam sobre isso como se fosse um ditado comum, de pouca importância. Mas com Paulo, esta é a definição completa da justiça da fé; como se o profeta tivesse dito que os homens somente são bem-aventurados quando são reconciliados com DEUS e contados como justos por Ele.
Que as obras dos santos são indignas de recompensa porque elas são manchadas, parece um duro discurso aos papistas. Mas, nisto eles denunciam sua ignorância grosseira, estimando, de acordo com suas próprias concepções, o julgamento de DEUS, em cujos olhos o próprio brilho das estrelas nada mais é do que trevas.
Portanto, esta é uma doutrina estabelecida: que somos considerados justos diante de DEUS pela remissão gratuita de pecados. Este é o portão para a salvação eterna e, por conseguinte, só aqueles que confiam na misericórdia de DEUS, são bem-aventurados. Devemos ter em mente o contraste que já mencionei, entre crentes que, abraçando a remissão de pecados, confiam somente na graça de DEUS, e todos os outros que não se colocam no santuário da divina graça.
CALVINO, João, Um comentário do Salmo 32. O livro dos Salmos volume 2. Tradução de Valter Graciano Martins, 1ª Edição, São Paulo-SP: Edições Paracletos, 1999. pp 38-40
Lutero estava certo quando afirmou que a doutrina da justificação é sobre o que a Igreja permanece de pé ou cai. Quanto menos pregá-la, mais cristãos acharão que devem ainda prestar satisfações penitenciais por seus pecados, não descansarão na obra acabada, terminada, consumada de Jesus. Sua fé será mais voltada para o interior, do que para fora, para Aquele que é o autor e consumador dela.
Portanto, se tu que estás lendo estas palavras ouvir Deus lhe dizer: “Estás justificado! Por minha graça estás perdoado, e não somente isso, mas considero a vida de Cristo como sendo tua, impecável, perfeita. Enfrenta o bom combate da fé e lembra-te que EU jamais me esquecerei de que nenhuma condenação há para aqueles que foram dados a Cristo, pois a vida dele é a tua vida, a sua morte é a tua morte e tão certo como ele ressurgiu em teu lugar, será a tua ressurreição!” Há como se imaginar que um filho de Deus perde a salvação pensando nisso tudo? Mas isso não são apenas belos pensamentos, ainda que sejam paráfrase dos textos bíblicos, são fatos patentes e inalteráveis para Deus. Creia no que Deus lhe diz na Sua Palavra.
Novamente eu insisto, o seu olhar de fé deve agora ser direcionado inteiramente para fora de você mesmo, e colocado em Jesus. Todo cuidado é necessário a fim de estar certo de que o preparo para a morte não esteja firmado em você, mas somente em Cristo. Deus não lhe aceita tendo como base um coração quebrantado, um coração limpo, um coração suplicante, ou um coração cheio de fé. Ele lhe aceita plena e tão somente, na expiação do Seu bendito Filho. Creia confiadamente, com uma fé infante, nesta expiação – “Cristo morreu pelo injusto” (Rm 5.6) – e você será salvo.
A justificação é evidenciada quando um pobre pecador, condenado pela lei e destruído, cobre-se pela fé, com a justiça de nosso Senhor Jesus Cristo, Romanos 3.22 -: “justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem” – esse pecador, então, está justificado e preparado para morrer. Somente aquele que se despe de sua justiça própria e corre para a abençoada “cidade de refúgio”, o Senhor Jesus Cristo, e esconde-se lá do “vingador do sangue”, pode exclamar numa linguagem de triunfante fé: – “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).
WISLOW, Otávio. Jornal “Os Puritanos” Edição de Abril/Maio/Junho de 1999.
Por fim, o que é preciso entender na doutrina da salvação é que ela não é um processo segmentado. Mas um pacote completo. Ninguém recebe algo da salvação sem a outra parte dela. Quem é salvo, é salvo e ponto final. Não compartimentemos em partes a obra de Cristo. A obra dele foi completa de fato, não somente para nós, mas para Deus. Olhemos somente para Ele e nele somente aguardemos nossa salvação. Não existe nenhuma obra de salvação que não seja assegurada por Quem pratica a própria ação do verbo salvar. A salvação é obra de Deus, pertence ao Senhor. Se entendermos que a salvação é inferior ao que a Bíblia apresenta com provas irrefutáveis, cairemos no absurdo de dizer que o sangue de Jesus é limitado por nossa natureza pecaminosa. Fomos salvos justamente por isso, por sermos pecadores. Fomos regenerados e justificados exatamente por isso! Não há outro motivo a não ser exatamente esse: somos pecadores!iii
Pastores! Preguem a doutrina da justificação novamente! Façam soar as trombetas de Deus em meio aos adormecidos e desatentos à voz divina: Nenhuma condenação há! Nenhuma condenação há!
“Nada trago em minha mão, Só na Tua cruz me agarro”
“Oh, meu querido irmão, aprenda a conhecer a Cristo crucificado. Aprenda a entoar um novo cântico; a desistir de obras anteriores, e a clamar a Ele: Senhor Jesus, Tu és a minha retidão, e eu sou o Teu pecado. Tomaste sobre Ti o que é meu, e me deste o que é Teu. O que eu era, nisso Te tornaste, a fim de que eu me tornasse naquilo que eu não era. Cristo habita somente com os pecadores confessos. Medita com frequência no amor de Cristo e provarás quão doce Ele é” (Martinho Lutero).
NOTAS – RECOMENDO A LEITURA!
i Alguns estudiosos sustentam que “justificação” e “perdão” são sinônimos. Por exemplo, Sandlay e Headlam escreveram que justificação é “simplesmente Perdão, Perdão Gratuito”; [7] já o professor Jeremias, mais recentemente, insiste em dizer que “justificação é perdão, nada mais que perdão”. [8] Mas isso com certeza não pode ser verdade. Perdão é algo negativo, é a absolvição de uma penalidade ou uma dívida; justificação tem conotação positiva – é declarar que alguém é justo, é dar ao pecador o direito de desfrutar novamente o favor e a comunhão de Deus. Marcus Loane escreveu: “A voz que anuncia perdão dirá: ‘Pode ir. Você está livre da pena que o seu pecado merece.’ Mas o veredicto que significa aceitação [sc. justificação] dirá: ‘Pode vir. Você é bem-vindo para desfrutar todo o meu amor e a minha presença'”. [9] C.H. Hodge esclarece com mais profundidade essa diferença ao elaborar a antítese entre condenação e justificação: “Condenar não é meramente punir, mas sim declarar o acusado culpado ou digno de castigo; e justificação não é meramente liberar desse castigo, mas declarar que o castigo não pode ser aplicado com justiça […] Perdão e justificação são, portanto, essencialmente distintos. O primeiro é a absolvição do castigo, o outro é uma declaração de que não existe nenhuma base para a aplicação do castigo”[10].
Se justificar não é o mesmo que perdoar ou desculpar, tampouco é o mesmo que santificar. Justificar é considerar ou declarar justa uma pessoa, e não torná-la justa. Este foi um ponto essencial no debate que se deu no século XVI com respeito à justificação. A posição católico-romana, conforme expressa no Concílio de Trento (1545-64), era que a justificação se dá no batismo e que a pessoa batizada, além de ser purificada dos seus pecados, recebe também, simultaneamente, uma justiça nova e sobrenatural. [11] Dá bem para entender o motivo que levou a tal insistência. Foi o medo de que, com uma mera declaração de justiça, a tal pessoa permanecesse em estado de injustiça e não-renovação, podendo até sentir-se encorajada a persistir no pecado (antinomismo). Foi exatamente a crítica que levantaram contra Paulo (6.1, 15) e que o levou a enfatizar com todas as forças que os cristãos batizados tinham morrido para o pecado (de tal forma que não podiam, em hipótese alguma, continuar vivendo nele) e que haviam ressuscitado para uma nova vida em Cristo. Ou, em outras palavras: a justificação (um novo status) e a regeneração (um novo coração), embora não sejam idênticas, são simultâneas. Todo crente justificado foi também regenerado pelo Espírito Santo e, dessa forma, destinado à santificação constante. Ou, se quisermos citar Calvino, “ninguém pode ostentar a justiça de Cristo sem a regeneração”. [12] Ou então, “o apóstolo sustenta que quem pensa que Cristo nos confere justificação gratuita sem nos dar novidade de vida está, vergonhosamente, dividindo Cristo em pedaços”.
STOTT, John. A Mensagem de Romanos. Trad. Silêda e Marcos D S Steuernagel. 1ed. São Paulo: ABU Ed., 2000. 528p.; pp. 122-135.
ii “A justiça pela qual somos justificados, não é algo feito por nós nem nada que tenhamos forjado em nós mesmos, mas algo feito por nós e a nós imputado. É a obra de Cristo, o que Ele fez e sofreu para satisfazer as demandas da lei (…) não é nada que tenhamos criado ou forjado em nós ou algo inerente em nós. Por isso dizemos que Cristo é nossa justiça; que somos justificados por Seu sangue, Sua morte, Sua obediência; somos justos n’Ele e somos justificados por Ele, ou em Seu nome. A justiça de Deus, revelada no Evangelho e pela qual somos constituídos justos é, portanto, a justiça perfeita de Cristo, a qual cumpre completamente todos os requisitos da lei a que os homens estão obrigados e que todos os homens tem quebrado”.
Fonte: Jornal OS PURITANOS — Extraído de Editora Monergismo
iii 60. Como você é justo perante Deus? R. Somente por verdadeira fé em Jesus Cristo (1).
Mesmo que minha consciência me acuse de ter pecado gravemente contra todos os mandamentos de Deus, e de não ter guardado nenhum deles, e de ser ainda inclinado a todo mal (2) , todavia Deus me dá, sem nenhum mérito meu, por pura graça (3) , a perfeita satisfação, a justiça e a santidade de Cristo (4). Deus me trata (5) como se eu nunca tivesse cometido pecado algum ou jamais tivesse sido pecador; e, como se pessoalmente eu tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim (6). Este benefício é meu somente se eu o aceitar por fé, de todo o coração (7).
(1) Rm 3:21-26; Rm 5:1,2; Gl 2:16; Ef 2:8,9; Fp 3:9. (2) Rm 3:9; Rm 7:23. (3) Dt 9:6; Ez 36:22; Rm 3:24; Rm 7:23-25; Ef 2:8; Tt 3:5. (4) 1Jo 2:1,2. (5) Rm 4:4-8; 2Co 5:19. (6) 2Co 5:21. (7) Jo 3:18; Rm 3:22.
Catecismo de Heidelberg (Ano 1563), pergunta nº 60.
Charles L. Grimm – Revisão: Walter Andrade Campelo.