Quando pensamos num personagem bíblico chamado “José”, geralmente o primeiro que vem à nossa mente é o filho de Jacó, príncipe no Egito. Mas seu homônimo, descendente de Davi e marido de Maria, tem muito a nos ensinar.
A primeira referência cronológica a ele na Bíblia está em Mateus capítulo 1: “Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, Sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo. Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente” (Mt 1:18-19).
José é um de apenas nove pessoas que Deus chama “justo” — quer diretamente, quer na narrativa das Escrituras, como aqui (os outros são Abel, Noé, Ló, Zacarias e Isabel, José de Arimateia e João Batista — e, obviamente, nosso Senhor Jesus Cristo).
E como é precioso (e comovente) ver que sua justiça não sufocava sua misericórdia. Pense na situação que José enfrentava. Sua amada noiva, Maria, estava grávida “antes de se ajuntarem”. José sabia que ele não era o pai — a única outra alternativa (humanamente falando) era que Maria havia sido infiel!
A lei exigia que tais mulheres fossem apedrejadas (Dt 22:21, etc.). Devido à subordinação de Israel aos romanos, talvez não fosse viável cumprir isto literalmente — mas, pelo menos, Maria deveria ser exposta publicamente (é este o sentido da palavra traduzida “infamar”).
José, então, travou uma luta interna. Pelos fatos que ele sabia, Maria havia sido infiel, e ele tinha todo direito de expô-la publicamente ao desprezo e vergonha. Mas ele amava Maria, e “a não queira infamar”. O que fazer?
A única alternativa viável seria “deixá-la secretamente”. Deixá-la, pois ela havia traído o pacto sagrado do matrimônio antes mesmo de se ajuntarem — ele não seria justo se mesmo assim casasse com ela. “Secretamente”, por que ele ainda amava Maria, e preferia que alguém achasse que a culpa era dele, não dela, e que ele fugia!
Spurgeon escreveu sobre isto: “Quando precisamos fazer algo severo, que possamos escolher a forma mais terna de fazê-lo”. Diferentemente de muitos, que demonstram um prazer sádico em exercer justiça sem misericórdia, José procurou a solução mais branda possível para o erro de Maria. E, como sabemos, ele nem precisou fazer nada, pois Deus lhe revelou que Maria não estava errada!
Mateus foi inspirado a registrar este pequeno detalhe que revela muito sobre o caráter de José. Entre milhares de descendentes de Davi vivos naquela época, Deus escolheu este para ser o “guardião” (no sentido humano da palavra) do Seu Filho unigênito. Um homem que manifestava o coração do “Altíssimo … [que] é benigno até para com os ingratos e maus” (Lc 6:35).
Sejamos justos como José. Não justos como os fariseus, que “atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens” (Mt 23:4), mas justos que sofrem e choram quando precisam exercer disciplina.
“E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo; e dará à luz um filho, e chamarás o Seu nome Jesus; porque Ele salvará o Seu povo dos pecados deles … E José, despertando do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher; e não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus” (Mt 1:20-25).
Pensamos sobre a justiça benevolente de José. Os versículos citados acima mostram como Deus interferiu na sua dúvida, e não permitiu que ele deixasse Maria. Como deve ter sido precioso para ele ouvir o anjo dizer: “Não temas receber Maria, tua mulher”.
E lemos que, assim que despertou do sono, ele obedeceu à voz de Deus pelo anjo: “fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher”.
Tudo resolvido — mas já pensou no que isto custou para José? Quantos comentários maldosos seriam feitos por trás das suas costas, quanta zombaria explícita por ele ter aceitado uma mulher que, aos olhos de todos, havia sido infiel! Mas José, como já vimos, era justo, e seu desejo não era ser popular ou bem-visto, mas obediente a Deus! Sigamos seu exemplo.
O texto citado hoje termina com um detalhe interessante: José “não conheceu [Maria] até que ela deu à luz seu filho, o primogênito”. Eles casaram imediatamente, mas só viveram a vida conjugal prática depois do nascimento do Senhor.
Não houve nenhuma instrução registrada do anjo sobre este detalhe — por que José agiu assim? Seria uma precaução extra deste homem justo? Será que ele conhecia a profecia de Isaías 7:14, sobre uma virgem dando à luz um filho? Será que ele reconheceu que estava vivendo uma situação única, e ao invés de perguntar a Deus o que ele poderia ou não fazer, ele entendeu que abrir mão de sua “lua de mel” seria um preço pequeno a pagar, dada a santidade das circunstâncias que ele e Maria viviam?
Não sei — mas é outro exemplo digno de ser imitado. Quando estivermos em dúvida, sejamos cautelosos. Não deve haver em nós aquela autoconfiança carnal que deseja investigar tudo e “levantar a tampa da arca” (I Sm 6:19), mas sim a reserva que nos leva a “tirar as sandálias dos nossos pés” (Ex 3:5) na presença de Deus, e entender: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus” (Dt 29:29).
Este homem justo, que não teve nenhuma palavra sua registrada nas Escrituras, submeteu-se voluntariamente ao plano soberano de Deus, e deixou um lindo exemplo de obediência. Podemos imaginá-lo pensando: “Irão me chamar de frouxo; minha reputação estará comprometida, talvez irremediavelmente; mas se Deus me escolheu para providenciar um lar onde crescerá o Seu Filho unigênito, sou bem-aventurado!”
Como José no Egito e José de Arimateia, José de Nazaré também nos impressiona pelo seu desejo de servir a Deus, não de fazer um nome para si. Que seja assim conosco também.
“E tendo eles se retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a José em sonhos, dizendo: Levanta-te, e toma o Menino e Sua mãe, e foge para o Egito, e demora-te lá até que eu te diga; porque Herodes há de procurar o Menino para o matar. E, levantando-se ele, tomou o Menino e Sua mãe, de noite, e foi para o Egito … Morto, porém, Herodes, eis que o anjo do Senhor apareceu num sonho a José no Egito, dizendo: Levanta-te, e toma o Menino e Sua mãe, e vai para a terra de Israel; porque já estão mortos os que procuravam a morte do Menino. Então ele se levantou, e tomou o Menino e Sua mãe, e foi para a terra de Israel. E, ouvindo que Arquelau reinava na Judeia em lugar de Herodes, seu pai, receou ir para lá; mas avisado em sonhos, por divina revelação, foi para as partes da Galileia. E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno” (Mt 2:14-23).
Esta citação extensa revela a experiência tão preciosa que José teve de ser guiado por Deus. Duas vezes lemos que o anjo do Senhor lhe apareceu; também é dito que ele foi “avisado … por divina revelação”; e a consequência inevitável foi que quando ele escolheu a cidade onde iria morar, a escolha dele foi “para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas”! Este homem escolhido a dedo por Deus para esta tarefa tão importante, foi um homem guiado por Deus na execução da tarefa! Quando Deus chama, Ele capacita e guia!
É instrutivo ver como José obedeceu prontamente as orientações divinas, apesar das dificuldades. Ele era pobre (compare Lc 2:24 com Lv 12:8), mas sujeitou-se a mudar de Nazaré para o Egito, e depois voltar do Egito para Nazaré conforme o Senhor o guiava (pensando nisto, os presentes dos magos vieram na hora certa para custear a viagem e a estadia no Egito!). A lógica talvez sugerisse que eles deveriam morar na Judeia (afinal, o Menino era o Messias), mas Deus os guiou de volta à humilde Nazaré! Sem questionar ou hesitar, José seguiu a direção divina. Que possamos desejar esta direção acima de tudo!
Também é interessante ver aqui a prioridade do Filho. Quatro vezes lemos a expressão “o Menino e Sua mãe”. A palavra traduzida “menino” aqui é a forma diminutiva: “menininho”. Ele certamente parecia tão indefeso e frágil; mas José deve ter percebido, por tudo que acontecia, que este “menininho” era muito mais forte do que o próprio José. E sempre que o anjo lhe falava, a ordem dos termos era a mesma — sempre “o menininho” primeiro, depois “e Sua mãe”. O Menino que Maria gerou era o Senhor, Salvador e Criador de Maria e José!
Não é fácil para nós (como não deve ter sido para Jose) abraçar os dois extremos: divindade plena num bebezinho! É profundo demais para nós. Mas podemos, hoje, louvar a Deus pelo “grande … mistério da piedade: Deus Se manifestou em carne” (I Tm 3:16).
Chegando ao fim desta pequena série sobre José de Nazaré. As próximas duas menções do seu nome destacam a sua linhagem: “José, da casa de Davi … E subiu também José da Galiléia, da cidade de Nazaré, à Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém (porque era da casa e família de Davi)” (Lc 1:27; 2:4). Pode parecer um detalhe supérfluo, mas é importante. O Velho Testamento (I Cr 17:11-14; veja Mt 22:42) havia predito que o Messias seria descendente de Davi — aqui vemos o cumprimento destas profecias.
Lucas também nos mostra José ao lado da manjedoura (Lc 2:16), e cumprindo tudo que a Lei exigia em relação ao Senhor Jesus nos primeiros dias de Sua vida aqui na Terra (Lc 2:21-40). Ele comportou-se de forma responsável na função de pai! Também lemos que “todos os anos iam Seus pais a Jerusalém à Festa da Páscoa; e, tendo Ele já doze anos, subiram a Jerusalém” (Lc 2:41-42). É muito bom ver José guiando sua família nos caminhos do Senhor — um exemplo digno de ser imitado!
Poucas linhas abaixo, porém, Lucas mostra que houve uma falha de atenção da parte de José, pois quando regressaram, “ficou o menino Jesus em Jerusalém, e não o soube José, nem Sua mãe”. Verdade seja dita, o Senhor não Se perdeu — certamente Ele ficou para trás porque quis. Mesmo assim, o Espírito registrou o fato que José e Maria não perceberam a ausência do Senhor até no dia seguinte.
Quão fácil para qualquer um de nós nos acostumarmos com a presença do Senhor conforme os anos se passam, e chegar ao ponto de negligenciarmos a comunhão com Ele. Deixamos de estar atentos, e nos distanciamos dEle! Que Deus nos preserve disto!
Quando finalmente encontraram o Senhor, Ele “desceu com eles, e foi a Nazaré, e era-lhes sujeito” (Lc 2:51). O Criador dos Céus e da Terra sendo sujeito a um homem simplesmente porque Deus colocou aquele homem na posição de pai (no sentido legal da palavra). Que exemplo para os adolescentes salvos! E que testemunho do caráter de José, que foi escolhido para esta tarefa.
Nunca mais lemos de José (historicamente) depois disto. Provavelmente ele morreu e partiu para o Céu mais cedo. Mas temos uma passagem em Lucas (4:22), e duas em João (1:45; 6:42), quando Deus quis registrar que os homens referiam-se ao Senhor Jesus como “o filho de José”. Ele não era filho de José, mas Filho de Deus — mesmo assim, que honra para José ter seu nome associado com Seu Criador. Que privilégio ele teve de ver aquele “menininho” tornando-Se um jovem, crescendo “em sabedoria, e em estatura, e em graça, para com Deus e os homens” (Lc 2:40, 52).
Em resumo, José nos mostra que sua obediência inicial, de tomar Maria por esposa, foi amplamente recompensada! E até hoje, este princípio permanece: obedecer a Deus sempre vale a pena!
William Joseph Watterson
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