Desejamos enfatizar esta verdade, asseverando que existe, na fé cristã, um lado de intolerância. Vou mais além e afirmo que, se não temos visto este lado intolerante da fé, provavelmente nunca vimos verdadeiramente a fé. Existem muitos mandamentos nas Escrituras que substanciam a afirmativa de que colocar mais alguém ao lado de Jesus, ou falar de salvação à parte d’Ele, ou sem que Ele seja o centro dela, é traição e negação da verdade.
O apóstolo Pedro, dirigindo-se ao sinédrio em Jerusalém, disse: “porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).
Todo falso ensinamento deve ser odiado e combatido. O Novo Testamento nos diz que assim fez nosso Senhor e todos os apóstolos, e que eles se opuseram e advertiram as pessoas contra isso.
Mas pergunto novamente: isto é realizado hoje? Qual sua atitude pessoal quanto a isso? Acaso é você uma daquelas pessoas que diz que não há necessidade dessas negativas, e que deveríamos estar contentes com uma apresentação positiva da verdade? Subscrevemos o ensinamento prevalecente que discorda de advertências e críticas ao falso ensinamento? Você concorda com aqueles que dizem que um espírito de amor é incompatível com a denúncia crítica e negativa dos erros gritantes, e que temos de ser sempre positivos?
A resposta mais simples a tal atitude é que o Senhor Jesus Cristo denunciou o mal e os falsos mestres. Repito que Ele os denunciou como “lobos vorazes” e como “sepulcros caiados” e como “guias cegos”. O apóstolo Paulo disse de alguns deles: “o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia”. Esta é a linguagem das Escrituras.
Pode haver pouca dúvida, mas a Igreja está como é hoje porque não seguimos o ensinamento do Novo Testamento e as suas exortações, e nos restringimos ao positivo e ao assim chamado “Evangelho simples”, e fracassamos em acentuar negativas e críticas. O resultado é que as pessoas não reconhecem o erro quando se defrontam com ele. Aceitam aquilo que aparenta ser bom, e se impressionam com aqueles que vem às suas portas falando da Bíblia e oferecendo livros sobre a Bíblia e profecias e coisas deste tipo.
Eles, na condição de sua ignorância infantil, frequentemente ajudam a propagar o falso ensinamento, porque não conseguem ver nada de errado nele. Além disso não compreendem que o erro deve ser odiado e denunciado. Eles imaginam-se a si mesmos cheios de um espírito de amor, são iludidos por satanás, a fera destruidora que estava no encalço delas, e que, num bote súbito, os agarrou com sua esperteza e sutileza.
Não é agradável ser negativo; ter que denunciar e expor o erro não dá alegria. Mas qualquer pastor que sinta, em pequena medida, e com humildade, a responsabilidade que o apóstolo Paulo conhecia num grau infinitamente maior pelas almas e o bem estar espiritual de seu povo, é forçado a fazer estas advertências. Isto não é desejado nem apreciado por esta moderna geração moralmente fraca. Muito amiúde a bancada tem controlado o púlpito e grande dano tem sobrevindo à Igreja. O apóstolo adverte a Timóteo que virá um tempo em que as pessoas “não suportarão a sã doutrina”. Este é frequentemente o caso no tempo presente, e assim tem sido durante este século. Por isso é importante que cada membro deva ter uma concepção real da Igreja e do ofício do ministro em particular.
Hoje há no mundo igrejas que na superfície parecem ser igrejas florescentes. Multidões se agregam a elas e demonstram demasiado zelo e entusiasmo. Mas num exame mais acurado descobre-se que a maior parte do tempo é tomado por música de vários tipos, e com clubes e sociedades e atividades sociais. O culto começa às 11:00h e tem que terminar exatamente ao meio-dia, e haverá sérios problemas se isso não ocorrer! Há apenas uma breve “reflexão” de quinze minutos, vinte minutos no máximo. O infeliz ministro, se não enxergar estas coisas com clareza, teme ir contra os desejos da maioria. Sua sobrevivência depende dos membros da igreja, e o resultado é que tudo é feito para se conformar aos desejos e anseios da congregação.
Mas deixe-me acrescentar que o ministro também não pode impor. É o próprio Senhor quem determina, Aquele que está assentado à mão direita de Deus e que deu “alguns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores” (Ef 4:11). Ele os deu para a edificação dos membros da Igreja, e é a mensagem d’Ele que deve ser pregada sem temor nem favor. Precisamos recuperar algo do espírito de John Knox cuja pregação fazia tremer a Maria, rainha dos Escoceses.
O trabalho do ministro é edificar o corpo de Cristo. A ocupação do ministro é edificar a Igreja, não a si mesmo! Eles têm muito frequentemente edificado a si mesmos, e temos lido de príncipes da igreja vivendo em posições de grande pompa e riqueza. Isto é uma gritante deturpação dos ensinamentos de Paulo! Observemos que os ministros são chamados para edificar, não para agradar nem entreter. O modo pelo qual deveriam fazer isso está resumido perfeitamente naquela passagem, imensamente lírica, de Atos 20. O apóstolo Paulo está se despedindo dos presbíteros da igreja de Éfeso, à beira mar, e eis o que ele diz:
“Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à Palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (v. 32). “Palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar”!
Não é surpresa que a igreja seja o que é hoje, pois lhe têm sido dados filosofia e entretenimento. Por meio delas um ministro pode, por enquanto, atrair e segurar uma multidão; mas não pode edificar; a tarefa dos pregadores é edificar, não atrair multidões. Nada edifica a não ser a Palavra de Deus sem adulteração. Não há autoridade fora dela; e ela não pode de modo algum ser modificada ou nivelada para se adaptar à moda da ciência moderna, ou a alguns supostos “resultados confirmados da crítica” que está sempre em modificação.
É o “eterno Evangelho” e é: a “Eterna Palavra” a mesma que Paulo e os demais apóstolos pregaram, a mesma Palavra que os Reformadores protestantes pregaram, os Puritanos, e os grandes pregadores de duzentos anos atrás, como também Spurgeon no último século, sem qualquer modificação que fosse. É pelo fato de isso ter sido tão amplamente esquecido nos últimos cem anos que as coisas hoje estão como estão.
David Martyn Lloyd-Jones – Jornal “Os Puritanos”.