Que fé é essa da qual é dito: “Pela graça sois salvos, mediante a fé“? Certamente há muitas descrições de fé, mas quase todas as definições que tenho encontrado, levam-me a entender menos do que entendia antes. É possível que, ao tentar explicar muito alguma coisa, ela se torne ainda mais confusa. Podemos explicá-la tanto até que ninguém mais a entenda. Espero não ser culpado dessa falta. A fé é a mais simples de todas as coisas e, talvez, por causa de tal simplicidade, ela seja de mais difícil explicação.
O que é fé? Resumidamente, a fé é feita de três coisas: conhecimento, crença e confiança. Conhecimento vem primeiro. “como crerão naquele de quem nada ouviram?“. É preciso que eu seja informado de um fato antes que possa crer nele. “Em ti, pois, confiam os que conhecem o teu nome” [Salmos 9.10]. É preciso que haja um conhecimento substancial para que haja fé; daí a importância de adquirir conhecimento. “Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá” [Isaías 55.3]. Tais são as palavras dos antigos profetas, e as palavras do Evangelho, ainda hoje. Busque as Escrituras e aprenda o que o Espírito Santo ensina sobre Cristo e sua salvação. Busque o conhecimento de Deus, “porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” [Hebreus 11.6]. Que o Espírito Santo lhe dê espírito de conhecimento e de temor do Senhor! Conheça o Evangelho, saiba quais são as boas novas, o que ela diz sobre o perdão gratuito, sobre a mudança de coração, sobre a adoção na família de Deus e sobre outras bênçãos incontáveis.
Conheça, especialmente, a Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Salvador dos homens; conheça-o unido a nós em natureza humana e, ainda assim, um com Deus, habilitado a agir como Mediador entre Deus e os homens, a dar a mão a ambos e propiciar a paz entre os pecadores e o Juiz de toda a terra. Aplique-se a conhecer mais e mais de Cristo. Aplique-se, especialmente, a conhecer a doutrina do sacrifício de Cristo, pois este é o ponto sobre o qual a fé salvadora se fixa: “a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões” [2 Coríntios 5.19]. Saiba que “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro)” [Gálatas 3.13]. Beba da doutrina da obra substitutiva de Cristo, pois nela há o mais doce conforto para a culpa dos filhos dos homens, uma vez que “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” [2 Coríntios 5.21]. A fé começa com o conhecimento.
A mente, a seguir, crê que tais coisas sejam verdadeiras. A alma crê que Deus é, e que ouve o clamor do coração sincero. Crê que o Evangelho procede de Deus e que a justificação pela fé é sua grande verdade revelada pelo Espírito, de maneira mais clara nestes últimos dias do que fora antes revelada aos pais pelos profetas. O coração crê que Jesus é verdadeiramente nosso Deus e Salvador, o Redentor do homem, o Profeta, Sacerdote e Rei do seu povo. Tudo isso é aceito como indubitável e pura verdade. Oro a Deus, pedindo que você chegue a tal conclusão. Creia firmemente que “o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” [1 João 1.7]; que seu sacrifício é plenamente aceito em favor do homem para que todo aquele que nele crê e não seja condenado. Creia nestas verdades da mesma maneira como você crê em outras declarações, pois a diferença entre a fé comum e a fé salvadora reside apenas no objeto sobre o qual ela é exercitada. Creia, da mesma maneira como você crê em seu próprio pai ou amigo. “Se admitimos o testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior” [1 João 5.9].
Até aqui, você terá feito um grande avanço na compreensão da fé; apenas um ingrediente mais é necessário para completá-la, o qual é a confiança. Trata-se de entregar-se totalmente à misericórdia de Deus. Deixe que sua fé habite na esperança do gracioso Evangelho de Jesus. Confie sua alma ao Salvador morto e ressurreto. Purifique seus pecados em seu sangue expiatório. Aceite sua perfeita justiça.
A confiança é a corrente sanguínea da fé; sem ela, não haverá fé salvadora. Os puritanos estavam acostumados a explicar a fé, utilizando o termo recumbência (do verbo recumbir). A palavra significa recostar, inclinar; repousar em Jesus Cristo. Haveria melhor ilustração do que dizer: Lance todo o seu peso sobre a Rocha eterna? Entregue-se a Jesus; descanse nele; confie nele.
Isto feito, isto é, conhecido, crido e confiado no Senhor, você terá exercido a fé salvadora. A fé não é cega, pois conheça com o conhecimento. Não é especulativa, pois é a certeza de fatos. E não é algo romântico e ingênuo, pois confia firmemente na verdade revelada.
Tais descrições compõem uma forma de ver a fé. Permita-me tentar de novo: A fé é a crença de que Cristo é quem ele disse ser e de que fará o que disse que faria – e assim, esperar isso dele.
As Escrituras falam de Jesus como sendo Deus encarnado, como o ser perfeito em seu caráter, como tendo oferecido a si mesmo como propiciação (tornar favorável) por causa do nosso pecado; como tendo carregado sobre seu próprio corpo, na cruz, os nossos pecados. A Escritura fala de Jesus Cristo como aquele que pôs fim à transgressão, ao pecado, e trouxe à luz a justiça eterna. Os relatos sagrados dizem ainda que ele morreu e ressuscitou dentre os mortos para fazer eterna intercessão por nós, que reassumiu sua glória e tomou posse dos céus em nome do seu povo, e que voltará outra vez para julgar ao mundo com justiça e ao seu povo com equidade.
Havemos de crer firmemente que tais coisas são mesmo assim, pois tal foi o testemunho de Deus, o Pai, quando disse: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi” [Mateus 17.5]. Deus, o Espírito Santo, também testifica a respeito de Cristo tanto na Palavra inspirada quanto por sua obra no coração da pessoa. Havemos de crer que tais testemunhos sejam verdadeiros.
A fé também crê que Cristo cumprirá aquilo que prometeu; que, uma vez que prometeu não rejeitar ninguém que a ele se achegue, certamente ele não nos rejeitará quando formos a ele. A fé crê que, uma vez que Jesus disse: “aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” [João 4.14], tal é real e verdadeiro. E, se tomarmos desta Água viva, Cristo habitará em nós, e será em nós como correntes de vida santa.
Tudo o que o Senhor prometeu, ele o fará. Devemos crer nisso em relação a perdão, justificação, preservação e glória eterna; em relação a tudo que vem das suas mãos segundo as promessas que ele mesmo fez aos que nele creem.
Vem aí, então, o passo seguinte e necessário. Jesus é quem ele disse ser e fará o que disse que faria; assim, temos, cada um de nós, de confiar nele, dizendo: Ele será para mim quem ele diz ser, e fará comigo aquilo que ele prometeu fazer; entrego-me às mãos daquele que foi designado para me salvar, para que me salve. Descanso na promessa que ele fará ainda mais do que ele mesmo disse. Esta é a fé salvadora, e, aquele que a possui, possui a vida eterna. Quaisquer que sejam os perigos e dificuldades, quaisquer trevas ou depressões, quaisquer enfermidades ou pecados, aquele que crê em Cristo não é condenado e jamais cairá em condenação.
Que esta explanação seja útil! Confio que ela possa ser usada pelo Espírito de Deus para dirigir o meu leitor à uma paz imediata. “Não temas, crê somente“. Confie e descanse.
Contudo, meu temor é que você, caro leitor, repouse contente com o entendimento daquilo que já está feito, mas jamais o faça você mesmo. Melhor é a fé pobre, mas real e operante, do que o mais rico ideal deixado no vazio da especulação. O ponto chave é crer no Senhor Jesus, agora mesmo. Uma pessoa faminta come, até mesmo, sem saber a detalhada composição do alimento, a anatomia do aparelho digestivo ou o processo da digestão. Ela vive porque come. Alguém mais esclarecido poderá saber mais sobre a ciência da nutrição, mas, se não comer, morrerá com todo o conhecimento. Há muitos, neste momento, no inferno, que entenderam a doutrina da fé, mas que não creram. Por outro lado, ninguém que tenha confiado no Senhor Jesus jamais foi rejeitado – ainda que não tenha sido tão inteligente a ponto de definir a própria fé.
Oh, caro amigo, receba o Senhor em sua alma, e viva para sempre!
Charles Haddon Spurgeon – Extraído do livro “All of Grace”, publicado em 1894.