“Eu sou o Senhor, eu não mudo” (Ml 3.6) — Aqui eu tentarei expor, ou ainda expandir o pensamento e depois trarei alguns argumentos para provar sua veracidade.
Oferecerei uma exposição desse texto, dizendo primeiro, que Deus é Jeová e Ele não muda em Sua essência. Não somos capazes de lhes dizer o que a Deidade é. Não sabemos qual é a substância d’Aquele que chamamos Deus. É uma existência, é um ser; mas o que Ele é, nós não sabemos. Entretanto, seja o que for, chamamos isso de Sua essência e essa essência nunca muda. A substância das coisas mortais sempre muda. As montanhas com seus topos brancos de neve perdem seus velhos diademas no verão em rios que correm ao pé delas, enquanto nuvens de tempestade os coroam; o oceano, com suas poderosas marés, perde sua água quando os raios de sol beijam as ondas e as arrebata em evaporação para o céu; até mesmo o sol necessita de combustível novo da mão do infinito Todo-poderoso para encher o seu eterno forno ardente.
Todas as criaturas mudam. O homem, especialmente em seu corpo, está sempre sofrendo revolução. Muito provavelmente, não existe uma única partícula em meu corpo que esteve nele alguns anos atrás. Este corpo tem sido gasto pela atividade, seus átomos têm sido removidos através de fricção, partículas novas de matéria têm, nesse ínterim, constantemente se acumulado em meu corpo, e assim tem sido reabastecido; mas sua substância é alterada. O material do qual este mundo é feito está em decadência; como um fluxo de água, as gotas estão caindo e outras vindo atrás, ainda que mantendo o rio cheio, porém sempre mudando os seus elementos. Contudo, Deus é perpetuamente o mesmo. Ele não é composto de qualquer substância ou matéria, mas é espírito – puro, essencial e etéreo espírito – e por isso é imutável. Ele permanece para sempre o mesmo. Não há nenhuma ruga em Sua eterna testa. Nenhuma época O paralisou; nenhum ano O marcou com recordações passageiras; Ele vê as eras passarem, mas com Ele está sempre o agora. Ele é o grande Eu sou – o Grande Imutável. Lembre-se, a essência d’Ele não sofreu nenhuma mudança quando se tornou unido com a natureza humana. Quando Cristo outrora cingiu-Se com barro mortal, a essência da deidade d’Ele não foi mudada; a carne não se tornou Deus, nem Deus Se tornou carne por uma mudança real de natureza; as duas naturezas estavam unidas numa união hipostática, entretanto a Deidade ainda era a mesma. Era a mesma quando Ele era um bebê na manjedoura, como quando Ele estendeu as cortinas do céu; era o mesmo Deus que foi pregado na cruz e cujo sangue fluiu abaixo num rio escarlate, o mesmo Deus que sustenta o mundo com Seus eternos ombros e mantém em Suas mãos as chaves da morte e do inferno. Ele nunca mudou na Sua essência, nem mesmo pela Sua encarnação; Ele permanece sempiterno, eternamente, o único Deus imutável, o Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sombra de variação (Tg 1:18).
Ele não muda em Seus atributos. Qualquer um dos atributos de Deus era no passado, como é agora; e de cada um deles podemos cantar: “Como eras no início, és agora, e sempre serás, mundo sem fim, Amém”. Acaso Ele era poderoso? Ele era o Deus poderoso quando chamou o mundo para fora do útero da não existência? Era Ele o Onipotente quando empilhou as montanhas e cavou a terra oca para formar os leitos dos rios? Sim, Ele era então poderoso e o braço d’Ele é agora único, Ele é o mesmo gigante em Seu poder; a seiva da nutrição d’Ele é interminável e a força da Sua personalidade é a mesma para sempre. Porventura Ele era sábio quando constituiu este globo poderoso, quando estabeleceu as fundações do universo? Tinha Ele sabedoria quando planejou os meios da nossa salvação e quando desde toda eternidade estabeleceu Seu grandioso plano? Sim, Ele é sábio agora; não é menos hábil, Ele não tem menos conhecimento; os olhos d’Ele que veem todas as coisas não estão embaçados; Seus ouvidos ouvem todos os gritos, suspiros, choros e gemidos do Seu povo, não estão tapados para suas orações. Ele é o mesmo em Sua sabedoria, Ele sabe agora tanto quanto antes, nem mais nem menos; Ele tem a mesma capacidade ilimitada e a mesma presciência infinita. Ele permanece inalterado, bendito seja o nome d’Ele na Sua justiça. Justo e santo Ele era no passado; justo e santo Ele é agora. Ele está inalterado na Sua verdade; Ele promete e Ele realiza; Ele disse isso e isso será feito. Ele não varia na bondade, generosidade e benevolência da Sua natureza. Ele não Se tornou num tirano todo-poderoso, ao passo que era uma vez um Pai todo-poderoso; mas Seu forte amor permanece como uma rocha, impassível pelos furacões da nossa iniquidade. E bendito seja o Seu precioso nome, Ele nunca mudou no Seu amor. No princípio, quando Ele firmou a aliança, quão cheio estava Seu coração de afeto pelo Seu povo. Ele sabia que o Seu Filho teria que morrer para ratificar os artigos daquele acordo. Ele sabia muito bem que tinha de dar o Seu melhor pelos amados de Suas entranhas e o enviou à terra para derramar Seu sangue e morrer. Ele não vacilou em ratificar aquela poderosa aliança, nem evitou seu cumprimento. Ele ama hoje tanto quanto no passado e quando o sol deixar de brilhar e a lua de mostrar sua tênue luz, Ele ainda amará e para sempre e sempre. Tome qualquer atributo de Deus e eu escreverei a respeito dele sempre idem (sempre o mesmo). Diga qualquer coisa que puder de Deus e isso pode ser dito num passado escuro como também num futuro luminoso e sempre permanecerá o mesmo: “Eu sou Jeová, eu não mudo”.
E então, novamente, Deus não muda em Seus planos. Aquele homem começou a construir, mas não foi capaz de terminar e então mudou de plano como qualquer homem sábio faria nesse caso; ele construiu num alicerce menor e começou novamente. Contudo, teria dito sobre Deus que Ele começou a construir e não pôde terminar? Não. Quando Ele tinha recursos ilimitados ao Seu comando, quando Sua própria destra pôde criar os mundos tão numerosos quanto as gotas de orvalho matutino, teria sido necessário .para Ele Se deter a fim de recobrar forças? Inverteria, ou alteraria, ou modificaria Seu plano porque não poderia levá-lo a cabo? “Mas”, dizem alguns, “talvez Deus nunca tivesse um plano”. Então, o senhor pensa que Deus é mais tolo que você? Você trabalharia sem um plano? “Não”, diria você, “eu sempre tenho um esquema”. Deus também tem. Qualquer homem tem seus planos e Deus tem um plano também. Deus é um Arquiteto todo-sábio ; Ele organizou tudo em Seu imenso intelecto bem antes de realizá-lo; e tendo estabelecido de uma vez por todas, tenha certeza, Ele nunca alterará isso. “Isso será feito”, diz Ele, e a mão forte do destino marca isso e o faz cumprir. “Este é o Meu propósito” e isto posto, nem terra ou inferno podem alterá-lo. “Este é o Meu decreto”, diz Ele, promulgue-o anjos; sejam expulsos das portas do céu os demônios, mas vocês não podem alterar o decreto; ele será cumprido. Deus não alterou Seus planos; por que faria isso? Ele é todo-poderoso e por conseguinte pode executar tudo, segundo o Seu prazer. Por que faria isso? Ele é o onisciente, e, dessa forma, não poderia ter planejado erradamente. Por que faria isso? Ele é o Deus sempiterno e, sendo assim, não pode morrer antes que Seu plano seja realizado. Por que Ele deveria mudar? Vocês, átomos desprezíveis de existência, efêmeros do dia! Rastejantes insetos nesse jardim da existência! Vocês podem mudar seus planos, porém Ele nunca muda, nunca muda o Seu plano. Ele teria dito que Seu plano é me salvar? Se for assim, estou seguro.
Meu nome das palmas das Suas mãos
A eternidade não apagará;
Impresso permanece em Seu coração,
Em marcas de indelével graça.
Novamente, Deus é imutável em Suas promessas. O como amamos falar das doces promessas de Deus; porém se pudéssemos apenas supor que alguma delas poderia ser mudada, não falaríamos mais nada sobre elas. Se eu pensasse que o dinheiro do Banco da Inglaterra não poderia ser trocado na semana que vem, eu recusaria aceitá-lo; se eu pensasse que as promessas de Deus pudessem nunca ser cumpridas – se eu pensasse que Deus acharia correto alterar alguma palavra em Suas promessas -adeus Escrituras! Eu quero as coisas imutáveis e descubro que tenho promessas imutáveis quando me volto para a Bíblia: pois, “por duas coisas imutáveis nas quais é impossível que Deus minta…”., Ele assinou, confirmou e selou cada promessa Sua. O Evangelho não é “sim e não”, não está prometendo hoje e negando amanhã; mas o Evangelho é “sim, sim” para a glória de Deus. Cristão! havia uma preciosa promessa que você tinha ontem e nesta manhã quando você abriu a Bíblia a promessa não era doce. Você sabe por quê? Você pensa que a promessa teve mudança? Ah, não! Você mudou; essa é a razão. Você tinha comido algumas das uvas de Sodoma e sua boca ficou sem gosto e não pôde descobrir sua doçura. Mas havia lá o mesmo mel, tenha certeza disso, a mesma preciosidade. “O”, diz um filho de Deus, “No passado eu construí minha casa firmemente em algumas promessas estáveis; então veio um vento e eu disse: ó Senhor, estou abatido e ficarei perdido”. Ora, as promessas não falharam; as fundações não foram removidas; o problema foi aquela pequena casa de “madeira, palha e restolho” que você construiu. Foi essa que caiu. Você foi abalado sobre a rocha, não a rocha debaixo de você. Mas deixe-me lhe falar qual é a melhor maneira de se viver no mundo. Eu ouvi que um grã-fino disse a um negro, “eu não posso entender como é que você está sempre tão contente no Senhor e eu estou frequentemente abatido”. “Ora, senhor”, disse ele, “eu me lanço prostrado na promessa – lá eu descanso; você permanece de pé na promessa – você tem muito pouco a fazer com ela e cai quando sopra o vento e então clama, “O, eu caí”, ao passo que logo me lanço prostrado na promessa, por isso que não tenho medo de cair”. Então, vamos sempre dizer: “Senhor, existe a promessa e é Tua responsabilidade cumpri-la”. Eu me prostro na segurança da promessa! Não fico de pé. Esse é o lugar onde você deve ir – prostrado sobre a promessa; lembre-se, cada promessa é uma rocha, uma coisa imutável. Então, prostre-se aos Seus pés e descanse aí para sempre.
Mas agora vem uma coisa chocante para deteriorar este assunto. Para alguns de vocês Deus é imutável em Suas ameaças. Se toda promessa for firme, e todo juramento da aliança for cumprido, preste atenção pecador – observe esta palavra – veja a morte de suas esperanças carnais; veja o enterro de sua confiança carnal. Cada ameaça de Deus, bem como cada promessa, será cumprida. Com respeito a decretos – eu lhe falarei de um decreto: “Quem não crê será condenado” (Mar. 16:16). Isso é um decreto e um estatuto que nunca pode mudar. Seja tão bom como quiser, seja tão moral quanto puder, seja tão honesto quanto quiser, caminhe tão corretamente quanto puder – existe uma ameaça inalterável: “Quem não crê será condenado”. O que você diz sobre isso, moralista? Oh, você desejaria mudar isso, e dizer: “Quem não vive uma vida santa será condenado” (Mc 16:16). Isso seria verdade; mas não diz isso. Diz: “Quem não crê…”. Aqui está a pedra de tropeço e a rocha de escândalo; porém você não pode alterar isso. Você precisa crer ou será condenado, diz a Bíblia; e veja, essa ameaça divina é inalterável tanto como o próprio Deus. E quando mil anos de tormentos no inferno tiverem passado, você olhará para cima e verá escrito em letras ardentes de fogo, “Quem não crê será condenado”. “Mas Senhor, eu estou condenado”. Não obstante as Escrituras ainda dizem “será condenado”. E quando um milhão de anos tiverem passado e você estiver exausto por suas dores e agonias, você olhará para cima e ainda lerá “SERÁ CONDENADO”, inalterado, imutável. E mesmo que pense que a eternidade deu sua derradeira volta – que cada segundo do que chamamos eternidade já passou, você ainda verá escrito lá “SERÁ CONDENADO”. Que pensamento terrível! Como ouso eu falar assim? Mas eu devo. Vocês devem ser advertidos, senhores, “a fim de que não venham também para este lugar de tormento” (Lc 16:28). Eu devo anunciar coisas ásperas; pois se o Evangelho de Deus não é uma coisa áspera, pelo menos a lei é; o Monte Sinai é uma coisa áspera. Ai do vigia que não adverte os ímpios. Deus é imutável nas Suas ameaças. Cuidado pecador, pois “horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10:31).
Temos que indicar ainda mais um pensamento antes de prosseguirmos, e é este – Deus é imutável nos objetos do Seu amor – não apenas em Seu amor, mas também nos objetos dele.
Se pudesse acontecer, Que uma ovelha de Cristo caísse da graça, Minha pobre alma inconstante e fraca, Cairia mil vezes por dia.
Se apenas um dos santos de Deus pudesse perecer, então todos poderiam perecer; se um daqueles que fazem parte da aliança pudesse se perder, então todos poderiam se perder. Dessa forma não haveria nenhuma promessa verdadeira no Evangelho, a Bíblia seria uma mentira e não haveria nada nela digno da minha aceitação. Eu me tornaria um infiel imediatamente, se pudesse crer que um santo de Deus pode vir a se perder no final. Se Deus me amou uma vez, Ele me amará para sempre.
Se Jesus uma vez me fez Seu, Então para sempre Jesus é meu.
Os objetos do amor perpétuo nunca mudam. Aqueles que Deus chamou, Ele justificará; aqueles que Ele justificou, Ele santificará; e aqueles que Ele santificou, Ele glorificará (Rm 8:30).
Charles Haddon Spurgeon