“E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: ESTÁ CONSUMADO. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19:30).
Meus irmãos, gostaria que vocês observassem com atenção a singular clareza, o poder e a vivacidade da mente do Salvador, nas últimas agonias da morte. Quando as dores e os gemidos acompanham a última hora, frequentemente têm o efeito de descompor a mente, de tal forma que não é possível que o moribundo recolha seus pensamentos, ou, tendo-os recolhido, que possa expressá-los de tal maneira que outras pessoas os entendam. Em nenhum caso podemos esperar um notável exercício da memória de um homem a ponto de expirar, ou um juízo profundo sobre temas complexos. Mas os últimos atos do Redentor estiveram cheios de sabedoria e prudência, ainda que seus sofrimentos tenham sido agudos, além de toda medida. Observem o quão claramente Ele percebeu o significado de cada figura! Quão claramente pôde ler com Seu olho agonizante esses símbolos divinos que os olhos dos anjos somente podiam olhar ansiosos! Ele viu que os segredos que surpreenderam os sábios e assombraram os videntes, se cumpriam todos em Seu próprio corpo.
Não devemos deixar de observar o poder e o alcance de Seu entendimento sobre a corrente que ligava o passado de sombras simbólicas com o presente iluminado pelo sol. Não devemos esquecer o brilho dessa inteligência que amarrava todas as cerimônias e os sacrifícios em um único fio de pensamento, e considerava todas as profecias como uma grandiosa revelação única, e todas as promessas como os arautos de uma pessoa, e que logo disse de tudo isso, “Está consumado, consumado em mim”.
Que vivacidade de mente era essa que lhe permitiu atravessar todos os séculos de profecia, penetrar a eternidade do pacto, e logo antecipar as glórias eternas! E tudo isto enquanto era escarnecido por multidões de inimigos, e enquanto Suas mãos e Seus pés eram cravados na cruz! Que força mental deve ter possuído o Salvador, para elevar-se acima desses Alpes de Agonia, que tocavam as próprias nuvens. Em que condição mental tão singular se encontrava Ele no momento de Sua crucificação, para poder repassar todo o registro da inspiração!
Agora, pode parecer que esta observação não tenha grande valor, mas eu penso que precisamente seu valor está radicado em certas deduções que possam ser estabelecidas a partir dela. Às vezes escutamos que se diz: “Como Cristo pôde suportar, em tão curto tempo, o sofrimento que deveria ser equivalente aos tormentos, os eternos tormentos do inferno?”. Nossa resposta é que não somos capazes de julgar o que o Filho de Deus é capaz de fazer em apenas um momento, e muito menos o que poderia fazer e o que poderia sofrer em toda Sua vida e Sua morte.
Algumas pessoas que foram resgatadas depois de estar a ponto de afogarem-se, afirmaram com frequência que a mente de um homem que está se afogando é singularmente ativa. Alguém que, depois de estar algum tempo na água, e por fim foi resgatado dolorosamente, comentou que a história de sua vida completa se agrupou em sua mente enquanto estava afundando, e que se alguém houvesse perguntado quanto tempo tinha estado na água, teria respondido que vinte anos, enquanto na verdade tinha estado ali unicamente por um momento ou dois.
O extravagante relato da viagem de Maomé montando Alborak [1], não é uma ilustração inadequada. Ele afirma que quando o anjo veio em visão para levá-lo em sua celebrada viagem para Jerusalém, atravessou todos os sete céus e viu todas as suas maravilhas e, contudo, se havia ido por tão curto tempo que ainda que a asa do anjo tivesse roçado uma bacia de água quando se foram, regressaram o suficientemente rápido para evitar que a água se derramasse. O longo sonho do impostor epiléptico pode haver ocupado realmente um segundo de tempo, nada mais.
O intelecto do homem mortal é tal que, se Deus assim o quer, quando se encontra em certos estados, pode ponderar séculos de pensamento de uma só vez; pode alcançar, em um instante, o que suporíamos que tomaria anos e anos para conhecer ou sentir. Portanto pensamos que, pela singular clareza e a vivacidade do intelecto do Salvador na cruz, é muito possível que no espaço de dois ou três horas suportou em verdade, não somente a agonia que poderia ter sido contida em séculos, mas inclusive o equivalente ao que poderia ter estado incluído no castigo eterno.
De qualquer maneira, não nos corresponde dizer que não poderia ser assim. Quando a Divindade está adornada de humanidade, a humanidade se torna onipotente para sofrer; e assim como os pés de Cristo foram uma vez onipotentes para caminhar sobre os mares, assim também seu corpo inteiro se tornou todo poderoso para submergir-se nas grandes águas, e para suportar uma imersão em “agonias desconhecidas”. Lhes rogo que não tentemos medir os sofrimentos de Cristo com a linha finita de nossa própria razão ignorante, mas que devemos saber e crer que o que Ele suportou ali, foi aceito por Deus como o equivalente de todas as nossas dores e, portanto, não poderia ter sido algo sem valor; mas foi tudo o que Hart concebeu que era, quando diz que Ele carregou com:
“Tudo o que o Deus encarnado podia suportar,
Com a força suficiente, mas toda Sua força requerida”.
Não duvido que minha mensagem ilustrará de maneira mais clara a observação com a qual comecei; procedamos a ele de imediato. Primeiro, ouçamos o texto e o entendamos; logo, ouçamos e maravilhemo-nos dele; e logo, em terceiro lugar, o ouçamos e o proclamemos.
I. Ouçamos o texto e o entendamos.
O Filho de Deus foi feito homem. Ele viveu uma vida de perfeita virtude e de total autonegação. Durante toda Sua vida foi desprezado e descartado entre os homens, varão de dores, experimentado em quebranto. Seus inimigos foram legiões; teve poucos amigos, e esses poucos Lhe foram infiéis. Por fim é entregue nas mãos dos que O odeiam. O prendem quando se encontra orando; é denunciado tanto nas cortes espirituais como nas temporais. O vestiram de púrpura para burlar-se Dele e logo o desnudaram para envergonhá-Lo. É colocado em Seu trono para escarnecimento e logo amarrado ao pilar com crueldade. É declarado inocente e, contudo, é entregue pelo juiz que deveria tê-lo protegido de Seus perseguidores. É arrastado pelas ruas de Jerusalém, aquela que havia matado os profetas, e que agora se tingiria de vermelho com o sangue do Senhor dos profetas. É conduzido à cruz; é cravado firmemente ao cruel madeiro. O sol O queima. Suas cruéis feridas aumentam a febre. Deus o desampara. “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”, contém a angústia concentrada do mundo. Enquanto está cravado ali em conflito mortal com o pecado e Satanás, Seu coração está quebrantado, seus membros deslocados. O céu lhe abandona, pois o sol está velado em trevas. A terra lhe desampara, pois “todos os discípulos, deixando-o, fugiram”. Olha em todas as partes, e não há ninguém que O ajude; lança Seu olhar ao redor, e não há ninguém que possa compartilhar Sua pena. Pisa sozinho o lagar, e nenhum de Seus amigos está com Ele. Ele segue, segue adiante, determinado com firmeza a beber até a última gota desse cálice que não deve passar Dele, mas sim deve cumprir a vontade de Seu Pai. Finalmente clama: “Está consumado”, e entrega o espírito. Ouçam-no, cristãos, ouçam este grito de triunfo que ressoa hoje com todo o frescor e a força que teve há dois mil anos! Ouçam-no desde a Palavra Sagrada e dos lábios do Salvador, e que o Espírito de Deus abra seus ouvidos para que possam ouvir como os entendidos, e entender o que ouvem!
1. Então, o que o Salvador quis dizer com a expressão: “Está consumado?”. Antes de tudo, quis dizer que todos as figuras, promessas, e profecias foram agora plenamente cumpridos Nele. Quem está familiarizado com o original encontrará que as palavras: “Está consumado”, aparecem duas vezes em meio a três versículos. No versículo 28, encontramos essas palavras no grego; em nossa versão se traduzem como “cumprido” (Versão King James, 1611) mas ali estão: “Depois, sabendo Jesus que todas as coisas estavam consumadas, para que a Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede”. E depois disse: “Está consumado”. Isto não nos conduz a ver seu significado claramente, que toda a Escritura havia se cumprido naquele momento; do que quando disse: “Está consumado”, o Livro inteiro, desde o princípio até o fim, tanto na lei como nos profetas, tudo tinha sido consumado Nele.
Não há uma só joiade promessa, desde essa primeira esmeralda que caiu no umbral do Éden, até a última pedra de safira de Maláquias, que não haja estado incrustada no peitoral do verdadeiro Sumo Sacerdote. E mais, não há nenhum tipo, desde a vaca alazã até a rola, desde o híssopo até o próprio templo de Salomão, que não tenha se cumprido Nele; e nem uma só profecia, seja a que foi dada junto ao rio Quebar, ou nas margens do Jordão; nenhum sonho dos sábios, seja o que foi sonhado na Babilônia, ou na Samaria, ou na Judéia, que não haja sido concretizado com plenitude em Cristo Jesus.
E, irmãos, que coisa tão maravilhosa é que uma multidão de promessas, e profecias, e figuras, aparentemente tão heterogêneas, tenham se cumprido todas em uma pessoa! Suponhamos que tirássemos a Cristo por um momento, e que déssemos o Antigo Testamento a qualquer sábio da terra, dizendo a ele: “Toma isto; isto é um problema; vai para casa e constrói em tua imaginação um caráter ideal que se ajuste com exatidão a tudo o que foi prefigurado aqui; lembre-se, deve ser um profeta como Moisés, e também um campeão como Josué; deve ser um Arão e um Melquisedeque; deve ser tanto Davi como Salomão, Noé e Jonas, Judá e José. E tem mais, não deve ser unicamente o cordeiro que foi imolado, e o bode expiatório que não foi imolado, a rola que era submersa em sangue, e o sacerdote que sacrificava a ave, mas também que deve ser também o altar, o tabernáculo, o propiciatório, e o pão da proposição”.
Além disso, para confundir ainda mais a este sábio, relembremos a ele as profecias tão aparentemente contraditórias, que um pensaria que não poderiam nunca ser conciliadas em um só homem. Como estas: “E todos os reis se prostrarão perante ele; todas as nações o servirão” e, contudo, é “Desprezado e o mais rejeitado entre os homens”. Deve começar a mostrar um homem nascido de uma mãe virgem: “Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho”. Deve ser um homem sem mancha, e contudo, alguém em quem o Senhor concentra as iniquidades de todos nós. Deve ser alguém glorioso, um Filho de Davi, e, contudo, deve ser uma raiz de terra seca.
Agora, e o digo sem nenhum temor, se todos os maiores intelectos de todas as eras se pusessem a resolver este problema, a inventar outra chave para os tipos e as profecias, não poderiam fazê-lo. Eu os vejo, homens sábios, vocês estão decifrando estes hieróglifos; alguém sugere uma senha, e abre das ou três destas figuras, mas não pode prosseguir, pois a seguinte figura o desconcerta. Outro estudioso sugere outra senha, mas resulta que falha onde é mais necessária, e outro, e outro, e assim estes maravilhosos hieróglifos traçados antigamente por Moisés no deserto, devem ficar sem explicação, até que alguém passa à frente e proclama: “A cruz de Cristo, o Filho de Deus encarnado”, então tudo clareia, de tal forma que um que corre pode ler e uma criança pode entender.
Bendito Salvador! Em Ti vemos cumprido tudo o que Deus falou desde o princípio por meio dos profetas; em Ti descobrimos que tudo foi consumado com plenitude, tudo aquilo que Deus havia estabelecido para nós na sombria névoa da fumaça sacrificial. Glória seja dada ao Teu nome! “Está consumado”, tudo está resumido em Ti.
2. Mas as palavras têm um significado ainda mais rico. Não somente foram todas as figuras, e as profecias, e as promessas consumadas em Cristo, mas sim que todos os sacrifícios típicos da antiga lei judia foram abolidos e também foram explicados. Se terminaram, se terminaram Nele. Poderíamos imaginar por um minuto, os santos no céu inclinados, olhando que foi feito na terra? Abel e seus amigos que haviam estado sentados nas glórias de cima desde muito antes do Dilúvio; eles observam enquanto Deus acende estrela por estrela no céu. Promessa por promessa projeta luz sobre as densas trevas da terra. Vêm chegar a Abraão e se inclinam, contemplam e se maravilham quando olham a Deus revelando Cristo para Abraão na pessoa de Isaque. Eles olham, assim como os anjos fazem, ansiando decifrar o mistério.
Desde os tempos de Noé, Abraão, Isaque, e Jacó, eles contemplam altares em chamas, sinais que mostram que o homem é culpado, e os espíritos diante do trono dizem: “Senhor, quando terminarão os sacrifícios? Quando já não se derramará mais sangue?”. O oferecimento de sacrifícios sangrentos logo aumenta. Agora são levados a cabo por homens ordenados para esse propósito. Arão e os sumos sacerdotes, e os levitas, cada manhã e cada tarde oferecem um cordeiro, enquanto que grandes sacrifícios são oferecidos em ocasiões especiais. Os novilhos gemem, os carneiros sangram, os pescoços das pombas são quebrados, e durante todo esse tempo os santos estão clamando: “Oh, Jeová, até quando? Quando cessará o sacrifício?”.
Ano após ano o sumo sacerdote atravessa o véu e borrifa com sangue o propiciatório; o ano seguinte o vê fazendo o mesmo, e o seguinte, e outra vez, e outra vez, e outra vez. Davi oferece holocaustos, e Salomão sacrifica a dezenas de milhares; Ezequias oferece rios de azeite, Josias dá abundância da gordura de bestas engordadas, e os espíritos dos justos perguntam: “Quando será suficiente? Quando terminará o sacrifício? Deverá ser sempre uma lembrança do pecado? Não virá em breve o último Sumo Sacerdote? Não farão logo o seu trabalho, a ordem e a linhagem de Arão, porque tudo se consumou?”. Ainda não, ainda não, espíritos dos justos, mas depois do cativeiro ainda permanece o sacrifício das vítimas.
Mas eis aqui, Ele vem! Olhem mais atentamente que antes: Vem Quem porá fim à linhagem dos sacerdotes! Olhem! Ali está, vestido (mas agora sem a éfode de linho, sem os sinos que badalam, e sem as brilhantes joias em seu peitoral) mas vestido com um corpo humano, sendo Seu altar a cruz, e Seu corpo e Sua alma a vítima, e sendo Ele mesmo o sacerdote, olhem! Diante de Seu Deus oferece Sua própria alma detrás do véu de densas trevas que O cobriram do olhar dos homens. Apresentando Seu próprio sangue, atravessa o véu, o borrifa ali, e avançando desde o centro das trevas, olha para baixo, a terra atônita, e para cima, o céu expectante, e clama: “Está consumado! Está consumado!”. Isso que vocês esperaram durante tanto tempo, foi cumprido e aperfeiçoado plenamente e para sempre.
3. O Salvador quis dizer, sem dúvida, que nesse momento Sua obediência perfeita havia sido consumada. Era necessário, para que o homem pudesse ser salvo, que se guardasse a lei de Deus, pois nenhum homem pode ver o rosto de Deus a menos que seja perfeito em justiça. Cristo se comprometeu a guardar a lei de Deus por Seu povo, a obedecer cada um de Seus mandamentos, e a preservar intactos cada um de Seus estatutos. Durante todos os primeiros anos de Sua vida, Ele obedeceu em particular, honrando a Seu pai e a Sua mãe; durante os seguintes três anos, Ele obedeceu a Deus publicamente, gastando-se e sendo gasto em Seu serviço, a ponto que se quisesse saber como seria um homem cuja vida está plenamente conformada à lei de Deus, pode vê-lo em Cristo.
“Meu amado Redentor e meu Senhor,
Leio meu dever em Tua palavra,
Mas em Tua vida a lei se mostra
Desenhada em caracteres vivos”.
Nada mais era necessário para completar a perfeita virtude da vida senão a obediência perfeita na morte. Quem quer servir a Deus deve estar pronto, não somente a entregar toda sua alma e sua força enquanto vivo, mas também estar preparado a renunciar à sua vida quando seja para a glória de Deus. Nosso perfeito substituto pôs a última pincelada em Sua obra ao morrer e, portanto, Ele argumenta que está absolvido de qualquer dívida, pois “Está consumado”. Sim, glorioso Cordeiro de Deus, está consumado! Tu foste tentado em todos os pontos que nós somos tentados; contudo, Tu não pecaste em nenhum deles!
Consumado foi, pois a última flecha saída da aljava de Satanás havia sido lançada contra Ti; a última insinuação blasfema, a última tentação perversa havia extinguido sua fúria em Ti; o Príncipe deste mundo Te havia inspecionado da cabeça aos pés, por dentro e por fora, mas não encontrou nada em Ti. Agora Tua prova terminou, consumaste a obra que o Pai te encomendou, e a terminou de tal maneira que o próprio inferno não pode acusar-te de nenhuma imperfeição. E agora, considerando Tua perfeita obediência, Tu dizes: “Está consumado”, e nós, Teu povo, cremos cheios de alegria que assim é.
Irmãos e irmãs, isto é mais do que vocês ou eu poderíamos ter dito se Adão não houvesse caído nunca. Se houvéssemos estado no jardim do Éden hoje, nunca teríamos podido vangloriar-nos de uma justiça consumada, posto que uma criatura não pode consumar nunca sua obediência. Enquanto uma criatura viva, está obrigada a obedecer, e enquanto exista um agente livre na terra, estará em perigo de violar seu voto de obediência. Se Adão estivesse estado no Paraíso desde o primeiro dia até agora, poderia cair amanhã. Abandonado a si mesmo, não há razão pela qual esse rei da natureza já não houvesse perdido sua coroa.
Mas Cristo, o Criador que terminou a criação, aperfeiçoou a redenção. Deus não pode pedir mais. A lei recebeu todas as suas demandas; o maior alcance da justiça não pode reclamar a obediência de outra hora. Está consumado; está completado; o último giro da lançadeira terminou, e o manto está tecido desde cima e por completo. Então, regozijemo-nos porque o Senhor quis expressar mediante Seu grito agonizante que Sua justiça perfeita com a que nos cobre, foi consumada.
4. Além disso, o Salvador quis dizer que a satisfação que Ele deu à justiça de Deus havia sido consumada. Agora a dívida havia sido saldada até o último centavo. A expiação e a propiciação foram feitas de uma vez por todas e para sempre, por meio dessa única oferta feita no corpo de Jesus no madeiro. Ali estava a copa; o inferno estava nela; o Salvador a bebeu: não deu um trago e logo uma pausa; não deu um sorvo e logo um descanso. Não. Ele a esgotou até que não ficou nem um só resíduo correspondente a alguém de Seu povo. O grande chicote de dez correias da lei foi gasto em Suas costas; não ficou nenhum flagelo para golpear a alguém por quem Jesus morreu. O grande bombardeio da justiça de Deus utilizou todas suas munições; não fica nada que possa ser lançado contra um filho de Deus. Oh justiça, tua espada está embainhada! Teu trovão está silenciado, oh Lei! Agora não fica nada de todas as aflições, e dores, e agonias que deveriam ter sofrido por seus pecados os pecadores escolhidos, pois Cristo suportou tudo por Seus próprios amados, e “está consumado”.
Irmãos, é mais do que jamais podem dizer os condenados no inferno. Se vocês e eu tivéssemos sido obrigados a satisfazer a justiça de Deus sendo enviados ao inferno, nunca teríamos podido dizer: “Está consumado”. Cristo pagou a dívida que todos os tormentos da eternidade não teriam podido pagar. Almas perdidas, vocês sofrem hoje, como sofreram em anos passados, mas a justiça de Deus não foi satisfeita; Sua lei não foi plenamente engrandecida. E quando o tempo termine, e a eternidade flutue para sempre, para sempre, sem ter pago nenhum saldo da dívida, o castigo pelo pecado deve recair sobre os pecadores que não foram perdoados. Mas Cristo fez o que todas as chamas do abismo não poderiam fazer em toda a eternidade; Ele engrandeceu a lei e a fez nobre, e agora clama da cruz: “Está consumado”.
5. Além disso, quando disse: “Está consumado”, Jesus havia destruído totalmente o poder de Satanás, do pecado, e da morte. O campeão se alistou para combater pela redenção de nossa alma, contra todos os inimigos. Ele enfrentou o pecado. Horrível, terrível, o onipotente Pecado o cravou na cruz; mas nessa ação, Cristo também cravou o Pecado na cruz. Ali estiveram os dois cravados juntos: o Pecado e o destruidor do Pecado. O pecado destruiu a Cristo e mediante essa destruição, Cristo destruiu o pecado.
Em seguida veio o segundo inimigo, Satanás. Ele assaltou a Cristo com todas as suas hostes. Chamando a seus asseclas de cada canto e quartel do universo, disse: “Despertem, levantem-se, ou fiquem caídos para sempre! Aqui está nosso grande inimigo que jurou ferir minha cabeça; agora firamos Seu calcanhar!”. Eles lançaram seus dardos infernais a Seu coração; derramaram seus caldeirões ferventes em Seu cérebro; esgotaram seu veneno em Suas veias; cuspiram suas insinuações em Seu rosto; sussurraram seus diabólicos medos em Seu ouvido. Ele esteve só, o leão da tribo de Judá, perseguido por todos os cães do inferno. Nosso campeão não se abateu, mas usou Suas armas santas, golpeando à direita e à esquerda com todo o poder de Sua humanidade apoiada por Deus.
As hostes caíram em cima Dele; carga e mais carga foram atiradas contra Ele. Estes não eram remedos de trovões, mas sim descargas do tipo que poderiam sacudir as próprias portas do inferno. O conquistador avançou com firmeza, derrubando seus esquadrões, fazendo pedaços de Seus inimigos, rompendo o arco e despedaçando as lanças, e queimando os carros no fogo, enquanto clamava, “Eu vou destruí-los em nome de Deus”. No fim, passo a passo, enfrentou o campeão do inferno, e agora nosso Davi combateu a Golias. A luta não durou muito; as trevas que se juntaram ao redor de ambos foram muito densas; mas o Filho de Deus assim como o Filho de Maria, sabia como golpear o inimigo, e em efeito o golpeou com fúria divina, até que, tendo-o despojado de sua armadura, tendo detido seus dardos inflamados, e tendo ferido sua cabeça, clamou: “Está consumado”, e enviou o diabo, sangrando e uivando, ao profundo do inferno. Podemos imaginá-lo sendo perseguido pelo eterno Salvador, que exclama:
“Traidor!
Meu raio te encontrará e te traspassará por completo,
Ainda que afundes sob a onda mais profunda do inferno,
Buscando uma tumba protetora”.
Seu relâmpago alcançou o inimigo, e imobilizando suas duas mãos, o Salvador o amarrou com grandes correntes. Os anjos trouxeram a carruagem real das alturas, em cujas rodas foi levado cativo o diabo. Arreia os corcéis para que subam as colinas eternas! Os espíritos aperfeiçoados saem ao Seu encontro. Entoam hinos ao conquistador que arrasta atrás de si a morte e o inferno, e leva cativo o cativeiro! “Levantai, ó portas, as vossas cabeças, levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da glória”. Vejam! Agarra o demônio e o lança ao fundo através da noite sem limites, quebrantado, ferido, com seu poder destruído, despojado de sua coroa, ficando preso para sempre no abismo do inferno.
Assim, quando o Salvador clamou: “Está consumado”, havia derrotado o Pecado e Satanás; igualmente tinha vencido a Morte. A morte tinha vindo contra Ele, como Christmas Evans [2] o expressa, com seu dardo inflamado que afundou no Salvador, até o ponto fixado na cruz, e quando tentou tirá-lo de novo, deixou ali seu aguilhão. Que mais podia fazer? Estava desarmado. Nesse instante Cristo liberou alguns de seus prisioneiros; pois muitos dos santos se levantaram e foram vistos por muitas pessoas: então lhe disse a Morte: “Morte, arrebato tuas chaves; tu vais viver ainda um pouco mais de tempo, para ser o guarda dessas camas nas quais dormirão meus santos, mas dá-me tuas chaves”. E, eis aqui, o Salvador tem hoje as chaves da morte penduradas em Seu cinturão, e espera a hora que virá – da qual ninguém sabe nada – quando a trombeta do arcanjo soará como as trombetas de prata do Jubileu, e então Ele dirá: “Solta meus cativos”. Nesse momento as tumbas serão abertas em virtude da morte de Cristo, e os corpos dos santos viverão outra vez em uma eternidade de glória.
“Está consumado!
Ouçam o grito do Salvador que agoniza”.
II. Em segundo lugar, devemos ouvir e maravilhar-nos.
Percebamos que coisas poderosas foram executadas e obtidas com estas palavras: “Está consumado”. Desta maneira Ele ratificou o pacto. Esse pacto foi firmado e selado com anterioridade, e em todas as coisas foi bem organizado, mas quando Cristo disse: “Está consumado”, então o pacto foi assegurado duplamente; quando o sangue do coração de Cristo salpicou o rolo divino, já não poderia ser revertido jamais, nem nenhuma de suas ordenanças poderia ser quebrantada, nem nada do que foi estipulado por Ele poderia falhar. Vocês sabem que o pacto era neste sentido. Deus estabeleceu que deixaria que Cristo visse o fruto do trabalho de Sua alma; que todos os que foram dados a Ele teriam novos corações e espíritos retos; que seriam lavados do pecado, e que entrariam na vida eterna por meio Dele. A parte do pacto correspondente a Cristo era esta: “Pai, eu farei a Tua vontade; pagarei o resgate até a última nota; Te prestarei obediência perfeita e Te darei completa satisfação”. Agora, se esta segunda parte do pacto não se cumprisse nunca, a primeira parte teria sido inválida, mas quando Jesus disse: “Está consumado”, então já não ficou nada por fazer da parte Dele, e agora o pacto está todo de um lado só. É o “Eu farei” de Deus, e, por conseguinte “Eles farão” “E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo”. “Espalharei sobre vós água limpa, e sereis limpos de todas vossas iniquidades”. “O dia que os limpe de todas as vossas iniquidades”. “Os farei andar por caminhos que não haviam conhecido”. “E eu também te farei voltar”.
O pacto foi ratificado nesse dia. Quando Cristo disse: “Está consumado”, Seu Pai foi honrado, e a divina justiça foi plenamente manifesta. Certamente o Pai sempre amou Seu povo. Não pensem que Cristo morreu para fazer de Deus um Pai amoroso. Ele sempre o amou desde antes da fundação do mundo, mas “Está consumado”, derrubou todas as barreiras que estavam no caminho do Pai. Ele queria, como um Deus de amor, e agora Ele podia, como um Deus de justiça, abençoar os pobres pecadores. Desde esse dia o Pai se agrada ao receber os pecadores em Seu peito.
Quando Cristo disse: “Está consumado”, Ele mesmo foi glorificado. Então sobre Sua cabeça desceu a gloriosa coroa. Num momento o Pai lhe deu todas as honras que não havia tido antes. Ele tinha honra como Deus, mas como homem Ele foi desprezado e rejeitado; agora como Deus e homem, Cristo foi sentado para sempre no trono de Seu Pai, coroado com honra e majestade. Neste momento, também, por meio do “Está consumado”, o Espírito foi obtido para nós.
“É pelo mérito da morte,
De Quem foi pendurado no madeiro,
Que o Espírito é enviado para que sopre,
Nesses ossos secos que somos nós”.
Então o Espírito que Cristo tinha prometido em outro tempo, percebeu um caminho novo e vivo através do qual podia vir para habitar nos corações dos homens, e para que os homens pudessem subir e habitar com Ele no alto.
Nesse dia também, quando Cristo disse: “Está consumado”, as palavras tiveram efeito no céu. Nesse dia os muros de crisólito se firmaram; então a luz de cor jaspe da cidade com portas de pérolas, brilhou como a luz de sete dias. Antes, por dizê-lo assim, os santos tinham sido salvos por crédito. Tinham entrado no céu, porque Deus tinha fé em Seu Filho Jesus. Se Cristo não tivesse terminado Sua obra, certamente teriam que abandonar suas esferas luminosas, e teriam que sofrer em suas próprias pessoas por seus pecados. Eu poderia representar o céu, se fosse permitido à minha imaginação por um momento, como se estivesse pronto a cambalear se Cristo não tivesse terminado Sua obra; suas pedras teriam se soltado; independentemente de quão maciças e estupendas fossem seus bastiões, teriam sido derrubadas como se estremecem as cidades terrenas sob os horrores de um terremoto.
Mas Cristo disse: “Está consumado”, e o juramento, e o pacto, e o sangue, fixaram com firmeza o lugar de habitação dos redimidos, fizeram suas as mansões Dele de maneira segura e eterna, e ordenaram que seus pés estivessem firmes sobre a rocha. E mais, essas palavras “Está consumado”, tiveram efeito nas sombrias cavernas e profundidades do INFERNO. Nesse momento Satanás golpeou furioso suas correntes de ferro, uivando “sou derrotado pelo próprio homem que pensei vencer; minhas esperanças estão destroçadas; nunca virá à minha casa-prisão nenhum dos escolhidos; em minha habitação nunca se encontrará alguém comprado com o sangue”.
As almas perdidas se lamentaram nesse dia, pois disseram: “Está consumado, e se a Cristo mesmo, o substituto, não foi permitido que se libertasse enquanto não houvesse terminado todo Seu castigo, então nós nunca seremos livres”. Foi seu duplo toque fúnebre, pois disseram, “Ai de nós! A justiça, que não permitiu que o Salvador escapasse, nunca permitirá que tenhamos liberdade. Concernente a Ele, está consumado, e portanto nunca será consumado no que concerne a nós”.
Nesse dia também, a terra teve um flash de luz sobre ela que não havia conhecido antes. Nesse instante os picos de suas montanhas começaram a brilhar ao levantar-se o sol, e ainda que seus vales ainda estejam cobertos pela escuridão, e os homens vaguem daqui para ali, e andam tateando ao meio-dia como se fosse de noite, contudo, esse sol se está levantando, está subindo gradualmente seus degraus celestiais, para não se pôr jamais, e seus raios logo penetrarão as densas névoas e as nuvens, e todo olho O verá, e todo coração será alegrado por Sua luz. As palavras “Está consumado” consolidaram o céu, sacudiram o inferno, consolaram a terra, agradaram ao Pai, glorificaram ao Filho, trouxeram o Espírito Santo, e confirmaram o pacto eterno para toda a semente escolhida.
III. E agora, passo para meu último ponto, sobre o qual vou falar brevemente. “Está consumado”. Devemos proclamá-lo.
Filhos de Deus, vocês que por fé receberam a Cristo como seu tudo em tudo, proclamem a cada dia de suas vidas que “Está consumado”. Vão e digam a quem está torturando a si mesmo, pensando em dar satisfação por meio de obediência e mortificação. Aquele hindu que está ali, está a ponto de jogar-se sobre os pregos. Pare, pobre homem! Por que terias de sangrar? Pois, “Está consumado”. Aquele faquir está segurando sua mão ereta até que os cravos transpassem sua carne, torturando-se com jejuns e privações. Pare, pare, pobre desgraçado, deixe todas essas dores, pois “Está consumado”.
Em todas as partes da terra há quem pensa que a miséria do corpo e da alma pode ser uma expiação pelo pecado. Corra para eles, detenha-os de sua loucura e digam-lhes: “Por que fazes isto? ‘Está consumado’”. Cristo sofreu todas as dores que Deus exige; toda a satisfação que demanda a lei por meio da agonia da carne, Cristo já sofreu. “Está consumado!”.
E quando tenham feito isto, busquem em seguida aos ignorantes cumpridores de votos de Roma. Quando vejam os sacerdotes dando às costas ao público, oferecendo a cada dia o pretendido sacrifício da missa, e levantando a hóstia para o alto – um sacrifício, dizem – “um sacrifício sem sangue para os vivos e os mortos”, clamem: detenha-te, falso sacerdote, detenha-te! Pois, “Está consumado”. Pare, falso adorador, pare de inclinar-te, pois “Está consumado”! Deus não pede nem aceita nenhum outro sacrifício além daquele que Cristo ofereceu de uma vez por todas sobre a cruz.
Em seguida, vão até os insensatos no meio de seus compatriotas que se chamam a si mesmos protestantes, mas que são seguidores do Papa, depois de tudo, que pensam que mediante suas ofertas e seu ouro, suas orações e seus votos, que por assistir à igreja ou à capela, por seus batismos e suas confirmações, se farão a si mesmos aptos para Deus; digam a eles: “Detenham-se, ‘Está consumado’; Deus não necessita isto de vocês. Ele já recebeu o suficiente; por que querem pendurar seus farrapos imundos no linho fino da justiça de Cristo? Por que querem adicionar sua moeda falsificada ao caro resgate que Cristo pagou à casa do tesouro de Deus? Parem com suas dores, suas obras, suas representações, pois ‘Está consumado’; Cristo fez tudo”. Este texto basta para dispersar o Vaticano aos quatro ventos. Coloquem isto na base do Papado, e como um trem carregado de pólvora debaixo de uma rocha, e o desintegrará no ar.
Este é o trovão contra toda a justiça humana. Somente deixem que venha como uma espada de dois gumes, e suas boas obras e suas finas representações logo serão jogadas fora. “Está consumado”. Por que aperfeiçoar o que já está consumado? Por que tratar de adicionar algo ao que já está completo? A Bíblia está terminada, quem queira acrescentar algo verá seu nome apagado do Livro da Vida, e se verá fora da cidade santa: a expiação de Cristo está consumada, e quem queira acrescentar-lhe algo, deve esperar a mesma condenação. E quando o tenham proclamado assim ao ouvido dos homens de cada nação e de cada tribo, digam também a todas para as pobres almas desesperadas. Encontram-se de joelhos, clamando: “oh Deus, que posso fazer para compensar minhas ofensas?”. Digam-lhes: “Está consumado”, a recompensa já foi entregue. “Oh Deus!” dizem, “como posso alcançar a justiça na qual Tu possas aceitar a um verme como eu?”. Diga-lhes: “Está consumado”, sua justiça já está feita; não tem necessidade de esforçar-se para acrescentar algo, já que “Está consumado”.
Busca ao pobre homem infeliz e desesperado que se rendeu, não somente à morte, mas à condenação; aquele que diz: “não posso escapar do pecado, não posso ser salvo de Seu castigo”. Diga-lhe: “O caminho da salvação está consumado de uma vez por todas”. E se te encontras com alguns cristãos professos que se debatem em dúvidas e temores, diga-lhes: “Está consumado”. Vamos, temos centenas e milhares que realmente foram convertidos, mas que não sabem que “Está consumado”. Nunca sabem que estão seguros. Não sabem que “Está consumado”. Pensam que hoje tem fé, mas que talvez possam se tornar incrédulos amanhã. Não sabem que “Está consumado”. Esperam que Deus os aceite, e fazem algumas coisas, esquecendo que o caminho da aceitação está consumado.
Deus aceita igualmente a um pecador que creu em Cristo há somente cinco minutos, como aceita a um santo que O conheceu e amou durante oitenta anos, pois não aceita os homens por algo que eles façam ou sintam, mas única e simplesmente pelo que Cristo fez, e isso está consumado.
Oh, pobres corações! Alguns de vocês certamente amam o Salvador em alguma medida, mas cegamente. Vocês estão pensando que devem fazer isto, e alcançar aquilo, e então podem estar seguros que são salvos. Oh! Podem estar seguros disso hoje: se creem em Cristo são salvos. “Mas eu sinto imperfeições”. Sim, e o que tem isso? Deus não olha tuas imperfeições, mas as cobre com a justiça de Cristo. As vê para tirá-las, não para colocá-las em tua conta. “Ai, mas eu não posso ser o que gostaria de ser”. E se não podes ser? Deus não te vê a ti, ao que és em ti mesmo, mas ao que és em Cristo.
Vem comigo, pobre alma, e tu e eu estaremos juntos hoje, enquanto ruge a tormenta, pois não temos medo. Que tremendo é o resplendor desse raio! Quão terrível o retumbar desse trovão! E, contudo, não estamos alarmados, e por quê? Há algo em nós que nos permita escapar? Não, mas estamos sob a cruz: essa preciosa cruz, que como alguns nobres condutores de raios na tormenta, toma sobre si toda a morte que produz o raio, e toda a fúria que vem da tempestade. Nós estamos seguros. Podes rugir muito forte, oh trovejante Lei, e podes resplandecer terrivelmente, ó justiça vingadora! Nós podemos ver com calmo deleite todo o tumulto dos elementos, pois nos encontramos sob a cruz.
Venham outra vez comigo. O banquete real está preparado; o próprio Rei se senta à mesa, e os anjos são os que atendem. Entremos. E realmente entramos, e nos sentamos e comemos e bebemos; mas, como nos atrevemos a fazer isso? Nossa justiça própria equivale a farrapos imundos; como nos atrevemos a vir aqui? Oh, porque os farrapos imundos já não são nossos. Renunciamos à nossa própria justiça e, portanto, renunciamos aos farrapos imundos, e hoje nos cobrimos com as vestiduras reais do Salvador, e da cabeça aos pés estamos vestidos de branco, sem mancha nem mácula nem coisa parecida; estamos em plena clara luz do sol: negros, mas com a graça; desprezíveis em nós mesmos, mas gloriosos Nele; condenados em Adão, mas aceitos no Amado. Não temos medo nem nos envergonhamos de estar com os anjos de Deus, de falar com O glorificado; é mais, nem sequer nos alarmamos de falar com o próprio Deus e de chamá-lo de nosso amigo.
E agora, depois de tudo, eu publico isto aos pecadores. Não sei onde estás no dia de hoje, mas confio que Deus te encontre; tu que foste um bêbado, blasfemo, ladrão; tu que foste um sem vergonha da pior espécie; tu que mergulhaste no próprio esgoto e chafurdaste na lama: se hoje sentes que o pecado é odioso para ti, creia em Quem disse: “Está consumado”. Deixa-me que una minha mão com a tua; vamos juntos, ambos, e digamos: “Aqui estão duas pobres almas desnudas, bom Senhor; nós não podemos vestir-nos”, e Ele nos dará um manto, pois “Está consumado”. “Mas, Senhor, é suficientemente largo para pecadores como nós, e suficientemente amplo para ofensores assim?”. “Sim”, responde Ele, “Está consumado”. “Mas Senhor, necessitamos um banho! Há algo que possa tirar manchas negras tão repugnantes como as nossas?”. “Sim”, diz Ele, “aqui está o banho de sangue”. “Mas, não devemos acrescentar-lhe nossas lágrimas?”. “Não”, responde Ele, “não, está consumado, é suficiente”. “E agora, Senhor, Tu nos lavaste, e nos vestiste, mas queríamos estar completamente limpos por dentro, de tal forma que não pequemos mais; Senhor, há alguma maneira de conseguir isto?”. “Sim”, diz Ele, “há um banho de água que flui do lado transpassado de Cristo”. “E, Senhor, há o suficiente para lavar minha culpabilidade bem como minha culpa?”. “Ah”, responde Ele, “está consumado”. “Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus, sabedoria, e justiça e santificação e redenção”.
Filho de Deus, queres ter a justiça consumada de Cristo no dia de hoje, e te regozijarás nela mais do que fizeste no passado? E ó, pobre pecador, queres ter a Cristo ou não? “Ah”, diz alguém, “eu o quero realmente, mas sou indigno”. Ele não quer nenhum merecimento. Tudo o que ele pede é que queiras, pois Tu sabes o que Ele diz: “Se algum quer vir após mim, negue-se a si mesmo e tome sua cruz e siga-me”. Se Ele te deu o querer, podes crer na obra terminada de Cristo hoje mesmo. “Ah!”, dizes, “mas tu não estás te referindo a mim”. Claro que me refiro a ti, pois diz, “A todos os sedentos”. Tens sede de Cristo? Queres ser salvo por Ele? “A todos os sedentos”, não unicamente aquela jovem mulher que está ali, não simplesmente aquele cavalheiro de cabelos grisalhos ali, que por longo tempo desprezou o Salvador, mas também para todas as pessoas que estão ali embaixo, e vocês que estão nos dois pisos acima nos balcões: “A todos os sedentos: Venham às águas, e os que não tem dinheiro, venham”. Oh, se eu pudesse “forçá-los” a vir!
Grandioso Deus, faz com que o pecador queira ser salvo, pois ele quer ser condenado, e não quer vir a menos que Tu mudes a sua vontade! Espírito eterno, fonte de luz, de vida e graça, desce e conduz os estrangeiros à casa! “Está consumado”. Pecador, já não há nada que Deus ainda precise fazer. “Está consumado”, e não há nada que tu devas fazer. “Está consumado”, Cristo já não necessita sangrar. “Está consumado”, não precisas chorar. “Está consumado”, Deus o Espírito Santo não necessita tardar-se por causa de tua indignidade, e tu não necessitas esperar por causa de tua impotência. “Está consumado”, qualquer pedra de tropeço é jogada fora do caminho; as barras de bronze foram retorcidas, as portas de ferro foram feitas pedaços.
“Está consumado”, venham e sejam bem vindos, venham e sejam bem vindos! A mesa está servida; os novilhos engordados foram sacrificados; os bois estão prontos. Vejam! Aqui está o mensageiro! Venham dos caminhos e dos valados; venham dos esconderijos e dos esgotos de Londres; venham, vocês que são os mais vis dos vis; vocês que se odeiam a si mesmos hoje, venham! Jesus os chama; oh, tardarão em vir? Oh! Espírito de Deus, repita o convite, e converte-o em um chamado eficaz para muitos corações, por nosso Senhor Jesus Cristo! Amém.
Charles Haddon Spurgeon – “IT IS FINISHED! Volume 7 do “The New Park Street Pulpit”. Sermão especial de Páscoa pregado na manhã do domingo, 1 de dezembro de 1861, no “The Metropolitan Tabernacle Pulpit”, Newington, Londres.
Fonte: La Vieja Historia