Há coisas que se repetem todos os dias. Não apenas fenômenos naturais (o amanhecer, a chegada da noite, etc.), mas muitas atividades em nossas vidas. Diariamente precisamos nos alimentar, dormir, etc.
Espiritualmente, também — há coisas com as quais temos que nos preocupar todos os dias. A palavra “diariamente” (às vezes traduzida “cada dia”) aparece várias vezes nas Escrituras, chamando nossa atenção para algumas coisas que deveriam ser nossa preocupação diária. Meditemos nelas.
Abnegação Extrema — “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-Me” (Lc 9:23).
O que quer dizer “tomar a sua cruz”? A palavra “cruz” é especial na Bíblia, ocorrendo 28 vezes. Destas ocorrências, há dois grupos que seria proveitoso contrastar em outra ocasião: 11 vezes a palavra ocorre nos Evangelhos, descrevendo a cruz de Cristo como um fato histórico, e 11 vezes ela ocorre no restante do NT, descrevendo a vitória espiritual decorrente daquele fato. Nas 6 vezes restantes, é sempre o Senhor que usa a palavra, sempre no sentido que temos aqui em Lucas 9:23 — a nossa cruz. É fácil entendermos o que a cruz de Cristo representa, mas o que é a nossa cruz?
Veja três coisas:
i) Uma escolha deliberada: o Senhor fala de “tomar” a cruz, não simplesmente aceitá-la, curvando-nos diante do inevitável. Aqui temos a indicação de uma atitude ativa e positiva, de alguém que escolhe deliberadamente, após analisar as opções. Por isso a “cruz” aqui não pode representar as provações e tribulações normais desta vida, pois não temos controle sobre estas coisas. Podemos até chamar estas coisas, figurativamente, de “cruz”, mas elas não são o assunto deste trecho. Todo cristão, qualquer que seja seu comportamento, está sujeito a enfermidades e outras dificuldades. Estas coisas vem sobre nós quando Deus permite, não são coisas que escolhemos ter ou não ter. A cruz é diferente — é algo que podemos tomar, ou podemos largar.
ii) Um exercício diário: é necessário tomar “cada dia” a sua cruz. A cruz é algo que posso tomar hoje, e não amanhã (ou vice-versa). Se a tomei hoje, isto não garante nada para amanhã — é um exercício diário. Com isso o Senhor torna o assunto mais fácil de ser tratado. Se pensássemos em assumir um compromisso de carregar a cruz durante todos os anos da nossa vida, a idéia poderia parecer grande demais para nossas fracas condições. Mas não preciso fazer isto: preciso apenas pensar em tomar a cruz hoje. Amanhã me preocuparei com a cruz de amanhã — hoje, só preciso pensar no hoje.
iii) Uma experiência dolorosa: a figura que o Senhor usa traz à nossa mente sofrimento, dor, vitupério, maldição, vergonha. Não é uma simples mochila que devemos carregar — é uma cruz. E é impossível desassociar esta palavra dos sentimentos dolorosos mencionados acima. Carregar a cruz não será fácil, senão ela não seria chamada “cruz”. Vai fazer calos nos ombros, vai provocar o riso e a zombaria de muitos, vai nos causar dor.
Pensando em cada um destes três detalhes, e aplicando-os à nossa vida, podemos começar a chegar a uma conclusão sobre o que é a minha cruz. Possivelmente será bem diferente da sua. Poder ser, hoje, diferente do que foi ontem. Mas sempre será aquilo que representa a renúncia do que o nosso ser ama, a renúncia daquilo que desagrada a Deus. Nunca é fácil dizer “não” para nós mesmos, nunca é fácil suportar as consequências de obedecer a Cristo.
Isto é a minha cruz.
E o mais difícil nisto tudo é que o Senhor diz: “… tome cada dia a sua cruz…”. Como J. N. Darby escreveu: “Esta é a verdadeira prova. Alguém poderia fazê-lo, heroicamente, de uma vez por todas (um mártir, por exemplo) e muitas pessoas o honrariam, e muitos livros seriam escritos sobre ele; mas é terrivelmente difícil continuar negando-se a si mesmo todos os dias, e ninguém mais sabendo disto.”
É exatamente isto, porém, que o Senhor pede de nós: que todos os dias neguemo-nos a nós mesmos, seguindo nos passos do Mestre.
Parece impossível! Mas Deus não pede o impossível, e nunca nos deixa sozinhos. Tomemos, portanto, a nossa cruz, e sigamos ao Senhor, cada dia — um dia de cada vez!
Alimentação Espiritual — “Então disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover pão dos Céus, e o povo sairá, e colherá diariamente a porção para cada dia, para que Eu o prove se anda em Minha lei ou não” (Ex 16:1).
Não há qualquer dúvida que o maná representa Cristo como nosso alimento espiritual. Ele mesmo disse: “O pão de Deus é aquele que desce do Céu e dá vida ao mundo … Eu sou o pão da vida … Eu sou o pão vivo que desceu do Céu” (Jo 6:33, 35, 51). O maná alimentava o povo durante sua peregrinação; Cristo é aquele que alimenta Seu povo hoje em dia.
E assim como Israel precisava do maná todo dia, nós precisamos nos alimentar de Cristo todo dia, devido às seduções constantes e diárias que existem ao nosso redor, e que querem nos afastar do Senhor.
A ênfase aqui, é bom destacar, não é na leitura da Bíblia e na oração em si. Sem dúvida, é pela leitura e meditação na Palavra de Deus, em espírito de oração, que aprendemos de Cristo; mas lembre que é possível ler horas e horas seguidas, e orar por horas e horas, e não alimentar-se do Senhor Jesus Cristo. A ênfase nesta figura do maná está na Pessoa de Jesus Cristo, aquele que não tendo visto, amamos (I Pe 1:8).
E a lição é: precisamos ter comunhão com Ele diariamente!
Por que não no Sábado?
Há um detalhe interessante nas instruções sobre a colheita diária do maná: na sexta-feira havia maná em dobro, e nada no Sábado (Ex 16:23-26). O povo se alimentava no Sábado, sim, mas apenas com o maná colhido na sexta-feira. Deus estabeleceu isto para o nosso ensino, e creio que há duas aplicações que podemos fazer deste ensino:
i) A aplicação profética: o descanso do Sábado é uma figura bela do nosso descanso eterno. Pode ser que o Espírito está sugerindo, no detalhe do maná, que a nossa apreciação de Cristo na eternidade irá depender do que tivermos colhido aqui na Terra. Iremos apreciá-Lo, mas proporcionalmente à medida em que O conhecemos durante esta vida (Ap 5:10).
ii) A aplicação prática: o Senhor enfatiza, em Êxodo 16, que ninguém podia colher maná no Sábado “porque o sábado é do Senhor” (verso 25) — o Senhor exigia aquele dia para Ele. Nós também podemos enfrentar dias em que não teremos tempo ou forças para colher — não por desobediência ou preguiça, mas por honrar ao Senhor. Nestas situações excepcionais podemos descansar, sabendo que o que colhemos ontem poderá nos sustentar hoje.
Sejamos diligentes, portanto, em procurar alimentar nossa alma e nosso espírito diariamente com as virtudes e glórias do nosso amado Senhor.
“Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim” (At 17:11).
Os bereanos são elogiados pelo Espírito Santo por examinar “cada dia nas Escrituras” o que ouviam, comparando a pregação de Paulo e Silas com a Palavra de Deus.
Pode parecer uma atitude simples, mas Deus a exalta, chamando os bereanos de “nobres”. E mais — a Escritura afirma que eles foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica! Este fato torna-se mais impressionante quando olhamos para as epístolas aos Tessalonicenses, e percebemos o alto nível atingido por aquela igreja, e quantos elogios ela recebeu (I Ts 1:8, 4:9, 5:1).
Há duas lições aqui que podemos destacar:
i) Um bom começo não garante um bom progresso. Como foi o progresso do Evangelho em Bereia? Nunca mais lemos desta cidade no NT, a não ser por uma menção passageira em Atos 20:4. Será que a igreja ali progrediu? Por que Deus não nos conta mais nada sobre ela? Não sabemos. Deus registra o seu ótimo começo, e depois Se cala sobre esta igreja. Começaram bem — será que progrediram bem? Talvez Deus esteja nos alertando para um fato muito destacado na Bíblia — nem todos que começam bem, terminam bem! Lembre do exemplo dos Gálatas (Gl 5:7), de Demas, de Saul, etc.
ii) Um começo imperfeito não impede um bom progresso. A obra de Deus não começou, em Tessalônica, tão bem quanto em Bereia, mas no restante do NT, Tessalônica recebe muito mais ênfase do que Bereia (que praticamente desaparece das páginas inspiradas depois deste trecho). Lembre do exemplo muito claro de João Marcos (At 14:37-39 e II Tm 4:11), e até do apóstolo Pedro, que negou o Senhor nos primeiros dias da sua fé, mas depois tornou-se um dos mais úteis servos que o Senhor já teve.
Outro detalhe: os bereanos “receberam a Palavra de bom grado”. Não consideravam uma obrigação enfadonha pesquisar nas Escrituras. Tiveram prazer em receber a palavra. O Salmista disse, diversas vezes, que a Palavra de Deus era mais doce que o mel para ele, e mais desejável do que o ouro.
Que possamos imitar os bereanos. Há tanta confusão hoje em dia no meio do cristianismo, em grande parte porque somos descuidados nesta parte. A confusão não é porque a Bíblia é ambígua, mas sim porque muitas vezes aceitamos tudo que ouvimos, sem comparar com as Escrituras.
Digamos com o salmista: “Quanto amo a Tua Lei! É a minha meditação, todo o dia!” (Sl 119:97).
Pregando Diariamente — É sempre animador ler o começo de Atos e perceber a dedicação empolgante dos salvos nos primeiros dias da Igreja. Entre outras coisas, lemos: “E todos os dias, no Templo e nas casas, não cessavam de ensinar, e de anunciar a Jesus Cristo” (At 5:42).
Talvez seria impossível repetirmos, literalmente, todos os detalhes da vida comum daqueles primeiros salvos — mas como seria bom se fôssemos contagiados pelo entusiasmo evangelístico deles.
É algo necessário, pois todos os dias haverá pessoas precisando ouvir o Evangelho (“… um homem que desde o ventre de sua mãe era coxo, o qual todos os dias punham à porta do Templo”; At 3:2).
É algo viável, pois sempre haverá oportunidade. O texto que estamos considerando fala do “Templo e nas casas”. Quer em ajuntamentos públicos, quer em conversas particulares, todo dia é o dia ideal para se anunciar o Evangelho: “Eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da salvação” (II Cor 6:2). “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações” (Hb 4:7).
É algo louvável, pois não há assunto melhor do que este: “anunciar a Jesus Cristo”!
Portanto, ocupemo-nos hoje em anunciar a Jesus Cristo como Senhor e Salvador — quer em pregações, quer em conversas particulares, quer pelo nosso testemunho. Hoje (e todo dia) é o dia da salvação!
W. J. Watterson
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