Haveis sentido, até certo ponto, inquietação porque alguém tem afirmado que não é possível ter-se a certeza da salvação neste mundo por não poder saber-se se tem sido eleito. Pois bem, pode-se responder a uma tal afirmação com a Bíblia. A Palavra de Deus diz: Para que todo aquele que crê não pereça mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). Se Deus, pois, fala verdade, isso pode saber-se. Ninguém negará que Deus tem dito a verdade.
A alguém que falava da mesma maneira, perguntei uma ocasião se julgava que o apóstolo Paulo havia estado com Deus afim de deitar uma vista de olhos ao Seu livro de desígnios. O que naturalmente ele negou. Prossegui com outra pergunta: Como pode então ele escrever aos Tessalonicenses: Sabendo, amados irmãos, que a nossa eleição é de Deus (I Ts 1.4), e como é que em todas as suas epístolas chama aqueles a quem escreve, santos? E ele, então, não teve resposta para dar-me; porém no dia seguinte acercou-se a mim e disse: “Agora eu também sei que estou salvo”.
De fato, a Palavra de Deus fala claramente de predestinação. Qual o filho de Deus que, meditando em Ef 1.4-5; Rm 8.29-30; 1 Pe 1.2, não tem motivo para bendizer a Deus por uma tal graça?
PREDESTINAÇÃO
Infelizmente o homem não se manteve no que estava escrito na Palavra de Deus, mas antes permitiu que o seu entendimento fosse mais além, afim de tirar conclusões lógicas, assim chamadas. O resultado a que chegou foi fazer afirmações que estão contra a Palavra de Deus e que na realidade constituem uma desonra para o Seu nome. O ensino da predestinação de todos os homens é uma caricatura do quadro glorioso da eleição que nos oferece a Palavra de Deus.
Diz a doutrina da predestinação que Deus predestinou uns para a eterna salvação, mas que decidiu rejeitar outros. É bom lermos os versículos de Romanos 9.8-23, que falam claramente do assunto.
GRAÇA NÃO SÓ PARA OS JUDEUS
Nos primeiros oito capítulos da Epístola aos Romanos encontramos descrita a condição do homem e a resposta de Deus. O homem está perdido sem nenhuma esperança. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus (Rm 3.23-24). Mas se fossem todos salvos somente sobre a base da graça, então ela não se limitaria aos Judeus. Então a graça seria também para as nações que não são judaicas.
Isto, porém, não queriam os judeus. Eles ocupavam um lugar de privilégio e queriam mantê-lo. Por isso a sua grande inimizade é manifestada sempre que o mesmo Evangelho é pregado aos Gentios (At 13.45-50; 15.1; 17.5; 28.25-29).
Em Romanos capítulos 9 a 11 o apóstolo trata da questão de harmonizar a igualdade entre os Judeus e os Gentios a respeito do Evangelho de acordo com a posição especial que Deus havia dado aos Judeus.
A SEMENTE DE ABRAÃO
O primeiro argumento invocado pelos Judeus foi que eram a semente de Abraão. Bem, diz o apóstolo, então tereis de reconhecer também a Ismael, visto que também era filho de Abraão. E se neste caso se pode inferir que a mãe de Ismael era apenas escrava, Esaú era também o pai dos Árabes. Jacó e Esaú tinham o mesmo pai e a mesma mãe, e nasceram ao mesmo tempo. Não obstante, Esaú, ainda que era o maior, não foi o patriarca do povo de Deus. E isto não porque Jacó era melhor. Já antes do seu nascimento Deus havia dito que o maior serviria o menor.
Assim, vemos, aqui, que os Judeus não tinham recebido esta posição com base no direito, mas com base na soberania de Deus. Se eles tivessem apelado para os seus direitos, então teriam também de reconhecer os Árabes como povo de Deus somente com base na soberania de Deus; não tinha Deus o direito de abençoar também outros? Vemos também que não é uma questão de predestinação ou rejeição para a eternidade, mas somente segundo a sua posição privilegiada na Terra.
As palavras do versículo 13 as quase sempre usadas como prova da doutrina da rejeição. Quem o faz confunde os versículos 12 e 13. O que está escrito no versículo 12 é o que Deus realmente havia dito antes de os meninos haverem nascidos, mas não antes da fundação do mundo, como está escrito a nosso respeito em Efésios 1.4. Aqui trata-se de uma posição terrena, e isto anunciou-o Deus imediatamente antes do nascimento (versículo 10). Mas o versículo 13 é extraído de Malaquias 1. E Deus disse isto aproximadamente mil e quatrocentos anos depois da vida de Jacó e Esaú – depois de haver sido vista a sua vida e a dos seus descendentes. Em Hebreus 12.16-17 Esaú é chamado devasso e profano, que por um manjar vendeu o seu direito de primogenitura e não achou lugar para arrependimento. É de admirar que Deus haja dito deste homem que o aborreceu? Aborreces a todos os que praticam a maldade (Sl 5.5).
Então chegamos ao versículo 15: Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem me tiver misericórdia. Esta passagem é tirada de Êxodo 33.19, o povo tinha levantado o bezerro de ouro e rejeitado o Senhor (Ex 32.4). Merecia o juízo (Ex 32.10); porém Moisés orou por eles. Então Deus manifesta uma vez mais a Sua graça e poupa o povo. Estas palavras mostram a evidência que Deus Se reserva o direito de dispensar graça, até mesmo quando o castigo é merecido. Israel era o povo de Deus somente sobre o fundamento da graça. Mas como podem estas palavras ser uma prova da doutrina da rejeição?
O versículo 15 estabelece o princípio da graça. Onde todos estão debaixo do juízo só a misericórdia de Deus pode dar o escape. Se a partir de hoje um homem não pecasse mais (caso pudesse fazê-lo!) que lhe aproveitaria isso? Ainda assim teria que submeter-se ao juízo por aqueles pecados que tivesse antes cometido.
DEUS ENDURECE ALGUNS HOMENS
O versículo 17 é uma citação de Êxodo 9.16, Deus disse a Faraó que endureceria o seu coração para manifestar-lhe todo o Seu poder, mas temos de ler o que está escrito antes, em Êxodo 5.2 onde Faraó disse: Quem é o Senhor, cuja voz eu ouvirei para deixar ir Israel? Não conheço o Senhor, nem tão pouco deixarei ir Israel. Em seguida torna mais pesado o serviço do povo (Ex 5.17). Apesar de todos os sinais e juízos que Deus enviou, Faraó não obedeceu à vontade do Senhor. Então Deus diz: Agora endurecerei o teu coração para que todo o peso do meu juízo caia sobre ti.
Deveras o Senhor havia dito anteriormente que o faria (Ex 4.21), pois sabia antecipadamente que Faraó não escutaria, conhecia o coração de Faraó (Ex 3.18). Porém não foi antes de haver falado a Faraó várias vezes e de lhe haver mandado bastante sinais e pragas, e de Faraó haver dito que deixaria ir o povo, faltando cada vez à sua palavra, que Deus lhe endureceu o coração (Ex 9.12). E é então que Ele diz estas palavras. É uma verdade solene que Deus às vezes endurece os corações! Fê-lo à Faraó. Fá-lo às vezes no tempo presente. E, em breve, depois do arrebatamento da Assembleia, fá-lo-á a todos os que têm ouvido o Evangelho, mas não o têm aceitado (II Ts 2.11). Porém, Deus nunca endurece os corações antes de ter dado aos homens oportunidade para se converterem (Jó 33.14-30). Isso é muito diferente do que diz a doutrina da rejeição.
DEUS É SOBERANO EM SEUS ATOS
Romanos 9.19-21 trata principalmente desta questão. Deus não tem o direito de fazer com as Suas criaturas o que Ele quer? Se Deus quisesse fazer de um homem um vaso para a honra e de outro um vaso para desonra, não teria o direito disso? Pode uma criatura pedir contas ao Criador? Deus, como Criador, tem o direito de fazer com as Suas criaturas o que quer. Tem o direito de dar graça a um e destinar outro para o castigo eterno. Mas o versículo 21 não tem feito uso deste último direito. Deus é luz e amor e nunca está em contradição Consigo mesmo.
O versículo 21 fala disto. Faz-se alusão a Jeremias 18. Ali Deus indica o Seu direito de fazer com Israel o que quer. O oleiro faz do barro um vaso, mas quando ele se quebra, faz do mesmo barro outro.Então veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Não poderei eu fazer de vós como fez o oleiro, ó casa de Israel? Diz o Senhor: eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel.
Se alguém se arrepende de sua maldade Deus se arrependerá do juízo que pensava executar e lhe mostrará graça. Para isso Deus serve-Se da Sua soberania!
OS VASOS DA IRA PREPARADOS PARA PERDIÇÃO!
Romanos 9.22-23 mostra o mesmo princípio; apesar de ser usado muitas vezes como uma grande prova a favor da doutrina da rejeição, na realidade esta passagem é a maior prova contra essa doutrina.
O versículo 22 fala dos vasos da ira preparados para a perdição. Quem os preparou? Não é dito aqui. Mas, que Deus não o fez parece ser claro do contexto. Poderia dizer-se que Deus os suportou com muita paciência se Ele mesmo os tivesse preparado para a perdição? Veja-se também a diferença com o versículo 23, onde efetivamente está escrito que Ele tem preparado de antemão os vasos de misericórdia que já dantes preparou. É claro que os vasos da ira se prepararam a si mesmos. “Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente entesouras ira para ti, no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus” (Rm 2.5).
A PALAVRA DE DEUS DESCONHECE A PREDESTINAÇÃO PARA REJEIÇÃO
Nas Escrituras não há nem uma só evidência de que Deus haja tomado uma decisão para rejeição, nem de que haja destinado determinadas pessoas para a perdição eterna. Pelo contrário, isto está em contradição com o que Deus tem revelado de Si mesmo na Sua Palavra.Pode ser que Deus nosso Salvador, que quer que todos os homens se salvem, e que deu Seu Filho Jesus Cristo em resgate por todos afim de que todos pudessem participar Dele, tenha destinado uma parte deles para a perdição eterna? E assim há muitas passagens sobre o assunto, como por exemplo João 3.16, Romanos 3.22, I João 2.2, etc.
Graças a Deus, pobres pecadores foram predestinados para a glória eterna. Mas em nenhuma parte da Palavra de Deus se fala de eleição para condenação. Em contrapartida, a Palavra de Deus diz: E quem quiser tome de graça da água da vida (Ap 22.17). Deus nosso Salvador… quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade (I Tm 2.4).
E se não podemos reconciliar estes dois lados da verdade: vida e o convite feito a todos para virem: “os meus pensamentos são mais altos do que os vossos pensamentos” (Is 55.9). Qual o homem que ousaria atrever-se a pensar que o seu intelecto podia compreender e julgar a sabedoria e os desígnios de Deus? Para a fé resta o que Abraão havia dito: Não faria justiça o juiz de toda a terra? (Gn 18.25).
Vosso irmão em Cristo,
Hendrik Leendert Heijkoop – Extraído de do livro “Cartas aos Jovens”.