A maneira pela qual as Escrituras Sagradas se iniciam é digna de seu Divino autor – «No princípio, criou Deus os céus e a terra» (Gn 1:1) – e isso é tudo que está registrado aqui no que se refere à criação original. Nada é dito que nos possibilite fixar a data desta criação; nada é revelado no que diz respeito à sua aparência ou habitantes; nada se fala sobre o modus operandi do seu Divino Arquiteto. Não sabemos se os céus e a terra primitivos foram criados há alguns mil ou muitos milhões de anos atrás. Não somos informados se eles foram chamados à existência num único momento, ou se o processo de sua formação abrangeu um intervalo de longos anos. A afirmação é simples: «No princípio, criou Deus», e nada é acrescentado para satisfazer a curiosidade. A frase de abertura das Sagradas Escrituras não é para ser discutida, mas é apresentada como uma declaração da verdade a ser recebida com fé inquestionável.
«No princípio, criou Deus». Nenhum argumento está registrado para provar a existência de Deus: em vez disso, Sua existência é asseverada como um fato a ser crido. E ainda, é expressado o suficiente, nesta curta frase, para desmascarar cada sofisma que o homem inventou em relação à Deidade. Esta frase de abertura da Bíblia repudia o ateísmo, pois postula a existência de Deus. Rebate o materialismo , pois ela distingue entre Deus e a Sua criação da matéria. Extingue o panteísmo, pois afirma a necessidade de um Deus pessoal. «No princípio , criou Deus», nos relata que Ele era antes da fundação do mundo e, por conseguinte, Eterno. «No princípio, criou Deus», nos diz que Ele é um ser pessoal, pois uma abstração, uma «primeira causa» impessoal, não poderia criar. «No princípio, criou Deus os céus e a terra», relata que Ele é infinito e onipotente, porque nenhum ser finito possui o poder para «criar» e, ninguém, senão um Ser Onipotente poderia criar «os céus e a terra».
«No princípio, Deus». Esta é a verdade fundamental de toda teologia autêntica. Deus é o grande Criador e Iniciador. A ignorância disto é o erro básico de todo projeto humano. Sistemas falsos de teologia e filosofia começam com o homem e se esforçam em avançar para Deus. Mas isto é inverter as coisas. Devemos, em todo raciocínio, começar com Deus e ir em direção ao homem. Repito, isto é verdade da Divina inspiração das Escrituras. A Bíblia está redigida em linguagem humana, endereçada a ouvidos humanos, foi escrita por mãos humanas, mas, no princípio, Deus – «Homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo» (2 Pe 1:21). Isto também é verdadeiro para a salvação. No Éden, Adão pecou e introduziu a morte; contudo, seu Criador não foi pego de surpresa: no começo, Deus tinha se preparado para esta emergência, pois, «o Cordeiro» foi «conhecido antes da fundação do mundo» 1Pe 1;20. Para a nova criação, isto também é verídico. A alma que é salva, arrepende-se, crê e serve ao Senhor; mas, no princípio, Deus nos escolheu em Cristo (Ef 1:4) e, agora, «nós O amamos, porque Ele nos amou primeiro».
«No princípio, criou Deus os céus e a terra», e, não podemos senão crer que estas criações foram dignas Dele, que elas refletiram as perfeições de seu Criador e que foram extremamente satisfatórias em sua beleza primitiva. Certamente, a terra, na manhã de sua criação, deve ter sido muito diferente de seu estado caótico descrito em Gênesis 1:2. «A terra, porém, estava sem forma e vazia» deve se referir a uma condição da terra muito tempo depois daquela que nos apresenta o versículo anterior. Há mais de cem anos que o Dr. Chalmers chamou a atenção para o fato de que a palavra «era, estava», em Gênesis 1:2 devesse ser traduzida por «tornou-se», e que, entre os dois primeiros versículos de Gênesis 1 , alguma catástrofe terrível deve ter ocorrido. Parece mais do que provável que esta catástrofe possa estar relacionada à apostasia de Satanás; que alguma catástrofe realmente aconteceu, confirma-se em Isaías 45:18, que declara, expressamente, que a terra não foi criada na condição em que Gênesis 1:2 apresenta.
O que se encontra no restante de Gênesis 1 não se refere à criação primitiva, mas à restauração daquilo que tinha caído em ruínas. Gênesis 1:1 fala da criação original; Gênesis 1:2 descreve a condição anterior da terra seis dias antes de Adão ser chamado à existência. A que ponto remoto no tempo Gênesis 1:1 nos conduz, ou que intervalo de tempo se passou antes da terra «se tornar» uma ruína, não temos como saber; mas se as suposições dos geólogos pudessem ser conclusivamente estabelecidas, não haveria, de modo algum, conflito entre as descobertas da ciência e o ensino das Escrituras. O intervalo desconhecido entre os dois primeiros versículos de Gênesis 1 é grande o suficiente para incluir todas as eras pré-históricas que devem ter decorrido; mas, tudo o que aconteceu de Gênesis 1:3 em diante tornou-se conhecido menos de seis mil anos atrás.
«Em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há» (Ex 20:11). Há uma enorme diferença entre «criar» e «fazer»: «criar» é chamar à existência alguma coisa do nada; «fazer» é formar ou modelar algo de materiais já existentes. Um carpinteiro pode «fazer» uma cadeira de madeira, mas ele é absolutamente incapaz de «criar» a própria madeira. «No princípio (seja quando for) criou Deus os céus e a terra»; posteriormente (depois que a criação original se tornou ruína). «Fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há». Essa palavra de Êxodo estabelece a controvérsia que tem sido levantada sobre que tipo de «dias» são referidos em Gênesis 1, se dias de vinte e quatro horas, ou prolongados períodos de tempo. Em «seis dias», isto é, literalmente dias de vinte e quatro horas de duração, o Senhor completou o trabalho de restauração e remodelamento daquilo que uma terrível catástrofe tinha destruído e levado ao caos.
O que se segue no restante de Gênesis 1, não é para ser considerado como um poema, menos ainda como uma alegoria, mas como um relato literal , histórico da Divina revelação. Não temos muita paciência com aqueles que trabalham para mostrar que o ensino deste capítulo está em harmonia com a ciência moderna – do mesmo modo, pergunte se o cronômetro celestial está em harmonia com o relógio de Greenwich. Antes, os cientistas é que devem trazer seus relatos para conferir com os ensinos de Gênesis 1, se quiserem receber o respeito dos filhos de Deus. A fé do Cristão não repousa sobre a sabedoria do homem, nem se apoia em nenhuma necessidade de respaldo da comunidade científica. A fé do Cristão se apoia na invencível rocha da Sagrada Escritura, e nada mais. Muito frequentemente apologistas cristãos tem abandonado seu próprio fundamento. Por exemplo: uma das antigas tábuas da Assíria é decifrada, então anuncia-se, triunfantemente, que alguns relatos encontrados na parte histórica do Velho Testamento foram confirmados. Mas isto é somente uma inversão das coisas. A Palavra de Deus não precisa de «confirmação». Se o que está escrito em uma tábua Assíria concorda com o que está registrado nas Escrituras, isto confirma a precisão histórica desta tábua; se discorda, é uma prova positiva de que o escritor Assírio estava errado. Do mesmo modo, se os ensinamentos da ciência concordarem com as Escrituras, isto vai mostrar que os primeiros estão corretos; se estiverem em desacordo, isto prova que os pressupostos da ciência são falsos. O homem natural e o pseudocientista podem zombar da nossa lógica, mas isso só demonstra a verdade da Palavra de Deus que diz: «Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura ; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente» (1 Cor 2:14).
O que se encontra em Gênesis 1 é maravilhosamente conciso. Um simples versículo é o suficiente para falar da criação original dos céus e da terra. Um outro versículo é tudo o que é necessário para atribuir o terrível caos em que a decaída terra foi lançada. E menos do que trinta versículos relata a obra de seis dias, durante a qual o Senhor «fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há». Nem todas as habilidades juntas dos maiores gênios literários, historiadores, poetas ou filósofos que este mundo já gerou, poderiam esboçar uma obra literária que começasse a se igualar a Gênesis 1. Pela profundidade do tema e simplicidade da linguagem; pela compreensão do alcance e brevidade de expressão; pela precisão científica e abstenção de todos os termos técnicos; é uma obra incomparável e nada pode ser encontrado em todo o domínio da literatura que possa ser comparado a ela. Posiciona-se em uma classe única. Se a «brevidade é a alma da sabedoria» , então a brevidade do que está registrado neste capítulo de abertura da Bíblia evidencia a Divina sabedoria Daquele que a inspirou. Contraste com elaboradas fórmulas dos cientistas, contraste com a escrita prolixa dos poetas, contraste com a cosmogonia sem sentido dos antigos e a insensata mitologia dos pagãos, e a raridade deste Divino relato da Criação e Restauração aparecerão imediatamente. Cada linha deste capítulo de abertura das Sagradas Escrituras tem a gravação do autógrafo da Divindade.
Acerca dos detalhes da obra de seis dias, não podemos dizer muito agora. A maneira bem ordenada pela qual Deus procedeu, a facilidade com que Ele cumpriu sua obra, a excelência daquilo que foi produzido e a simplicidade da narrativa impressionam o leitor. Do caos, produziu-se o «cosmos», que significa ordem, arrumação, beleza; das águas, emergiu a terra; uma cena de desolação, trevas e morte foram transformadas em luz, vida e fertilidade, de maneira que, ao final, tudo foi declarado «muito bom». Observe que aqui se encontra o primeiro Decálogo Divino: lemos por dez vezes – «Disse Deus: Haja» (3, 6, 9, 11, 14, 20, 24, 26, 30), que pode ser denominado de Os Dez Mandamentos da Criação.
Em Hebraico, há somente sete palavras no versículo inicial de Gênesis 1, e elas são compostas de vinte e oito letras, isto é, sete vezes quatro. Sete é o número da perfeição e, quatro da criação, por conseguinte, aprendemos que a criação original foi perfeita ao sair das mãos do Criador. É igualmente significativo o fato de que houve sete estágios distintos na obra de Deus de restauração da terra: primeiro, houve a ação do Espírito Santo (Gn 1:2); Segundo, o chamada da luz à existência (Gn 1:3); Terceiro, a formação do firmamento (Gn 1:6-9); Quarto, cobertura da terra com a vegetação (Gn 1:11); Quinto, a formação e a disposição dos corpos celestes (Gn 1:14-18); Sexto, o povoamento das águas (Gn 1:20-21); Sétimo, o povoamento da terra (Gn 1:24). A perfeição da obra de Deus aparece, mais adiante, nas sete vezes que a palavra «bom» ocorre aqui – versículos 4, 10, 12, 18, 21, 25, 31 – a palavra «fez» se encontra por sete vezes nesta seção (Gn 1:7, 16, 25, 26, 31; 2:2-3). Sete vezes, neste capítulo, se menciona «céus» – versículos 1, 8-9, 14-15, 17, 20. E, pode-se acrescentar que o Próprio «Deus» está mencionado nesta parte inicial (Gn 1:1-2; 4) por trinta e cinco vezes, isto é, sete vezes cinco. Portanto, o selo da perfeição está estampado sobre tudo o que Deus fez e formou aqui.
De volta ao sentido literal do que está diante de nós neste capítulo inicial das Sagradas Escrituras, vamos nos alongar sobre aquilo que frequentemente tem sido salientado por outros, a saber, o significado simbólico destes versículos. A ordem seguida por Deus na reconstrução da velha criação é a mesma que se obtém em relação à nova criação, e, de maneira singular, uma foi feita para prefigurar a outra. A história anterior desta terra é equivalente à história espiritual daquele que crê em Cristo. O que aconteceu em relação ao velho mundo tem o seu correspondente no homem regenerado. É esta linha de veracidade que prende a nossa atenção, agora.
1. «No princípio, criou Deus os céus e a terra». Como já observamos, a condição original da primeira criação foi amplamente diferente do estado em que a vemos no versículo seguinte. Recém chegados das mãos do seu Criador, os céus e a terra devem ter apresentado uma cena de inigualável vigor e beleza. Nenhum gemido de sofrimento foi ouvido para arruinar a harmonia da canção das «estrelas da alva» quando, juntas, cantavam (Jó 38:7). Nenhum verme de corrupção havia para contaminar as perfeições da obra do Criador. Não havia nenhum rebelde iníquo para desafiar a supremacia de Deus. E não havia sombras de morte para espalhar o espírito de tristeza. Deus reinava supremo, sem rival, e tudo era muito bom.
Semelhantemente, também, no princípio da história deste mundo, Deus criou o homem, e seu estado original era imensamente diferente daquele em que ele posteriormente caiu. Feito à imagem e semelhança de Deus, provido de uma auxiliadora, colocado num pequeno jardim de deleites, com o domínio sobre todas as classes mais baixas da criação, «abençoado» pelo Criador, ordenado a frutificar, multiplicar e povoar a terra, e incluído no que Deus declarou «muito bom», Adão tinha tudo que o coração podia desejar. Atrás de si não havia herança de pecado, dentro de si, seu coração não era corrupto e pecaminoso, sobre si não havia marcas de corrupção, e ao redor de si, não havia sinal de morte. Juntamente com sua auxiliadora, em companhia de seu Criador, tinha tudo para ser feliz e satisfeito.
2. «A terra, porém, estava (se tornou) sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo». Deve ter acontecido alguma terrível catástrofe. O pecado ousou elevar sua horrenda cabeça contra Deus, e com ele veio a morte e todos os seus males consequentes. A bela obra do Criador estava arruinada. Aquilo que inicialmente era tão belo, estava, agora destruído, e o que era muito bom se tornou muito ruim. A luz foi apagada e a terra estava submersa nas águas do castigo divino. O que foi perfeito no princípio tornou-se uma ruína, e as trevas permaneceram sobre a face do abismo. Isto é profundamente misterioso e indizivelmente trágico. É improvável que um contraste maior do que o que é apresentado nos dois primeiros versículos de Gênesis 1, possa ser imaginado. No entanto, o fato é que: a terra primitiva criada por Deus ‘no princípio» tinha se tornado uma ruína.
Não menos trágico foi o que aconteceu com o primeiro homem. Como a terra original anterior, Adão não permaneceu em seu estado primitivo. Ocorreu uma terrível catástrofe. O relato está em Gênesis 3. Por um homem entrou o pecado no mundo , e, pelo pecado, a morte. O espírito de insubordinação o possuiu; ele se rebelou contra seu Criador; comeu do fruto proibido e as consequências que se seguiram foram terríveis. A bela obra do Criador estava arruinada. Onde antes havia bênção, descendia, agora, a maldição. Numa cena de vida e júbilo, entrou a morte e a dor. O que no princípio era «muito bom», se tornou muito ruim. Exatamente como na terra primitiva, assim, também, o homem tornou-se um destroço e uma ruína. Ele foi submerso na maldade e envolto em trevas. Foi indizivelmente trágico, mas a sua veracidade está presente no coração de cada descendente de Adão.
«Houve, então, uma criação primitiva e, posteriormente, uma queda; primeiro, ‘céus e terra´, na devida ordem, depois, a terra sem um céu – em trevas, e enterrada sob um ‘abismo´ de sal e de aridez e de águas agitadas. Que imagem da condição do homem, enquanto separado de Deus! Quão completa a desordem! Quão profundas as trevas! Quão profundas rolam as ondas agitadas da ira sobre a ruína do que um dia foi tão belo! ‘Os iníquos são como o mar agitado quando não pode descansar, cujas águas lançam lama e sujeira´» – F. W. Grant.
Está, aqui, então, a chave para o destino do homem. Aqui está a causa de todo sofrimento e dor que está no mundo. Está, aqui, a explicação da depravação humana. Agora, o homem não é mais como Deus o criou. Deus fez o homem «justo» (Ec 7:9), mas ele não permaneceu assim. Deus fielmente avisou o homem que se ele comesse do fruto proibido certamente morreria. E ele morreu, espiritualmente. O homem é, por conseguinte, uma criatura caída. Ele nasce neste mundo «separado da vida de Deus» (Ef 4:18). Ele nasceu neste mundo com um coração que é «enganoso mais do que todas as coisas e desesperadamente corrupto» (Jr 17:9). Esta é a herança da Queda. Isto é o que a transgressão de Adão acarretou. O homem é uma criatura arruinada e a «escuridão», moral e espiritual, repousam sobre a face de seu entendimento (Ef 4:18).
3. «E o espírito de Deus se movia sobre a face das águas». Aqui é onde começa a despontar a esperança. Deus não abandonou a terra primitiva, que tinha se tornado uma ruína. Não teria sido surpresa, contudo, se Ele o tivesse feito. Por que Deus se preocuparia com aquilo que estava sob seu íntegro juízo? Por que Ele seria condescendente com aquilo que era, agora, um deserto assolado? Por quê? Mas aqui foi onde a misericórdia soberana interveio. Ele tinha planos graciosos em relação àquele vazio sem forma. Ele tinha a intenção de ressuscitá-la, de restaurá-la e de refrutificá-la. E a primeira coisa que lemos sobre a realização deste propósito desejado foi, «O Espírito de Deus se movia sobre a face das águas». Houve ação Divina. Houve um movimento da parte do Espírito Santo. E isto foi uma necessidade primeva. Como é que a terra poderia se ressuscitar? Como é que aquilo que estava sob o justo julgamento de Deus poderia se auto conduzir ao lugar de benção? Como poderiam as trevas se transformar em luz? De forma natural , não poderiam. A criação arruinada era incapaz. Se fosse para haver restauração e uma nova criação, o poder Divino deveria intervir, o Espírito de Deus deveria se «mover».
No reino espiritual faz-se a analogia. O homem caído não tinha mais direito sobre a atenção de Deus do que a desolada terra primitiva. Quando Adão se rebelou contra seu Criador, ele não mereceu nada senão um generoso julgamento de Suas mãos, e se Deus estivesse inclinado a ter uma futura consideração por ele, seria somente por sua misericórdia soberana. Imagine se Deus tivesse deixado o homem ao destino que ele tão ricamente merecia! Mas não. Deus tinha planos graciosos para o homem. Dos destroços e ruínas da humanidade caída, Deus tinha o propósito de produzir uma «nova criação». Pela morte do pecado, Deus está, agora, atraindo para o campo da ressurreição todos aqueles que estão unidos a Cristo, Seu Filho. E o primeiro aspecto para esta realização é a ação do Espírito Santo. E, novamente, isto é uma necessidade primeva. O homem caído, por si só, é tão incapaz quanto era a terra caída. O pecador não pode mais se regenerar, da mesma forma que a terra arruinada não podia se elevar do abismo que repousava sobre ela. A nova criação, como a restauração da criação da matéria, devem ser realizados pelo Próprio Deus.
4. «Disse Deus: Haja luz; e houve luz». Primeiro a ação do Espírito Santo e, agora, a Palavra falada. Lemos, no mínimo, dez vezes neste capítulo «Disse Deus». Deus poderia ter remodelado e guarnecido novamente a terra absolutamente sem palavra, mas não o fez. Ao invés disso, Ele claramente anunciou, desde o começo, que Seu propósito era para ser cumprido e Seus planos de ação realizados pela Palavra. A primeira coisa que Deus disse foi: «Haja luz», e lemos: «Houve luz». Então, apareceu a luz que foi produzida pela Palavra. E a Bíblia diz: «E viu Deus que a luz era boa».
E é assim na obra da nova criação. Estes dois são ligados de modo inseparável – a ação do Espírito Santo e o ministério da Palavra de Deus. É por eles que o homem em Cristo se tornou uma nova criação. E o passo inicial em relação a isto foi a entrada da luz nas trevas. A entrada do pecado cegou os olhos do coração do homem e cegou seu entendimento. Tanto assim que, por si só, o homem é incapaz de perceber o horror de sua condição, a condenação que repousa sobre ele, ou o perigo no qual ele está imerso. Incapaz de ver a urgente necessidade de um Salvador, ele está, espiritualmente, em tal escuridão. E nem as afeições de seu coração, o raciocínio e nem o poder de sua vontade podem desfazer estas terríveis trevas. A luz vem ao pecador através da Palavra revelada pelo Espírito. Como está escrito em Salmos 119:130 : «A revelação das tuas palavras esclarece». Isto marca o passo inicial da obra de Deus na alma. Assim como o brilho da luz em Gênesis 1 tornou manifesta a desolação sobre a qual ela brilhou, assim também a revelação da Palavra de Deus no coração humano mostra a terrível ruína que o pecado tem operado.
5. «E fez separação entre a luz e as trevas». Hebreus 4:12 diz: Porque a Palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração». Esta não é uma expressão metafórica, mas, cremos, uma declaração de um fato literal. O homem é um ser tripartido, feito de «espírito, alma e corpo» (1 Ts 5:23). O falecido Dr. Pierson distinguiu-as assim: «O espírito tem a capacidade da consciência de Deus; a alma é a sede do ego; o corpo, do sentido». No dia em que Adão pecou, ele morreu espiritualmente. Na morte física o espírito é separado do corpo; na morte espiritual, o espírito é separado de Deus. Quando Adão morreu, seu espírito não foi destruído, mas sim «separado» de Deus. Houve uma queda. O espírito, a parte mais elevada do ser complexo de Adão, não dominava mais; em vez disso, foi rebaixado, caiu ao nível da alma e deixou de funcionar separadamente. Portanto, hoje, o homem não-regenerado é dominado por sua alma, que é o lugar da concupiscência, da paixão e da emoção. Mas, na obra de regeneração, a Palavra de Deus «penetra até o ponto de dividir alma e espírito», e o espírito é resgatado do mais profundo nível ao qual ele caiu, e trazido, novamente, à comunhão com Deus. O espírito, sendo a parte do homem que é capaz de estar em comunhão com Deus, é luz; a «alma», quando não é dominada e regulada pelo espírito, está em trevas , portanto, naquela parte da obra de seis dias de restauração, que prefigurou a divisão da alma e espírito, lemos: «E Deus fez separação entre a luz e as trevas».
6. «E disse Deus: Haja firmamento no meio das águas e separação entre águas e águas… e chamou Deus ao firmamento Céus» (Gn 1:6, 8). Isto nos conduz à obra do segundo dia e, aqui, pela primeira vez, lemos que «Deus fez» alguma coisa (Gn 1:7). Esta foi a formação do céu atmosférico, o «firmamento», denominado por Deus de «céus». Na nova criação, o que corresponde a isto é a doação de uma nova natureza. Aquele que é «nascido do espírito» se torna um «participante da natureza Divina» (2 Pe 1:4). Regeneração não é o aperfeiçoamento da carne, ou o cultivo da velha natureza; é o recebimento de uma natureza inteiramente nova e celestial. É importante observar que o «firmamento» foi gerado pela Palavra, pois lemos novamente «E disse Deus». Então, é pela Palavra de Deus escrita que se produz o novo nascimento, «Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela Palavra da verdade» (Tg 1:18). Também em 1 Pedro 1:23 «Pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a Palavra de Deus».
7. «Disse também Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num só lugar, e apareça a porção seca. E assim se fez… E disse: Produza a terra relva, ervas que deem sementes e árvores frutíferas que deem frutos segundo as suas espécies, cuja semente esteja nele, sobre a terra» (Gn 1: 9-11). Estas palavras nos apresentam o terceiro dia da obra de Deus, e em harmonia com o significado deste numeral, encontramos algo que claramente fala de ressurreição. A terra foi edificada das águas que a tinham submergido e, então foi revestida de vegetação. Onde antes havia somente desolação e morte, aparecia, agora, vida e fertilidade. Assim é na regeneração. Aquele que foi morto em delitos e pecados, foi elevado para andar em novidade de vida. Aquele que estava sob a velha criação «em Adão», está, agora, pela nova criação «em Cristo». O que antes não produzia nada senão obra morta está, agora, apto a dar frutos para a glória de Deus.
Devemos concluir aqui. Muitos aspectos não foram tocados, mas foi dito o suficiente, cremos, para mostrar que a ordem seguida por Deus nos seis dias da obra de restauração, prefigurou a Sua obra da graça na nova criação: o que Ele fez do antigo no mundo material, tipificou Sua obra atual no reino espiritual. Cada etapa foi cumprida pela aplicação do Divino poder, e tudo foi gerado pela operação de Sua Palavra. Que o escritor e o leitor possam se sujeitar mais e mais a esta Palavra e, então, possamos agradá-lo e sermos frutíferos no Seu serviço.
Arthur Walkington Pink