“Arrependei-vos, pois, e convertei-vos” (Atos 3:19) – O assunto responsável pelo título desse sermão toca toda a humanidade. Ele deve ser tratado em todos os lares de todas as classes, altas ou baixas, ricas ou pobres, velhas ou novas, nobres ou simples. Qualquer pessoa pode ir para o céu sem dinheiro, classe ou aprendizado, mas ninguém, entretanto, mesmo sábio, rico, nobre ou belo, jamais chegará ao céu sem converter-se.
Existem seis pontos de vista que gostaria de considerá-los aqui. Tentarei mostrar que conversão é:
- Bíblica
- Real
- Necessária
- Possível
- Venturosa
- Algo que pode ser percebido
1. Em primeiro lugar, deixe-me mostrar que a conversão é bíblica.
Através dessa frase, o que quero dizer é que a conversão é um assunto muito comentado na Bíblia. Este é o primeiro ponto que devemos averiguar na religião. Não importa se alguém disser algo e transformá-lo numa verdade religiosa, não importa se gostamos ou não de uma doutrina. Ela está na Bíblia? Essa é a pergunta. Se estiver, não temos direito algum de recusá-la. Se rejeitamos uma verdade bíblica porque não gostamos dela, nós o fazemos arriscando nossas almas e podendo nos tornar infiéis. Esse é um princípio que não pode jamais ser esquecido.
Voltemos à Bíblia. Escute o que Davi diz: “A lei do Senhor é perfeita e refrigera a alma”; “os pecadores a ti se converterão” (Sl 19:7, 51:13). Escute o que o nosso Senhor Jesus Cristo diz: “se não vos converterdes e não vos fizerdes meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mt 18:3). Escute o que Pedro diz: “arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados” (At 3:19). Escute o que Tiago disse: “aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados” (Tg 5:20).
Poderia facilmente aumentar as evidências bíblicas, poderia citar várias passagens em que há a ideia de conversão, mesmo que a palavra, em si, não seja usada. Ser renovado, transformado, nascido de novo, ressuscitado dos mortos, iluminado, passado da morte para a vida, nova criatura, despir-se do velho homem e revestir-se do novo: todas essas expressões são bíblicas e significam conversão. Todas elas são a mesma coisa vista de um ponto de vista diferente. Nessas horas, “o suficiente” é o mesmo que “abundante”. Não pode haver dúvida alguma sobre a certeza da minha posição, de que a conversão é bíblica. Não é uma mera invenção humana, é bíblica.
Talvez você me diga que não se importa com textos ou, ainda, que você não tem o hábito de deixar que textos isolados decidam questões de sua religião. Se esse é o seu caso, sinto muito por você. Nosso Senhor Jesus Cristo e seus apóstolos usavam textos isolados com grande frequência e faziam com que tudo em seus argumentos dependessem deles. Um texto claro para eles era o suficiente para estabelecer um ponto. Não é um problema sério o Senhor Jesus e seus apóstolos usarem textos isolados e você não se importar com eles?
Peço a todos os leitores dessas páginas para se despirem de preconceitos ignorantes no tocante a questões religiosas. Conheci pessoas que discordavam de doutrinas e opiniões com tanto entusiasmo e fanatismo em sua perfeita ignorância que discordavam da própria Escritura. Eles deram uma prova triste de que falavam sobre assuntos que não eram de seus conhecimentos e mostraram que não sabiam nada do que estava contido da Bíblia. Foi registrado que em Somersetshire, há cem anos, um grande pregador foi convocado aos magistrados por ter rogado pragas do púlpito. Ele havia usado no seu sermão, um texto muito conhecido: “Quem crer e for batizado, será salvo; mas quem não crer, será condenado” (Mc 16:16), mas o condestável que deu a informação era tão ignorante, que não sabia que o pregador estava citando a Palavra de Deus! Eu mesmo me lembro de uma senhora de classe abastada ficando indignada, porque um palestrante, num encontro missionário, descreveu os descrentes como “sem esperança”. E o palestrante apenas usou a mesma expressão usada por Paulo, ao descrever o estado dos efésios antes da chegada do Evangelho a eles (Ef 2:12). Cuidado para que você não cometa o mesmo erro que eles. Cuidado para que não exponha sua própria ignorância ao ser contra a conversão. Procure nas escrituras, a conversão é bíblica!
2. Deixe-me mostrar, em segundo lugar, que a conversão é real.
É necessário falar algo sobre esse ponto. Vivemos numa época de simulações, trapaças, decepções e imposições. É o tempo de acertar contas, disfarçar, laquear e chapear. É tempo de reboco, composição, galvanização, douração e eletrotipia. É o tempo da comida adulterada, colar de diamantes falsos, pesos e medidas falsas, vigas quebradiças e vestimentas ordinárias. É a idade de saco com ar, sepulcros esbranquiçados e címbalos na religião. Não me admira que tantos olhem para os cristãos professos como suspeitos, se não hipócritas, e negam a realidade da conversão.
Não obstante tudo o que essas pessoas podem dizer, afirmo com toda segurança que há conversão. Podemos ver entre homens, aqui e acolá, casos claros de uma mudança completa de coração, caráter, gosto e vida; casos que merecem um único nome: conversão. Quando o homem sai do pecado e se volta a Deus, do mundanismo à santidade, do autoconhecimento à autodesconfiança, do desinteresse para com a religião ao arrependimento, da descrença à fé, da indiferença para com Cristo ao amor a Ele, da negligência para com a oração, a Bíblia e o dia do Senhor ao zelo para com a graça, digo sem hesitar que ele é convertido. Quando o coração de um homem vira de ponta cabeça, da forma com que descrevi, de tal forma que ele passa a amar o que antes odiava e odeia o que antes amava, digo ousadamente que esse é um caso de conversão. Negar isso é teimosia e presunção. Tamanha mudança não tem como ser descrita de outra forma. De longe, o melhor termo que caracteriza essa mudança é o termo bíblico “conversão”.
A Bíblia nos dá padrões claros de tais mudanças. Deixe que leiam atentamente às histórias de Manassés, rei de Judá; de Mateus, o apóstolo; da mulher de Samaria; de Zaqueu, o publicano; de Maria Madalena; de Saulo de Tarso; do carcereiro de Filipos; de Lídia, a vendedora de púrpura; dos judeus a quem Pedro pregou no dia de Pentecostes; e dos coríntios, a quem Paulo pregou. (2 Cr 33:1-19; Mt 9:9; Jo 4:1-29; Lc 19:1-10, 8:2; At 9:1-22, 16:14, 34, 2:37-41; I Cor 6:9-11). Em cada um desses casos, houve uma mudança poderosa. Do que essa mudança pode ser chamada, se não conversão?
A história da igreja pode fornecer muitos exemplos conhecidos de mudanças como essas. Basta estudar a vida de Agostinho, Martinho Lutero, Hugh Latimer, John Bunyan, Coronel Gardner, John Newton e Thomas Scott. Em cada uma dessas vidas, você encontrará uma descrição da mudança poderosa no coração, na opinião e na conduta para com Deus. Do que essa mudança pode ser chamada, se não conversão?
A própria vizinhança e o círculo de amizades de cada homem fornecerão muitos exemplos de tais mudanças. Deixe que alguma pessoa de mente honesta observe o seu arredor e pondere sobre o que afirmo. Deixe que ele negue, se puder, que pode apontar homens e mulheres de sua mesma idade e posição, que, agora, estão completamente diferentes do que eram antes em questões religiosas. Sobre suas almas e a importância de serem salvos; sobre o pecado, Deus, Cristo, arrependimento, fé e santidade; sobre leitura bíblica, oração e o dia do Senhor, sobre todas essas coisas, eles estão completamente mudados. Eu desafio qualquer homem sensível a negar que conhece pessoas assim. Eles estão para se encontrar, aqui e acolá, em cada parte do reino. Uma vez mais eu pergunto, do que essa mudança pode ser chamada, se não conversão?
Sinto-me quase envergonhado em permanecer tanto tempo nesse ponto. É como perder tempo explicando que dois mais dois são quatro ou que o sol se levanta no leste. Contudo, ai daquela pessoa que não tolera nada e contesta tudo na religião! Esse tipo de pessoa sabe que ainda não é convertida e, por isso, tenta ardentemente provar que ninguém nunca se converteu! Acredito ter dado uma resposta adequada a pessoas desse tipo. Mostrei a você que conversão é real!
3. Deixe-me mostrar, em terceiro lugar, que a conversão é necessária.
Esse é um ponto de grande importância. Algumas pessoas notáveis começaram a admitir que a conversão é uma verdade bíblica e uma realidade, mas não é algo que precise ser imposto sobre os cristãos da Inglaterra. O pagão, dizem eles, precisa de conversão. Até mesmo os ladrões, os mau-caráter e colegas de prisão, dizem eles, precisam de conversão. Entretanto, falar sobre conversão concernente a pessoas que frequentam a igreja é falar de coisas que eles não compreendem de forma alguma. “Tais pessoas, em alguns casos, precisam de um agito e algumas alterações. Elas podem não ser tão boas quanto deveriam, seria melhor se prestassem mais atenção à religião, mas você não pode dizer que elas precisam de conversão! É severo, rude, amargo, errado, é ter mente fechada dizer a elas que precisam de conversão!”.
Essa noção infeliz é uma completa ilusão, é pura invenção humana, sem nem mesmo fundamentação na Palavra de Deus. A Bíblia nos ensina expressamente que a mudança de coração, chamada de conversão, é de suma importância para todos. Ela é necessária por causa da total corrupção da natureza humana, devido à condição natural de cada coração humano. Qualquer pessoa nascida no mundo, não importando sua classe ou nacionalidade, deve ter seu coração mudado enquanto está em vida, para que possa ir ao céu. Todos os homens, sem exceção, devem se converter.
Sem a conversão do coração, não podemos servir a Deus na terra. Por natureza, não temos fé, nem temor ou amor a Deus e a Seu Filho Jesus Cristo; não nos deleitamos em Sua Palavra; não temos prazer na oração ou na comunhão com Ele e tampouco tempos alegria em suas ordenanças, na sua casa, nos seus eleitos ou no seu dia. Podemos ter uma forma de cristianismo, manter um estilo de cerimônias e performances religiosas, mas sem a conversão, teremos o coração na nossa religião tanto quanto um tijolo ou uma pedra tem. Um corpo morto pode servir a Deus? Sabemos que não. Pois bem, sem conversão, estamos mortos para Deus.
Olhe em volta da congregação onde você adora todo domingo. Perceba o interesse mínimo que a grande maioria presente tem para com o que há ali. Observe quão desatentos, apáticos e indiferentes eles estão com o que acontece. É óbvio que seus corações não estão lá! Eles estão pensando em outra coisa, não na religião. Eles estão pensando em negócios, dinheiro, diversão. Seus corpos estão lá, mas não seus corações. Qual o motivo para isso? O que é que eles tanto precisam? Eles precisam de conversão! Sem ela, eles virão à igreja por costume e aparência e sairão dela para servir o mundo e seus pecados.
Isso não é tudo. Sem a conversão do coração, não podemos desfrutar do céu, se chegarmos nele. O céu é um lugar em que a santidade reina com supremacia e nem o pecado e nem o mundo, tem lugar nele. A empresa será sagrada, os trabalhos serão santos, será um domingo eterno. Certamente se formos ao céu, deveremos ter um coração afinado e apto para regozijar-se, caso contrário, não seremos felizes. Devemos ter uma natureza em harmonia com nossos princípios e com o lugar onde vivemos. Poderia um peixe ser feliz fora d’água? Sabemos que não. Pois bem, sem a conversão do coração, não poderíamos ser felizes no céu.
Olhe para o bairro em que mora e as pessoas que você conhece. Imagine o que muitos deles fariam se fossem afastados para sempre do dinheiro, negócios, jornais, cartas, festas, corridas, caças, tiros e outros prazeres mundanos. Elas gostariam? Imagine o que muitos delas fariam se fossem trancados para sempre com Jesus Cristo, os santos e os anjos! Eles seriam felizes? A eterna companhia de Moisés, Davi e Paulo seria agradável para aqueles que nunca leram o que esses homens santos escreveram? Será que a adoração eterna no céu estaria de acordo com o gosto daqueles que mal conseguem doar alguns minutos da semana para sua religião e oração? Há apenas uma resposta a ser dada a todas essas perguntas: devemos ser convertidos antes de podermos nos regozijar no céu. O céu não será céu para nenhuma pessoa que não seja convertida.
Que nenhum homem nos engane, existem duas coisas absolutamente necessárias para a salvação de cada ser humano na terra. Uma delas é o trabalho mediador de Cristo por nós – sua redenção, satisfação e intercessão. A outra é o trabalho de conversão do Espírito em nós – guiando, renovando e satisfazendo a graça. Devemos ter tanto o título quanto o coração para o céu. Sacramentos são apenas usualmente necessários para a salvação, um homem pode ser salvo sem eles, como o ladrão arrependido. Ter interesse em Cristo e ser convertido são completamente necessários, sem eles ninguém pode ser salvo. Da mesma maneira, altos ou baixos, ricos ou pobres, velhos ou jovens, nobres ou simples, membros de igreja ou dissidentes, batizados ou não, todos precisam se converter, caso contrário, perecerão. Não há salvação sem conversão. Ela é necessária.
4. Deixe-me agora mostrar, em quarto lugar, que a conversão é possível.
Acredito conhecer os pensamentos que atravessam a mente das pessoas, quando leem as coisas que escrevo nesse papel. Elas se refugiam na ideia de que uma mudança tal qual a conversão é um tanto quanto impossível, exceto para alguns poucos favorecidos. “É muito fácil”, eles argumentam, “para pessoas falarem da conversão, mas ela não pode ocorrer, temos trabalho em mente, famílias para prover, negócios a cuidar. É inútil esperar milagres agora. Não podemos nos converter”. Pensamentos assim são bem comuns. O diabo adora os colocar diante de nós, então, nossos corações preguiçosos o recebem, porque não queremos passar por provações. Não tenho receio algum em dizer que conversão é possível. Se ela não fosse, não diria mais nenhuma palavra.
Ao dizer isso, contudo, deveria me arrepender por estar errado. Em momento algum digo que qualquer pessoa pode converter-se a si mesma, mudar seu próprio coração, despir-se de sua natureza corrupta e colocar um novo espírito. Não digo nada disso. Deveria esperar que os ossos secos da visão de Ezequiel dessem a eles mesmos vida? (Ez 37:3). O que quero dizer é que não há nada nas Escrituras, nada em Deus, nada na condição humana, que autorize qualquer um a dizer, “Não poderei jamais me converter”. Não há homem ou mulher no mundo sobre os quais alguém poderia dizer “sua conversão é impossível”. Qualquer pessoa, por mais pecadora que seja, pode ser convertida.
Por que falo com tanta certeza? Como eu consigo olhar para o mundo, ver a perversidade desesperadora que há nele e, ainda assim, não perder a esperança na alma do homem? Como consigo dizer a alguém, mesmo que ele seja difícil, decaído e mau, “Seu caso tem esperança, você – até mesmo você – pode ser curado”? Posso fazer isso por causa do que está contido no Evangelho de Cristo. A glória desse Evangelho é saber que, com ele, nada é impossível.
Conversão é possível devido ao grande poder do nosso Senhor Jesus Cristo. Nele há vida, em suas mãos estão as chaves da morte e do inferno, Ele tem todo o poder no céu e na terra e vivifica aquele que Ele quiser (Jo 1:4; Ap 1:18; Mt 28:18; Jo 5:21). Para Ele, é tão fácil criar novos corações do nada quanto criar o mundo também do nada. É tão fácil para Ele dar o sopro da vida num coração morto e duro, quanto também é fácil dar o sopro da vida no barro com o qual Adão foi formado e tornado um homem vivo. Não houve nada que Ele não pudesse fazer na terra. Vento, mar, doença, morte, maldade, todos eram obedientes à Sua palavra. Não há nada que Ele não possa fazer no céu, à direita de Deus. Sua mão está forte como nunca, assim como seu amor. O Senhor Jesus Cristo vive e, portanto, conversão não é impossível.
Entretanto, além disso, conversão é possível por causa do grande poder do Espírito Santo, enviado por Cristo aos corações daqueles que Ele comprometeu-se em salvar. O mesmo Espírito divino que coopera com o Pai e o Filho no trabalho da criação, coopera especialmente no trabalho da conversão. É Ele quem conduz a vida com Cristo, a grande Fonte de Vida, aos corações dos pecadores. Aquele que se movia sobre a face das águas antes de pronunciar essas palavras maravilhosas, “Haja luz”, é o mesmo que move a alma dos pecadores e tira sua escuridão natural. Grande, de fato, é o poder invisível do Espírito Santo! Ele amacia o que é firme, ele dobra o que é inflexível; ele dá visão ao que é espiritualmente cego, ouvidos ao espiritualmente surdo, língua ao espiritualmente mudo, pés ao espiritualmente manco, afeto ao espiritualmente frio, conhecimento ao espiritualmente ignorante e vida ao espiritualmente morto. “Eis que Deus é excelso em seu poder, quem ensina como ele?” (Jó 36:22). Ele ensinou milhares de pecadores ignorantes e nunca falhou em torná-los “sábios para a salvação”. O Espírito Santo vive e, portanto, conversão não é impossível.
O que você pode dizer sobre essas coisas? Distancie-se da ideia de que a conversão não é possível. Deixe-a para trás, isso é uma tentação do diabo. Não olhe para si e para o seu coração frágil, caso contrário, você pode se desesperançar. Olhe para Cristo e o Santo Espírito e veja que com eles nada é impossível. Sim! A era dos milagres espirituais não acabou! Almas mortas em nossas congregações ainda podem se levantar, olhos cegos podem tornar a ver, línguas que não sabem orar, podem aprender. Ninguém deve se desesperar. Quando Cristo abandonar o céu e o seu ofício como salvador dos pecadores, quando o Espírito Santo deixar de morar em nossos corações e não for mais Deus, então, e apenas quando então, homens e mulheres poderão dizer “Não podemos nos converter”. Até lá, digo sem pestanejar, conversão é possível. Se homens não são convertidos, é porque não buscam a Cristo por vida (Jo 5:40). Conversão é possível.
5. Deixe-me mostrar, em quinto lugar, que a conversão é feliz.
Teria escrito em vão, se deixasse esse ponto de lado. Existem milhares, acredito firmemente, prontos a aceitar a verdade de tudo o que falei até aqui. Eles acreditam que a conversão seja bíblica, real, necessária e possível. “Claro”, eles dizem, “sabemos que isso é verdade. Pessoas devem se converter”. Mas será que a felicidade do homem aumentará, por ser convertido? Converter-se adicionará felicidade ao homem e diminuirá seus sofrimentos? Infelizmente há, aqui, um ponto em que muitos se confundem. As pessoas temem que, ao se converterem, elas devem se tornar tristes, miseráveis e cabisbaixas. Conversão e rosto amargo; conversão e expressão triste; conversão e má índole para repreender jovens e criticar qualquer jovialidade; conversão e semblante sofrido; conversão e suspiro e gemidos; todas essas coisas são características que as pessoas pensam que andam juntas! Não me admira se apavorarem ao pensar na conversão!
A noção que acabo de descrever é muito comum e prejudicial. Gostaria de protestar contra isso com todo o meu coração, alma, mente e força. Afirmo sem hesitar que a conversão descrita nas Escrituras é feliz – e não miserável – e que se pessoas convertidas não são felizes, a culpa está nelas. A felicidade de um verdadeiro cristão, sem sombra de dúvidas, não é a mesma que a de um mundano. Ela é uma alegria calma, sólida, substancial e flui intensamente. Ela não é feita de euforia, leviandade e de hilaridade repentina e impetuosa. É uma alegria sóbria e calma de alguém que não esquece a morte, o julgamento, a eternidade e nem o mundo que está por vir, mesmo em sua euforia. Entretanto, estou convencido de que o homem convertido é mais feliz.
O que diz a Escritura? Como ela descreve os sentimentos e as experiências das pessoas que se converteram? Ela apoia a ideia de que conversão é algo sofrível e melancólico? Vejamos o que Levi sentiu, quando ele deixou a recebedoria para seguir a Cristo. Lemos que “ele fez um grande banquete em sua casa”, como sendo uma ocasião de regozijo (Lc 5:29). Vejamos o que Zaqueu, o publicano, sentiu quando Jesus se ofereceu para ir até sua casa. Lemos que “recebeu-o alegremente” (Lc 19:6). Vejamos o que os samaritanos sentiram, quando se converteram através dos ensinamentos de Filipe. Lemos que “havia grande alegria naquela cidade” (At 8:8). Vejamos o que o eunuco da Etiópia sentiu, no dia de sua conversão. Lemos que, “jubiloso, continuou seu caminho” (At 8:39). Vejamos o que o carcereiro de Filipo sentiu na hora de sua conversão. Lemos que ele “na sua crença em Deus, alegrou-se com toda sua casa” (At 16:34). O testemunho nas Escrituras é sempre o mesmo. Conversão é sempre descrita como a causa da alegria, não do sofrimento; da felicidade, não da miséria.
A verdade é que as pessoas falam mal da conversão, porque não sabem nada a respeito dela. Elas menosprezam e taxam homens e mulheres convertidos de infelizes, porque julgam conforme sua aparência externa de tranquilidade, sobriedade e sossego, mas não sabem nada de sua paz interna. Elas esquecem que não são aqueles que se vangloriam mais de seus feitos que fazem mais e não são aqueles que falam mais de quão felizes são, que são, verdadeiramente, os mais felizes.
Um homem convertido é feliz, porque ele tem paz com Deus. Seus pecados são perdoados, sua consciência é liberta do sentimento de culpa, ele pode olhar para a morte, o julgamento e a eternidade, sem sentir medo. Que bênção maravilhosa sentir-se perdoado e livre! Ele é feliz porque encontra ordem em seu coração. Suas paixões estão controladas, suas amizades estão bem direcionadas. Tudo dentro dele, mesmo que fraco e frágil, está no lugar correto, não em confusão. Que bênção maravilhosa é a ordem! Ele é feliz, porque está independente das circunstâncias. Venha o que vier, ele estará pronto: doença, perda e morte, não tocarão no seu tesouro no céu, tampouco o roubarão de Cristo. Que bênção maravilhosa é sentir-se independente! Ele é feliz porque está pronto. Não importa o que aconteça, ele está preparado, o grande negócio de sua vida já foi feito, sua grande preocupação já foi resolvida. Que bênção maravilhosa é sentir-se pronto! Essas são, realmente, fontes de alegria. Fontes que estão completamente fechadas para os que não são convertidos. Sem perdão dos pecados, sem esperança no mundo que virá, subordinado ao conforto desse mundo e despreparado para conhecer a Deus, o homem não pode sentir-se verdadeiramente feliz. Conversão é uma parte essencial para a verdadeira felicidade.
Coloque na sua mente hoje que o amigo que trabalha pela sua conversão a Deus, é o melhor amigo que poderia ter. Ele não é apenas amigo para a vida que virá, mas para a vida de agora. Ele é amigo para o seu conforto presente, tanto quanto para o seu futuro livramento do inferno. Ele é amigo para um espaço de tempo, assim como para a eternidade. Conversão é felicidade!
6. Deixe-me agora mostrar, em último lugar, que a conversão pode ser percebida.
Essa é uma parte do assunto que jamais pode ser negligenciada. Teria sido muito melhor para a igreja e para o mundo, se em todas as épocas esse ponto tivesse recebido mais atenção. Milhares, em desgosto, deram as costas para a religião, devido à maldade de muitos que a professavam. Centenas fizeram com que o termo “conversão” afundasse, por causa da forma com que viveram depois de se declararem convertidos. Eles fantasiaram que algumas sensações irregulares e convicções fossem a verdadeira graça de Deus. Eles se imaginaram convertidos, porque seus sentimentos foram despertados. Eles se intitularam convertidos sem o mínimo direito a essa posição honrosa. Tudo isso causou um grande problema e tem causado uma dor particular nos dias de hoje. Nossos tempos exigem uma afirmação muito clara sobre esse princípio: a verdadeira conversão é perceptível.
A forma com que o Espírito trabalha é invisível, é como o vento, como o poder de atração do ímã, como a influência da lua sobre a maré. Existe algo sobre seu trabalho que ultrapassa a visão e o entendimento humano. No entanto, enquanto admito isso com toda certeza, também afirmo que os efeitos da obra do Espírito na conversão sempre são visíveis. Esses efeitos podem ser fracos e frágeis de primeira vista. Ao homem normal, elas podem ser dificílimas de perceber e não serem compreendidas. Mas sempre haverá efeitos, algum fruto sempre será visto onde há conversão. Onde não se pode ver efeito algum, tenha certeza de que ali não há graça. Onde nenhum fruto é encontrado, tenha certeza de que ali não há conversão.
Se alguém me pergunta o que devemos perceber numa verdadeira conversão, respondo: sempre haverá algo a ser visto num homem convertido, sentimentos, condutas, opiniões e vida cotidiana. Você não verá nele a perfeição, mas verá algo peculiar, distinto e diferente de outras pessoas. Você verá nele o ódio ao pecado e o amor a Cristo, seguindo o caminho da santidade, regozijando-se na Bíblia, perseverando na oração. Você o verá arrependido, humilhado, confiante, manso, caridoso, verdadeiro, sóbrio, paciente, reto, honrável e bondoso. Esse será seu alvo, essas são as características que ele buscará, mesmo que ainda fique muito aquém da perfeição. Em alguns convertidos, você verá essas particularidades de forma mais distinta, em outros, nem tanto. Onde há conversão, algo desse tipo será visto.
Não me importo com uma conversão que não traz marcas ou evidências para comprová-la. Devo sempre dizer, “dê-me provas, se devo acreditar que é convertido. Mostre-me sua conversão”, se não puder, não acredite nele. Não vale a pena. Você pode chamar essa doutrina de legalista, se quiser. É muito melhor ser chamado de legalista do que ser antinomiano. Não acredito que o Espírito esteja no coração de um homem, quando nenhum fruto do Espírito pode ser visto em sua vida. Uma conversão que permite que o homem viva no pecado, na mentira, na bebedice e falando palavrões, não é a conversão da Bíblia. É uma conversão falsa, que agradará apenas o diabo e levará o homem que está satisfeito com ela ao inferno, não ao céu.
Que esse último ponto brote em seu coração e jamais seja esquecido. Conversão não é apenas bíblica, real, necessária, possível e feliz, há ainda outra característica, ela é perceptível.
Agora, termino esse papel com alguns apelos claros à consciência de todos aqueles que o lerem. Tentei com todas as forças desvendar e explicar a natureza da conversão. Empenhei-me em mostrá-la em cada ponto. Agora nada me resta, a não ser tentar levar esses pontos ao coração de cada um cujas mãos esse papel cair.
1. Primeiro de tudo, peço a todo leitor que descubra se é convertido. Não estou perguntando sobre outras pessoas. O pagão precisa de conversão, sem dúvida. Os colegas de cela e reformatórios precisam de conversão. Talvez haja pessoas morando próximo a você, que são pecadores professos, descrentes e precisam de conversão. Mas tudo isso vai além da minha pergunta. Você é convertido?
Você é convertido? Responder-me que muitas pessoas são hipócritas e falsos profetas, não é uma resposta. Não é um argumento plausível dizer que há muitos reavivamentos enganosos e conversas simuladas. Tudo isso pode ser verdade, mas o abuso de um ato, não ilegitima seu uso. A circulação de dinheiro sujo não é motivo para que não haja boa moeda. Não importa o que os outros sejam. Você é convertido?
Você é convertido? Não é uma resposta aceitável dizer que você vai à igreja ou à capela e foi batizado e aceito na mesa do Senhor. Tudo isso prova muito pouco, diria até que prova tanto quanto provaria a conversão de Judas Iscariotes, Demas, Simão, o Mago, Ananias e Safira. A pergunta ainda não foi respondida. O seu coração está mudado? Você é realmente convertido?
2. Em segundo lugar, peço a todo leitor desse livro que ainda não for convertido, para que nunca descanse enquanto não for. Apresse-se, acorde e veja o perigo. Liberte sua alma, fuja do castigo que virá. O tempo é curto e a eternidade se aproxima. A vida é incerta e o julgamento é certo. Erga-se e clame por Deus. O trono da graça está diante de você, o Senhor Jesus Cristo ainda está lhe esperando com graça. As promessas do Evangelho são vastas, plenas, íntegras e abertas. A partir de hoje, agarre-as, arrependa-se e creia no Evangelho, arrependa-se e converta-se. Não descanse até que você saiba e sinta que é convertido.
3. Em último lugar, dou uma palavra de exortação a todo leitor que tem motivos para pensar que passou por essa mudança abençoada, falada por mim nesse papel. Você deve se lembrar do tempo em que não era o que é hoje, do tempo na sua vida em que as coisas antigas passaram e tudo se fez novo. A você, também tenho algo a dizer. Permita uma palavra amigável e coloque-a no seu coração.
a. Você acredita ser convertido? Então seja zeloso para acertar com firmeza seu chamado e sua conversão. Não deixe que nada concernente à sua alma imortal fique incerto. Trabalhe para que tenha o Espírito Santo como testemunha da sua alma, de que você é filho de Deus. Devemos ter segurança nesse mundo e vale a pena buscá-la. É ótimo ter esperança, mas ter segurança é melhor ainda.b. Você acredita ser convertido? Então não espere impossibilidades desse mundo. Não suponha que virá o dia em que você não encontrará fraqueza no seu coração, não terá incoerência em suas orações, não haverá distrações durante a leitura bíblica, nem desejos indiferentes na adoração pública a Deus, nenhuma carne para atormentar, nem diabo para tentar, nem ciladas para nos fazer cair. Não espere nada disso. Conversão não é perfeição! Conversão não é céu! O velho homem dentro de você, ainda está vivo, o mundo ao seu redor ainda está cheio de perigos, o diabo não morreu. Lembre-se que um pecador convertido continua sendo um pobre e fraco pecador, necessitado de Cristo a cada dia. Lembre-se disso, e você não ficará desapontado.c. Você acredita ser convertido? Então trabalhe e deseje crescer em graça todos os dias de sua vida. Não olhe para o que ficou pra trás, não se contente com experiências antigas, graça antiga e feitos antigos na religião. “Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo” (I Pe 2:2). Peça ao Senhor para continuar o trabalho de conversão cada vez mais na sua alma e aprofundar as marcas espirituais em você. Leia a Bíblia com mais cuidado, zele por suas orações, atente-se para não ficar preguiçoso e adormecido com sua religião. Há uma grande diferença entre os aspectos mais baixos e mais altos na escola de Cristo. Esforce-se para crescer em conhecimento, fé, esperança, caridade e paciência. Deixe que seu lema seja “A diante, para cima e avante!” até a última hora de vida.d. Você acredita ser convertido? Então mostre o valor que você dá à conversão, através de sua diligência em fazer o bem aos outros. Você acredita realmente que é horrível ser um homem não convertido? Você acredita realmente que a conversão é uma bênção indescritível? Então prove, prove pelo seu esforço constante em promover a conversão de outros. Olhe para sua vizinhança, tenha compaixão para com as pessoas que não são convertidas. Não se contente apenas em fazê-los ir à igreja, focalize na conversão delas a Deus. Fale com elas, leia para elas, ore por elas, levante outras pessoas para ajudá-lo, mas nunca, nunca, se você for um homem convertido, nunca se contente em ir para o céu sozinho!
John Charles Ryle – Nono capítulo do livro “Caminhos Antigos”, publicado em 1878, Evangelical Tracts. Original em inglês: “Conversion” , capitulo do livro “Old Paths”, Projeto Ryle – Anunciando a Verdade Evangélica.