Conhecer e Ser Conhecido

Para que fomos feitos? Para conhecer a Deus. Que alvo devemos estabelecer para nós na vida? Conhecer a Deus. O que é a “vida eterna” dada por Jesus? O conhecimento de Deus. “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17:3).

Qual é a melhor coisa na vida, que traz alegria, prazer e contentamento acima de todas as outras? O conhecimento de Deus. “Assim diz o SENHOR: ‘Não se glorie o sábio em sua sabedoria nem o forte em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o SENHOR” (Jr 9:23, 24a).

Das situações em que Deus vê o homem, qual lhe dá mais prazer? O conhecimento dele. “… quero […] conhecimento de Deus, mais do que holocaustos”, diz Deus (Os 6:6; RA). Dissemos muitas coisas nestas poucas sentenças. O ponto que queremos evidenciar é aquele que aquece o coração de cada cristão, embora o adepto da religião apenas formal não seja afetado por ele (Justamente por este fato evidencia sua condição não-regenerada). O que dissemos proporciona instantaneamente o alicerce, a forma e o alvo de nossa vida, além de um princípio de prioridades e uma escala de valores.

Uma vez que você se convença de que a principal razão de sua estada aqui é conhecer a Deus, muitos dos problemas da vida se enquadrarão devidamente. O mundo está cheio de vítimas do mal devastador que Albert Camus denominou “absurdismo” (“a vida é uma piada sem graça”) e da doença que chamaremos “febre de Maria Antonieta” (“nada tem gosto”), já que foi ela que encontrou essa frase para descrevê-la.

Essas enfermidades prejudicam toda uma vida: tudo de repente se torna um problema e um aborrecimento, porque nada parece valer a pena. Mas os vermes do “absurdismo” e a “febre de Maria Antonieta” são doenças às quais, pela própria natureza, o cristão está imune, exceto por momentos ocasionais de perturbação, quando o poder da tentação deforma-lhe a mente; mas estes, graças a Deus, não duram muito.

O que dá valor à vida é ter um grande objetivo, alguma coisa que prenda nossa imaginação e conserve nossa fidelidade; e isto o cristão tem como ninguém. Pois haverá objetivo mais alto, mais exaltado e mais estimulante que conhecer a Deus?

De outro ponto de vista, entretanto, ainda não dissemos muita coisa. Quando falamos sobre conhecer a Deus, usamos uma fórmula verbal, e as fórmulas são como cheques, não têm nenhum valor a menos que saibamos como sacá-los. Sobre o que falamos ao usar a expressão conhecer a Deus? Sobre certo tipo de emoção? Arrepios na espinha? Um sentimento irreal, como em um sonho? A sensação de entorpecimento e euforia procurada pelos viciados em drogas? Ou conhecer a Deus é um tipo de experiência intelectual? Ouvimos vozes? Temos visões? Pensamentos estranhos começam a passar pela mente? Ou o quê? Estes assuntos devem ser discutidos especialmente porque, segundo as Escrituras, trata-se de uma área na qual é fácil ser enganado, e às vezes se pensa conhecer a Deus quando isso não é verdade. Perguntamos então: que tipo de atividade, ou acontecimento pode ser propriamente descrito como “conhecer a Deus”?

O Que O Conhecimento de Deus Envolve

Logo de início está claro que “conhecer” a Deus é necessariamente um assunto mais complexo que “conhecer” uma pessoa, assim como “conhecer” meu vizinho é mais complexo que “conhecer” uma casa, um livro ou uma língua. Quanto mais complexo o assunto, mais difícil é obter conhecimento sobre ele. Conhecer algo inanimado, como o Ben Nevis ou o Museu Britânico, é possível mediante a inspeção e a exploração. Essas atividades, embora exigentes em termos de esforço concentrado, são relativamente fáceis de descrever.

Quando se trata, porém, de coisas vivas, conhecê-las se torna muito mais complicado. Não se conhece realmente algo vivo enquanto não se souber, além da história passada, como costuma reagir e se comportar em certas circunstâncias. Uma pessoa que diz “Eu conheço este cavalo” normalmente não está indicando apenas que “já o viu antes” (embora possa ter só esse significado). O mais provável, entretanto, é que a pessoa queira dizer: “Conheço o comportamento dele e posso dizer-lhe como deve ser conduzido”. Tal conhecimento só ocorre depois de algum contato anterior com o cavalo, vendo-o em ação e tentando conduzi-lo.

No caso de seres humanos, a situação é mais complicada ainda, porque, diversamente dos cavalos, as pessoas fazem segredo e não mostram aos outros tudo o que lhes vai no coração. Poucos dias são suficientes para conhecer completamente um cavalo, mas você pode passar meses e anos convivendo com outra pessoa e ainda dizer: “Eu realmente não a conheço bem”. Reconhecemos graus de conhecimento acerca de nossos semelhantes; nós os conhecemos “bem”, “não muito bem”, “só nos cumprimentamos”, “intimamente” ou “pelo avesso”, de acordo com o grau de abertura deles para conosco.

Assim, a qualidade e a extensão de nosso conhecimento sobre outras pessoas depende mais delas que de nós. Nosso conhecimento é mais o resultado da permissão para que as conheçamos que de nosso esforço nesse sentido. Quando nos encontramos, devemos dar-lhes nossa atenção e demonstrar interesse, manifestando boa vontade e nos abrindo de maneira amigável. A partir desse ponto, entretanto, são as outras pessoas que decidem se vamos chegar a conhecê-las ou não.

Imagine agora que seremos apresentados a alguém que sentimos ser “superior” a nós, quer em posição, distinção intelectual, habilidade profissional, santidade pessoal quer de outro modo qualquer. Quanto mais consciência tivermos de nossa inferioridade maior será a sensação de que nosso papel é apenas ouvir respeitosamente e deixar que a pessoa tome a iniciativa da conversa.

(Pense em um encontro com a rainha da Inglaterra ou com o presidente do Brasil)

Gostaríamos de conhecer pessoas assim importantes, mas sentimos que isso depende mais da decisão delas que da nossa. Se elas se restringirem ao protocolo, não poderemos reclamar, ainda que fiquemos desapontados, pois, afinal, não tínhamos nenhum direito a sua amizade. Mas se, ao contrário, elas começarem a fazer confidências e a falar francamente o que pensam sobre assuntos comuns, se nos convidarem para algum programa particular que tenham planejado e pedir que estejamos permanentemente disponíveis para esse tipo de colaboração sempre que precisarem de nós, então nos sentiremos tremendamente privilegiados e nossa perspectiva mudará completamente.

Se a vida até então parecia sem importância e monótona, não o será mais, agora que essas grandes personagens nos incluíram entre seus assistentes pessoais. Que grande novidade para transmitir à família – e uma boa razão pela qual viver!

Respeitadas as diferenças, esta é uma ilustração do que significa conhecer a Deus. O poderoso e justo Deus disse por meio de Jeremias: “mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me…”. (Jr 9.24a) – pois conhecer a Deus é um relacionamento capaz de fazer vibrar o coração humano.

O que acontece é que o Criador todo-poderoso, o Senhor dos Exércitos, o grande Deus diante de quem as nações são como uma gota no oceano, se aproxima de você e começa a falar-lhe por meio das palavras e verdades das Sagradas Escrituras. Talvez você já conheça a Bíblia e as verdades cristãs há muito tempo, mas não tenham muito significado. Um dia, porém, você desperta para o fato de que Deus está realmente falando com você – você! – por meio da mensagem bíblica. Enquanto você ouve as palavras de Deus, sente-se cada vez mais diminuído, pois Deus lhe fala sobre seu pecado, sua culpa e sua fraqueza, sua cegueira e sua insensatez e o leva a considerar-se sem esperança e indefeso, e a implorar por perdão.

Mas isto não é tudo. À medida que ouve, você compreende que Deus está realmente lhe abrindo o coração dele, tornando-se seu amigo e aceitando-o como companheiro – segundo a expressão de Barth, um parceiro da aliança. É um fato desconcertante, mas verdadeiro – o relacionamento em que seres humanos pecaminosos conhecem a Deus é tal que Deus, por assim dizer, os aceita como seus assistentes para serem daí por diante seus cooperadores (1 Cor 3:9) e amigos pessoais. O ato divino de tirar José da prisão e torná-lo primeiro ministro do Faraó ilustra o que ele faz com todo cristão: de prisioneiro de Satanás, vê-se transferido a uma posição de confiança a serviço de Deus. Sua vida é transformada imediatamente.

A diferença entre sentir orgulho ou vergonha da condição de servo depende daquele a quem se serve. Muitas pessoas falaram do orgulho de prestar serviços pessoais a sir Winston Churchill na Segunda Guerra Mundial. Quão maior deveria ser o orgulho e a glória de conhecer e servir ao Senhor do céu e da terra!

O que então está contido no ato de conhecer a Deus? Juntando os vários elementos incluídos neste relacionamento, já delineados, podemos dizer que o conhecimento de Deus envolve inicialmente o ato de ouvir a Palavra de Deus e recebê-la de acordo com a interpretação do Espírito Santo ao aplicá-la a nós. Em segundo lugar, prestar atenção à natureza e ao caráter de Deus revelados em sua Palavra e obra; em terceiro lugar, aceitar seu convite e obedecer a suas ordens e, em quarto lugar, reconhecer o amor demonstrado por Deus e alegrar-nos nele. Com isso, o Senhor se aproxima de nós e nos atrai para sua divina companhia.

Conhecer Jesus

A Bíblia complementa essas ideias usando figuras e analogias. Ela nos fala que conhecemos a Deus como o filho conhece seu pai, a esposa seu marido, o súdito seu rei e a ovelha seu pastor (estas são apenas quatro das muitas analogias usadas). Todas mostram a relação em que o conhecedor “procura” aquele que é conhecido, e este se responsabiliza pelo bem-estar daquele. Isto faz parte do conceito bíblico de conhecer a Deus; os que o conhecem – isto é, os que ele permite que o conheçam – são amados e cuidados por ele. Falaremos mais adiante sobre este assunto.

A Bíblia acrescenta, então, outro ponto: só podemos conhecer a Deus deste modo, mediante o conhecimento de Jesus Cristo, que é Deus manifestado na carne: “… não me conhece …? … Quem me vê, vê o Pai”, “Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim” (Jo 14:9, 6). É importante, portanto, que tenhamos bem claro na mente o que significa conhecer Jesus Cristo!

Para os discípulos que conviveram com Jesus, conhecê-lo era diretamente comparável ao conhecimento do grande homem de nossa ilustração. Os discípulos eram simples galileus, sem nenhuma razão especial de interesse por Jesus. Mas Jesus, o mestre que falou com autoridade, o profeta que era mais do que profeta, o Senhor que despertou neles crescente respeito e devoção até que o reconheceram como seu Deus, os encontrou, chamou-os a si, confiou neles e os designou como seus agentes para proclamar ao mundo o Reino de Deus. “Escolheu doze, designando-os apóstolos, para que estivessem com ele, os enviasse a pregar” (Mc 3:14). Eles reconheceram quem os havia escolhido e chamado de amigos como “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16:16), o homem nascido para ser rei, o portador das “palavras de vida eterna” (Jo 6:68). O senso de lealdade e privilégio que este conhecimento trouxe transformou completamente a vida deles.

Quando o Novo Testamento fala que Jesus Cristo ressuscitou, um dos significados desta declaração é que a vítima do Calvário está agora, por assim dizer, livre. Qualquer pessoa, em qualquer lugar pode desfrutar do mesmo tipo de relacionamento com ele que os discípulos tiveram durante o tempo em que viveu entre nós.

As únicas diferenças são estas: primeira, sua presença entre os cristãos não é física, mas espiritual e, portanto, invisível aos olhos físicos. Segunda, baseado no testemunho do Novo Testamento, o cristão, desde o início, sabe as verdades sobre a divindade e o sacrifício de Jesus que os primeiros discípulos foram aprendendo gradualmente no decorrer dos anos. Terceira, Jesus não fala agora conosco mediante palavras novas, mas aplica a nossa consciência suas palavras registradas nos Evangelhos, junto com todo o testemunho bíblico a seu respeito.

Conhecer Jesus permanece uma relação definida de discipulado pessoal, como o foi para os doze quando ele estava na terra. O Jesus que anda pelas histórias do Evangelho também anda com os cristãos agora, e conhecê-lo significa seguir com ele, tanto agora como antes. “As minhas ovelhas ouvem a minha voz”, diz Jesus, “eu as conheço, e elas me seguem” (Jo 10:27). Sua “voz” é sua afirmação, sua promessa e seu chamado: “Eu sou o pão da vida […] a porta das ovelhas […] o bom pastor […] a ressurreição” (Jo 6:35; 10:7, 14; 11:25). “… Aquele que não honra o Filho, também não honra o Pai que o enviou. Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna…”. (Jo 5:23b, 24a). “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim […] e vocês encontrarão descanso…”. (Mt 11:28-29).

A voz de Jesus é “ouvida” quando sua afirmação é reconhecida, quando cremos em sua promessa e respondemos a seu chamado. Desse momento em diante, Jesus passa a ser conhecido como pastor, e os que confiam nele são reconhecidos por ele como suas ovelhas. “[…] eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão” (Jo 10:27-28). Conhecer a Jesus é ser salvo por ele do pecado, da culpa e da morte, nesta vida e na vida futura.

Uma Questão Pessoal

Recordando agora o que foi dito sobre o significado de “que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”, podemos destacar os seguintes pontos:

Primeiro, conhecer a Deus é uma questão pessoal, como acontece com qualquer relacionamento humano. Conhecê-lo é mais que obter conhecimento sobre ele; é relacionar-se com ele enquanto se revela a você; é ser dirigido por ele à medida que toma conhecimento de você. Conhecê-lo é uma precondição para confiar nele (“E como alguém pode ter fé no Senhor se não ouvir falar dele?” [Rm 10:14; VFL]), mas a extensão de nosso conhecimento a seu respeito não pode servir de medida para a profundidade desse conhecimento.

John Owen e João Calvino sabiam mais teologia do que John Bunyan ou Billy Bray, mas quem poderá negar que os últimos conheciam seu Deus tão bem quanto os primeiros? (Os quatro, é claro, eram profundos pesquisadores da Bíblia, o que vale mais que qualquer conhecimento teológico). Se o fator decisivo fosse o conhecimento da doutrina, naturalmente os maiores estudiosos da Bíblia conheceriam a Deus melhor que os outros. Mas não é isso o que acontece; você pode guardar na mente a doutrina correta, sem jamais provar em seu coração suas realidades. O simples leitor da Bíblia e ouvinte de sermões cheio do Espírito Santo desenvolverá um relacionamento mais profundo com seu Deus e Salvador que o estudioso mais erudito que se contenta apenas por estar teologicamente correto. A razão disto é que o primeiro entrará em contato com Deus a respeito da aplicação prática da verdade em sua vida, enquanto o último não terá essa preocupação.

Segundo, conhecer a Deus é uma questão de envolvimento pessoal que abrange a mente, a vontade e os sentimentos. Caso contrário, não seria um relacionamento completo de fato. Para conhecer outra pessoa você precisa envolver-se com seus interesses, procurar sua companhia e estar pronto a se identificar com suas preocupações. Sem isso seu relacionamento com ela será apenas superficial e insípido. “Provem, e vejam como o SENHOR é bom”, diz o salmista (Sl 34:8). “Provar”, como bem sabemos, é “experimentar” um pedaço de alguma coisa com a intenção de apreciar o sabor. Um prato pode parecer delicioso e ser bem recomendado pelo cozinheiro, mas não saberemos suas reais qualidades enquanto não o provarmos.

Do mesmo modo não conheceremos as reais qualidades de alguém enquanto não tivermos “experimentado” sua amizade. Os amigos estão, figuradamente, comunicando sabores um ao outro todo o tempo, seja quando compartilham atitudes (pense nas pessoas que se amam) seja em relação a interesses comuns. À medida que abrem o coração um ao outro, pelo diálogo ou pelas ações, um “prova” as qualidades do outro, na alegria ou na tristeza. Eles se identificaram com as preocupações mútuas, envolvendo-se, portanto, pessoal e emocionalmente nelas. Sentem e pensam um no outro. Trata-se de um aspecto essencial do conhecimento entre amigos, e o mesmo se aplica ao conhecimento do cristão sobre Deus, o qual, como já vimos, é em si mesmo um relacionamento entre amigos.

O lado emocional do conhecimento de Deus tem sido constantemente desestimulado nos últimos tempos, por medo de desenvolver uma introversão piegas. É verdade que não existe nada mais irreligioso que a religião ensimesmada. É preciso salientar constantemente que Deus não existe para nosso conforto, nossa felicidade, nossa satisfação, ou para nos proporcionar “experiências religiosas”, como se isso fosse o mais interessante e importante na vida.

É necessário também destacar que se qualquer pessoa, baseando-se em “experiências religiosas”, disser: ‘”Eu o conheço’, mas não obedece aos seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele” (1 Jo 2:4, 9, 11; 3:6, 11; 4:20). Mas, apesar de tudo isso, não devemos desprezar o fato de que o conhecimento de Deus é uma relação emocional, assim como intelectual e volitiva, e não seria de fato um relacionamento profundo entre duas pessoas se não houvesse emoção.

O cristão é, e deve ser, emocionalmente envolvido nas vitórias e vicissitudes da causa de Deus no mundo, como os auxiliares imediatos de sir Winston Churchill estavam envolvidos com as oscilações da guerra. O cristão se alegra quando Deus é honrado e vindicado e sente profunda angústia quando o vê escarnecido. Quando Barnabé chegou a Antioquia “vendo a graça de Deus, ficou alegre” (At 11:23), ao contrário do salmista, que escreveu “Rios de lágrimas correm dos meus olhos, porque a tua lei não é obedecida” (Sl 119:136). Do mesmo modo, o cristão sente vergonha e tristeza quando se convence de ter negado seu Senhor (Sl 51 e Lc 22:61-62), e de tempos em tempos conhece enlevos de alegria quando Deus de alguma maneira lhe faz sentir a glória do seu eterno amor com o qual tem sido amado (“vocês estão cheios de uma alegria radiante que não pode ser descrita com palavras”, l Pe 1:8; VFL).

Este é o lado emocional e experimental da amizade com Deus. Por mais verdadeiros que sejam os pensamentos do ser humano sobre Deus, se ele ignorar essa parte emocional, na realidade, não conhece o Deus que lhe ocupa a mente. Em terceiro lugar, conhecer a Deus é uma questão de graça. Trata-se de um relacionamento cuja iniciativa pertence completamente a Deus – como deve ser mesmo, pelo fato de ele estar tão acima de nós e de termos perdido totalmente qualquer direito a seu favor por causa de nossos pecados. Nós não fazemos amizade com Deus; ele se torna nosso amigo levando-nos a conhecê-lo e tornando seu amor conhecido por nós. Paulo expressa esta ideia da prioridade da graça em nosso conhecimento de Deus quando escreve aos gálatas: “Mas agora, conhecendo a Deus, ou melhor, sendo por ele conhecidos” (Gl 4:9). O que transparece nesta frase é a compreensão por parte do apóstolo de que a graça veio primeiro e permanece fundamental na salvação dos leitores dele.

O conhecimento de Deus era consequência de ter Deus tomado conhecimento deles. Eles o conhecem pela fé porque ele os havia escolhido primeiro pela graça. “Conhecer”, quando usada em relação a Deus, é uma palavra da graça soberana e mostra que ele tomou a iniciativa de amar, escolher, redimir, chamar e preservar. Que Deus está perfeitamente consciente a nosso respeito, “conhecendo-nos pelo avesso” por assim dizer, é com certeza parte do significado, como se vê pelo contraste entre nosso conhecimento incipiente de Deus e seu perfeito conhecimento sobre nós em 1 Coríntios 13:2; mas não é o significado principal, pois este realmente surge nas passagens que se seguem: O SENHOR disse a Moisés […] porque tenho me agradado de você e o conheço pelo nome (Ex 33:17).

Antes de formá-lo [Jeremias] no ventre eu o escolhi; antes de você nascer, eu o separei (Jr 1:5). Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem […] e dou a minha vida pelas ovelhas […] As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço […] jamais perecerão (Jo 10:14-15, 27-28). Aqui o conhecimento de Deus sobre os seus está associado ao propósito da graça salvadora. É um conhecimento que implica afeição pessoal, ação redentora, fidelidade à aliança e proteção providencial para os conhecidos de Deus. Em outras palavras, isto implica salvação, agora e para sempre, como já aludimos anteriormente.

Ser Conhecido

Portanto, o que importa realmente, em última análise, não é o fato de que conheço a Deus, mas uma ideia muito mais ampla está subentendida – o fato de que ele me conhece. Estou gravado nas palmas de sua mão, e nunca estou longe de seu pensamento. Todo o meu conhecimento dele depende de sua iniciativa contínua de me conhecer. Eu o conheço porque ele me conheceu primeiro e continua a fazê-lo. Ele me conhece como amigo – alguém que me ama muito e cujos olhos e atenção jamais se afastam de mim. Por nenhum momento seu cuidado me faltará.

Estamos falando de um conhecimento significativo. Há um conforto indescritível – o tipo de conforto que nos estimula, seja dito, e não debilita – em saber que Deus está constantemente atento a mim com amor, e velando por mim para meu benefício. Há um alívio tremendo em saber que seu amor é profundamente realista. Cada ponto baseia-se no conhecimento prévio do que há de pior sobre mim, de modo que agora nada pode desapontá-lo a meu respeito – como acontece muitas vezes comigo, pois estou sempre me desiludindo sobre mim mesmo – nem extinguir sua determinação de me abençoar.Há, certamente, grande motivo de humilhação em pensar que ele vê tudo o que há de errado em mim que outros não veem (e isto me alegra!), e que ele vê mais corrupção do que eu mesmo vejo em mim (o que, em sã consciência, é bastante). Há, entretanto, igualmente um grande incentivo para adorar e amar a Deus porque, por alguma razão insondável, ele me quer por amigo, e quer ser meu amigo, pois entregou seu Filho para morrer por mim a fim de cumprir esse propósito.

Não podemos desenvolver essas ideias aqui, mas sua simples menção já basta para mostrar como é importante saber não apenas que conhecemos a Deus, mas que ele nos conhece.

James Innell Packer – Extraído de “O Conhecimento de Deus”