“Dai graças ao Senhor, porque ele é bom; porque a sua benignidade dura para sempre” (Sl 107:1), assim escreveu o salmista há muitos séculos. Antes de podermos fazer isso de forma inteligente, é necessário estabelecer algum padrão pessoal de avaliação. Tentaremos fazer isso examinando três incidentes na vida do Senhor Jesus. Em cada um desses casos, a extrema atividade mental foi acompanhada de uma reação física.
Lágrimas em Jerusalém
O Senhor, montado em um jumentinho, conduziu uma multidão de pessoas em direção à cidade de Jerusalém. Ao se aproximar da capital, Ele parou e olhou para ela. Ao contemplar a cena, Sua mente deve ter se lembrado da primeira vez em que, quando era um menino de doze anos, teve consciência da grandeza do povo que considerava essa cidade o centro unificador de sua raça. Ele provavelmente revisou a história daquele povo: Moisés e os Dez Mandamentos, Davi e as conquistas militares, Salomão e a majestade e a sabedoria de seu Deus.
O Senhor Jesus esteve entre esse povo por mais de três anos. Durante esse período, Ele havia pesquisado as profundezas de suas almas e, ao fazer isso, ao contemplá-las, Ele as amou.
Ao se aproximar da cidade naquele dia, Seu olhar provavelmente se voltou do centro da cidade para o lado mais distante e, por fim, para a montanha além do Portão do Norte. Ali, Seus olhos pousariam sobre a colina chamada Calvário. Sem dúvida, quando se fixaram ali, Ele chorou sobre a cidade e disse:
“Se tu conhecesses, ao menos tu, neste teu dia, as coisas que pertencem à tua paz, mas agora estão ocultas aos teus olhos. Porque dias virão sobre ti, em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te apertarão de todos os lados, e te derribarão até à terra, e a teus filhos dentro de ti; e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo da tua visitação” (Lc 19:41-44).
Quem, em algum momento, não olhou para uma pessoa e viu nela um enorme potencial para o bem e, consequentemente, amou esse homem, apenas para descobrir, ao examinar mais de perto, que seu objetivo na vida não incluía Deus, como viemos a conhecê-Lo em Jesus Cristo? Que sentimento vazio essa experiência produz no coração, um sentimento de perda! No entanto, com esse sentimento de perda e sua recorrência, maior é o grau de amor que se tem por Ele. O Senhor teve o mesmo sentimento. Seu poder de analisar as pessoas e avaliar seu potencial resultou em tal amor que, quando elas O rejeitaram, a reação foi um sofrimento tão intenso que Ele chorou.
Lágrimas em Betânia
O Senhor parou fora da cidade de Betânia e esperou por Maria, a quem chamou. João relata que “Quando Maria chegou ao lugar onde Jesus estava, e o viu, prostrou-se a seus pés, dizendo-lhe: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Jesus, pois, vendo-a chorar, e chorando também os judeus que com ela vinham, gemeu em espírito, e perturbou-se, e disse: Onde o pusestes? Disseram-lhe eles: Senhor, vem e vê. Jesus chorou. Disseram então os judeus: Vede como ele o amava! E alguns deles diziam: Não podia este, que abriu os olhos ao cego, fazer com que também este não morresse?” (Jo 11:32-27). Ao fazer essa última pergunta, essas pessoas introduziram o problema: Por que Jesus chorou porque, na verdade, Ele ressuscitou Lázaro dos mortos? Ele chorou porque Maria e Marta, suas amigas, haviam compartilhado a descrença dos outros e não acreditavam que Ele tinha o poder de trazer Lázaro de volta dos mortos. Foi a incredulidade delas que provocou Suas lágrimas.
Quem nunca sentiu a dor de ser mal compreendido e de duvidar de alguém que ama? A quantidade de dor sofrida depende da quantidade de nosso ser interior revelado a esse homem, a expressão do amor que demonstramos a ele. O Senhor sofreu essa mesma dor, pois o ser interior que Ele revelou era tão grande em caráter e o amor era tão pleno que, quando não acreditaram Nele, Ele chorou; não obstante, pouco depois Ele realizou o que eles não acreditavam que Ele pudesse fazer.
Amor, tristeza e lágrimas no Getsêmani
Na noite anterior à crucificação, o Senhor atravessou o riacho Cedron e entrou no Jardim do Getsêmani para orar a Deus, Seu Pai. A oração foi registrada por Lucas: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua”. Segue-se este versículo descritivo:
“E, posto em agonia, orava mais intensamente; e o seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue, que caíam sobre a terra” (Lc 22:42-44).
Com toda a humildade, devemos tentar entender essa oração e a agonia que a acompanhou; somos obrigados a entender porque aqui o amor foi manifestado em relação a nós, que fomos criados à imagem de Deus. A extensão desse amor é medida pela dor experimentada ao beber o conteúdo daquele cálice e pela dor que acompanhou as consequências que se seguiram a esse consumo. O conteúdo dessa taça não poderia ser outro senão os pecados do mundo. Para carregar esses pecados, Ele precisava entendê-los e assumir a responsabilidade por sua culpa.
Quem de nós já não olhou para algum ato pecaminoso e pensou nele até que produzisse dor e ocupasse um lugar permanente em nosso subconsciente, de modo que toda vez que pensássemos nesse ato a mesma dor tomasse conta de toda a pessoa?
O Senhor sentiu essa mesma dor e, devido ao fato de que todo pecado era conhecido por Ele, e por causa de Sua absoluta ausência de pecado, Ele suou como se fossem grandes gotas de sangue.
Como consequência natural da ingestão desse cálice, o Senhor seria abandonado por Seu Deus Pai. No Jardim, Ele olhou para frente, para o momento no dia seguinte, quando aquele grito sairia de Seus lábios:
“Eli, Eli, lama sabacthani? Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?”
Quem nunca sentiu a dor da separação de um ente querido a tal ponto que ele se tornou parte de nosso próprio ser? Quem não sentiu essa dor se intensificar ao perceber que teria de enfrentar uma decisão importante em sua vida sem a ajuda daquele ente querido? O Senhor sentiu essa mesma dor, especialmente porque o amor entre o Pai e o Filho era tão grande que o Senhor disse:
“Meu Pai e eu somos um.” (Jo 10:30)
Por terem existido desde a eternidade nesse estado de unidade, essa dor foi intensificada a tal ponto que o Senhor suou como se fossem grandes gotas de sangue no Getsêmani.
Conclusão
É possível tirar algumas conclusões de nosso estudo que formarão a base de um padrão pessoal para a avaliação do amor do Senhor. A primeira conclusão é: O amor, propriamente dito, só pode ser medido em termos de sofrimento mental. Esse sofrimento foi descrito na profecia de Isaías com referência a Cristo como “O trabalho de Sua alma”. O amor que não produz sofrimento é indefinido e, portanto, não pode ser apreciado honestamente. A segunda conclusão é: O sofrimento mental só pode ser avaliado por uma pessoa que tenha passado por uma experiência semelhante em caráter, mas não necessariamente semelhante em intensidade ou grau à experiência que resultou no sofrimento.
Ao compreendermos um pouco mais os sofrimentos de Cristo, podemos nos alegrar com a glória que se seguirá a esses sofrimentos morais. Não podemos compreender o significado dos sofrimentos vicários de Cristo, mas sabemos que, por meio deles, somos curados. Ao considerarmos cada aspecto dos sofrimentos de nosso Santo Senhor, que possamos nos curvar em adoração e honrar a Ele, que é o Amor, a Luz e a Vida personificados.
Bruce Binning, “Escritos dos Irmãos de Plymouth”, 1962.
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