A Última Mensagem de John Bunyan

Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (João 1:13).

Estas palavras dependem das que vem antes, por isto o Salvador as conduz de modo que se as entendam bem. Deste modo temos: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

Então alguns dos seus não o receberam quando Ele veio.

Segundo, outros dos seus O receberam e lhe deram as boas-vindas. Os que não O receberam também não receberam a estes; mas os que O recebem, Ele lhes dá poder para serem filhos de Deus. Agora, para que não se pense que isso seja por sorte ou méritos, Ele disse: “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. Os que não o receberam nasceram somente da carne e do sangue; mas os que O receberam, tem a Deus por Pai, eles recebem a doutrina de Cristo com um forte desejo.

Primeiro, Ele ensinou o que significa “sangue”. Os que creem nascem como um herdeiro para uma herança; são nascidos de Deus; não são da carne; nem da vontade do homem, mas da vontade de Deus; não do sangue – isto é, não por sucessão; não nascido no Reino de Deus pela carne; não porque sou filho de um homem piedoso ou de uma mulher piedosa. Do sangue significa, (Atos 17:26) “E de um só sangue fez toda a geração dos homens”, mas quando aqui diz que “não nasceram do sangue”, ele rechaça todos os privilégios carnais dos quais eles se orgulhavam. Eles, os judeus, se orgulhavam de serem descendência de Abraão. Não, Ele disse, não é pelo sangue; não pense que por ter a Abraão por pai que haverá de nascer de Deus e assim ir ao Reino dos céus.

Segundo, “nem da vontade da carne”. O que entendemos disto? Se tomarmos das inclinações veementes que estão no homem, teremos então a lascívia cumprindo os desejos da carne. Não se deve entender aqui que os homens nascem filhos de Deus por cumprir seus desejos luxuriosos; há de se entender aqui um sentido melhor. Não há somente nos homens carnais uma vontade para o vil, mas há neles, vez por outra, uma vontade de serem salvos também – uma vontade de ir para o céu também. Mas isto não lhe fará, não lhe dará o privilégio das coisas relativas ao Reino de Deus. Desejos naturais para as coisas eternas, não são um argumento que comprove que um homem irá para o céu quando morrer. Eu não sou dos que creem no livre arbítrio, eu o detesto; pois um homem por mais vil que seja desejará alguma vez em sua vida ser salvo somente quando sua vontade for mudada. Ele irá ler alguma coisa ou talvez orará, mas por si só não será suficiente – “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece” (Rm 9:16). Há um querer e um correr, sem embargo é sem propósito. “Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça” (Rm 9:31). Aqui temos a compreensão de como o apóstolo negara que uma maneira virtuosa de viver fosse o caminho para o céu, sina de um homem sem a graça, ainda que tenha dons naturais, não obterá o privilégio de ir para o céu e ser filho de Deus. Ainda que um homem sem a graça tenha a vontade de ser salvo não pode ter esta vontade segundo Deus. A natureza reconhece somente as coisas da natureza; nenhum homem conhece as coisas de Deus se não for através do Espírito de Deus. Se o Espírito de Deus não mora em você, você ficará do lado de fora das portas do céu – “não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. Se fora por nossa vontade, eu desejaria que todos fossem para o céu. Quantos há no mundo que oram por seus filhos e choram por eles, e estão prontos a morrer por eles e isto não os salvará? A vontade de Deus é a regra para tudo; é unicamente por meio de Jesus Cristo, “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

Agora chegamos na parte da doutrina.

Os homens que efetivamente recebem a Cristo, são por isto nascidos de novo. Ele não disse que nasceram por causa disto, disse que nasceram por isto; nascido de Deus, para Deus, e das coisas de Deus, antes receberam a Deus para eterna salvação, “aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Agora se não nasceu de Deus, não o pode ver. Suponha que o Reino de Deus seja isto, não o pode ver antes de ser feito filho de Deus, suponha que seja o Evangelho, não o pode ver antes que seja trazido a um estado de regeneração; crer é a consequência do novo nascimento, “não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

Darei primeiro, uma descrição clara por meio de uma ou duas ilustrações. Um bebê antes de vir ao mundo está em uma prisão escura dentro do ventre de sua mãe; assim é o filho de Deus, antes de nascer de novo está na prisão do pecado, não vê nada do Reino de Deus, por isso se chama novo nascimento. A mesma alma tem uma forma ao amar sua condição carnal, e outra forma quando nasce de novo.

Segundo, assim é a comparação com um nascimento, tendo a semelhança de bebê no ventre de sua mãe, se compara a um homem que se levanta do sepulcro; e ser nascido de novo é ser levantado do sepulcro do pecado – “Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá”. Ser levantado do sepulcro do pecado é ser gerado e nascido.

Há um famoso texto sobre Cristo – “o primogênito dentre os mortos” (Ap 1:5), o primeiro a nascer dentre os mortos, o qual se refere a nossa regeneração – isto é, se nasceu de novo por buscar as coisas de cima, então há uma semelhança entre a ressurreição de Cristo e o novo nascimento; os quais nasceram, foram restaurados do mundo da escuridão, e trazidos do reino deste mundo obscuro ao Reino de Seu Filho amado, e nos fez viver uma nova vida; isto é ser nascido de novo; e o que é nascido do ventre de sua mãe é por meio da ajuda dela; todo o que é nascido de novo o é pelo Espírito de Deus.

Necessito dar algumas consequências de um novo nascimento.

Primeiro de tudo, se sabe, que um bebê chorará tão logo chegue ao mundo. Porque se não há choro, entende-se que ele está morto. Os que são nascidos de Deus, cristãos, se não choram, não tem vida espiritual. Se forem nascidos de Deus, choram; tão logo que são levantados da prisão obscura do pecado, não há nada mais a fazer senão chorar a Deus, “que preciso fazer para ser salvo?”. Tão logo que Deus tocou no carcereiro, ele clama: “que é necessário que eu faça para me salvar?”. Quantos cristãos professos há por aí que nunca clamam? Os negócios não deixam orar, as diversões não deixam orar, mas se nascesse de novo clamariam.

Segundo, não somente é natural que um bebê chore, mas deve também desejar o leite, não pode viver sem ele; então Pedro tem um comprovante verdadeiro de um recém-nascido; ele deseja o leite não adulterado da Palavra de Deus para que cresça. Se for nascido de Deus há de manifestar o desejo pelo leite espiritual de Deus. Deseja o leite das promessas? Um homem vive de uma forma quando está no mundo e de outra quando é trazido a Jesus Cristo (Is 66:11): “Para que mameis, e vos farteis dos peitos das suas consolações”.

Se for nascido de novo, não há nada que o satisfaça até que o leite da Palavra de Deus chegue a sua alma. (Is 66:11) “Para que mameis, e vos farteis dos peitos das suas consolações”. Que é uma promessa para um homem carnal? Uma casa de prostitutas é mais doce para ele; mas se é nascido de Deus não pode viver sem o leite da Palavra de Deus. Que é o leite materno para um cavalo? Mas que é para uma mulher? Dá consolo noite e dia, dá socorro noite e dia. E que coisa lamentável é os que resistem a isso. Fazer caso das coisas celestiais, diz o homem carnal, é vaidade; mas para um filho de Deus, este é o seu consolo.

Terceiro, um recém-nascido não tem outras formas de mantê-lo aquecido além das que tinha dentro do ventre de sua mãe, senão morreria. Há de ter algo para mantê-lo vivo; Cristo tem consolo preparado por Ele; assim os que são nascidos de novo hão de ter alguma promessa d’Ele para manter-se vivos.

Os que estão em um estado carnal, se consolam, se aquecem com outras coisas; mas os que são nascidos de novo não podem viver sem alguma promessa de Cristo para manter-se vivos.

E quando as mulheres estão esperando seus bebês, que coisas tão finas elas preparam! E coisas tão finas Cristo tem preparado para envolver todos os que são nascidos de novo! Para que todos os que são nascidos de novo sejam envolvidos de ouro! As mulheres vestem seus filhos para que todos vejam o quão bonitos estão, assim é em Ezequiel 16:11, “E te enfeitei com adornos, e te pus braceletes nas mãos e um colar ao redor do teu pescoço. E te pus um pendente na testa, e brincos nas orelhas, e uma coroa de glória na cabeça”. E Ele disse no versículo 13, “e foste próspera, até chegares a realeza”. Isto não é um modo de fixar nenhuma meta sem a justiça de Cristo.

Quarto, um filho quando está sob os cuidados de sua mãe ela terá prazer em ter o que será para consolo do seu filho; assim é com os filhos de Deus, são mantidos sob seus cuidados; “Para que mameis, e vos farteis dos peitos das suas consolações”. versículo 13: “Como alguém a quem consola sua mãe, assim eu vos consolarei”; Há uma ilustração sobre estas coisas que somente os que são nascidos de novo reconhecem.

Quinto, normalmente há algo de semelhante entre um pai e seu filho; talvez o menino se pareça com seu pai, assim os que são nascidos de novo tem alguma semelhança, tem a imagem de Cristo (Gl 4) cada um que nasce de Deus tem algo das feições do céu sobre ele. Normalmente homens amam seus filhos que se parecem mais com eles; assim é Deus com seus filhos; por isso se chamam filhos de Deus. Mas outros não se parecem com Ele por isso se chamam filhos do diabo. Cristo descreve os filhos do diabo por suas feições; os filhos do diabo tem suas obras; todas as obras de injustiça são obras do diabo. Se você é terreno leva a imagem do que é terreno; se é celestial leva a imagem do que é celestial.

Sexto, quando um homem tem um filho o educa segundo seus padrões, o ensino dos costumes da casa de seu pai; assim é com os que são nascidos de Deus; tem aprendido os costumes da verdadeira Igreja de Deus, ali tem aprendido a clamar, (meu Pai e meu Deus!); eles se criam assim na casa de Deus; aprendem o método e a forma na casa de Deus para ajustar sua vida neste mundo.

Sétimo, filhos, é natural para eles depender de seus pais para tudo o que desejarem. Se eles querem um par de sapatos, vão até ele e dizem; se querem pão, vão até ele e dizem; assim devem fazer os filhos de Deus. Quer o poder da graça? Peça a Deus. Quer poder para resistir as tentações do diabo? Peça a Deus. Quando o diabo o tentar, diga isso ao Pai celestial, derrame suas queixas diante de Deus. Isto é natural para os filhos de Deus; se alguém lhe faz mal, eles vão e dizem isso ao seu pai; assim é com os que são nascidos de Deus, quando enfrentam tentações vão e dizem a Deus.

A primeira aplicação disto tudo é que se examine para ver se é nascido de Deus ou não. Examine-se segundo o que é estabelecido para um filho natural e um filho da graça. Foi trazido da prisão obscura deste mundo a Cristo? Tem aprendido a clamar, “meu Pai”? (Jr 3:19), “Tu me chamarás meu pai”. Todos os filhos de Deus clamam. Você pode sossegar sem estar plenamente satisfeito com o leite da Palavra de Deus? Rogo que considere e que seja sincero consigo mesmo. Se não tem estas marcas, não é do Reino de Deus, nunca terá parte ali, ali não poderá entrar às escondidas. Eles dirão: “Senhor, Senhor, abre-nos. E ele, respondendo, disse: Em verdade vos digo que vos não conheço”. Não será filho de Deus, e não terá nenhuma herança celestial.

Às vezes damos de presente algo aos que não são nossos filhos, mas não nossos filhos terrenos. Não se dá uma porção entre os filhos se não vivem como filhos. Quando vemos a um filho do rei zombar de um mendigo pensamos que isto não é correto; assim se você é filho do Rei, viva como um filho do Rei. Se foi ressuscitado com Cristo busque as coisas de cima e não as de baixo. Quando se reúnem falam do que foi prometido pelo Pai; devem amar a vontade de seu Pai e estar felizes e contentes com as coisas que enfrentam neste mundo. Se forem filhos de Deus, vivem juntos em amor. Se o mundo os combate, não se importem, mas é uma triste coisa combater com as armas carnais. Se há isto entre vocês, é uma marca de criança má, não está de acordo com as regras que tem aprendido na Palavra de Deus.

Vê a alma que tem a imagem de Deus? Amado, por Ele – Cristo – é que haveremos de ir ao céu um dia.

Sirvam uns aos outros; façam o bem uns aos outros; e se alguém fez mal a você, ore para que Deus faça justiça e ame os seus irmãos.

Por último, se são filhos de Deus, aprendam esta lição: “cingindo os lombos do vosso entendimento… Como filhos obedientes, não vos conformando com as concupiscências que antes havia em vossa ignorância; Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver”; considera que Deus é o seu Pai; e deseja que isto o leve a viver como filho de Deus, para que olhe a seu Pai em sua face com consolo todos os dias nesta vida.

John Bunyan – Pregado em 19 de agosto de 1688.

Fonte: Providence Baptist Ministries